quarta-feira, 27 de abril de 2011

O monte Oceano ou Siano

Já abordámos aqui a figura de D. Fuas Roupinho, e retomamos o assunto da Nazaré.
Não será apenas pela questão do nível da água do mar formar a denominada Lagoa da Pederneira, mas também pela própria lenda da Nazaré, de que é mais conhecida a parte da caçada.

Manuel de Brito Alão, na Antiguidade da Sagrada Imagem de Nª. Srª. da Nazareth, em 1628, transmite uma sequência de acontecimentos que levaram à viagem do Sírio ou escultura em madeira de Nossa Senhora, da Nazaré na Galileia para a Nazaré portuguesa.

O relato de Brito Alão é de fácil leitura, e tem pormenores interessantes.
A história diz que antes da altura do rei Recaredo a imagem terá viajado para Hespanha pela mão de um monge grego de nome Syriaco, por razão de ameaça à veneração de imagens nessa época bizantina. Sendo uma imagem de madeira, a tradição leva a que tivesse sido esculpida pelo próprio São José (cf. wiki), ainda que Brito Alão não refira isso. A imagem teria ficado no Mosteiro de Cauliniana (ou Caloniana) perto de Mérida, e na altura da invasão árabe, diz Alão que o rei D. Rodrigo, juntamente com um monge (de nome Romano) teria levado um conjunto de relíquias para o litoral atlântico, mais concretamente, ao fim de 22 dias de viagem teriam chegado à Pederneira, Nazaré.
Levavam ainda consigo outras relíquias importantes, de São Bartolomeu e São Brás, que foram guardadas numa ermida no Monte de S. Bartolomeu, enquanto a imagem ficou escondida numa ermida no Sítio da Nazaré.
A escultura resistiu escondida durante a presença árabe, até que na altura da reconquista por D. Afonso Henriques, o almirante D. Fuas (por ocasião do milagre a que está associado) a veio a reencontrar, mandando construir uma capela. Esta capela foi depois transformada em santuário em 1377 por D. Fernando. 

Feita esta breve introdução, uma vez que a história, dita lenda, está documentada por texto encontrado por D. Fuas e deixado à Confraria da Nª. Srª. da Nazaré, passamos aos pormenores.

O monte de S. Bartolomeu é descrito por Brito Alão como sendo invulgar e notável, destacando-se no meio do areal circundante (agora uma extensa vegetação de pinhal). No entanto, de acordo com a wikipedia podemos ler que haveria uma outra toponímia antiga:
Monte Siano é designação nos relatos mais antigos. Será forma adjectiva de Sião, aparecendo na Bíblia monte de Sião ou Cidade de Sião como outra forma de nomear Jerusalém. A comunidade piscatória da Nazaré chama-lhe Monte Saião.
Brito Alão também fala dessa toponímia anterior, dizendo que o monte, antes de ser renomeado por acolher os restos de S. Bartolomeu, era denominado Monte Occeano.
Monte Oceano, depois Monte de S. Bartolomeu  (imagem)

Aparentemente as duas designações Oceano ou Siano são diferentes, mas são inegáveis as semelhanças fonéticas. Esta ligação explícita neste monte dá uma abrangência completamente diferente a uma eventual origem da palavra Sião por deturpação de Oceano.
Isto dá um significado ainda mais poético ao ler que "Sôbolos os rios da Babilónia", onde os escravos Ebreus choravam lembrando o Oceano, dito Siano, ou Sião... afinal reflexo ainda de cor azul, o Ciano (cor da bandeira de Israel). É claro que esta associação pode ser sempre vista como fortuita e frágil, mas não deixa de merecer menção de destaque no título.

Pederneira
O relato de Brito Alão fala de uma viagem de barco pela Lagoa da Pederneira, e encontrámos um registo interessante num blog sobre a Nazaré, que confirma a clara alteração da paisagem e do contorno marítimo, que nalgumas centenas de anos transformou um litoral recortado numa linha costeira quase contínua.
A vila da Pederneira é agora um bairro, no alto da Nazaré, sendo que a cidade é agora a povoação da praia se foi consolidando pelo recuo de águas, especialmente após o Séc. XVIII e XIX.
O nome não deixa de ser interessante, especialmente porque é associado a um pelourinho original, feito com um tronco de uma árvore fossilizada.
Pederneira - "pelourinho" na praça de Bastião Fernandes
(companheiro de Vasco da Gama), 
e vista sobre a actual Nazaré. (23/04/2011)

O nome Pederneira pode ser associado à pedra pederneira, um sílex que permite fazer fogo, e que teria por isso uma utilidade relevante em tempos remotos. Ao mesmo tempo, a povoação manteve uma ligação ancestral à pedra/tronco fossilizado, que mesmo em período cristão era colocada no cemitério local, até que o símbolo fálico ancestral foi substituir o pelourinho de D. Manuel, já no Séc. XX.
De qualquer forma, parece indiscutível que a vila da Pederneira têm uma história que se perde na noite e no esquecimento dos tempos... e lembramos aqui a referência de Brito Alão à Nossa Senhora da Memória, uma designação que assenta bem, dada a manifesta perda de memória colectiva.

Serra da Pescaria
Do outro lado do Rio Alcobaça encontra-se a chamada Serra da Pescaria(*), onde é possível encontrar em construções "modernas" a utilização de grandes pedras, sugerindo o seu aproveitamento popular de possíveis edificações muito anteriores. É difícil perceber o rasto antigo, quando têm por vezes aproveitamento caricato (ver o caso da caixa de correio no meio de megalitos), mas há uma quantidade assinalável de grandes paralelipípedos não formatados a construções modernas, talhados muito provavelmente há milénios...
 Megalitos antigos em construções "modernas" na Serra da Pescaria. (23/04/2011)

(*) Na mesma serra, junto à entrada do Rio Alcobaça, há também a antiga igreja visigótica de S. Gião, notando que o nome S. Gião foi por vezes transformado em S. Julião, como aconteceu em S. Julião da Barra.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

São Vicente de Fora

Os painéis de S. Vicente de Fora foram um dos primeiros temas que abordámos, há mais de um ano atrás.
Não vejo necessidade de grandes alterações ao que foi dito na altura... as correcções face à nova informação seriam entretanto pequenas e pontuais.
Talvez um dos aspectos a merecer alguma reflexão é ter D. Afonso Henriques empreendido uma viagem (em 1173) ao Cabo de S. Vicente, atendendo a que o Algarve estaria sob domínio mouro... S. Vicente estaria fora do território nacional. O historiador árabe Al-Idrisi salientava a presença de corvos no local da sua sepultura, designada igreja dos corvos: Kanīsah al-Ghurāb.

