domingo, 30 de agosto de 2020

Sal da Guiné

Ao dizer-se que a Guiné mencionada no Séc. XV referia apenas a uma parte de África, usa-se um critério similar a dizer-se que a Tróia de Homero estaria no concelho de Grândola. 
Com isto não quero dizer que nenhuma, ou as duas, sejam verdade... simplesmente quem aceita a primeira costuma achar a segunda ridícula!

Peguemos no exemplo das ilhas de Cabo Verde, que se contam como 10, algumas das quais parecem aparecer mencionadas num documento de 1462 de D. Afonso V:
(...) pedyndo nos o dito Ifante que, porquanto foram achadas xij (12) jlhas, saber: çinquo per Antonyo de Nolla, em vida do Ifante dom Anrrique meu tio, que Deos aja, que se chamam: a jlha de Santiago e a jlha de Sam Felipe e a jlha das Mayas e a jlha de Sam Christovam e a jlha do Sal, que sam nas partees da Guinea e as outras sete foram achadas por o dito Ifante, meu jrmão, que sam estas a jlha Brava e a jlha de Sam Nycollao e a jlha de Sam Vicente e a jlha Rasa e a jlha Bramca e a jlha de Santa Luzia e a jlha de Sant Atonio, que sam atraves do cabo Verde em especiall lhe mandassemos fazer carta d ellas; e, visto sseu rrequerimento, e querendo lhe fazer graça e mercee, temos por bem e lhe fazemos d elas livre, pura, jnrevogavell doaçom antre vivos valedoira d este dia pera todo sempre, pera elle e pera todos herdeiros e soçesores e deçemdentes que despois d elle vierem. (...)
Mas neste documento há uma distinção. Há 5 ilhas vistas por Noli, nas "partes da Guiné":

- Santiago, S. Filipe, Mayas, S. Cristovão, Sal

Há outras 7 ilhas, vistas do Infante D. Fernando
(irmão de D. Afonso V) "através do Cabo Verde":

- Brava, S. Nicolau, S. Vicente, Rasa, Branca, S. Luzia, S. António


Ora os nomes não coincidem bem, mas há equivalências para se ajustarem a Cabo Verde, incluindo aí os ilhéus, chamando-os Branco e Raso (mesmo não sendo nem uma coisa nem a outra), bastando notar que a capital do Fogo é São Filipe, e que a ilha Boavista seria S. Cristovão. Há outra Boavista na Terra Nova. 
Portanto, se quisermos ligar com Cabo Verde, arranja-se uma colagem de nomes, de tal forma que seriam consideradas "partes de Guiné" uma certa divisão das ilhas... mesmo que a Brava esteja junta ao Fogo (S. Filipe), e me pareça ser complicado não ver a ilha Brava estando em S. Filipe (mas poderá haver quem argumente o contrário):
A ilha Brava vista de S. Filipe, na ilha do Fogo. (imagem)

Porém, outra confusão é que alguns destes nomes são também encontrados nas Caraíbas:

- S. Cristovão (por Colombo, agora St. Kitts and Nevis)
- S. Luzia (Saint Lucia)
- S. Vicente (por Colombo, St. Vincent and Grenadines)
- Santiago, por Colombo a Jamaica (também Santiago de Cuba)
- S. Nicolau, por Colombo, baía no Haiti, (também segunda cidade de Aruba)
- S. Filipe (e.g. um dos distritos de Barbados)
- S. António (e.g. um dos distritos de Montserrat)

O nome seria ilha das Mayas e não ilha do Maio, sendo auto-explicativa referência a Maias, mas notamos que havia ainda uma suposta ilha fantasma, por vezes denominada Maydas.
Há uma ilha Brava na Costa Rica, e o Sal, tanto aparece como ilha Virgem britânica, como podemos ter em atenção a ilha Bonaire.

A ilha do Sal - Bonaire
A ilha de Bonaire, perto de Aruba e Curaçao, tem bom ar de nome francês "bon aire", mas está em mapa de João de Lisboa com o nome "boinaro", o que soa a algo diferente. 
Bonaire é uma das maiores produtoras de Sal das caraíbas, exibindo montanhas de sal:
Montanhas de Sal em Bonaire - Caraíbas

Com efeito, os espanhóis não deram muito uso às salinas já existentes, quando aí chegaram em 1499,  porque sal não lhes faltava, mas mesmo assim usaram-no. Quando os holandeses conquistaram a ilha em 1638, esta tornou-se principalmente numa mina de sal.

Comparativamente, a ilha do Sal em Cabo Verde teve uma pequena exploração em Pedra de Lume, que só começou a ser explorada em 1796, sendo actualmente simbólica e turística a sua produção, mas será importante para dar justificação ao nome que a ilha teve e tem.
Dimensão da exploração natural de sal em Bonaire, junto à costa; e na ilha do Sal, onde está reduzida a uma escavação artificial/cratera em Pedra Lume. Em 1805 foi feito um canal até à costa. (imagens do Google Maps - com a mesma escala)

