Há várias representações notáveis de Hércules, muitas delas com uma maça e uma maçã.
Talvez menos conhecido seja o enorme
monumento feito em 1714, em Kassel (Alemanha), exclusivamente dedicado ao herói, em estilo mação.
Hércules surge aí no topo de um edifício maçónico octogonal que termina em forma piramidal, numa pose que é bem mais antiga, chamada
Hércules de Farnese, nome do cardeal que tratou de ficar com a estátua recuperada:
Esta estátua será romana, e provavelmente cópia de uma outra estátua bastante mais antiga, de origem grega.
Em Sevilha, no parque
Alameda de Hércules, feito em 1571, encontram-se duas estátuas, em cima de altas colunas, uma é uma cópia do Hércules de Farnese, e a outra é de Júlio César, tidos como fundadores da cidade.
As duas colunas vieram de Hispalis, a versão romana de Sevilha, havendo duas outras colunas a norte do parque, que já são construção recente, tal como os leões que as encimam, ainda mais recentes, com os escudos de Sevilha e de Espanha.
Em Portugal, apesar de não ser muito divulgado, existe em Alhandra uma coluna com um Hércules que comemora a resistência à invasão napoleónica e vitória nas Linhas de Torres em 1810.
As placas brancas que se vêem na foto eram de bronze e
foram roubadas em 2017, mas a inscrição "
Non Ultra", é uma espécie de "
Não passarão!", significando a disposição das linhas defenderem o avanço das tropas napoleónicas. Refere-se ao mítico "
non plus ultra" que estava nas colunas de Hércules, em Cadiz, proibindo (ou desaconselhando) a navegação além daquele ponto.
Protótipo de super-homem, antes de este ser enunciado por Nietzsche, ou de vestir uma capa com
S no peito, Hércules foi servindo de mito e de pretensiosa auto-comparação como neste caso (figura ao lado), em que Cómodo se auto-retratou nas vestes do herói, numa estátua que é datada de 192 d.C.
Cómodo é o imperador romano, filho de Marco Aurélio, que foi retratado talvez de forma exageradamente perversa no filme
Gladiador, mas que ao que consta teria efectivamente um estranho gosto do combate com gladiadores.
Temos os elementos identificadores de Hércules:
- maça numa mão;
- maçãs na outra;
- cabeça de leão.
Normalmente, a maça na mão direita, as maçãs na esquerda.
As maçãs, de ouro, são as que sacou das Hespérides, no 11º trabalho, enquanto o leão de Nemeia foi o 1º trabalho.
A maça era, desde o início, a arma de eleição do herói.
Noutras representações clássicas, Hércules aparece apenas ligado à maça e à maçã, como na figura ao lado (estátua de bronze no Museu Capitolino, em Roma, Séc II a.C.).
O Hércules ibérico assemelha-se de forma ligeira ao Hércules greco-romano, assim chamado Hércules Tebano. Na realidade na "Monarquia Lusitana" o "
nosso" é chamado Hércules Líbico, pelo facto de vir de África, do Egipto.
É aqui que a "mitologia ibérica" se torna mais interessante, porque associa Hércules a Hórus, filho de Osíris.
Por sua vez Osíris é associado a Júpiter, fazendo assim a associação de Hércules ser filho de Júpiter.
Terem colocado os deuses da mitologia enquanto reis sujeitos ao fado humano já Camões denunciava no Canto IX (91):
Não eram senão prémios que reparte
Por feitos imortais e soberanos
O mundo com os varões, que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
Eneias e Quirino, e os dois Tebanos,
Ceres, Palas e Juno, com Diana,
Todos foram de fraca carne humana
Esta mitologia ibérica, foi completamente destruída com a queda da influência ibérica no mundo, e banida com a ascensão da maçonaria. É certo que teve uma influência de interesse do império espanhol, em criar uma certa mitologia conjunta agradável a lusos e castelhanos, quando as coroas estavam juntas. Mas, o problema é que os escritores antigos, gregos e romanos, e não só Viterbo, falavam do mesmo... ou ainda pior, como se queixava Gaspar Barreiros, era também o povo que atribuía tudo a Hércules.
Em alternativa, historiadores posteriores, foram passando tudo o que puderam para "obra de Trajano", algo que o próprio também terá feito, e não seria novidade de actuação na Antiguidade e depois.
As
Torres de Hércules, em Cadiz, desapareceram igualmente, depois do "
terramoto"
de 1755, e a Torre de Hércules na Corunha, ou o
Arco em Mérida, passaram a ser coisas de Trajano.
Deixo as ligações, porque é escusado falar de novo sobre o assunto.
Homem da maça (versus) homens da massa
Queria
recordar, no entanto, aquela que me parece ser a única estátua antiga de Hércules existente em Portugal, e que é denominada o "
Homem da Maça", e que continua a estar
ao semi-deus dará...
Homem da Maça com o Leão (ou similar) - daqui.
É referido ser medieval e propriedade eclesiástica, mas a
Câmara de Matosinhos também o menciona. Aponta-se polémica de identificação, que só existe, porque está tudo entregue à bicharada, e com isto não me refiro ao "
bicho", e nem sequer se mencionam os argumentos da polémica. Nos tempos que correm, o homem da maçã é Steve Jobs, falando assim da pré-história dos computadores.
Por que razão é óbvio ser Hércules, apesar da ignorância nacional?
Porque antes de ter os dois braços partidos, tinha na mão uma maça e foi assim entendido como Hércules por Pinho Leal, que no seu
Portugal Antigo e Moderno escreve:
CRUZ DO BISPO (Santa) ... Em um sêrro, entre as capellas de Nª Srª do Livramento e de S. Sebastião, se achou uma estátua de pedra, de Hercules, a que o vulgo chama o homem da maça, pela que tem na mão. A seus pés se vê o leão.
Acrescenta ainda que Santa Cruz do Bispo se chamaria Santa Cruz da Maia...
A Câmara de Matosinhos tem o bom senso de pelo menos disponibilizar o único documento credível que a Direcção Geral do Património cita, ou seja
Rocha Peixoto (1908) em Portugália, já que os outros dois são um guia de Portugal e do Porto, de 1985 e 86.
Esperava encontrar uma grande contestação a Pinho Leal, por parte de Peixoto, mas não. É motivado pelo escrito de Pinho Leal, mas diz apenas que em 1908 a estátua já não tem os dois braços, que não lhe parece ser estátua culta nem bárbara, que será rude mas mais trabalhada que outras esculturas dos antigos lusitanos, e que a tradição das meninas agarrarem-se às pedras seria proto-histórica.
Ou seja, uma opinião vulgar, feita por qualquer um com uma certa cultura, e dificilmente comparável a Pinho Leal.
Portanto, a Direcção Geral, que omite Pinho Leal (é claro), andará a basear-se em guias de cidade para decidir a classificação monumental nacional. Qualquer dia passam ao Guia Michelin.
Hércules e César
A colocação de César ao lado de Hércules mítico, em Sevilha, não deixa de ser algo notável, sendo especialmente lisonjeiro para a figura de Júlio César... já que Hércules continuaria a pertencer ao mito e César não era propriamente um local, como era Trajano (nascido em Hispalis).
Porém não é caso único, e surge aqui a sequência deste postal com o anterior:
- O Mosteiro dos Jerónimos.
Na fotografia seguinte sinalizo a vermelho duas figuras que ladeiam a entrada no Mosteiro, bem como uma inscrição que falta no topo superior.
- Quem são? O que lá estava escrito?
É instrutivo dizer que encontrar uma foto desta entrada não é assim tão fácil.
Experimentem procurar... há milhares de fotos do Mosteiro, pois mas são quase todas iguais, da porta principal, que está à direita. Por estranho que pareça, quase ninguém publica a foto da frente!
Só para fazer notar que procuramos... mas a maioria das vezes, nem sequer em frente vemos, vemos onde orientam o olhar!
Bom, as personagens são César e Hércules, conforme em Sevilha!
No topo, onde está a cruz azul, e agora não se lê coisa nenhuma, estava:
Extitit Alcydes gentis dominator iberae,
Froenavit Caesar gallica regna jugo,
Rex pi.os Emmanuel victor supereminet iunges,
Solis adviq. ortum qui tulit imperium.
Que é como quem diz: Existiu Alcides (Hércules) que dominou as gentes ibéricas, César que pôs a Gália sob seu jugo, e depois apareceu aqui o Manel cujo império vai até onde o Sol nasce. A última parte jocosa é apenas porque escapa ao que consigo traduzir, e não encontrei traduzido... mas a ideia não andará longe disso.
O Abade Castro e Sousa (
Descripção do Real mosteiro de Belém, 1840) acrescenta:
E aos lados das ombreiras, sobre umas pequenas janelas, há dois bustos; um de Hércules, e outro de Júlio César, lendo por baixo pintados os seguintes dísticos :
Debaixo do busto de Hércules
Hoc lapide ante fores, depicta Alcydis imago,
Regalis firmum denotai aedis opus.