Para além da tradição acrescentar dois corvos, companheiros da embarcação que transportava os restos do santo, e que ficaram no símbolo de Lisboa... a tradição dizia ainda que nesse Promontório Sacro estariam os restos do Templo de Hércules. A conotação "sacro" perdia-se na memória até aos tempos de Hércules. Afonso Henriques define aí um novo ponto sagrado - as relíquias de S. Vicente. Esta substituição obliterou essa memória antiga, substituindo-a por uma outra, mais católica.

Somos depois levados ao templo de S. Vicente de Fora. Dizia a Ilustração Portuguesa de 1867:
Representamos hoje na nossa estampa o templo de "S. Vicente de Fóra", que foi erecto em tempo de El-Rei D. Sebastião, no local onde existia a ermida que memorara a primeira glória de Portugal: - queremos dizer, onde, na conquista de Lisboa, em tempo de El-Rei D. Afonso Henriques sagrando o terreno que serviu de cemitério aos soldados dedicados a Cristo, e ao levantamento de um novo reino, que tanto se há ilustrado na História.
 A estampa de S. Vicente de Fora, que se encontra no periódico, é a seguinte:
o que mostra que não houve propriamente grandes alterações face ao seu estado actual:
A estampa ilustrava o funeral de D. Pedro V, acontecimento particularmente sentido pela população.
Porém, se o relato da revista coincide com a história de D. Afonso Henriques e o cemitério dos Cruzados, já é muito menos concordante ao atribuir a construção ao reinado de D. Sebastião...
A afirmação é feita casualmente, como se fosse facto bem conhecido, não tendo em conta que a arquitectura não parece ser típica do Séc. XVI, sendo por isso hoje considerada a construção terminada 50 anos mais tarde, já no Séc. XVII, e sempre sob reinado filipino. Ter sido mausoléu da dinastia de Bragança talvez invocasse uma construção pela casa de Bragança no período de ocupação filipina.
Trata-se portanto de mais uma, das muitas obras executadas no reinado de D. Sebastião, rei que normalmente não é considerado pela sua faceta construtora.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Alemanha escandinava

O Goticismo foi uma corrente escandinava que procurou recuperar o passado dos povos escandinavos, quase completamente ignorado. No final da Idade Média existiam registos das invasões vikings, mas era especialmente obscuro o passado anterior. Resistiu um relato bizantino de Jordanes, à época de Justiniano que relacionava os Godos à Escandinávia, nomeadamente reportando um rei mítico Berig que teria conduzido o seu povo para terras polacas. Seriam esses Godos, coligados com Romanos, que travariam o avanço Huno na Batalha dos Campos Catalaunicos, já em território Gaulês.

Um dos promotores da ligação entre os Godos e os Escandinavos foi Nicolaus Ragvaldi (arcebispo de Upsala) que no Concílio de Basileia em 1434 terá levantado uma pequena polémica relativamente aos lugares. Argumentaria que os lugares deveriam respeitar a prevalência dos bispos suecos, como legítimos descendentes dos Godos originais... ao que a delegação espanhola teria replicado que o valor estava nos Visigodos e Ostrogodos que tinham tido a iniciativa heróica de invadir o Império Romano.

Começa aqui a ligação dos Godos à Escandinávia e só posteriormente à Alemanha...
Ao contrário do que é normalmente considerado, os Romanos devem ter tido um controlo quase completo da Alemanha. É aliás claro que os Romanos não referenciam a península escandinava... e o seu mundo terminaria numa Germania de sentido lato. 
Se a fronteira germânica seria de alguma forma bem definida pelos Alpes no lado italiano, já não seria assim na parte gaulesa, onde só as florestas delimitariam alguma fronteira natural entre França e Alemanha... Tal como Adriano decidiu construir um muro para evitar os Pictos escoceses, e dada a suposta ameaça permanente, seria estranho se os Romanos não empreendessem um projecto dessa envergadura.

A revista alemã Der Spiegel publicou em 2008 o relato de achados romanos num campo de batalha 100 Km ao sul de Hanover. Para além de armamento, encontraram-se ainda moedas romanas.

Também há registos de moedas romanas na Dinamarca. Estes achados de moedas poderiam ser explicados por comércio, mas mais dificilmente se explica a larga penetração romana em território alemão, pelos artefactos de guerra. À luz da história oficial, após a vitória de Armínio (ou Ermínio, ou Hermann) sobre Varo na Batalha de Teutoburgo os Romanos nunca teriam conseguido ou até mesmo tentado passar o Reno. Estes artefactos vêm contar outra história...

A ausência de referência à Escandinávia e este avanço Romano, sugerem que a Germania poderia ter sido a Escandinávia. Isto parece estranho, mas também parece estranho o mapa de João de Lisboa que coloca uma Alemanha na posição da Escandinávia.
O nome Alemanha associado à Escandinávia (mapa de João de Lisboa)

Ou seja, quando os bispos suecos referiram no Concílio de Basileia essa ligação de Godos à Escandinávia, seguiam uma linha perdida na sua própria história.
A questão sueca e dinamarquesa será mais complicada do que a norueguesa. Se considerarmos um nível do mar ligeiramente superior, à época romana, uma boa parte norte da actual Alemanha estaria coberta por água, ou seria bastante pantanosa... e isso aconteceria igualmente com grande parte da Suécia, Finlândia e Dinamarca. Apenas a montanhosa Noruega deveria manter uma configuração semelhante. É aliás em Alta, na Noruega que é possível encontrar pinturas rupestres:
Pinturas rupestres em Alta, na Noruega

Parece plausível que os Romanos mantivessem um domínio sobre a maioria dos territórios da actual Alemanha, e o seu combate com os Godos poderia ser na Escandinávia, ou melhor, nos territórios dinamarqueses e alemães, que na altura seriam pantanosos ou formados por multiplas ilhas.

A migração para sul pode ter sido motivada por um decréscimo acentuado de temperatura...
Não nos devemos esquecer que todos os registos antigos apontam essencialmente para vestuários leves, em gregos e romanos, que dificilmente serviriam para suportar um inverno, mesmo mediterrânico. 