Onde estão as outras?
Poderá pensar-se que os nomes serem iguais em lados diferentes, é normal, por falta de imaginação, mas o problema é que há uma quantidade significativa de ilhas cujo nome se perdeu. 
Vejamos a doação de D. Afonso V ao irmão, Infante D. Fernando:
Quanto às ilhas de Madeira, Porto Santo e Desertas, não há dificuldade aparente, mas que ilhas são 
- S. Luís, S. Dinis, S. Tomás, Stª Iria, S. Jacobo e de Lana
... que nem em cartas aparecem?
Nesta altura (1460), podemos atribuir 5 ilhas aos Açores: 
- S. Miguel, Stª Maria, Graciosa, S. Jorge, e Jesus Cristo (Terceira)
Podemos dizer Faial e Pico serão duas delas (talvez S. Luís e S. Dinis). O Corvo estava declarado em carta de 1453 a favor do duque de Bragança, e esse grupo seria designado ilhas das Flores (Alcáçovas, 1480), distinto das ilhas dos Açores (as outras sete). 
Das ilhas referidas dois anos depois, e que seriam de Cabo Verde, constam apenas:
- S. Filipe, S. Cristovão, e as Mayas.
Em apenas dois anos, mudava os nomes? Aqui não aparece nenhuma ilha do Sal, ou outras...

Malagueta de Guiné
Além do salgado, já no picante, com pimenta-da-Guiné, fica esta carta de D. Afonso V:
Bom, gatos de algália poderiam ser qualquer coisa, mas são agora civetas-africanas. Unicórnios é mais complicado, mas imagino que se referisse a rinocerontes, ainda que seja oficialmente cedo para avistar esses bichos, a sua distribuição não ia até à costa da Guiné. Por laca referiu-se normalmente um produto oriental, da Índia e China, mas poderia aqui designar outra coisa, com aspecto de lacre. 

No entanto, aparece aqui ligado a "tintas de brasil", e se há coisa que me parece que não bate muito certo é esta ligação da Guiné a tintas do brasil... porque ou seria o tal pau-brasil que vinha da Índia, da rota-da-Seda, ou então seria o pau-brasil que vinha do Brasil. Em 1470, oficialmente, não se estava nem num lado, nem no outro...
Quanto à malagueta, ou pimenta-da-guiné, não sendo pimenta, foi depois confundida com a malagueta verdadeiramente picante, a americana. Com pimenta-na-língua confundiram-se as Costas.

Marfim de Guiné
Não fazendo qualquer tenção de ver apenas um lado da questão, numa outra carta é dito fazer-se referência a dentes de elefante que vinham da Guiné.
Ora, não havendo elefantes na América, esta Guiné terá que incluir a África.
O que não é claro, nem aqui o fica, é se a Guiné incluía apenas terras africanas... e parece que não.

... de África e de Guiné
Por exemplo, numa outra carta, para Diogo Cão, fala-se nas partes de África e de Guiné, ou seja há uma necessidade de distinção, sendo certo que África se referia ao continente por inteiro:

Tanto mais que o título que os reis usam é o seguinte:
  • 1471 - Dom Afonso V, por graça de Deus, Rey de Portugal, e dos Algarves, d'aquém e além-mar em África. 
  • 1481 - Dom João II, por graça de Deus, Rey de Portugal, e dos Algarves, d'aquém e além-mar em África, e Senhor de Guiné. 
  • 1506 - Dom Manuel, por graça de Deus, Rey de Portugal, e dos Algarves, d'aquém e além-mar em África, Senhor de Guiné, e da conquista, navegação e comércio d'Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia.

D. João II decidiu juntar o senhorio da Guiné, achando que "aquém e além-mar em África" não era suficiente, mas essa Guiné foi título não especificado a uma região concreta.

Quando D. Manuel em 1506 acrescenta Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia não sente necessidade de incluir o Brasil (ou Terra de Vera Cruz), vai depois (1509) usar-se um "etc" para não estar a enumerar novos territórios. Só em 1815 é que o reino do Brasil é constituído e finalmente incluído na lista de nomes, com um destaque principal, para ser logo perdido em 1822, com a independência.

O que não se encontra minimamente provado é que o título de Guiné se referisse apenas a África.
Aliás quem duvidasse disso, receberia nojo e sentimento de D. João II, conforme o revela Rui de Pina, no capítulo "Descobrimento das ilhas de Castella por Collombo":

O ano seguinte de mil quatrocentos e noventa e três, estando El-Rei em Val do Paraíso, que é acima do Mosteiro de Stª Maria das Virtudes, por causa das grandes pestilências que nos lugares principais daquela comarca havia; a seis dias de Março, arribou a Restelo em Lisboa, Xpºvam Colõbo, italiano, que vinha do descobrimento das ilhas de Cipango e d'Antilha, que por mandado dos reis de Castela tinha feito, da qual terra trazia consigo as primeiras mostras da gente e ouro, e algumas outras coisas que nelas havia; e foi delas intitulado Almirante. E sendo El-Rei logo disso avisado, o mandou ir ante si, e mostrou por isso receber nojo e sentimento, assim por crer que o dito descobrimento era feito dentro dos mares e termos do seu senhorio da Guiné, em que se oferecia dissensão, como porque o dito Almirante, por ser de sua condição um pouco alevantado, e no recontamento de suas cousas, excedia sempre os termos da verdade, fez esta coisa, em oiro, prata e riquezas muito maior do que era. 
Para D. João II, o seu senhorio da Guiné consistia em tudo o que estivesse abaixo das Canárias, ou do Bojador, e assim interpretava o Tratado de Alcáçovas, que desde 1479-80, até à data da viagem de Colombo estava em vigor. Ora, isso significava toda a navegação abaixo do Trópico de Cancer, e o seu senhorio da Guiné não era apenas em África, mas seria em todo o Atlântico, a sul das Canárias, incluindo as Caraíbas, onde Colombo tinha acabado de desembarcar.

