Voltando a coches, e à citação do Museu dos Coches (em resposta a pergunta de João Ribeiro):
(iii) Suécia - Tossene (petróglifo)
(iv) Itália - Capo di Ponte (petróglifo)
Portanto aqui não restam muitas dúvidas que o uso de carroças vai a um tempo que pode ir da Idade do Bronze ao Neolítico (ou mesmo Mesolítico, circa 4000 a. C.).
Carro ou Quarro, Quadrigas
Um acontecimento dramático que marcou o fim da Idade do Bronze foi justamente a Guerra de Tróia e eventos seguintes (como a Batalha de Kadesh).
Carroça de rainhas
Ainda mais explicitamente, num manuscrito do Séc. XIV (c. 1325-35) aparece uma carroça, carruagem ou caravana, razoavelmente longa, e onde se passearia a corte real, desfilando perante a população. O manuscrito é inglês, de East Anglia, denominado Lutrell Psalter.
Há ainda outros exemplos, como na Cosmografia Scotti (que já foi aqui mencionada), onde se pode ver uma Balista montada sobre uma carroça, mas de um modo geral podem ser consideradas raras as ilustrações com carros de 4 rodas, na época medieval.
Reinvenção da Roda
"A invenção e uso das carruagens não é de muito antiga data na Europa. A primeira viatura desta espécie, que talvez apareceu em Paris, foi o carro que em 1457 ofereceu à rainha de França o embaixador de Ladislau V, rei de Boémia e Hungria - país que parece ter sido o berço daquela descoberta sumptuária."
Antes que me vá esquecendo, e apesar de ter referido algumas coisas nos comentários, não poderia deixar de aqui colocar algumas imagens significativas, que indicam precisamente o contrário.
É claro que a questão não é a existência de quadrigas, que estão extensivamente ilustradas em desenhos da Antiguidade, de egípcios a gregos e romanos. A única questão que se levanta, e de forma despropositadamente absurda, é sobre o uso antigo de carros com 4 rodas.
(i) Dinamarca - Trundholm (carro solar)
O primeiro exemplo que apresentamos é o de um objecto de bronze, bem conhecido, encontrado na Dinamarca (em 1902), representando o que é entendido como um "carro solar". A sua datação, estimada pelo museu nacional dinamarquês, é 1400 a.C.
Carro solar de Trundholm (circa 1400 a.C.)
O curioso neste caso é que neste caso há mesmo 6 rodas, e não apenas 4.
Sendo um objecto simbólico, o cavalo aparece colocado em cima das rodas e não a puxá-las, mas a presença do cavalo indicia justamente o seu apropriado uso para a locomoção do carro.
(ii) Alemanha - Acholshausen (carro alegórico)
Um outro exemplo de representação de um carro alegórico de bronze, foi encontrado num túmulo de pedra na Alemanha, em Acholshausen, num excelente estado de conservação.
Carro alegórico - Acholshausen (circa 1000 a.C.)
Estes dois exemplos, sendo da Idade do Bronze, não permitem concluir que os carros de quatro rodas fossem usados para fins práticos. Claro que aqui se poderia argumentar que se tratam apenas de objectos ornamentais, porque quando não se quer ver, basta fechar os olhos.
Ainda no norte da Europa, há na Suécia, na municipalidade de Sotenäs (em Tossene), inscrições gravadas na rocha com desenhos rudimentares, mas ilustrativos. Estes desenhos estão datados como pertencentes à Idade do Bronze, e podemos supor anteriores a 500 a.C. Nesses petróglifos é mais comum a representação de barcos, mas encontra-se ainda uma inscrição que explicita bem um veículo de 4 rodas, um carro que seria puxado por animais, provavelmente cavalos.
Petróglifo com esboço de um carro em Tossene-Sotenäs (Suécia, Idade do Bronze)
(iv) Itália - Capo di Ponte (petróglifo)
O último exemplo que trazemos, é já em Itália, na região de Capo di Ponte, em Val Camonica, uma região conhecida por ter o maior conjunto de petróglifos conhecidos. Estas inscrições estão datadas desde o Neolítico até à Idade do Bronze.
Neste caso, no parque de Naquane, vemos uma carroça de 4 rodas puxada por dois animais, provavelmente dois cavalos.
Petróglifo com uma carroça em Naquane, Val Camonica (Itália, Idade do Bronze)
Portanto aqui não restam muitas dúvidas que o uso de carroças vai a um tempo que pode ir da Idade do Bronze ao Neolítico (ou mesmo Mesolítico, circa 4000 a. C.).
Carro ou Quarro, Quadrigas
Ora o que se tornou depois popular na época greco-romana foi o uso de quadrigas.
Ou seja, deixaram-se de usar 4 rodas, passou a usar-se um carro com 2 rodas puxado por 4 cavalos.
O uso de 4 cavalos para puxar um carro parece exagerado, e se repararmos na inscrição egípcia que tem Ramsés II num carro de guerra, vemos que há apenas 2 cavalos que puxam o carro.
Ramsés é puxado por um carro com 2 cavalos na Batalha de Kadesh.
Um acontecimento dramático que marcou o fim da Idade do Bronze foi justamente a Guerra de Tróia e eventos seguintes (como a Batalha de Kadesh).
Na minha opinião, na origem da nossa palavra "carro" = "ca+ro", estão as sílabas "ca" e "ro", e isso pode não ser acidental, já que "ro" se associa bem a roda e "ca" a quatro. Ou seja, quando falávamos em carro isso significaria justamente uma identificação a quatro rodas.
Aliás podemos escrever quatorze ou catorze, e portanto a escrita "qua" muito se destinou a esconder a origem "ca", passando a pronunciar-se o "u", numa provável deturpação da palavra original.
Ora, nesta suposição, foi decidido manter o número 4 como número de cavalos a puxar a quadriga, por referência às quatro rodas, ao mesmo tempo que praticamente não restaram nenhumas representações artísticas de carroças com 4 rodas, vindas do tempo greco-romano.
Isso não teria sido acidental, foi praticamente uma decisão de regime que se impôs a partir da Idade do Ferro, mesmo que se saiba que os romanos usaram o carpentum (conforme referimos), mas dessas carroças não restou nenhuma inscrição ou pintura.
Carroça no Duque de Berry
No bem conhecido livro de horas do Duque de Berry (c. 1412) vemos alguns carros usados pelos camponeses e de facto parece que em época medieval os carros de duas rodas eram os mais comuns.
Porém, se repararmos no carro solar, que aparece no topo da imagem, a azul, o que vemos é uma divindade conduzindo uma clássica carroça de 4 rodas, puxada por cavalos alados.
Trés riches heures du duc de Berry - mês de Setembro. À direita, zoom onde se vê a "carroça solar".
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Ainda mais explicitamente, num manuscrito do Séc. XIV (c. 1325-35) aparece uma carroça, carruagem ou caravana, razoavelmente longa, e onde se passearia a corte real, desfilando perante a população. O manuscrito é inglês, de East Anglia, denominado Lutrell Psalter.
Lutrell Psalter - manuscrito ilustrando uma carroça real. (East Anglia, c. 1325-35)
Há ainda outros exemplos, como na Cosmografia Scotti (que já foi aqui mencionada), onde se pode ver uma Balista montada sobre uma carroça, mas de um modo geral podem ser consideradas raras as ilustrações com carros de 4 rodas, na época medieval.
Reinvenção da Roda
É claro que podemos distinguir entre uma carroça e um coche, em termos do seu aspecto e do sistema de suspensão. Digamos que o carpentum romano seria uma carroça (carruagem ou caravana), enquanto que o coche apresentava uma suspensão da cabine, mais cómoda para os passageiros, especialmente em estradas ou caminhos em más condições.
Depois, a questão da definição particular, é apenas uma menção burocrática.
Interessa, isso sim, que o uso da roda para locomoção terá decaído significativamente com a degradação e completo abandono em que foram deixadas as vias romanas, após as invasões bárbaras, conforme mencionámos há bastante tempo.
Sem essa infra-estrutura, a locomoção rodoviária, tornou-se mais problemática, e podemos quase falar numa reinvenção da roda, quando no Séc. XV voltamos a ter um uso descomprometido dos meios de locomoção.
Não foi apenas a navegação que sofreu um impulso com o início das explorações marítimas.
Também no solo, e para efeitos de maior progresso industrioso e comercial, passou a ser necessário ter as vias terrestres melhor cuidadas, e prontas para o transporte em carros e carroças.
Por isso, quando o Museu dos Coches insiste na absurda menção da sua inexistência antes do Séc. XV ou XVI, não está apenas a chamar a si o ridículo... está também a lembrar os tempos que fizeram a civilização humana ficar parada no tempo durante milhares de anos. Até que a roda fosse reinventada, usada sem quaisquer embaraços sociais ou religiosos, e não apenas como símbolo de tortura e morte.
01.05.2019