Comentários ao postal anterior, e em particular um comentário de A. Saavedra suscitou a questão sobre quais seriam os objectivos que teriam motivado os diversos agendamentos, em particular, os mencionados - descolonização, colonização, descolonização, globalização...
Se formos pelo lado da maçonaria, veremos invocado o "humanismo", o que seria um propósito muito nobre, se não tivéssemos também sido habituados aos aspectos pouco "humanos" que as lengalengas de boas intenções nos trazem. A esse propósito, e para que fique claro, ainda pior registo nos deixaram todos aqueles que, em nome de boas intenções, fossem estas cristãs, muçulmanas, judiarias, ou outras, trouxeram à Terra um pouco do pior inferno que lhes atravessava o espírito.
Auto-de-fé, no Terreiro do Paço em Lisboa, Séc. XVII.
Deve entender-se em português "Auto" como "Acto", ou seja, Acto-de-fé.
Portanto, não podendo fiar nas próprias respostas, de gente pouco fiável, resta a arte de especular.
Especular significa observar de forma inteligente, algo que é conveniente confundir com disparatar.
Etimologia
Uma das primeiras coisas interessantes é tentar perceber se as palavras nos indicam algum caminho, já que o Português não é apenas uma língua, aparenta ter toda uma filosofia encapsulada... assim o queiramos perceber.
Objectivo, deriva de objecto, ob-jecto, e vou aqui citar algo que escrevi há uns anos:
Projectar resulta da composição do prefixo "pro" com "jactar" de onde vem "jacto".
Ora, jactar é lançar (como em "alea jacta est", os dados estão lançados).
Projectar é assim lançar para a frente, ou para o futuro.
Rejeitar, que é desvio português de rejectar (inglês: reject), será lançar para trás.
Outras variantes são "dejectar" ou "enjeitar" ambas ligadas a lançar para fora.
Outra ainda está no "sujeitar" (inglês: subject) ficar abaixo do lançado, ou em "injectar" como inserir no jacto.
O jeito português misturou essas raízes... o jeito de lançar substituiu o jacto.
Mas esse jeito de lançamento, provavelmente do dardo, ficou no gesto ou na gesta, e nalgumas povoações ainda se ouve o "ter jêto" em vez do "ter jeito".
O prefixo "ob" é de oposição, como em "obstar" (estar contra), e portanto "objecto" é algo que obsta ao jacto, ao arremesso, ou ao jeito. Esse algo pode ser o alvo, e assim funciona enquanto "objectivo", mas também o arremesso pode ser parado, quando alguém se põe à frente do alvo, e nesse caso diz-se "ele objectou"... O objector colocando-se como objecto, é alvo intermédio do jeito de arremesso.
De igual modo funcionam as palavras:
- "abjecto", arremetido para fora ("ab"), sem jeito;
- "trajecto", que será o caminho através ("trans") do jacto, ou do jeito;
- "ejectar", quando o jacto, ou o jeito, é de saída ("ex").
Neste caso, funcionando de forma similar nas línguas de raiz latina, haveria necessidade de invocar o português? Com efeito, "efeito" é suposta conjugação latina de "efectuar" enquanto "effectus", o que significa "é feito", só que em português não é preciso ir ao latim, para tirar "é feito" de "efeito".
Isso não acontece com o "effect" inglês, ou o "efet" francês, não tomam o sentido em "is done" ou mesmo em "est fait", que sonoramente é similar a "efet".
Só que o português vai mais longe, e numa arte milenar que hoje se chama "para inglês ver", não tem o verbo "efazer", tem o verbo "enfeitar".
A diferença entre "efeito" e "enfeito", é que no último caso não é preciso fazer, basta enfeitar...
Tal como passar por ter isso feito, ou ter feito isso, é "feitiço".
Na arte do feitiço, chamada feitiçaria, o povo era ludibriado pelos feiticeiros de serviço.
Isso não acontece com o "effect" inglês, ou o "efet" francês, não tomam o sentido em "is done" ou mesmo em "est fait", que sonoramente é similar a "efet".
Só que o português vai mais longe, e numa arte milenar que hoje se chama "para inglês ver", não tem o verbo "efazer", tem o verbo "enfeitar".