A "contra-argumentação oficial" é a de que D. João II usou a larga interpretação do senhorio da Guiné porque lhe conviria... mas isso não explica um pequeno detalhe - Colombo em 1498 escreveu que decidiu viajar mais a sul para procurar o continente de que lhe falara D. João II, tendo aí encontrado a Venezuela... que passou a ser chamada "Terra Firma" (ou seja, continente).

Por isso, parece muito difícil sustentar que o termo Guiné, pelo menos conforme usado por D. João II, se referisse apenas a uma parte de África. Tudo aponta no sentido oposto... no sentido de que a Guiné fosse a América escondida pela África.

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Notas adicionais (04.09.2020)
O padre jesuíta António Cordeiro, na sua História Insulana das Ilhas de Portugal (1717) reporta também que a ilha Brava, apenas distante 7 léguas da Ilha do Fogo (na realidade está a metade, a menos de 20 Km), esteve "encoberta" durante 7 anos:


Quem quiser aceitar que isto é normal e viu fotos da ilha Brava a partir da ilha do Fogo (como a que mostrámos em cima), será porque abdica da sua vista ou do seu raciocínio. É claro que haverá cegos argumentos retóricos, mas o problema é esse, é a conformação de uma normalidade histórica a uma estória da carochinha.

Há ainda dois mapas de João de Lisboa que mostram as ilhas de Cabo Verde, num caso estão só designadas as ilhas descobertas por Noli, e a "braba", a ilha Brava, e no outro estão as dez nomeadas:



Em ambos os mapas aparece uma ilha da Graça que nunca foi descoberta.
Finalmente, António Cordeiro noutro momento diz que a ilha Brava está apenas a 5 léguas, e na confusão de nomes, diz que a ilha de Santiago foi inicialmente Boavista, e que o nome Boavista teria caído... Como menciona a ilha de S. Cristovão é natural pensar que essa passou a ser Boavista, mas queixa-se dos escassos registos sobre as ilhas.
Diz ainda que das ilhas era tirado muito âmbar, e que por ali passaria o ouro vindo do cabo Verde, algo que ele dizia ter desaparecido, pois dizia que nessa altura não faltava ouro, vindo do Brasil. E se fala do fogo no Pico do Fogo, não fala de qualquer sal na ilha do Sal. 

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Debuxos de Pina

Não se encontram facilmente crónicas de reis, e as primeiras sobreviventes serão as de Fernão Lopes.
Estas coisas traziam problemas óbvios, e por exemplo, o Infante D. Henrique terá ficado muito desgostoso com o relato de Fernão Lopes sobre a sua entrada em Ceuta, tratando de encarregar Gomes Eanes de Zurara de pintar um melhor cenário para si na Crónica da Tomada de Ceuta.

Também não é de esperar que uma crónica escrita no reinado de D. Manuel (ou D. João III), viesse a colocar em causa o testamento feito por D. João II em favor de D. Manuel. Se alguma vez algum documento existisse mencionando D. Jorge, teria sido logo queimado... 
Questionar a sucessão, quando a legitimidade dos sucessores depende disso, seria algo masoquista...

Não se pode esperar de documentos oficiais que estes transmitam outra coisa que não seja a história conveniente... ou, citando Churchill: History will be kind to me, for I intend to write it. 
Assim, quando os historiadores se colocam na posição de burocratas da documentação oficial, não questionando coisa nenhuma, abdicando do raciocínio crítico, ou de simples deduções lógicas, fazem menos do que escrever estórias... porque transcrevem uma ficção inventada por outros.

De entre os documentos que a Biblioteca Nacional tem à disposição está um manuscrito com a 
cronista-mor, que a terá entregue a D. Manuel antes de 1504. 
Como não é um livro impresso, está repleto de ilustrações, que os cronistas saberiam fazer razoavelmente bem, dado que faria parte do serviço. Por exemplo, Garcia de Resende diz que D. João II o apreciava por isso, e no Algarve, querendo jogar xadrez, porque devido à doença não conseguia dormir, não tendo o camareiro trazido o tabuleiro, ele desenhou um... ao que o rei teria dito aos presentes: "Para quê trazer tabuleiro, e outras coisas, se basta trazer o Resende!"

Pode questionar-se se o manuscrito foi feito por Rui de Pina, mas qual seria o ponto de fazer ilustrações diferentes, por um copista posterior? 
Começamos com o desenho que ilustra o capítulo 6:

Para além dos animais esquisitos, mais típicos do bestiário medieval, que parecem flamingos com glândulas mamárias, temos um S feito com dois peixes... 
Até aqui não há propriamente nada de novo, mas no capítulo 9 faz aparecer uma cara num corpo de um bicharoco, que alguns dirão se parecer com um coelho, e outros com um canguru:
Ao lado está uma espécie de réptil serpentino, mas daqui também não se retira nada de especial.
Mais uns desenhos de pássaros, no capítulo 13:
... que no capítulo 26 se parecem com papagaios:
... sendo mais bicéfalos no capítulo 34, em guerra, na entrada de D. Afonso IV em Castela:
... e bastante mais efusivo na reacção do rei de Castela, ao cerco a Badajoz, no capítulo 35:
... mostrando-nos pelo meio que sabia desenhar bem um coelhinho:
... ou até um papagaio ou um veado:

Bom, mas será que sabia desenhar cangurus?

