sábado, 17 de outubro de 2015

Seguindo os pés de Barros (2)

Prosseguimos a sequência de origens toponímicas de João de Barros, iniciada aqui:


sobre o qual poderíamos fazer várias considerações intermédias, mas que preferimos deixar como encontramos, dando para já só um especial destaque à justificação singular para o nome de Lisboa:

Lisboa << Olisippo << Olos + Hippo = Tudo + Cavalos

ou seja, Barros adopta a teoria de que Lisboa resultaria do grego para significar "tudo cavalos", recordando a lenda regional das éguas que acasalavam com o vento.
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G
Gaya [Gaia] - Castelo junto do Douro no cabo da Lusitania uma légua do mar, alguns dizem que o edificou Gaio César e que lhe pôs aquele nome. Mas o Itinerário lhe chama Calém, donde o Reino tomou o seu nome e não dos Gallos, e daí se chamam Portugueses e não Portugaleses.

Gadix [Cadiz] - cidade no reino de Granada, chama-lhe Plínio Axim.

Guadiana -  Rio notável que parte a Bética da Lusitania, chamava-se antigamente Anas, e outros lhe chamavam Anabis, e os mouros lhe puseram este nome porque Guadem em arábico quer dizer água, e a misturaram com Ana, que tinha primeiro.

Gibraltar - chama-lhe Volaterrano e António, Calpe, e tão bem se chamou Eraclia. E os mouros lhe puseram este nome assim como a Gibraleon, porque Gibra em arábico significa altura, no que está este lugar.  

Guarda - cidade em Portugal se chamou Egitania, que é nome gótico d'el rey Egita, godo que a fundou. E teria eu que os mouros lhe puseram este nome porque é lugar mui forte. No letreiro da ponte de Alcântara está este nome da Guarda com sua ortografia, cuido que lhe chama Elitania, Eletaneum. Erasmo na colecção dos apotemas lhe chama Ciania, e Valerio Max. lhe chama Ciania.

Guadalquibir [Guadalquivir] - Rio na província Baetica que corre por Sevilha e se mete no mar chamava-se antigamente Baetis e Tartessus, mas os mouros desde que tomaram a Espanha lhe puseram este nome, porque como este rio seja o maior de Espanha, chamaram-lhe Guadalquibir que quer dizer em seu arábico dizer Rio grande ou Água grande.

Granada - cidade na Baetica chamava-se Sengilia como diz Marco Aretro, outros lhe chamam Liber, e dela parece que fala o Concílio Ilibertino que nela se fez, que está no volume dos Concílios Ilibertinos, e ainda agora tem uma parte que chamam d'Elvira, que os godos assim nomeavam. Depois os mouros lhe puseram este nome por ser cidade excelente, e boa, e cheia, como o Romão a que os latinos chamam malum punicum, e eles granada. Outros dizem que lhe chamam Granada pelos muitos romeiros da qual é tão abastada, que as tapadas herdades são delas.

Giro [Girona] - na cidade do Reino de Aragão chamava-se pelos romanos Gerunda

Guadalaiarra [Guadalajara] - vila junto ao rio Turia, os mouros mudaram este nome à vila, e ao rio, porque Jarra quer na sua língua arábica dizer pedra, e porque aquele rio tem muitas pedras lhe chamaram assim, daqui fica em Castela. E em algumas terras e lugares de Portugal chamarem hoje aos seixos e pedras redondas guijarrões.

Galliza [Galiza] - chamava-se antes Callacia e Callecia e não com G, como dizem os letreiros de Braga onde era o Consistório de Galiza.

Grijó -  mosteiro três léguas do Porto ao sul, chamava-se Igrejoula em tempo dos Godos, que devia ser pequena cousa, depois cresceu a devoção, e viu-se acrescentar em muita renda e corruptamente lhe chamam agora assim.

Guimarais [Guimarães] - diz Florião do Campo que se chamava Araduca, e posto que o não afirme, pode ser pela ara de Nerva que está daí a uma légua, que direi em seu lugar.