Houve um arrefecimento progressivo, que terá tornado inóspitas regiões mais a norte.
A migração escandinava acaba por ser bastante efectiva através das incursões vikings... e o apogeu dessa perturbação será a concessão da Normandia. É a partir da Normandia que Guilherme e Eustácio II vão liderar exércitos para conquistar a Inglaterra em Hastings.
Os reis normandos acabam por definir uma sua história em território europeu, com enorme influência nas dinastias inglesa e francesa, bem como em Nápoles e Sicília.

sábado, 16 de abril de 2011

Conde D.Henrique e as quinas

Já aqui falámos sobre o Conde D. Henrique, a sua possível ascendência da casa de Bolonha, do Bulhão, e sobre as armas cujos bezantes lembrariam os das quinas. Isto resulta do relato de Damião de Góis, incluso despercebidamente na Crónica de D. Manuel.
Conde D. Henrique (na Epitome, de Faria e Sousa)

É claro que surgiram opiniões diversas, e Manuel Faria e Sousa (1590-1649), na Epitome de las Historias Portuguesas (escrita em espanhol e publicada em Bruxelas, 1677), diz o seguinte:
No se sabia, pues, de Enrique (como del Emperador Claudio Segundo) la patria, ni los padres, si bien le hazian sublime sus virtudes y sus hazañas , ascendencia mayor en todas edades, esplendor raro en qualquier Principe.
Faria e Sousa sintetiza como fabulosas as versões que o colocavam de Lorena (Bolonha, a versão de Damião de Góis), da Hungria ou Constantinopla, e sustém a tese de ser o quarto filho de Henrique, filho do primeiro duque de Borgonha, Roberto.

Muito posteriormente, em 1831, no ano seguinte à independência da Bélgica, a Academia de Ciências faz sair por António d'Almeida um exame das várias teses sobre o Conde D. Henrique. Em particular, é referida a hipótese de Damião de Góis, onde é considerado falso que:
-  o Conde D. Henrique seja segundo filho de Guilherme de Joinville, e por isso não pertenceria à casa dos duques de Lorena.
- pela parte materna seja descendente de D. Ramiro I, rei de Aragão - hipótese que Góis também sustinha.
- lhe tivesse sido dado o Condado de Astorga, ou ainda que tivesse vindo a Hespanha numa armada holandesa.

Basicamente a refutação sustenta que, sendo Guilherme de Joinville o filho mais novo de Eustácio II, então Henrique, o segundo filho de Guilherme, não estaria em condições de combater ao lado de Afonso VI de Leão contra o seu irmão Sancho, em 1072. Note-se ainda que Faria e Sousa coloca o casamento com D. Teresa em 1073. Como os filhos reconhecidos de Eustácio II (~1017-1087), com Ida de Lorena, foram nascidos entre 1056 (Eustácio III) e 1065 (Balduíno), um irmão mais novo colocaria de facto uma clara impossibilidade física.
Porém a questão é mais complicada... seguindo um link (enviado por Calisto) sobre a linhagem de Bolonha, encontramos um casamento prévio de Eustácio, com Goda, princesa de Inglaterra, em 1036, do qual não é suposto haver nenhum filho. Eustácio só teria filhos de Ida, ou possíveis ilegítimos...
Nesse mesmo link, citando um autor Murray (2000), somos levados à existência de um Guillaume, pela Genealogica comitum Boloniensium (séc. XIV), mas agora filho mais velho de Eustácio II. 
Curiosamente, a ordem seria: Guilherme, Godofredo, Balduíno, Eustácio III.
No link é colocada uma certa surpresa na existência deste Guillaume, mencionado por Damião de Góis. Acresce a suspeita de que não seria ilegítimo, pois Geoffrey, um outro bastardo de Eustácio II não é referido.
A participação de Eustácio II em Hastings, 1066 
(tapeçarias de Bayeux) [img]

A história de Damião de Góis faz sentido com uma ligeira alteração.
Do primeiro casamento, com Goda, Eustácio II poderia ter tido Guilherme. Depois, com Ida de Lorena, teria os restantes três. O sucesso dos filhos de Ida, Godofredo ao conquistar Jerusalém, e Balduíno, que se torna Rei de Jerusalém, deixam a posição de Guilherme frágil face aos restantes e em particular a Eustácio III, irmão dos outros dois. Seria assim, o irmão mais novo Eustácio III a herdar o condado de Bolonha - o único filho de Ida que deixaria descendência. 
Para contextualizar, há relatos de histórias que colocavam "Santa" Ida, e a gestação dos seus filhos, em paralelo com Santa Maria. O impacto da reconquista de Jerusalém era enorme, e mesmo um Guilherme filho de uma princesa inglesa (ou outra) apareceria diminuído face a Eustácio III, filho de Santa Ida. 

Este é um possível contexto explicativo para a tese de Damião de Góis, dando-lhe pelo menos o crédito de descobrir um Guilherme filho de Eustácio, entretanto apagado dos registos. No entanto, de acordo com as datas, há razão na crítica de António d'Almeida... um filho mais novo colocaria uma impossibilidade de datação.

Não deixamos de notar uma citação exagerada(?) que António d'Almeida faz sobre o túmulo do fundador da monarquia, com um letreiro de versos em latim, assinalado por Fr. António Brandão, que diria:
"... outro Alexandre jaz aqui, ou Júlio outro"
São ainda referidos os feitos do Conde D. Henrique numa jornada a Jerusalém, em 1103, de onde teria trazido importantes relíquias para Braga, dadas pelo (tio) rei Balduíno I.

Esta ligação a Jerusalém apareceu também referida em termos do brasão com os bezantes.
O nome bezante viria da moeda de ouro do Império Bizantino, que ficou colocado na heráldica de Bolonha, e também do duque da Cornualha (com 15 bezantes). Era uma característica de brasões de quem tinha participado nas Cruzadas.

Um link sobre a heráldica de Bolonha (também indicado por Calisto), mostra pormenores interessantes sobre a evolução dos bezantes no condado de Bolonha.
Primeiro, Eustácio II terá usado quatro bezantes, e o sucessor de Eustácio III já usava 6 bezantes, não parecendo por isso haver um limite, ou um valor fixo. O facto é mencionado como estranho nesse texto, e depois associado às cruzadas, ainda que sem justificação sobre o número.


Condado de Bolonha: 4 bezantes de Eustácio II, 
e 6 bezantes de Etienne du Blois [img]

No caso da monarquia portuguesa, conforme já referimos, houve também um acréscimo de 5 para 11, para que depois se fixasse em 5, na época de D. João II. Aí as quinas foram colocadas em orientação vertical, por uma questão de prestígio... como se algum prestígio tivesse sido recuperado.
A esse propósito, é interessante referir, que não escondendo a sua intenção de atingir Jerusalém, como objectivo final da empresa de Tanger, o infante D. Henrique usa como motto IDA.
A palavra IDA seria associada à "ida" a Jerusalém... mas por outro lado, é impossível ignorar que o nome de Ida estava também presente nos seus filhos, primeiros reis de Jerusalém. A verificar-se esta diferença de linhagem, o Infante D. Henrique talvez procurasse legitimar a linha de Guilherme, com uma nova conquista de Jerusalém. A atitude de D. João II parece indicar que no seu reinado o problema de legitimidade ancestral teria sido finalmente resolvido.

Quanto ao Condado de Bolonha, tal como no caso português, ele acabaria ainda por reduzir e fixar o número de bezantes em três, ao mesmo tempo que adoptava o cisne, associado à lenda do Cavaleiro do Cisne (Lohengrin... já mencionado aqui pela Maria da Fonte), bem ligada a Bolonha e Brabante.
  
Condado de Bolonha: número fixo de bezantes e o cisne [img]

A menção ao reino da Bélgica, fundado em 1830, está relacionada com a sua pretensa ligação ao senhorio do Bulhão, próximo de Bolonha, a que não será alheio o nome Balduíno, que os seus monarcas vieram a adoptar posteriormente.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Hoje são campos onde foi Troya

Na continuação da descrição da viagem de Filipe II, Lavanha fala de Salvaterra e Almeirim, dizendo:
De Salvaterra foi sua Majestade aos 9 a Almeirim, 2 léguas de Salvaterra, lugar onde os Reis de Portugal só iam passar os Invernos, e onde para sua habitação fundaram uns grandes paços com deleitosos jardins. E pela mesma causa edificaram nela casas os senhores e fidalgos que seguiam a Corte, com que se fez uma povoação em que toda a Corte se alojava; hoje são campos onde foi Troya, o mesmo fora dos Paços se senão repararam.
Lavanha alude a que seriam então campos onde antes fora Tróia, sem especificar a sua localização. Mas é curioso colocar aqui essa menção, a propósito de um possível abandono dos paços de Almeirim.
Antes disso falava de Setúbal, da seguinte forma
É uma das maiores e mais assinaladas vilas de Portugal, por causa do seu porto formado no rio Cadão, que ali entra no Oceano, e de uma língua de terra que o mar há estreitado.
O rio Cadão passará a Çadão e a Sado, sendo ao tempo dos romanos Calippo, o que dava a consistência à lenda de Ulisses e Calipso, filha de Gorgoris. 
Lavanha fala então da língua de terra, que hoje é Tróia, dizendo que seria essa chamada Cetobriga (de Ceto, peixe grande), associando o nome a "cidade de pescadores", invocando as ruínas com os tanques (que seriam para salgar os grandes peixes: atuns, corvinas), e outros edifícios de onde se tiravam estátuas, colunas, e inscrições, guardadas na casa do Duque de Aveiro. Continua, dizendo:
A estas ruínas chama o vulgo Troya, com que quer dar a entender que são da povoação que ali houve. A qual destruída (de que a causa se não sabe) se mudaram seus habitantes à outra banda do porto há mais de quinhentos anos, onde hoje está a vila do mesmo nome de nova Cetobriga, corrompido em Cetobra, e com maior corrupção Cetobala, e Setuval, como hoje se chama a Colónia de Cetobriga, e não povoação de Tubal.
Lavanha é suficientemente ambíguo. Apenas atribui a associação à população residente, e se levanta essa possível identificação de Tróias, acaba por dizer noutro sentido que Setúbal não estaria associada a Tubal.

 
Imagens das ruínas em Tróia (Setúbal) 

Convirá notar que será apenas após os descobrimentos que se torna evidente uma investigação histórica, com base em historiadores romanos, que procura levantar uma grandeza ibérica esquecida. Isso foi alvo de imediatas críticas, que levaram a uma anulação completa do assunto após o séc. XIX, associando este tema apenas a uma empresa propagandistica dos Habsburgos em Espanha, e assim ignorando as extensas fontes utilizadas e citadas, nomeadamente por Fr. Bernardo de Brito.

Houve talvez demasiado exagero pelo lado ibérico, o que levou a uma exagerada reacção com epicentro nos outros centros culturais europeus, especialmente franceses.
Uma associação que apareceria contraditória seria ligar a Tróia de Homero à Tróia de Setúbal.
Sendo considerado que Ulisses forma Lisboa no seu regresso da guerra de Tróia, esta cidade não estaria na Lusitania, nos domínios do Rei Gorgoris. Acresce que a península de Tróia não tem qualquer semelhança geográfica com a descrição da Tróia de Homero, embora o mesmo já não se possa dizer do outro lado, de Palmela à Serra da Arrábida (também dita Rábida).
Lavanha reporta a conquista de Palmela e Sesimbra (Cezimbra) por D. Afonso Henriques em 1165, por  resistência intermitente do rei mouro de Badajoz, e portanto muito depois da conquista de Alcácer do Sal em 1158 (cf. questão de Ourique).

O parque natural da Arrábida é uma zona razoavelmente pequena, mas com paisagens fascinantes, que encerram algumas estelas/inscrições à vista de todos, mas razoavelmente mal identificadas ou ignoradas. A zona deveria ser suficientemente rica em material arqueológico, mas não parece haver notícia de exploração sistemática com resultados significativos... o que se vem tornando habitual.


segunda-feira, 11 de abril de 2011

Vista de Alcântara

Na Batalha de Alcântara em 1580, D. António não consegue evitar a progressão das forças do Duque de Alba, desembarcadas no Cabo de Cascais, em direcção a Lisboa. A designação à época - Cabo de Cascais é diferente da chamada Roca de Sintra.
Um excelente documento sobre a Batalha de Alcântara está disponível no site areamilitar.
A mais conhecida imagem da época mostra detalhes da paisagem, vista de Alcântara, que são interessantes por si só.

Podemos ver nesta imagem que a Torre de Belém está situada bem no meio do estuário, completamente rodeada por água, longe de terra. Há um braço de praia em frente a Belém, que estende até uma baía formada pela foz da ribeira de Alcântara. Vê-se ainda a antiga ponte de Alcântara. Toda esta paisagem foi mudada, a água desceu e Lisboa ganhou terra ao Tejo e a praia desapareceu, colando a linha de água pela posição da Torre de Belém (na altura também chamada Torre de S. Vicente).

Mais interessante é o pormenor que nos mostra Almada, com Palmela ao fundo, quase à beira-mar, ou melhor, à beira-rio:
A linha de água submergia grande parte da margem sul, na zona do Seixal, e estava quase encostada à zona do Castelo de Palmela, onde se lê "Palmela a 9 léguas de Lisboa".
Isto concorre com a hipótese de um nível da água do mar superior, como já abordámos.

Lavanha aproveita a descrição da viagem de Filipe II para ainda nos dar conta de factos acessórios.
Perto, entre Azeitão e Coina (ou rio Couna) estavam as matas e jardins do novo Duque de Aveiro (que acolheu Filipe II, no final da sua visita a Portugal, conforme diz Lavanha). O anterior Duque de Aveiro tinha morrido ao lado de D. Sebastião, em Alcácer Quibir.