... ou antes, será que podia desenhar ou sonhar um canguru?

Se a Austrália fosse conhecida à época, poderia, mas como faltam registos disso, em 1504 os portugueses andavam por todo o Índico, descobriram praticamente todas as ilhas do Índico, mas escapou-lhes a "minúscula" Austrália...
Os holandeses tão científicos e curiosos que eram, nunca repararam nos cangurus (nem nos aborígenes), de forma que oficialmente só em 1770 é que houve o primeiro esboço de um canguru, feito pelo botânico Parkinson que seguia com James Cook:
 

Não se pretende com isto sugerir que o debuxo de Pina fosse um canguru, como escandalizou tanta gente sugerir-se que um boneco num livro de orações pudesse ser confundido com tal bicho.
Bastará comparar com o desenho de Parkinson, para se verem evidentes diferenças...

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Correspondência de D. João II (2)

Seguindo uma anterior missiva que D. João II tinha recebido de Poliziano, deixamos aqui uma outra carta que recebeu de Hieronymus Münzer, invocando colaboração com o futuro Sacro-Imperador Germânico, o seu primo Maximiliano I, filho da imperatriz Leonor, irmã de Afonso V.

O texto encontra-se num Tratado da Esfera, datado de 1516, que é traduzido do latim, e avisam-se os histórico-higiénicos do politicamente correcto, que há expressões que podem ser vistas como ofensivas para certas etnias...


Não encontrando outra transcrição, segue a que fiz, com base na tradução de Álvaro da Torre.

Segue-se a carta que enviou Hieronimo Montaro doutor alemão da cidade de Nuremberga em Alemanha ao sereníssimo Rey Dom Joham segundo de Portugal. Sobre o descobrimento do mar Oceano e província do Grão Cão de Catay tirada de latim em linguagem por mestre Alvaro da Torre, mestre em teologia da Ordem de S. Domingos pregador do dito senhor rei.
Ao sereníssimo e invictíssimo Johane Rey de Portugal e dos Algarves e da Mauritania Maritana, e inventor primeiro das ilhas fortunadas Canarias da Madeira e dos Açores. Hieronimo Montario douto alemão mui humildemente se encomenda. Porque até que este louvor recebeste do sereníssimo Infante D. Henrique, teu tio que nunca perdoaste a trabalho nem despesas para descobrir a redondeza das terras e pela tua indústria fizeste tributários até os povos marítimos da Etiópia e o mar da Guiné até ao Trópico de Capricórnio com suas mercadorias assim como Ouro, Grãos de paraíso: Pimenta, Escravos e outras coisas. Com o qual engenho ganhaste para teu louvor imortalidade e glória e também muito grande proveito. E não é dúvida que em breve tempo os de Etiópia, quase bestas em semelhança humana, alienados do culto divino, dispam por tua indústria, sua bestialiadade e venham guardar a religião católica. Considerando estas coisas, Maximiliano invictíssimo Rei de Romanos quis convidar tua majestade a buscar a terra oriental de Catay [China] muito rica: porque Aristóteles confessa no fim do livro segundo do céu e do mundo. E também Séneca no quinto livro dos naturais e Pedro de Aliaco, cardeal muito letrado na sua idade, e outros muitos varões esclarecidos confessam digno o princípio do oriente habitável ser achegado assaz ao fim do ocidente habitável; são sinais os elefantes que há muitos aqui nestes dois lugares, e também as canas que a tormenta lança da praia do oriente às praias das ilhas dos Açores. São também infindos, porque assim o diga, muitos certo argumentos, pelos quais demonstrativos se prova aquele mar em poucos dias navegar-se contra Catay oriental e não se encontre Alfragano e outros sem experiência, os quais disseram somente uma quarta parte da terra estar descoberta ao mar, e a terra segundo as três suas partes estar alagada sob o mar porque nas coisas que pertencem à habitação da terra, mais se há de crer a experiência e as prováveis estórias que as imaginações fantásticas. Porque certo sabeis que muitos autorizados astrónomos negaram ser alguma habitação debaixo dos trópicos e equinócios. As quais coisas tu achaste serem vãs e falsas por tua experiência. Não seja duvida que a terra não está alagada sob o mar, mas pelo contrário o mar está imerso. E ainda a redondeza orbicular dela. 
Abundam também a ti as abastanças e riquezas e são a ti marinheiros muito sábios os quais assim mesmo desejam ganhar imortalidade e glória. Oh! quanta glória alcançarás se fizeres o oriente habitável ser conhecido ao teu ocidente, e também quanto proveito os comércios te darão. Que mais farás as ilhas do oriente tributárias, e muitas vezes os reis maravilhados se subjugarão muito levemente ao teu senhorio. Já te louvam por grande príncipe os Alemães e Itálicos e os Rutanos [Russos], Apolonios citos os que moram debaixo da Seca estrela do pólo árctico. Com o grande duque da Moscóvia [Moscovo], que não há muitos anos que debaixo da sequeidade da dita estrela foi novamente sabida a grande ilha da Grulanda [Nota 3], que corre por costa 300 léguas na qual há grandissima habitação de gente do dito senhorio do dito senhor duque. Mais se esta expedição acabares alevantar-te-ão em louvores como deus, ou outro Hércules e terás também se te apraz para este caminho por companheiro deputado do nosso rei Maximiliano o senhor Martinho Boémio [Martin Behaim] singularmente para isto acabar, e outros muitos marinheiros sabedores que navegaram a largura do mar, tomando caminho das ilhas dos Açores, por quadrante, cilindro e astrolábio e outros engenhos onde nem frio nem calma os enojará, e mais navegarão a praia oriental sob uma temperança muito temperada do ar, e do mar, muitos infindos argumentos são pelos quais tua majestade pode ser estimada. Mais que aproveita esporear a quem corre. E tu mesmo és tal que todas as coisas com tua indústria até a unha examinas. E portanto escrever muitas coisas desta coisa é impedir a quem corre que não chegue ao cabo. No todo poderoso conserve a ti em teu propósito e acabado o caminho do mar e teus cavaleiros sejas celebrado com imortalidade. Vale de Nuremberga, vila de alta Alemanha, a 14 de Julho, salutis de 1493 anos.
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Este Jerónimo Montaro ou Monetarius, rapidamente percebi ser Hieronymus Münzer, que depois fez uma viagem pela Europa até encontrar D. João II em Novembro de 1494. Será interessante saber o que Jerónimo diz dessa viagem. Há um título que contém a viagem a Espanha e Portugal, mas apenas está traduzido para espanhol, a parte de Espanha... e há uma tradução mais recente para inglês. [Nota 1]