J 
Jeras [Geraz do Minho] - é um vale muito fresco que está junto do Castelo de Lanhoso ao qual Ptolomeu chama Jerabriga, e daqui veio chamar-se agora aquele vale Jeraz.

Jaem [Jaén] - cidade em Terragona, chamava-se Xerez como Aretro diz, mas Siculo e outros lhe chamam Monteza, e os mouros lhe puseram este nome porque Jaem em arábico quer dizer abundância de riquezas.

L
Longroiva - castelo na Lusitania a par do rio Douro, vinte léguas do Porto, chamava-lhe Ptolomeu Langrobriga, e neste lugar parece que o assenta.

Lisboa - sita na Lusitania junto do Tejo, chamava-se Olissippo, como dizem Plinio & todos, e outros lhe chamaram Ulixia, porque dizem que Ulixes [Ulisses] a edificou, e agora corruptamente lhe chamamos Lisboa, e assim lhe chamavam os mouros até que lha tomámos. Mas parece ser falso dizerem que se chamava Ulixea de Ulixes, porque se assim fora, disseram Ulixipo ou Ulixea e não Olissippo, mas a verdade é que se chamou Olisippo com O e um L e um I latino e um S e dois PP e chamou-se assim como diz Valla por ser abastada de cavalos, porque olos em grego quer dizer toda, e hippos cavalos, porque há tantas éguas e cavalos junto do Tejo na Ribeira de que nasceu fama entre os escritores antigos que concebiam as éguas do vento junto deste Rio, donde ainda até agora chamam a certas éguas Zébias quasi concebidas do vento Zéfiro, e por esta cópia de cavalos lhe foi posto este nome, que quer dizer toda de cavalos. Nós, corrompendo o nome lho mudámos em Lixboa por nossa linguagem, por ser terra tão boa, e nos apartamos do nome antigo Grego, e creio eu que os mouros lho começaram a mudar, porque já quando lha tomamos se chamava assim. Mas outros nomes gregos temos de entre nós (?) assim como tio, miolo, trepesa, artisa, tostão, cara.

Lima - Rio de antre Douro e Minho, chamava-lhe Ptolomeu, Plínio, e Strabon, Limius, alguns lhe chamaram Lethes, como direi mais adiante.

Lião [Léon] - cidade em Terragona, chamava-se Legio Germanica, donde todo o reino tomou o nome que se chama Leão.

Lugo - cidade em Galiza, chamou-se Lucus Augusti, e a gente lucenses, segundo Volaterrano.

Leyria [Leiria] - cidade na Lusitania chama-lhe Ptolomeu Leria. Tomou este nome de uma mulher que a senhoreou, que se chamava assim.

Lexa - cidade de Granada chamou-se Losta como diz o Siculo.

Lamego - cidade na Lusitania, junto ao Douro, quinze léguas do mar segundo a descrição de Ptolomeu parece que lhe chama Lacobriga, porque ele põe dois lugares quase de um nome, Langobriga e Lacobriga. E o primeiro é Longrovia e este é Lamego, e desde que houve Reis em Portugal, sempre lhe chamam assim, e alguns forais velhos de latim lhe chamaram Lameco, mudando o G em C quasi tudo é uma coisa.

Lanhoso - é castelo em alto entre Douro e Minho e duas léguas de Braga, ao qual segundo já disse, chamava Ptolomeu Jerabriga, e parece-me que está na terra antigamente chamada dos escritores Bibali, e que é a que chamavam Bivalium por serem dois vales muito frescos e viçosos.

Lerida - cidade em Aragão chamava-se Ilerda como todos dizem, e os povos Ilergetes.

Lagos - vila do Algarve, chamava-se Lacobriga, e os povos daquela parte Lagobritas. Plu[tarco] in vita Sertorii.



sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Adeste Fideles de Dom João IV

A memória nacional tem sido tão delapidada, que quando for toda perdida será considerado um mistério falar-se português no Brasil, em Angola, Moçambique, ou noutras partes, sendo claro que em Portugal é um incómodo leccionar em português, e em muitas universidades os mestrados têm já o inglês como língua oficial.