Ao descrever a visita a Sintra, Lavanha revela que a sua ponta mais ocidental seria o Promontório Magno, ou Olisiponense, que era modernamente denominado Roca de Sintra... ou seja o Cabo da Roca. Fala ainda do convento de N. Sra. da Pena, da Ordem de S. Jerónimo, fundado por D. João II, que oficialmente ruiu pelo terramoto, e onde depois Fernando II, consorte de Maria II, edificou o Palácio da Pena sobre as ruínas, perdendo-se o vestígio da construção original. Essa construção teria "a Igreja e Oficinas, necessárias para um inteiro Mosteiro lavradas na mesma rocha".
Finalmente revela que, à época, num promontório da serra, existiriam ainda vestígios e inscrições de um antigo Templo dedicado ao Sol e à Lua.
No regresso de Sintra, Filipe II teria passado pela vila de Cascaes e pela fortaleza de S. Gião (depois S. Julião da Barra). Já mencionámos o Cabo de Cascais, que seria provavelmente a denominação junto ao Guincho-Cascais, onde foram encontrados vestígios arqueológicos de pesca.

É interessante a propósito do nome Cascais referir a menção do historiador árabe Al Masudi (-956 d.C.) sobre as explorações atlânticas de um jovem navegador de Córdoba, cujo nome seria KhashKhash, sendo talvez KhashKhash al Bahri ("o navegador") que morreu em 859 d.C. combatendo os normandos, justamente próximo de Cascais. Foneticamente, parece haver uma clara semelhança entre o nome da vila e o nome do navegador. Informações sobre as viagens árabes podem ser encontradas num interessante artigo de Abbas Hamdani (Handbuch der Orientalistik, S. Kahdra Jayyusi, M. Marin, pag. 275).

(12/04/2011)

sábado, 9 de abril de 2011

Monumentália filipina lisboeta

A recepção a Filipe III de Espanha em Lisboa teve aspectos de veneração quase universal, cujo rasto se perdeu na História. João Baptista Lavanha (1622) registou essa veneração desenhando os diversos e sumptuosos arcos de triunfo, então construídos em 1619, e dos quais não restou posteriormente pedra sobre pedra.
Apesar de em Lisboa restar apenas o nome Arco do Cego, convirá não fechar os olhos aos seguintes arcos:
  • Arco dos Homens de Negócios de Lisboa (no cais)
  • Arco dos Ingleses (porta da cidade)
  • Arco dos Oficiais da Bandeira de S. Jorge
    (Praça do Pelourinho Velho, donde saem: a Rua Do Ver do Peso, a Rua Nova, a Rua da Prataria, e a Rua de Gil Eanes) 
  • Arco dos Corrieiros (Rua de Gil Eanes)
  • Arco dos Atafoneiros (Rua das Carneçarias Velhas)
  • Arco dos Oleiros (Padaria que leva à Sé, Rua da Misericórdia)
  • Arco dos Capateiros (no topo da Padaria, na entrada da Rua que sobe a Igreja da Madalena)
  • Arco dos Cerieiros (na Porta do Ferro - Muros antigos da cidade - pelo menos fundados pelos Godos)
  • Arco dos Italianos (na Porta da Sé de Lisboa)
  • Arco na Rua dos Mataporcos
  • Arco dos Pintores (na entrada da Rua de S. Gião)
  • Arco dos Flamengos (a meio da Rua Nova)
  • Arco dos Ourives e Lapidários (ao cabo da Rua Nova, à entrada da Rua dos Ourives)
  • Arco dos Moedeiros (defronte da Rua dos Ourives, e Casa da Moeda)
  • Arco dos Alfaiates (na Calcetaria)
  • Arco na Rua dos Tanoeiros (e arco antigo do Armazém, nos muros da cidade)
  • Arco dos Familiares do Santo Ofício (do Paço vai ao Forte, para entrar no Terreiro do Paço)
  • Arco dos Alemães (no Terreiro do Paço)

 
 Arcos: dos Ingleses, dos Oficiais da Bandeira de S. Jorge, dos Cerieiros, e dos Italianos
    
  Arcos: dos Pintores, dos Ourives, dos Moedeiros, e dos Alfaiates

Arco do Santo Ofício e Arco dos Alemães

A dimensão dos referidos arcos é explícita pela inserção no desenho de pessoas, para mais fácil apreciação. A descrição refere alguma ornamentação com muito ouro, marfim, pérolas, e pedras preciosas.
Torna-se claro que os portugueses sempre foram hospitaleiros, e vê-se aqui que já teriam esquecido a trágica derrota de D. António, Prior do Crato, na Batalha de Alcântara, às portas de Lisboa, em 1580, frente ao Duque de Alba. 
A hospitalidade era por contágio extensiva aos estrangeiros sediados em Lisboa, em particular, ingleses, flamengos, italianos e alemães.
Terá sido natural que os referidos arcos, dedicados ao bisneto de D. Manuel, Filipe III de Espanha, não tenham resistido ao terramoto da Restauração da Independência.
Lavanha relata ao pormenor os arcos, algumas pinturas e inscrições... destacamos, por exemplo, a do Arco dos Alfaiates, que tinha três inscrições em latim: "Nem Salomão com tudo o que tinha", mas também: "Da verdade vos há Deus pedir conta", ou ainda "A Prudência vos guardará", "Para que ordene, e disponha o Mundo em equidade".

Continuaremos o relato de João Baptista Lavanha, que sendo escrito sob o reinado de Filipe III, apresenta a expectável arte bajulatória superlativa, misturada com alguma informação interessante.

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Nota (2015):
Foi em 1619, tratava-se de Filipe III de Espanha, Filipe II de Portugal. Corrigido.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Santa Cláusula

Dissidências, querelas, guerras, foram associadas a uma questão sobre a natureza de Cristo.
Não houve apenas combate entre religiões... uma questão milenar atravessou o cristianismo, causando profundas feridas civilizacionais por motivo de diverso entendimento teológico.
Falamos primeiro do Arianismo, e depois do Cisma entre as igrejas Romana e Ortodoxa.

O problema é essencialmente filosófico e reside na aceitação da Trindade, cujo entendimento escapará a muitos cristãos. Um problema académico filosófico transforma-se num problema letal.