A ligação à Alemanha vem da tia Leonor que D. João II não terá conhecido, pois ela casou com o sacro-imperador em 1452, antes dele nascer. No entanto, quando o primo Maximiliano, filho de Leonor, foi preso em Bruges, em 1488, logo D. João II se predispôs a todos os esforços para o libertar, e segundo Rui de Pina (capítulo 32), teria enviado Duarte Galvão com disposição de gastar 100 mil coroas de ouro, e de enviar a frota para o libertar. [Nota 2] 

A ligação à Alemanha, e em particular a Nuremberga, resultava ainda de D. João II contar com Martin Behaim como um dos principais cosmógrafos, e esse foi um dos contactos que Jerónimo Montaro teve em Portugal. Esta ligação à Alemanha foi depois entendida nos Séc. XIX e XX como uma necessidade científica portuguesa, quando a palavra de ordem era a ignorância nacional, algo que é bem contestado num excelente trabalho de J. Bensaúde em 1914:

A ideia explanada nesta carta de Jerónimo Montaro nada mais era do que a ideia "colombófila", quando a notícia da viagem de Colombo ainda não teria chegado à Alemanha, e o que só mostra como essa ideia era a mais comum, antes que se soubesse que não havia possibilidade de chegar pelo Atlântico à China, já que havia um pequeno continente pelo meio - a América.

Simplesmente, e aqui seguimos Armando Cortesão, é muito natural que D. João II não soubesse apenas que ali estava a América, como soubesse ainda onde se situavam as Molucas, porque a demarcação do meridiano de Tordesilhas, exigida pelo rei, permitia não apenas ficar com uma boa parte do Brasil, mas também garantir com um excesso de 10º apenas, para que as Molucas, as ilhas das especiarias, ficassem portuguesas. Tivessem os portugueses pedido mais um pouco de terra para o Brasil (que depois conseguiram) e as Molucas, ou o Japão, teriam caído fora do hemisfério.
Para Cortesão, a demarcação de D. João II foi demasiada "sorte" para ter sido um mero acidente.

Poderá perguntar-se o que era isto comparado com um prescindir do ouro inca e azteca?
Aparentemente «o ouro da Mina» só existiu até ao Tratado de Tordesilhas.
Especialmente depois do reinado de D. Manuel, a Mina deixou de produzir "ouro"... e já agora seria interessante os nossos historiadores perguntarem-se: onde era a grande Mina de Ouro da "Guiné", de onde supostamente vinham 400 Kg de ouro por ano? 
Claro que depois houve minas exploradas, mas só no Séc. XIX. 
Poderia ser a pontapé, e fala-se que haveria rios com pepitas, mas o único Rio do Ouro que se regista era perto do cabo Bojador. 
Então como chegava o ouro à Mina, e qual era o interesse de proteger o Forte da Mina, se o ouro estava a pontapé pelos campos fora? Vinham caravanas carregadas de ouro, mas de onde, Tumbuctu? 
Porque não se meteram os portugueses pela África dentro à procura de cidades de ouro?
Onde ficou essa tradição de exploração de metais, de ouro, nos nativos africanos, digamos equivalente à que tinham os incas e aztecas?... mesmo que os portugueses tivessem derretido quase tudo?
Ou então, que ouro tiraram os holandeses do Forte da Mina, quando o conquistaram?
O que se passou após Tordesilhas é que a região da Guiné passou a servir para escravos em exclusivo.

O que me pareceu natural, foi que o ouro do Forte da Mina, em África, vinha directamente dos incas através do Castelo de S. Jorge da Mina, que seria na Colômbia. Não ia directo para Portugal, porque isso daria nas vistas, e poderia derreter-se em África, para simular outra proveniência.
Os espanhóis tentaram aproveitar-se das riquezas da Guiné, na Mina, tendo havido em 1478 uma batalha em que foram completamente derrotados, depois de aí permanecerem meses sem avistarem portugueses. E foi a partir daí que o Forte da Mina foi reforçado por D. João II, em 1481.

