Num comentário recente, a Maria da Fonte mencionou o Manuscrito 512, da Biblioteca Nacional brasileira, onde se descreve a descoberta de "uma oculta e grande povoação antiquíssima" no interior brasileiro.
... última página do Manuscrito 512, que se transcreve na íntegra (em baixo).
A história envolvente é suficientemente fascinante, porque está longe de começar ou terminar com este manuscrito. O manuscrito começa por referenciar "o grande descobridor Moribeca", e ao que consta este Moribeca do Mato Grosso, meio-português, meio-índio, tornou-se uma lenda da segunda metade do Séc. XVI, pois ostentaria grande riqueza de ouro e prata, tendo levado "a expedições portuguesas com 1400 homens que desapareceram na selva"...
Esta é a parte anterior ao manuscrito, que faz referência a Moribeca, e a parte posterior continua especialmente com as expedições amazónicas do Coronel Percy Fawcett, que se vai basear no Manuscrito 512. Em 1925, na sua 9ª exploração, perde-se definitivamente na selva amazónica.
A cidade perdida, a que Fawcett chamou "Lost City of Z", foi nome de um livro de 2009, e de um filme por estrear (previsto para 2015), .
Desconhecia o assunto, mas lendo o relato notei seguinte a passagem:
- "Três dias caminhamos rio abaixo, e topamos uma catadupa de tanto estrondo pela força das águas, e resistência no lugar, que julgámos não faria maior as bocas do decantado Nilo: depois deste salto espraia de sorte o rio, que parece o grande Oceano"...
Os rios em questão são denominados Pará-oaçú e Uná, e não fora a referência ao sertão da Bahia (quantos baías e "lagoas de patos" há no Brasil?), e esta descrição assentaria melhor noutros rios:
- Paraná-Igoaçú. e nas famosas Quedas do Iguaçu,
Acontece que a região sul do Brasil ficou conhecida pelas missões jesuítas abandonadas:
Quedas do Iguaçu (azul), e as missões jesuítas: S. Miguel Arcanjo e S. Ignacio Mini
São bem conhecidas algumas imagens destas duas missões jesuítas (que fazem parte de um conjunto UNESCO das missões jesuítas em território Guarani).
Ruínas da Missão de S. Ignacio Mini - Argentina (wikipedia)
Ruínas da Missão de S. Miguel Arcanjo - Brasil (panoramio)
Qual a relação entre estas missões jesuítas abandonadas e as cidades perdidas?
Aparentemente, nenhuma.
Se as ruínas da Missão de S. Miguel Arcanjo dão de facto ideia de uma igreja (mas dir-se-ia mais de uma igreja ou edifício romano, nos tempos finais da Roma Imperial...), onde estão os traços tão identificadores de que era uma igreja ao tempo do barroco?
O que dizer então das ruínas da missão de S. Ignacio Menor?
Há algum vestígio de sinal cristão, sem ser uma placa que aparece distintamente (e dir-se-à talvez recentemente...) esculpida na parede. Quem são os dois personagens que ladeiam a entrada?
Pois, não encontramos resposta a esta questão.
Portanto, aquilo que nos pode parecer é que há um momento em 1753 onde se revela no Rio de Janeiro a existência de uma cidade perdida com ouro... cuja descrição em muito se parece com a que vemos em S. Ignacio, até pela circundante com os caudalosos rios e a estrondosa cascata.
Chegada essa notícia, tornava-se inevitável resolver o problema destes vestígios... como?
Já sabemos que o terramoto de 1755 serviu para esconder documentação, mas em 1759, surge a ordem pombalina de abandonar as missões jesuítas. A mesma ordem é dada depois pelo lado espanhol e os exércitos ibéricos, rivais naquele território, ficam juntos contra os Guaranis que estranhamente lutavam pelos estabelecimentos jesuítas.
Onde havia outros estabelecimentos de construção semelhante no Brasil, ou na Argentina?
Não se conhece.
Aparentemente só houve interesse jesuíta em fazer grandiosas construções de pedra, anacrónicas, ali, junto aos Guaranis, entre Brasil, Argentina e Bolívia.
Já falámos aqui dos relatos de Candido Costa sobre achados greco-macedónios na zona vizinha de Montevideu, em Dores.
Não é difícil pensar noutra história... podia haver missões jesuítas na zona, sem dúvida, mas também podemos pensar em que o abandono reportado fosse outro... muito mais antigo, onde as árvores arranjaram maneira de crescer por entre os muros desaparecidos. Aquelas construções têm poucas ou nenhumas referências católicas, tão características da época barroca. Afinal, as que existem podem bem ter sido colocadas posteriormente. O que os guaranis quiseram preservar pode ter sido a memória antiga do lugar, que iria ser lapidada com mais um cinzel do Marquês.
As referências à Bahia apontaram sempre para a zona da Chapada Diamantina, e terá sido aí que se perderia o Coronel Fawcett. Porém, como bem se sabe, não há melhor maneira de esconder um registo do que deixá-lo bem visível e chamar-lhe outra coisa. Poderá ter sido esse o caso de cidades perdidas, atestando presenças greco-romanas, e que passaram depois por ser ruínas de missões recentes.
Fica apenas a hipótese, e também um trabalho de Diomário de Paula Filho
que segue na linha da hipótese de Schwennhagen sobre o domínio atlântico (dos atlantes), e vai depois estabelecer nexos interessantes. Saliento que encontra um nexo entre a escultura descrita e uma escultura romana:
Diz a este propósito:
Com respeito a esta estátua há pouco tempo tive a oportunidade de visitar o Museu de Belas-Artes no Rio de Janeiro e vi uma escultura praticamente idêntica a esta. Representava uma pessoa de pouca idade sem barba coroada de louro e atravessada por uma banda. Escultura feita por sinal em mármore. Dizia a plaqueta abaixo: "desenterrada nos arredores de Roma em escavação realizada a custeio da princesa Isabel".
Portanto, já se sabe como foram para esculturas romanas ao Brasil... outro caso conhecido é o da coluna romana em Natal, oferecida por Mussolini...
Deixo de seguida o texto transcrito do Manuscrito 512.