A diferença entre "efeito" e "enfeito", é que no último caso não é preciso fazer, basta enfeitar...
Tal como passar por ter isso feito, ou ter feito isso, é "feitiço".
Na arte do feitiço, chamada feitiçaria, o povo era ludibriado pelos feiticeiros de serviço.
Filosofia dos abjectos
Este pequeno intróito serve para deixar claro que, na liturgia das palavras adquiridas, um objectivo pressupunha um trajecto e algo que se opusesse a esse trajecto. Ou seja, não supõe alcançar algo sem que nada objecte, sem que ninguém se queixe. Não se pretende algo que "que caia em saco roto".
Curiosamente, a minha perspectiva de "objectivo" foi sempre oposta, no sentido em que a comunidade é útil, mas dispensável, para avaliar da solidez dos objectivos. A solidez deve ser objectiva e não subjectiva, e não é por ter avalo de um ou de um milhão que isso se altera.
Uma necessidade de mérito por confrontação, que é essência do chamado "método científico", reflecte uma mentalidade tortuosa, que dá apenas valor ao que é alcançado por conflito - contra os outros, ou contra os elementos.
O valor sai de unanimismos e nisso não se afasta da mentalidade medieval.
O valor sai de unanimismos e nisso não se afasta da mentalidade medieval.
Enquanto numa sociedade primitiva, nómada, um objectivo familiar seria afastar-se para procurar territórios de caça, sem conflitos com os vizinhos... quando a sociedade passou à filosofia agrícola, em que a dependência da terra obrigava à sedentarização, e à inserção numa hierarquia social de alimentação, a expulsão dessa sociedade passou a ser vista como um pior mal.
Abjecto, banido, ou ostracizado (na versão grega), o exílio era um castigo visto por muitos como mais severo do que a prisão ou a morte. Digamos, a prisão não existia, porque ninguém pensava em alimentar e alojar presos de graça. A prisão era o trabalho escravo. A escravatura foi simplesmente uma solução entendida como inteligente para resolver um problema prisional. Nenhuma família romana queria ter que alimentar prisioneiros gauleses, mas se estes servissem como escravos, pois aí dava jeito, mais jeito do que construir inúteis campos de concentração em Roma.
No Séc. XIX aquando da organizada política de emigração europeia, organizada pela maçonaria (e pela cúria romana), os pobres migrantes europeus sonhavam com propriedades americanas, e partiram em debandada como nunca antes. Partiam em magotes para países novos, independentes, muitos deles para uma língua completamente estranha. Curiosamente, na mesma altura que as potências europeias cimentavam o seu poder colonial em África e na Ásia, a maioria da emigração não se destinava a essas colónias. No caso português, a emigração ia essencialmente para o Brasil ou EUA, e em muito menor escala para Angola ou Moçambique. A maioria dos portugueses em África chegou só no Séc. XX, depois dos anos 50.
Vejamos isto em contraste com o que se passou no Séc. XV e XVI. Se a colonização da Madeira e Açores foi rápida e eficaz, não seria de esperar que os marinheiros contassem às suas gentes dos paraísos tropicais que viam?
No entanto, Portugal sempre quis reduzir a sua presença além-mar ao mínimo - a pequenas povoações fortificadas, destinadas ao comércio - as feitorias. Funcionavam como enfeitorias, disfarçando uma efectiva vontade de não-colonização.
As capitanias hereditárias do Brasil, pelo reduzido número, 14 dadas a 12 famílias da pequena nobreza, procuraram resolver o problema ao estilo feudal... ou seja delegar na nobreza o controlo de desses territórios, estendendo o braço da coroa real.
Assim, se a quase totalidade da população europeia não tinha qualquer posse de terra, também não iria ficar com ela, quando ao mesmo tempo haveria uma imensidão de posse a distribuir.
Da posição de servos na Europa, para os camponeses que emigrassem pouco se iria modificar o seu estatuto, já que iriam ficar apenas com diferentes senhores, diferentes paisagens, clima e doenças.
O entusiasmo com a ida para paisagens exóticas só entusiasma os cidadãos actuais. O nobre paraíso seria mais o jardim artificial do que a exuberância natural.