Vem isto a propósito de um tema religioso clássico "Adeste Fideles", que apesar de ser cantado em latim e não em português, terá sido escrito por D. João IV, na sua vertente menos conhecida, a vertente de compositor musical. Apareceu na Inglaterra muito depois, onde ficou conhecido como "Hino Português", embora não haja hoje praticamente nenhum português que disso saiba, e vá passando por um dos vários temas natalícios, interpretado por uma panóplia de cantores.

Escolho aqui a versão de Andrea Bocelli, não tanto por ilustrar a cegueira a que nos condenaram, mas porque a música é sublime e este tenor italiano tem aqui uma interpretação capaz de provocar arrepios na espinha, e transmutar qualquer corpo frágil em espírito forte, contra as legiões de esbirros traidores que nos desgovernaram.


Adeste, fideles, læti triumphantes.
Venite, venite in Bethlehem.
Natum videte Regem angelorum.
Venite, adoremus, Venite, adoremus, Venite, adoremus Dominum.
En grege relicto humiles ad cunas,
Vocati pastores approperant,
Et nos ovanti gradu festinemus.
Venite, adoremus, Venite, adoremus, Venite, adoremus Dominum.
Æterni Parentis splendorem æternum,
Velatum sub carne videbimus,
Deum infantem pannis involutum.
Venite, adoremus, Venite, adoremus, Venite, adoremus Dominum.
Pro nobis egenum et fœno cubantem
Piis foveamus amplexibus ;
Sic nos amantem quis non redamaret ?
Venite, adoremus, Venite, adoremus, Venite, adoremus Dominum.

Que se traduz mais ou menos assim:
Acorram fiéis, alegres e triunfantes. Venham, venham, a Belém. Nascido, vejam o Rei dos Anjos. Venham, adoremos. Venham, adoremos. Venham, adoremos o Senhor. Doceis à voz celeste os camponeses deixam o seu terço, e apressam-se a visitar o seu humilde berço. E nós também, havemos de lhe levar nossos passos. Venham, adoremos. Venham, adoremos. Venham, adoremos o Senhor. Aquele que é o esplendor eterno do Pai, por trás do véu da carne mortal, veremos um Deus menino embrulhado em linho. Venham, adoremos. Venham, adoremos. Venham, adoremos o Senhor. Abracemos piamente esse Deus, por nós na pobreza gerado e no feno deitado. Quando ele assim nos ama, como não o amaremos nós? Venham, adoremos. Venham, adoremos. Venham, adoremos o Senhor.

Já há bastante tempo tinha aqui referido o compositor Filipe da Madre Deus:
mas desconhecia a faceta de rei músico associada a D. João IV, que ao que consta seria também intérprete versátil em todos os instrumentos.
He [D. João VI] had inherited the predilection of the Portuguese royal family of Bragança for sacred music: his ancestor, João IV was credited with playing all musical instruments and with composing the Christmas carol "Adestes fideles". Nourished by generations of royal patronage, the church music in Portugal at the time of Dom João VI regency was "the best in Europe". 
in Neil Macaulay (1986) Dom Pedro: The struggle for liberty in Brazil and Portugal
E se a música sacra era considerada a melhor na Europa, mesmo no tempo de D. João VI, vemos como muito se foi acumulando na perda.

Neste caso, sobre o tema "Adeste Fideles", a autoria só foi remetida a D. João IV porque, por manifesto inconveniente, a mesma partitura foi encontrada no palácio de Vila Viçosa, entre velharias desse período, o que veio colocar em causa a versão da história que dava John Francis Wade como compositor do "Hino Português" em 1743, ou ainda outra que apontava Gluck como candidato.
No entanto, estes inconvenientes de se encontrarem originais anteriores à cópia, são apenas um detalhe na atribuição da autoria, já que a omissão da descoberta se encarrega habitualmente de destruir por completo a memória de uns em benefício do património dos outros.
Aqui, também não é difícil de ligar todo o espólio musical perdido ao incêndio do Sismo de 1755, chama tal que consumiu os registos, neste caso mesmo o de Vila Viçosa, onde não ardeu no papel, mas ardeu na memória.

Ver também: