No postal da semana anterior mencionámos a lenda de Lohengrin, na sua embarcação em forma de cisne, e por virtude dessa lenda ser colocada em Brabante - antigo ducado da região belga de Bruxelas, deixamos a sequência que iremos seguir na continuação do anterior:
- Âncoras suiças
- Cisne de Lohengrin e Elsa de Brabante
- Cisne de Bolonha (Boulogne-sur-mer) e Bulhão
- Ducado de Brabante, Condado de Bolonha
- Godofredo de Bulhão, Conde D. Henrique
- Ducado da Borgonha
- Infanta D. Isabel e Filipe o Bom
- Ordem do Tosão de Ouro
- Palácio Coudenberg em Bruxelas
- Abdicação de Carlos V em 1555
- 1830 e a invenção belga
Na boa tradição das histórias medievais, como a dos Doze de Inglaterra, em que cavaleiros portugueses partem para Inglaterra para defender a honra de donzelas britânicas em apuros; também Elsa de Brabante, sob falsa acusação de fratricídio, sonha que um cavaleiro a virá defender... que será Lohengrin, chegando numa embarcação em forma de cisne (ou puxada por um cisne), cujo nome é Helias.
A lenda do Cavaleiro do Cisne tem diversas variantes, e convém não esquecer a própria mitologia grega, que colocava personagens centrais da Guerra de Tróia como resultado da gestação de Zeus, disfarçado em forma de Cisne... e daí o nome do Cisne vindo de Helios ser uma variante de divindade solar.
Zeus teria seduzido Leda (ou Nemesis) e dessa união teriam surgido dois pares de gémeos em dois ovos: Helena e Clitemnestra, que casariam com Menelau e Agamémnon, e ainda os irmãos Castor e Polux. Outra aventura amorosa de Zeus é o conhecido disfarce como touro branco, raptando Europa.
O cisne que traz Lohengrin a Elsa de Brabante, será o irmão... o irmão que supostamente teria morto, e que era apenas vítima de feitiço. O nome Elias liga-se a Helias, o nome do cisne, pela perda do insonoro H.
Wagner fará de Lohengrin uma das suas obras primas, seguindo essencialmente a versão do Séc. XIII, de Wolfram Eschenbach:
Lohengrin de Richard Wagner - Opera de Viena (conduzida por Claudio Abbado)
Um dos aspectos centrais desta história é uma ligação do herói Lohengrin a Godofredo de Bulhão, que irá conquistar Jerusalém na 1ª Cruzada.
Ora, um requisito que é feito por Lohengrin a Elsa de Brabante, e comum às histórias do Cavaleiro do Cisne, seria não perguntar pelas suas origens familiares. A quebra dessa promessa fará com que Lohengrin abandone Elsa, após se ter casado com ela (Wagner compõe aqui a célebre marcha nupcial, como prelúdio ao Acto III).
As origens de Godofredo do Bulhão estão ligadas ao Condado de Bolonha, e de Brabante, mas ainda assim ofereceriam algumas dúvidas, tal como aconteceria com o Conde D. Henrique... supostamente seu irmão mais novo, segundo Damião de Goes, conforme vimos antes, tendo em atenção o brazão de Bolonha (Boulogne-sur-mér), com o cisne e com 3 bezantes.
Numa variante da história do Cavaleiro do Cisne, com o nome Elias, a defesa da condessa do Bulhão leva ao nascimento de Ida, que seria a mãe de Godofredo do Bulhão. Wagner terá preferido considerar Godofredo como o irmão de Elsa.
Já referimos que IDA era o moto inicial do Infante D. Henrique, e Bernardo de Brito dá como certo que o Conde D. Henrique não só parou em Portugal quando se dirigia para a Terra Santa, mas acabou mesmo por participar na Cruzada seguinte à Terra Santa, com custos pessoais consideráveis, por ter sido preso e resgatado.
Por outro lado, aparece aqui a ligação à irmã, a Infanta D. Isabel, casada com o Duque de Borgonha, Filipe o Bom, uma das mulheres mais influentes na Europa. É nessa altura que o ducado anexa Brabante, e assim o centro da história de Ida, Godofredo de Bulhão, estão no centro da vida da Infanta D. Isabel e do seu filho, Carlos o Temerário. É o tempo da criação da Ordem do Tosão de Ouro, e de provavelmente inventar convenientemente muitas histórias de cavalaria.
Essa ligação é marcante, porque é Margarida, a filha de Carlos o Temerário, neta de Isabel, que ao casar-se com os Habsburgos, junta mais aquele domínio à casa austríaca.
Ora, quando a casa austríaca se liga à espanhola com Carlos V, os seus territórios são demasiado vastos, e o imperador opta por dividir o império entre o filho Filipe II de Espanha, e o irmão Fernando, que controlará o lado austríaco, mantendo o poder sobre a região de Brabante até às invasões napoleónicas.
Carlos V já usava Bruxelas como centro político e a sua abdicação será mesmo feita em 1555 no Palácio Coudenberg de Bruxelas (este palácio desapareceu num incêndio no Séc. XVIII).
Abdicação de Carlos V - para o irmão Fernando e para o filho Filipe II, em 1555. |
Quando caiu o poder napoleónico foi inventado o Reino da Bélgica, procurando uma herança histórica nessa parte de Brabante, dos duques de Borgonha, mas talvez mais no legado de Godofredo do Bulhão, e do seu irmão Balduíno, enquanto Reis de Jerusalém.
A Bélgica, um país tão recente quanto todos os que foram inventados nas revoluções independentistas patrocinadas pela maçonaria, entre 1815 e 1848, ganhou a sua independência em 1830, após pertencer brevemente à Holanda... e a vontade da França em anexar o território contíguo acabou por levar à invasão prussiana que terminou humilhantemente com a conquista de Paris por Bismarck.
Essa sobrevivência belga mantida por equilíbrios geoestratégicos, permitiu-lhe ainda tomar parte no bolo colonial, cabendo-lhe o Congo Belga, com a benevolência familiar da Rainha Vitória, uma das regiões onde a barbárie colonialista tomou aspectos mais gritantes - estimando-se em 5 milhões de mortos, no reinado de Leopoldo II da Bélgica.
Assim, desde o tempo do ducado de Brabante, passando pelos ideais de cavalaria da Távola Redonda, com Parseval e o seu filho Lohengrin, ou com 12 estrelinhas distribuídas por igual, mantidos como apóstolos de um colonialismo iluminado, Bruxelas acabou por se tornar num centro de consenso de equilíbrios geoestratégicos europeus... sempre com grande vontade de interferir no mundo, mas com grande dificuldade em digerir consequências das assimetrias que a sua gula de poder produz.
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Nota: Acerca deste assunto, sugiro a leitura de uma sequência de textos:
que usa o título da obra de Joseph Conrad (que inspirou o filme de Coppola, Apocalipse Now), e onde se fala do funcionamento de várias organizações secretas na Europa, nomeadamente nas actividades altamente subversivas da Loja Maçónica P2, em Itália, e da Operação Gládio, ou ainda da Aginter Presse (sediada em Portugal, com o apoio da PIDE), numa grande estratégia da CIA contra a influência comunista da época.
Aditamento (29/03/2016):
A Aginter Presse, pretensa agência de imprensa internacional, era uma fachada de agência secreta com actividades terroristas, ou subversivas, contra a influência comunista, e esteve sediada em Portugal até 1974. |
O número de vítimas dos Assassinos de Brabante (1982-85) foi de 28 mortos e 40 feridos, um número elevado em termos de mortes, mas não chegando ao ponto dos 39 mortos e 600 feridos ocorridos no Heysel Stadium, em Bruxelas, número ainda superior ao dos recentes atentados bombistas (38 mortos e 300 feridos).
Ainda hoje está "por resolver" o caso dos assassínios em Brabante, e conforme é escrito na wikipedia:
One theory was that the communist threat in Western Europe was taken as justifying Operation Gladio being activated. However, the Belgian parliamentary inquiry into Gladio found no substantive evidence that Gladio was involved in any terrorist acts or that criminal groups had infiltrated the stay-behind network. The Belgian Gendarmerie were abolished in reforms that came as a result of a perceived lack of satisfactory performance in the Brabant killers case, and that of Marc Dutroux.
O caso de Marc Dutroux foi o primeiro caso largamente divulgado de pedofilia, especialmente porque libertado após cumprir apenas 3 anos de prisão, voltou a reincidir, mostrando largamente a ineficácia do sistema policial e judicial belga. Só após este caso, julgado em 2004, é que houve uma larga atenção aos casos de pedofilia, a nível internacional, que envolveram também acusações à estrutura da Igreja Católica.
Quanto à não resolução dos casos de assassínios de Brabante que se prolongaram durante 4 anos, digamos que... ou era mesmo matéria classificada de serviços secretos, como a Operação Gládio (o que deixou a polícia belga longe da herança do detective Poirot), ou então talvez uma reportagem do Canal História mostre que seriam apenas manifestação de fenómenos alienígenas, coisa também muito comum naquelas paragens...