Na altura, ser remetido para paraísos tropicais, era um degredo, uma expulsão da pátria, e só com condenados ao exílio se conseguia uma povoação razoável no ultramar.
Tal como no caso das famílias romanas, as famílias das capitanias viram maior interesse na utilização de escravos, para aproveitar a extensão colonial, do que propriamente em incentivar um estabelecimento de marinheiros nacionais, que poderiam questionar a sua posse. Quando esse incentivo existiu, como para colonizar a Austrália, já no Séc. XIX, e à falta de melhor, uma solução era remeter para lá os condenados... e as despedidas eram encaradas como uma morte, já que dificilmente aos desterrados era pensado conseguir regressar à Inglaterra.
Em contra-corrente com esta filosofia de ver a tropicalidade como lugar de abjectos, mas ainda assim não se afastando dela, surgiu o movimento evangelizador dos jesuítas. Voluntariamente, ofereciam-se ao sacrifício missionário de cristianizar os indígenas. Não se afastava da visão medieval, porque era entendido como um sacrifício em favor da cristandade, e das "almas perdidas" dos indígenas.
No entanto, a vontade de libertação do senhorio alheio manifestou-se fortemente, e apareceram mesmo "reinos piratas", em Nassau, e noutras paragens caribenhas, que fracamente se aguentaram face ao poderio colonial europeu. Até ao fim do Séc. XVIII a ordem europeia visava manter as cabeças coroadas na Europa, e não criar novos reinos satélites... tal como Cartago punia os desertores que abandonassem os seus navios, escapando-se para paraísos tropicais.
Daquilo que sabemos, e podemos concluir, é que o processo de atribuir propriedade a qualquer cidadão foi um desiderato maçónico, iniciado com as repúblicas americanas, especialmente nos EUA.
Nesse aspecto, contribuíram para o efectivo fim do feudalismo no mundo medieval.
A maçonaria, enquanto organização de cariz secreto, mexeu todos os cordelinhos, e em conjunto com os judeus europeus, conduziu um controlo financeiro e editorial, começando a formar a mentalidade das populações na revolução industrial. Não bastava tirar as pessoas das aldeias, era preciso tirar a mentalidade aldeã dessas pessoas. Por isso, se empenhou tanto em formatar a escola, ao ponto de ser impingida uma outra história, que retirasse o catecismo do centro do indivíduo. Como tinha ficado claro, se ninguém interviesse, as pessoas continuariam a ver os paraísos tropicais como infernos, se tais paragens fossem entendidas como um desterro.
Para um observador exterior, é fácil concluir que, mais fácil do que levar alguém ao paraíso, seria tentar convencê-lo de que tinha chegado... Percebeu-se que seria preciso dar um certificado carimbado de que era ali! O chavão "terra da liberdade" foi de tal forma assumido pelos EUA, e propalado pela Europa, pelas publicações editoriais, que a vaga migratória passou a ser vista como a única oportunidade de se verem livres do jugo senhorial.
Na Europa, as mentalidades começaram a mudar pelo despoletar sincronizado de revoluções liberais, em 1848, que veio forçar um parlamentarismo em quase todos os reinos, abrindo os portões de poder.
Este plano maçónico foi trabalhado na Inglaterra, disso não parecem restar grandes dúvidas, mas a forma como conseguiu adesões estrangeiras, em todos os reinos europeus, continua a ser um notável caso de sucesso. Além disso, resultando de herança templária, as ligações à Ordem de Cristo, parecem-me inevitáveis, uma vez que o fim prático da autonomia da Ordem de Cristo em Portugal, em 1551, terá levado a uma consequente migração dos seus protagonistas e promotores internos.
Filosofia de eunucos
Os abjectos, excluídos da sociedade, desde tempos egípcios, foram inevitavelmente os escravos.
A prole de escravos gerava escravos, tal como depois a prole de servos gerava servos.
Como o postal vai longo e já falei bastante sobre este assunto:
realço apenas que se gerou nos bastidores do poder, através de serviçais dos impérios, em boa parte eunucos, uma filosofia de descendência que ia para além do benefício da própria prole.
No caso dos eunucos, escravos, isso era bastante claro, e essa tentativa de controlo da sociedade por uma elite de homens, abnegados da reprodução sexual, foi ainda promovida pelo próprio cristianismo - sem constasse em parte alguma dos seus requisitos fundadores que os padres devessem ser castos.