É só no Séc. XX que o Arianismo vai ser confundido com uma questão racial. 
A história do arianismo estava ligada à cisão do cristianismo provocada por Arius de Alexandria, conforme já foi referido.
A questão da identificação de Deus a Cristo, a um Homem, encerra contradições aparentes, que foram levantadas por Arius, e consideradas heréticas no Concílio de Nicéia em 325 d.C.
Não foi por isso que a linha de pensamento de Arius deixou de estar presente na História. 
A revolta de Nika, esmagada por Belisário, opunha os verdes monofisistas (aceitando apenas a parte humana de Cristo), aos azuis conservadores (que aceitavam a dupla natureza, divina e humana, de Cristo). O arianismo surgiu ainda entre os Suevos, durante o seu período obscuro - talvez depois ignorado por essa mesma dissidência. O arianismo esteve ainda ligado à Alemanha através dos Cavaleiros Teutónicos.

Há alguma controvérsia sobre se São Nicolau (de Mira) teria ou não estado presente no Concílio de Nicéia, dado o seu nome não estar presente na lista. No entanto, corre também a forte tradição que teria sido ele a conduzir os trabalhos, e que teria chegado a bofetear Arius de Alexandria.
Nessa tradição, São Nicolau aparece como herói que sustém a heresia de Arius e dos seus seguidores, e impõe a Santa Cláusula da Trindade de Cristo. 
Seria exagerado colocar aqui o epíteto "Santa Cláusula" que é omitido, não houvesse a Cláusula Filioque, que aborda o mesmo tema. É claro que a tradição associa ainda a São Nicolau a distribuição de presentes pelas crianças, e que no Séc. XIX ficou instituído o nome Santa Claus, foneticamente lido como Santa Clause. Não é assim nos países latinos, usando-se a designação Pai Natal. O nome teria difícil justificação cristã, sendo associado a São Nicolau... porém junta os dois aspectos essenciais da Cláusula - a junção entre o Pai e o Filho - expresso no nascimento, no Natal.
São Nicolau de Mira (Séc. IV)
terá defendido a "Santa Cláusula" da Trindade

A Cláusula Filioque foi um outro assunto teológico sobre a Trindade, que provocou divisões. Esta cláusula do papa Leão I originou a cisão entre as igrejas Romana e Ortodoxa. Foi inicialmente aceite pelo Concílio de Calcedónia em 451 d.C., mas foi alvo de dúvidas e de uma disputa decisiva em 1059 d.C. entre Miguel Cerulário, patriarca de Constantinopla, e o Papa Leão IX. A Santa Cláusula Filioque impunha que o Espírito Santo emanasse não apenas de Deus, mas também de Cristo. As cláusulas da Trindade obrigavam a uma equivalência entre Pai e Filho.
Não vamos aqui discutir a validade das posições, até porque isso levaria a assuntos de índole filosófica que são normalmente omitidos, mesmo nas abordagens ao solipsismo.

Não sendo um assunto que estivesse claro nos Evangelhos, e não constando por isso como assunto colocado por Jesus Cristo, a questão pertinente será compreender como um assunto de índole filosófica vai afectar tão profundamente a fé cristã. A posição de Arius não negaria o carácter divino, apenas colocaria Jesus como uma encarnação, mas numa posição não igual a Deus.
Jesus seria filho de Deus, e não Deus... dificilmente a maioria dos católicos verá aqui uma heresia insanável. Convirá não esquecer a frase final, que consta nos Evangelhos de Mateus e Marcos, proferida por Jesus, quando se refere ao abandono do Pai.

Haveria muitos temas para controvérsia mais mobilizadora de opiniões e paixões populares, do que um tema de difícil compreensão filosófica, que serviu como mobilizador de populações e exércitos.
A questão colocar-se-ia a um nível diferente... se no entendimento judaico se aguardava o Messias, no entendimento cristão também se aguardava o Messias, mas numa segunda vinda, neste caso de Jesus Cristo. A sua natureza, humana ou divina, seria cuidado para a actuação na vinda futura.


terça-feira, 5 de abril de 2011

Governantes na Lusitânia - Idade Média (1)

Seguindo a historiografia oficial, é interessante notar nalguns detalhes normalmente esquecidos na evolução do governo na península ibérica.

Após Teodósio I, Honório, sucessor no Ocidente, sendo incapaz de resistir à pressão dos Godos, acaba por conceder a regência da Lusitânia a Alanos e da Galiza aos Suevos, ao mesmo tempo que Vândalos e Visigodos preparavam a sua entrada posterior. Apesar de teoricamente vassalos de Roma, os Suevos e Visigodos, rapidamente partilham e dominam a península, enquanto Alanos e Vândalos têm uma presença inferior a uma década. Os Vândalos vão sucumbir em Tunis/Cartago ao ataque de Belisário, quando Bizâncio exibe a sua maior capacidade bélica sob Justiniano.

É normalmente esquecida a presença de Bizâncio nas costas da Espanha visigoda... como aliás é esquecido o milénio bizantino. Um milénio, sem interrupção, de herança formal romana... estagnado no tempo, sem aparente evolução científica.
Ao mesmo tempo, os Suevos serão esquecidos durante os 100 anos do seu "período obscuro" (469-550), entre Veremundo e Teodemundo... entre o "verdadeiro mundo" e o "deus do mundo". Neste período e até à conquista visigoda é muito natural que tivessem prosseguido viagens atlânticas proibidas... depois retomadas em fuga, aquando da invasão árabe.

É ainda interessante o milénio árabe... que padece do mesmo mal - uma estagnação técnica, a que nem as guerras ou cruzadas religiosas conseguiram aguçar um engenho científico. 

Há que distinguir dois períodos na presença árabe:
(i) o Califado Omíada, com capital em Damasco; 
(ii) o Emirato de Córdoba, independente em 756, refúgio Omíada, após o domínio Abassíada de Damasco. 
Há assim uma constituição independente, que só sucumbirá com a queda de Granada, ainda que ocorram mudanças pela múltipla subdivisão em Taifas independentes, antes e depois do domínio Almorávida no Séc. XI.

A invasão Almorávida provoca uma pequena brecha temporal onde Afonso VI de Leão consegue alargar uma breve conquista de Santarém e Lisboa, e o Conde D. Henrique retomará Sintra, antes das conquistas definitivas do seu filho Afonso Henriques.

A formação da nacionalidade tem protagonistas anteriores, habitualmente esquecidos.
997 - Gonçalo I Mendes, que proclama Portucale como ducado, e não apenas condado... mas será deposto!
1071 - Nuno II Mendes, proclama a independência de Portucale, mas é morto em batalha.

Para além do condado de Portucale, fundado por Vimara Peres, que dará nome a Guimarães, já muito antes estava consolidado e definido o condado de Coimbra. Mais instável, pela sua posição avançada, Coimbra esteve desde cedo fora de controlo árabe, mas trocou de mãos várias vezes... 



Pequena compilação cronológica 
(domínio nas terras lusitanas na Baixa Idade Média)

Transição Romana -- concessões aos bárbaros 
_______ Reis Godos (Suevos, Alanos, Vandalos Asdingos, Visigodos)
_______ sob imperador romano... até 476 (altura da deposição de Rómulo Augusto por Odoacro)

0392-0395 Teodosio I (Roma), imperador do Oriente: 379-395.
0395-0423 Honório (Roma - Ocidente)
_______ em 411- concede a Lusitania a Alanos, e Galiza a Suevos
0406-0441 Suevos: Hermerico [Galiza]
0409-0418 Alanos: Atax Respendial (Ataces, Adax) [Lusitania]
0409-0416 Vandalos silingos: Fredebaldo
0419-0428 Vandalos+Alanos: Gunderico (desde 407-vandalos)
0428-0429 Vandalos: Genserico (428-477)
_______ em 429: abandonam a Iberia, fixando-se em Tunis
0395-0410 Visigodos: Alarico I [Toulouse]
0410-0415 Visigodos: Ataúlfo, Sigerico (415)
0415-0418 Visigodos: Vália
_______ em 418 domina a Iberia de Alanos e Vandalos


Reis Suevos & Visigodos

0411-0441 [Suevo] Hermerico (desde 406, fora da Iberia)
________ 0418-0451 [Visigodo] Teodorico I
0441-0448 [Suevo] Réquila
0448-0456 [Suevo] Requiário
________ 0451-0453 [Visigodo] Turismundo
________ 0453-0466 [Visigodo] Teodorico II
0456-0460 [Suevo] Maldras (Bracarense) // 456-457 Agiulfo, 457-Framtan
0460-0464 [Suevo] Frumário (Bracarense) // 457-... Remismundo (Lucense)
0464-0469 [Suevo] Remismundo (reunião Bracarense-Lucense)
________ 0466-0484 [Visigodo] Eurico
0469-0484 [Suevo] Veremundo (*) período obscuro
________ 0484-0507 [Visigodo] Alarico II
0484-0508 [Suevo] Réquila II (*) período obscuro
________ 0507-0510 [Visigodo] Gensaleico ou Geserico [Toledo]
0508-051? [Suevo] Requiário II (*) período obscuro
________ 0510-0531 [Visigodo] Amalarico
051?-051? [Suevo] Hermenerico II (*) período obscuro
051?-0520 [Suevo] Riciliano (*) período obscuro
0520-0550 [Suevo] Teodemundo (*) período obscuro
________ 0531-0548 [Visigodo] Teudis
________ 0548-0549 [Visigodo] Teudisclo
________ 0549-0554 [Visigodo] Ágila I
0550-0559 [Suevo] Carriarico
________ 0551-0567 [Visigodo] Atanagildo
0559-0570 [Suevo] Teodomiro
________ 0567-0572 [Visigodo] Liuva I
0570-0583 [Suevo] Miro
________ 0573-0586 [Visigodo] Leovigildo
0583-0584 [Suevo] Eborico
0584-0585 [Suevo] Audeca

Reis Visigodos (Leovigildo: reina em toda a Ibéria, cap: Toledo):

0585-0586 [Visigodo] Leovigildo
0586-0601 [Visigodo] Recaredo I
0601-0603 [Visigodo] Liuva II
0603-0610 [Visigodo] Viterico
0610-0612 [Visigodo] Gundemaro
0612-0621 [Visigodo] Sisebuto
0621-0621 [Visigodo] Recaredo II
0621-0631 [Visigodo] Suintila
0631-0636 [Visigodo] Sisenando
0636-0639 [Visigodo] Quintila
0639-0642 [Visigodo] Tulga
0642-0653 [Visigodo] Quindasvinto
0653-0672 [Visigodo] Recesvinto
0672-0680 [Visigodo] Vamba
0680-0687 [Visigodo] Ervigio
0687-0702 [Visigodo] Égica
0702-0710 [Visigodo] Vitiza
0710-0711 [Visigodo] Rodrigo

Invasão Árabe (1) - Califado Omíada de Damasco
Reino das Astúrias

0711-0715 [Omíada] Al-Walid I ibn Abd al-Malik (Damasco, 705-715)
________ África: 711-713 Musà ibn Nusayr
           (711 - invasão de Tariq bin Zeyad)
________ África: 713-716 Abd al-'Aziz ibn Musà ibn Nusayr
           (714 - definida é a Andaluzia - Espanha árabe)
0711-0714 [Visigodo] Ágila II,
0714-0721 [Visigodo] Ardão (ou Ardabasto?)
0715-0717 [Omíada] Suleiman ibn Abd al-Malik (Damasco)
________ Andaluzia: 716-716 Ayub ibn Habib al-Lajmi
________ (716 - conquista de Lisboa)
________ Andaluzia: 716-719 Al-Hurr ibn Abd al-Rahman al-Thakifi
0717-0720 [Omíada] Umar ibn Abd al-Aziz (Damasco)
________ Andaluzia: 719-721 Al-Samh ben Malik al-Jawlani

0718-0737 [Astúrias] Pelágio (Capital: Cangas de Onis)

0720-0724 [Omíada] Yazid II ibn Abd al-Malik (Damasco)
________ Andaluzia: 721-721 Abd al-Rahman ibn Abd Allah al-Gafiqui
________ Andaluzia: 721-726 Ambasa ibn Sohaym al-Kalbí
0724-0743 [Omíada] Hisham ibn Abd al-Malik (Damasco)
________ Andaluzia: 726-726 Odhrah ibn Abd Allah al-Fihrí
________ Andaluzia: 726-728 Yahyà ibn Sallamh al-Kalbí
________ Andaluzia: 728-728 Uthman ibn Abi Nasah al-Khathami
________ Andaluzia: 728-729 Hodjefah ibn al-Ahwan al-Kaysi
________ Andaluzia: 729-730 al-Haythan ibn Ubeyd al-Kelabí
________ Andaluzia: 730-730 Muhammad ibn Abd Allah al-Ashjai
________ Andaluzia: 730-732 Abd al-Rahman ibn 'Abd Allah al-Gafiqui
________ Andaluzia: 732-734 Abd al-Malik ibn Qatan al-Fihri
________ Andaluzia: 734-741 Uqba ibn Hayyay al-Saluli
________ Andaluzia: 740-741 Abd al-Malik ibn Qatan al-Fihri
________ Andaluzia: 741-742 Baly ibn Bisr al-Qushayri
________ Andaluzia: 742-743 Ta'laba ibn Salama al-Amilí

0737-0739 [Astúrias] Fáfila
________ 0732-0757 Flávio Alarico ("conde de Coimbra")


Invasão Árabe (2) -
Reino das Astúrias consolidado ocupa a Galiza/Minho
Califado Omíada de Damasco, Emirato de Córdoba