Além disso, economicamente, o ouro era apenas a moeda, que em excesso desvalorizou subitamente, mas a fonte principal de riqueza visada era o comércio em que os portugueses compravam e vendiam, com o lucro decidido pelo monopólio, até que a concorrência holandesa apareceu...

Francamente, portugueses a suarem nas minas de ouro africanas foi imagem que nunca passou pela cabeça de ninguém. Simplesmente nesta História de conto de fadas, o ouro caía do céu!

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Notas:
[1] A um preço interessante - quase mil dólares - mas mantenho-me abstinente nas compras, que se reduziram à Portugalliae Monumenta Cartographica em 2009. Ou seja, pago o mesmo que cobro, e nunca me faltaram estórias... faltou-me sim, tempo para elas.

[2] O incidente com Maximiliano está associado a uma história com 101 cisnes de Bruges, já que o seu escudeiro e amigo Pieter Lanchals foi decapitado pela população revoltada, e como subtil punição, Maximiliano obteve o compromisso da população de cuidar eternamente de 101 cisnes nos canais, já que Lanchals tinha um cisne no seu escudo.

[3] «Grulanda» poderá parecer foneticamente a Gronelândia, mas dadas as dimensões "corre por costa 300 léguas", ou seja ~ 1800 Km, é mais natural que se refira a Nova Zembla, que fora visitada pelos russos ainda no Séc. XI, justificando esse redescobrimento no reinado de Ivan III, o Grande. Não encontrei mais sobre estas explorações árcticas feitas por Ivan III, mas a maior bomba nuclear que explodiu na Terra foi justamente em Nova Zembla, chamando-se "Tsar Bomba" ou "Grande Ivan" e o seu cogumelo subiu a 67 Km, mais de 7 vezes a altura do Monte Evereste (vídeo russo), vendo-se a 1000 Km de distância. [Nota adicionada em 25.08.2020]

sábado, 22 de agosto de 2020

O tal canal

A falta de ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico terá sido um dos principais problemas com que se debateram as navegações portuguesas, e a viagem de Magalhães só pode ser entendida nesse quadro histórico. Uma prova para isto está nesta fotografia:
Mulheres afro-colombianas.

A inenarrável historiografia oficial insiste em pintar as coisas de forma que chega a roçar o ridículo.
De acordo com a estorieta oficial, aquando da viagem de Magalhães, a América do Norte acima da Flórida, e abaixo do Labrador, não seria conhecida pelos espanhóis. Estamos a falar praticamente de toda a costa leste dos EUA, a menos da Flórida (viagem de Ponce de Léon, 1513). 
Então por que razão iria o imperador Carlos V financiar em 1519 a viagem de Magalhães pelos gelos da América Sul, em vez de apostar de ir a direito, na direcção de Washington?
Silêncio. Aliás se Colombo estava tão interessado nessa passagem, porque não a procurou a norte?

No entanto, já Duarte Pacheco Pereira tinha relatado que o continente americano ia de 70ºN a 28ºS, pelo menos... o que abria apenas as possibilidades de tentar acima de 70ºN, algo que os irmãos Corte Real tentaram fazer, ou então a possibilidade de tentar abaixo de 28ºS, algo que o próprio Magalhães confessou saber, ou conforme o relato de Pigaffeta:
"This strait was a round place surrounded by mountains, as I have said, and the greater number of the sailors thought that there was no place by which to go out thence to enter into the peaceful sea. But the captaingeneral said that there was another strait for going out, and said that he knew it well, because he had seen it by a marine chart of the King of Portugal, which map had been made by a great pilot and mariner named Martin of Bohemia." 
Magalhães teria visto o estreito numa carta marítima do Rei de Portugal, feita por Martin Behaim, provavelmente ainda no tempo de D. João II, mais concretamente aquando das viagens de Diogo Cão, que acompanhou, que existia a passagem pelo Estreito, depois chamado Magalhães.

Por isso, esta tentativa pelo lado sul, muito mais longínquo e moroso, era algo que resultava de informação privilegiada... sendo claro que, ainda antes da expedição de Estêvão Gomes, já os espanhóis sabiam da costa norte-americana, o que contrariava alguns mapas que circulavam à data.

Há dez anos atrás, quando coloquei o paralelismo África-América, ficou para mim claro o assunto. Perante a imensidão do continente americano, os portugueses levaram a cabo uma política de exploração marítima sem precedentes. Não precisavam de rápidas caravelas para explorar a África... tanto que depois acabaram por deixar de as usar, optando por naus mais pesadas. Precisaram das caravelas para a exploração da costa americana.

Durante algum tempo, provavelmente ainda durante o tempo do Infante D. Henrique, houve a confusão de que o Brasil poderia ser a Etiópia, porque a ideia de Colombo era muito antiga, muito anterior ao próprio, e se não houvesse América, à latitude da Etiópia iria parar-se ao norte do Brasil. Assim, Duarte Pacheco Pereira ainda usa noções vindas desse tempo, e chama Etiópia e não Guiné a essa parte africana, do lado atlântico, dizendo: (...) e esta primeira Ethiopia corre e se estende por costa do dito Rio de Canagua [Senegal] até o cabo da boa esperança (...) 
Só pela falta do nome Guiné no relato de Pacheco Pereira, deveriam os historiadores pelo menos questionar essa omissão.