Do de Júlio César
Caesaris, incisco praesens in marmore vulteis,
Induat augustae limina fausta domus.
Como o Abade achava que todos sabiam latim, não traduziu, mas aproximadamente seria:
Hércules - Esta lápide antes da porta representa a imagem de Alcides. Rei com firme obra edificada
César - A divisa de César pretende estar no mármore. Que os augustos limites favoreçam esta casa.
Pode-se perguntar... por que razão haveriam de apagar aquilo?
Ou ainda... por que razão ninguém pergunta o que está ou falta ali?
Mas esta última pergunta, nem tento responder, cada um saberá. Até aqui também não notei, mas não escrevi sobre os Jerónimos, e ainda assim acho que já me pareceu estranho faltarem legendas.
Quanto à primeira pergunta, responde-se com o que está dentro da Sala do Capítulo.
O problema era simples... antes de Alexandre Herculano, a História de Portugal começava sabe-se lá onde. A maioria dos frades começavam com a Criação, o Dilúvio, etc.
Por vezes, mais abreviadamente, tentavam passar logo a Túbal, mas vinha a sucessão de reis ibéricos (agora proibidos de serem pronunciados ou balbuciados sequer) até à chegada dos fenícios.
Quando o Iluminismo começou a singrar no Séc. XVIII, houve alguns historiadores mais modernaços que queriam começar logo com os Cartagineses, o que era um escândalo para a Igreja.
Os franceses mandavam para aqui tudo o que era instruções da maçonaria para acabar com aquela pouca-vergonha, livros com as versões francesas da História de Portugal, e acabaram mesmo por vir em força com Napoleão... pelo que a presença de Hércules a comemorar a sua derrota é excelente!
Chegamos assim à Guerra Civil entre Miguelistas e Pedreiros, aliás Pedristas, que levou ao completo genocídio cultural e histórico, que foi a extinção das Ordens Religiosas em 1834.
Mata-frades terá sido apenas alcunha de Joaquim António de Aguiar, mas a sua implementação do decreto fez desaparecer da vista milhares de documentos únicos, deixando mosteiros, conventos e igrejas à disposição do saque da população. As perdas foram só semelhantes às do sismo e incêndio (a que chamam Terramoto de 1775), e é claro quem perdeu destas rapinas maçónicas, foi só o povo, porque estava na forja uma outra história.
A historiazinha, que começa nas desavenças entre filho e mãe, ou seja entre D. Afonso Henriques e D. Teresa, e manda tudo o que está para trás disso para o estatuto de "lenda", foi a grande iniciativa de Herculano.
Maçon convicto, recusou algumas honrarias estatais, mas acabou em pompa nos Jerónimos.
A sua actividade histórica é boa, mas também não passa do sofrível, onde Herculano se destaca é na completa intolerância às fontes eclesiásticas.
Passa por fundador da história portuguesa, etc, etc, porque foi esse o refrão que a maçonaria tratou de ensinar aos petizes nas décadas seguintes. Comparado com Frei Bernardo de Brito, o cronista real banido de menção hoje, este merece-me mais simpatia. Porquê? Simples... Brito trouxe-nos perguntas disfarçadas de certezas, enquanto Herculano o que nos trouxe foi uma arca de lixo documental.
Fez escola, porque se chama "ciência" à burocracia documental.
Herculano foi um burocrata, ao serviço de um ideal político, como foram tantos outros na URSS.
É claro que também agradou à nobreza e realeza, porque a história selectiva foi sempre um negócio.
Assim, o nome de Hércules foi banido dos Jerónimos, mas ficou o nome na variante Herculana... nisso, pelo menos a maçonaria parece ter algum sentido de humor negro.
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Comentário Adicional (10.06.2020)
Em dia de Portugal, e porque foi aqui mencionado e não tem o destaque devido, junto na barra lateral uma ligação directa para os 12 volumes da obra Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal. São mais de 7500 páginas, reunindo informação dispersa e interpretação inteligente.
Em prejuízo do seu próprio bem estar, Pinho Leal foi publicando durante onze anos, onze volumes da única obra que conheço (antes e depois) que reúne as histórias de cada cidade, vila e aldeia nacional.
Em suma, procurava reunir uma verdadeira história de Portugal, e é uma das suas melhores fontes.
Morreu em 1884, pelo que o último volume já foi feito pelo Abade de Miragaia.
Camilo Castelo Branco foi fulcral para conseguir a publicação da obra. A wikipedia tem um bom resumo biográfico.
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