0739-0757 [Astúrias] Afonso I (o católico, cria o "Deserto do Douro")
0743-0744 [Omíada] Al-Walid II ibn Yazid II (Damasco)
0744-0744 [Omíada] Yazid III ibn al-Walid & Ibrahim ibn al-Walid (Damasco)
________ Andaluzia: 743-745 Abu-al-Jattar al-Husam ibn Dhirar al-Kalbí
0744-0750 [Omíada] Marwan II ibn Muhammad (Damasco)
________ Andaluzia: 745-746 Tuwaba ibn Salama al-Yudami
________ Andaluzia: 746-747 Abd al-Rahman ibn Kabir al-Lahmi
________ Andaluzia: 747-756 Yusuf ibn Abd al-Rahman al-Fihri
0750-0754 [Abassíada] Abu al Abbas As-Saffah (Bagdad)
0754-0756 [Abassíada] Al Mansur (Bagdad - 775)

Emirato de Córdova (depois de 756)
0756–0788 [Omíada] Abd ar-Rahman I [Córdova]

0757-0768 [Astúrias] Fruela I (o cruel)
________ 0757-0805 Flávio Teodósio ("conde de Coimbra")
0768-0774 [Astúrias] Aurélio
0774-0783 [Astúrias] Silo [Capital: Pravia]
0783-0788 [Astúrias] Mauregato (usurpador)

0788–0796 [Omíada] Hisham I [Córdova]

0788-0791 [Astúrias] Bermudo I
0791-0842 [Astúrias] Afonso II (o casto) [Capital: Oviedo, reconquista Lisboa]


0796–0822 [Omíada] Al-Hakam I [Córdova]
0822–0852 [Omíada] Abd ar-Rahman II [Córdova]


0842-0842 [Astúrias] Nepociano (usurpador)
0842-0850 [Astúrias] Ramiro I
0850-0866 [Astúrias] Ordonho I

0852–0886 [Omíada] Muhammad I [Córdova]

Reino de Leão (ex-Astúrias) & Condado Portucalense

0866-0910 [Astúrias] Afonso III (magno): divide o reino: Asturias, Galiza, Leão (910)
________ 868-873 [Portucale] Vímara Peres: fundação do condado Portucalense e Vimarães
________ 873-922 [Portucale] Lucidio Vimaranes
________ 878-920 [Conimbria/Portucale] Hermenegildo Guterres (conq. definitiva de Coimbra)
0910-0914 [Leão] Garcia I
0914-0924 [Leão] Ordonho II [Cap. Léon] (toma Évora)
________ 922-924 [Portucale] Onega Lucides
________ 920-928 [Conimbria] Aires Mendes
0924-0925 [Leão] Fruela II , Afonso Froilaz (925)
0925-0931 [Leão] Afonso IV
________ 926-950 [Portucale] Hermenegildo Gonçalves & Mumadona Dias
________ 928-983 [Conimbria] Gonçalo Moniz
0931-0951 [Leão] Ramiro II [Cap: Viseu]
________ 950-999 [Portucale] Gonçalo I Mendes
0951-0956 [Leão] Ordonho III
0956-0958 [Leão] Sancho I
0958-0960 [Leão] Ordonho IV
0960-0966 [Leão] Sancho I
0966-0984 [Leão] Ramiro III
________ 983-990 [Conimbria] Múnio Gonçalves
0984-0999 [Leão] Bermudo II
________ 990-1017 [Conimbria] Froila Gonçalves
            997: Gonçalo I Mendes de Portucale proclama ducado, e é deposto em 999.
________ 999-1008 [Portucale] Mendo II Gonçalves
0999-1028 [Leão] Afonso V
________ 1008-1015 [Portucale] Alvito Nunes
________ 1016-1028 [Portucale] Ilduara Mendes & Nuno Alvites
________ 1017-1034 [Conimbria] Mendo Luz
1028-1037 [Leão] Bermudo III
________ 1028-1050 [Portucale] Mendo III Nunes

Reino de Leão e Castela de 1037-1143

1037-1065 [Leão e Castela] Fernando I (magno)
________ 1050-1071 [Portucale] Nuno II Mendes
________ 1064-1071 [Conimbria] Sisnando Davides (-1091)
1065-1072 [Leão e Castela] Sancho II
          1071: indep. Portucale batalha de Pedroso - Nuno II Mendes é morto
1065-72 [Galiza] Garcia II  (C. Portucalense inserido na Galiza em 1071)
1072-1109 [Leão e Castela,Galiza] Afonso VI
________ 1091-1093 [Portucale & Galiza] Raimundo de Borgonha
________ 1091-1093 Martinho Moniz (Conimbria)
________ 1095-1112: [C. Portucalense] Henrique de Borgonha (c. Teresa de Leão)
1109-1126 [Leão e Castela] Urraca
________ 1114-1128: [C. Portucalense] Teresa de Leão
1126-1157 [Castela] Afonso VII (imperador, Portucalense até 1143)
________ 1128-1143: [C. Portucalense] Afonso Henriques


Surge aqui a 
DINASTIA de BOLONHA


O nome será Bolonha e não Borgonha... os irmãos Raimundo e Henrique seriam sobrinhos dos Reis de Jerusalém, Godofredo e Balduíno, conforme atesta Damião de Goes
A filiação do pai de Afonso Henriques é a Bolonha, de Boulogne-sur-mer, ou ainda ao Condado do Bulhão, de Bouillon, na Normandia.
Aliás essa ligação a Bolonha é reeditada por Afonso III, dito o Bolonhês, que se casará com Matilde, condessa de Boulogne-sur-mer.

É especialmente interessante notar o escudo de armas usado pelos Condes de Bolonha
Armas do Condado de Boulogne-sur-mer

Os três bezantes invocariam os três irmãos reconhecidos, filhos de Eustácio II e de Ida, ou seja, Godofredo, Balduíno e Eustácio III... os dois primeiros Reis de Jerusalém.
Ficariam de fora outros filhos, do casamento posterior, em particular Guilherme, o pai do Conde D. Henrique, conforme afirma Damião de Góis.

Assim, as nossas quinas poderão ser uma tentativa de correcção, passando de 3 para 5 bezantes... ou ainda reflectindo as 5 cruzes que Godofredo coloca no escudo de Jerusalém
Godofredo de Bulhão e o escudo com as 5 cruzes.

Poucos anos antes dos irmãos do Condado de Bolonha partirem para ser Reis de Jerusalém em 1099, a milhares de quilómetros, em 1088, uma outra Bolonha... esta de Itália, entrava na história ao fundar a primeira universidade.
O segundo milénio começava com duas Bolonhas: a francesa nas cruzadas e a italiana na universidade.