Para quem se embrenhou no assunto num curto espaço de tempo, no final de 2009, procurei estabelecer relações entre os lugares apontados, por exemplo na Crónica de Zurara (os números correspondem aos capítulos):
Algo que nunca aqui deixei escrito, porque não consegui estabelecer uma relação directa, mas que me permitiu obter uma ideia concreta do paralelismo existente na descrições de paragens africanas e americanas.

A ideia que me pareceu clara então foi que o Infante D. Henrique deixou declarado o descobrimento até ao Cabo Sagres, em Conacri, com o correspondente no cabo e rio Chagres no Panamá.
Canágua, que depois passou a Çanaga, e depois Senegal, teria o equivalente em Manágua.

Mas o que se seguiu, já com D. João II, é que seria mais interessante. 
A passagem e contacto com os Incas, teria ocorrido através do Rio Atrato, por Quibdó e Istmina, até ao Rio San Juan, na Colômbia. Essa seria a ligação Atlântico-Pacífico, que chegou a ser considerada como alternativa ao Canal do Panamá:
Alternativa ao canal do Panamá, usando os rios Atrato e San Juan, na Colômbia.

A vantagem é que ambos os rios eram muito navegáveis, e na estação das chuvas, os leitos dos dois rios confundem-se, permitindo um curso de água entre os dois oceanos. Caso contrário, a ligação seria feita entre Quibdó e Istmina (istmo-mina), por carregadores "contratados para o efeito"...
Ora, por misteriosa razão, sabe-se isto acerca dos afro-colombianos:
(...) most of whom are concentrated on the northwest Caribbean coast and the Pacific coast in such departments as Chocó, whose capital, Quibdó, is 95.3% Afro-Colombian as opposed to just 2.3% mestizo or white.[8] Considerable numbers are also in Cali, Cartagena, and Barranquilla. Colombia is considered to have the fourth largest Black/African-descent population in the western hemisphere, following Haiti, Brazil and the United States
Desconheço qual é a razão oficial para justificar uma presença acentuada de população de origem africana na costa pacífica colombiana (~ 3 milhões), com principal incidência nesta ligação que ia do Rio Aratro ao Rio San Juan:
Distribuição da população afro-colombiana na Colômbia, com ênfase no mapa acima (quadrado vermelho)

Certamente que não seria pelo tráfico de escravos africanos, de que a Espanha estava privada, que eles eram ali "contratados". Mesmo que se diga que sim, por que razão seria ali e apenas ali?

Depois de ver o mapa de João de Lisboa, com os castelos portugueses na costa do Pacífico:

e a situação tornou-se clara para mim, há 10 anos atrás.

Havia um forte da Mina, mas a verdadeira Mina, como os espanhóis depois perceberam, era a mina de ouro dos Incas. Por isso, havia também o Castelo da Mina, edificado por Diogo de Azambuja, a mando de D. João II. Esses castelos portugueses estão assinalados a verde, e não têm qualquer explicação... Armando Cortesão diz apenas que se trata de um erro grosseiro.

Assinalo ainda (a amarelo) um "pº de naos de Brasill", junto à cidade de Cartagena, o percurso que iria pelo Rio Atrato até ao Rio de São João, e mais abaixo a cidade de Lima.

Estes mapas de João de Lisboa misturam designações espanholadas, com nomes claramente portugueses. Assinalei o "porto de naus do Brasil", porque que sentido é que faz esse nome no contexto espanhol? E que contexto espanhol? Apenas se vêem bandeiras portuguesas e uma vermelha que seria moura ou mais provavelmente inca. 
Lima não era o nome dado à época, os espanhóis colocaram antes o nome Ciudad de Los Reyes, mas já depois de João de Lisboa morrer (1525), porque antes disso, ainda mal tinham ali chegado. Pizarro começa a conquista em 1531.
Essa é uma característica típica dos mapas de João de Lisboa - têm nomes diferentes dos espanhóis, alguns dos quais se mantiveram até hoje! Ora, por que razão haviam os portugueses de ter mapas melhores que os espanhóis, da parte que só a Espanha poderia explorar?

Depois há outra questão, por que razão vai D. João II morrer em Alvor?
Pode dizer-se que procurava tratamento nas Caldas de Monchique... mas não foi aí que passou os últimos dias, que escolheu passar sozinho em Alvor. A rainha D. Leonor e o irmão D. Manuel ficaram em Alcácer do Sal, aguardando, e o filho D. Jorge, perto de si, mas ao lado, em Portimão.
Houve aqui uma curiosidade que retive.
O rio Arade tem uma certa semelhança com o rio Atrato, ligando Alvor-Portimão a Silves e pelo afluente Odelouca nasce perto das Caldas de Monchique, perto de onde sai também o rio Mira para o Atlântico. É nessa região colombiana de Caldas que nascem igualmente os rios Atrato e San Juan, um indo para o Atlântico e outro para o Pacífico. Pareceu-me uma analogia interessante, mas em retrospectiva, foi daquelas situações em que quis ver mais do que era dado a ver.
Garcia de Resende diz que D. João II pensou primeiro ser sepultado em Lagos, como o Infante D. Henrique, mas depois escolheu Silves, pedindo para que depois os ossos seguissem para a Batalha.