Assim, foi sendo criada a ideia de um objectivo humanitário além do grupo familiar, da tribo, do povo, do reino, cujo propósito maior foi sendo estabelecido pelos movimentos missionários católicos (nomeadamente os jesuítas), ao mesmo tempo que se invocava uma filosofia cristã desprendida do pressuposto religioso, o chamado humanismo. Todo este caldo esteve em ebulição na Europa do Séc. XVI. Já teria ingredientes mais antigos e muito semelhantes na disseminação do budismo, e similares religiões orientais, onde também era requisito uma abstinência dos seus monges.
O propósito de ser pela humanidade, e não tanto por uma classe, por um grupo, por um povo, ou por uma nação, passou a constar de novo da ementa mundial, como nunca antes teria acontecido, ainda que certas noções já existissem de forma localizada no império romano, e na civilização grega, mas que encravavam na noção do estranho, enquanto bárbaro.
Este propósito, não sendo alcançável na sua utopia, estilhaça as diferenças entre nações, ao querer vergar a diferença a uma unidade monocromática. Tornou-se anti-nacionalista em vez de celebrar as diferenças virtuosas dos diversos nacionalismos. Numa tentativa progressista desesperada, foi buscar mais igualdades, onde elas pouco sentido faziam... chegando-se ao cúmulo jurídico de pretender igualdade de direitos para animais, quando estes direitos estão ainda muito longe de ser adquiridos por muitos humanos.
Quando se continua a caminhar em frente, ignorando a paisagem à volta, é que se percebe que os supostos pastores só continuam a ostentar a vara, porque não querem assumir a sua cegueira.
Nada mais vêem em frente, mas ninguém os ensinou a largar o cajado do comando.
Os abjectos, excluídos da sociedade, desde tempos egípcios, foram inevitavelmente os escravos.
A prole de escravos gerava escravos, tal como depois a prole de servos gerava servos.
Como o postal vai longo e já falei bastante sobre este assunto:
realço apenas que se gerou nos bastidores do poder, através de serviçais dos impérios, em boa parte eunucos, uma filosofia de descendência que ia para além do benefício da própria prole.
No caso dos eunucos, escravos, isso era bastante claro, e essa tentativa de controlo da sociedade por uma elite de homens, abnegados da reprodução sexual, foi ainda promovida pelo próprio cristianismo - sem constasse em parte alguma dos seus requisitos fundadores que os padres devessem ser castos.
Assim, foi sendo criada a ideia de um objectivo humanitário além do grupo familiar, da tribo, do povo, do reino, cujo propósito maior foi sendo estabelecido pelos movimentos missionários católicos (nomeadamente os jesuítas), ao mesmo tempo que se invocava uma filosofia cristã desprendida do pressuposto religioso, o chamado humanismo. Todo este caldo esteve em ebulição na Europa do Séc. XVI. Já teria ingredientes mais antigos e muito semelhantes na disseminação do budismo, e similares religiões orientais, onde também era requisito uma abstinência dos seus monges.
O propósito de ser pela humanidade, e não tanto por uma classe, por um grupo, por um povo, ou por uma nação, passou a constar de novo da ementa mundial, como nunca antes teria acontecido, ainda que certas noções já existissem de forma localizada no império romano, e na civilização grega, mas que encravavam na noção do estranho, enquanto bárbaro.
Este propósito, não sendo alcançável na sua utopia, estilhaça as diferenças entre nações, ao querer vergar a diferença a uma unidade monocromática. Tornou-se anti-nacionalista em vez de celebrar as diferenças virtuosas dos diversos nacionalismos. Numa tentativa progressista desesperada, foi buscar mais igualdades, onde elas pouco sentido faziam... chegando-se ao cúmulo jurídico de pretender igualdade de direitos para animais, quando estes direitos estão ainda muito longe de ser adquiridos por muitos humanos.
Quando se continua a caminhar em frente, ignorando a paisagem à volta, é que se percebe que os supostos pastores só continuam a ostentar a vara, porque não querem assumir a sua cegueira.
Nada mais vêem em frente, mas ninguém os ensinou a largar o cajado do comando.