Uma referência notável, que nos chega da Antiguidade, é Solino (Gaius Julius Solinus), romano que viveu no Séc. III, e que no seu livro "De mirabilibus mundi" (ou "Polistória") faz estas considerações (tradução em inglês de Arwen Apps, em 2011), acerca das Hespérides:
§ 56.10 The Atlantic Sea having been investigated all the way to the West, Juba also pays heed to the Gorgon Islands. The Gorgon Islands, as we understand, are opposite the promontory which we call Hesperu ceras. Gorgon monsters inhabit them, and truly this monstrous clan lives there still. Finally, Xenophon of Lampsacus asserts that Hanno, the Punic general, passed through these islands. Women were found swift as birds; out of all those they saw, two were captured, so hairy and rough of body that Hanno, for remembrance of the occurrence, hung up their two skins in the temple of Juno, where they remained until the time of the destruction of Carthage.
Above the Gorgons are the Islands of the Hesperides, which are, as Sebosus affirms, withdrawn 40 days' sail into the inmost gulf of the sea.
We accept that the Fortunate Islands lie, without doubt, over against the left side of Mauretania; Juba says they are situated under the South, but next to the West. I do not wonder that something great should be anticipated on account of the name, but the truth is not equal to the fame of the appellation. On the first island, which is called Embrion, there are no buildings, nor has there been. Reeds there grow to the size of trees. Black ones of these, when squeezed give forth the most bitter liquid; white ones spew out water suitable for drinking. They say that there is another island called Iunonia, on which there is a little temple, with a low pointed roof. The third is close by, and has the same name; all of it is bare. The fourth is called Capraria, and is crowded beyond all measure with huge lizards. Nivaria follows. It has thick, cloudy air; therefore, it is always snowy. Then there is Canaria, replete with dogs of most distinguished form. Two of these were even presented to King Juba. On this island, traces of buildings remain. There are great numbers of birds here, fruit-bearing forests, palm-groves bearing caryotae, many pine-nuts, plentiful honey, and rivers abundant in silura fish. It is also held that the wavy sea spits out sea monsters on to the shores of this island. When the monsters are decomposing into putrefaction, everything there is imbued with a foul reek: for this reason, the nature of the islands does not wholly agree with their nomination.
Sublinhámos aqui a referência de Solino, que afirma que as ilhas Hespérides estavam a 40 dias de vela, indo na direcção do golfo do mar (oceano Atlântico), partindo das Gorgónas, que seriam as ilhas de Cabo Verde.
De facto, a Colombo bastaram apenas 5 semanas de navegação (36 dias), partindo das Canárias (Gomera) a 6 de Setembro e chegando às Bahamas a 11 de Outubro de 1492. Aliás, demorou quase tanto tempo a chegar de Espanha às Canárias (um mês), quanto daí até às Bahamas.
Portanto, a estimativa que Solino atribui a Seboso (Statius Sebosus) era correcta, e conhecida dos leitores destes livros da Antiguidade.
Fernão Dulmo e João Afonso do Estreito
Surge este assunto por referência de Thomaz Marcondes de Souza à viagem de Fernão do Dulmo e João Afonso do Estreito, no Capítulo IV do seu livro "Descoberta do Brasil", que ele descarta como tendo conseguido atingir a América.
Apesar de mencionar Solino, Thomaz de Souza considera que o romano se referia a uma direcção para Leste, visando o golfo da Guiné... e isto é suficientemente absurdo, porque Hespérides eram sinónimo de Ocidente, de Oeste, e não de Leste. Uma parte dos argumentos de Souza, contra viagens portuguesas à América, antes de Cabral, estavam expostas antes no livro:
- Samuel E. Morison, "Portuguese Voyages to America in the Fifteenth Century" Cambridge 1940.
No entanto, nesse mesmo livro de Morison é referido o livro do filho de Colombo, que diz que o pai ficou preocupado com a carta de concessão de D. João II a Fernão Dulmo, porque aí se referiam 40 dias, os mesmos 40 dias que estavam no livro de Solino. Assim, logo no mês seguinte apresentou o seu plano à corte dos reis católicos, em Espanha.
O trecho da concessão de D. João II está citado por Souza, e citamos o início:
Dom Joham, etc. A quamtos esta nossa carta virem fazemos saber que vimos huum estormento, contrauto e doaçam, feito amtre Fernam Dulmo e Joham Afomso do Estreito, morador na ylha da Madeyra, do qual ho theor de verbo a verbo tal he, como se ao diamte, se adiante (sic) segue. Em nome de Deus amem. Saibam os que este estormento de comtrauto virem, que no anno do naçimento de nosso Senhor Jesu Christo de mil iiijc bj (1486) annos, doze dias de Julho, na cidade de Lixboa, no paço dos taballiaens, pareçeo hy Fernam Dulmo, cavalleiro da casa dei Rey nosso senhor, e capitam na ylha Terçeira, que ora vay por capitam a descobrir a ilha das Sete Cidades per mandado del Rey nosso senhor; e outrosy pareçeo Joham Afomso do Estreito, morador da ylha da Madeira, na parte do Fumchal. (...)
E, no dia que ambos partirem da dita ylha Terçeira, o dito Fernam Dulmo fara seu caminho per homde lhe aprouver atee corenta dias primeiros seguimtes, e o dito Joham Afomso seguira com a dita carabella, de que asy for capitam, a rota e caminho que o dito Fernam Dulmo fezer e seguirá seu forol, segumdo o regimento que lhe o dito Fernam Dulmo deer per escripto; e, tamto que pasarem os ditos corenta dias, o dito Fernam Dulmo nam levara mais forol, nem mandara fazer caminho pera nenhuma parte, mas amtes seguira e fara seu caminho e rrota per homde ho dito. Joham Afomso requerer, sem outra contradiçam alguua, com sua caravella e companha, e seguirá o forol do dito Joham Afomso, e comprira em todo seu regimento como de capitam primçipal atee elle Joham Afomso tornar pera Portugal", etc., etc
A designação do território era a lendária Ilha das Sete Cidades, ou seja, claramente uma referência a uma viagem destinada a Ocidente, conforme a lenda que vinha do Séc. VIII, ou ainda antes.
A menção aos 40 (corenta) dias, tal como Colombo supôs, fazia entender a referência a Solino, e devemos ter em conta que o território seria até já achado, conforme diz o texto pelo meio:
(...) fazemos saber que Fernam Dulmo, cavalleiro e capitam na ylha Terçeira por o duque Dom Manuel, meu muito preçado e amado primo, veo ora a nós, e nos disse como ele nos queria dar achada huma gramde ylha ou ylhas ou terra firme per costa, que se presume seer a ylha das Sete Cidades, e esto todo aa sua propia custa e despesa, e que nos pedia que lhe fezesemos merçee e real doaçam _da dita ylha ou ylhas ou terra firme, que elle asy descobrise ou achase ou outrem per seu mamdado, e asy lhe fezessemos merçee de toda a justiça (...)
O que estava em causa, na carta de doação, é que o rei lhe concedia o território. Esta carta de doação tinha já sido analisada por outros, e Souza refere-os: "Faustino da Fonseca, Joaquim Bensaúde e mais alguns historiadores portugueses, são de opinião que Dulmo e Estreito não iam apenas tentar descobrir ilhas no então Mar Oceano, mas sim tomar posse de terra firme, de uma região continental ao ocidente dos Açores, isto é, de um trecho do litoral americano."
Com efeito, não há apenas um plano de navegação, Dulmo deu por achada uma "grande ilha", que poderia ser "terra firme", e que ele presumia ser a das Sete Cidades... e basicamente a nova exploração que Dulmo pretendia fazer com João Afonso do Estreito, teria que ver com essa confirmação.
Joaquim Bensaúde diz que o plano de Dulmo e Estreito era o mesmo que depois Colombo seguiu, simplesmente não pensavam chegar à Índia, conforme alucinara Colombo. Faz-se ainda referência a que Martin Behaim poderia ser o promotor do plano português.
Thomaz contesta, e citando um italiano, vai ao ponto de dizer que os açorianos não tinham capacidade de navegar além das ilhotas circundantes aos Açores:
Carlo Errera, erudito historiador italiano inumeras vezes citado na "Historia da Colonização Portuguesa do Brasil", portanto acima de qualquer suspeita, diz que os navegantes portugueses que partiram dos Açores em viagem de descobertas, não se afastaram muito, mas apenas tentaram o encontro de ilhas imaginarias ou de ilhotas pertencentes ao arquipelago em que viviam, jamais visando uma rota continua em direção ao poente com o escopo de desvendar o grande enigma do então Mar Tenebroso, à semelhança do que propusera e fizera Colombo.
Presume-se aqui que este italiano acreditaria num teletransporte de Portugal para os Açores... porque se trata da mesma distância dos Açores à Terra Nova.
É apenas óbvio que os italianos defendiam Colombo como primeiro descobridor da América, e contavam para isso com o apoio dos muitos emigrantes italianos, radicados na América, no Brasil, e especialmente, com a forte vontade maçónica de nunca reconhecer outra história que não a oficial, que em grande parte tinham ditado, reabilitando o nome de Colombo, que andava pelas ruas da amargura, antes do Séc. XVIII... porque afinal de contas, convém não esquecer que a América não era a Índia.
O regime do Estado Novo, estava ainda no seu apogeu, mas depois disso, após a entrada na CEE, nem portugueses haveria com vontade de defender a prioridade das descobertas portuguesas, mesmo que os documentos apontassem nesse sentido... e pior que isso, mesmo que o bom senso levasse a essa conclusão.