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Notas (01.09.2020):
Em comentários abaixo, IRF faz observações pertinentes:
  • Que a origem da população africana na Colômbia não seria caso único, contestando com alguma razão (ver população africana na América Latina) uma parte do argumento usado no texto, ficando de qualquer forma em aberto ser ainda assim muito superior e concentrada na costa do Pacífico, em especial em Quibdó.
  • Que haveria ouro na Costa do Ouro, o que é correcto, mas fica em aberto saber em que extensão esse ouro saía à época e de que "Mina"? (... as minas não seriam ao lado do Forte da Mina). Já que, quando os holandeses tomaram o forte, passaram a usar o Forte para traficar escravos, chamados "negros da mina". Aliás as referências ao ouro da Mina parecem escassear depois de D. Manuel. 
  • Invoca ainda Mansa Musa, um lendário rei do Mali que teria exibido bastante riqueza em ouro aquando da sua peregrinação a Meca no século XIV. Esse império do Mali é referido por historiadores árabes que falam em caravanas de ouro, mas a base documental será semelhante à das viagens portuguesas à América e poderá confundir-se com lenda que é retratado no mapa catalão de Abraham Cresques:

sábado, 15 de agosto de 2020

Flor do Mar & Gangnido

Aquando da comemoração do descobrimento da América, em 1892, a casa real compilou alguns documentos constantes da Torre do Tombo:

Alguns documentos do Archivo Nacional da Torre do Tombo 
ácerca das navegações e conquistas portuguezas publicadas por ordem do governo 
de Sua Magestade Fidelissima ao celebrar-se a commemoração 
quadricentenaria do Descobrimento da America 
Academia Real das Sciencias de Lisboa. Imprensa Nacional, 1892.

Nesse conjunto está uma carta de Afonso de Albuquerque, de 1 de Abril de 1512, que tem uma pequena "surpresa", pelo aqui fica o extracto constante:



Que transcrevo (a parte a negrito é o que destaco):
Nesta primeira via vos vai uma carta grande, em que vos dou razão de tudo o que fiz desde a partida das naus de Duarte de Lemos e Gonçalo de Siqueira até minha tornada de Malaca a Cochim; foi começada em Malaca e acabada em Cochim, e perdoe-me Vossa Alteza, se na mesma carta e modo de escrever dela me achardes nestes dois lugares de que a carta faz menção que vos eu escrevo, pelo grande trabalho que é escrever a Vossa Alteza largamente, quem todo o dia e toda a noite tem que entender em outras cousas: mando-vos, senhor, também um padrão da ilha de Goa, de Diu e da ilha do canal de Cambaya, que vos prometem para a fortaleza e segurança de vossa feitoria; também vos vai um pedaço de padrão que se tirou de uma grande carta de um piloto de Jaoa, a qual tinha o cabo de Boa Esperança, Portugal e a terra do Brasil, o mar Roxo e o mar da Pérsia, as ilhas do Cravo, a navegação dos chins e gores, com suas linhas e caminhos direitos por onde as naus iam, e o sertão, quais reinos confinavam uns e os outros: parece-me, senhor, que foi a melhor coisa que eu nunca vi, e vossa Alteza houvera de folgar muito de a ver; tinha os nomes por letra jaoa, e eu trazia jao que sabia ler e escrever; mando esse pedaço a Vossa Alteza, que Francisco Rodriguez emprantou sobre a outra, de onde Vossa Alteza poderá ver verdadeiramente os chins de onde vêm e os gores, e as vossas naus o caminho que hão de fazer para as ilhas do Cravo, e as minas do ouro onde são, e a ilha de Jaoa e de Banda, de noz moscada e maças, e a terra del rey de Sião, e assim o cabo da terra da navegação dos chins, e assim para onde volve, e como de ali adiante não navegam: a carta principal se perdeu em Frol de la Mar: com o piloto e com Pero de Alpoim pratiquei o sentir desta carta, para lá saberem dar razão a Vossa Alteza; tende este pedaço de padrão por coisa muito certa e muito sabida, porque é a mesma navegação, por onde eles vão e vêm: mingua-lhe o arquipélago das ilhas que se chamam Çelate, que jazem entre Jaoa e Malaca. 
Portanto, Afonso de Albuquerque ficou espantado com uma grande carta de um piloto de Java, que tinha marcado o Cabo da Boa Esperança, Portugal e o Brasil... A carta perdeu-se no naufrágio do navio Frol de la Mar, onde seguia Afonso de Albuquerque, mas ele conseguiu ainda recuperar o conteúdo com Pero de Alpoim, que assim enviava a D. Manuel.

Não é propriamente daquelas coisas que seja divulgada entre nós, mas não está escondida.
Num artigo de 1996, de Benjamin Olshin:

este comentou o assunto de novo, não revelando muito mais, mas esclarecendo acerca da opinião de Armando Cortesão sobre o assunto. Armando Cortesão não considerou estranho que o Brasil constasse da carta do piloto javanês, porque já eram passados mais de 10 anos sobre as primeiras cartas portuguesas do Brasil, a que os javaneses poderiam ter tido acesso!

Tal como Olshin, isso parece-me improvável, porque Afonso de Albuquerque saberia distinguir uma cópia, e além disso, não se tratava propriamente de um documento estatal escondido, seria tão só uma carta do piloto de um junco de Java, que acabava de constatar que o domínio do Estreito de Malaca tinha passado para mãos diferentes.

O problema não é apenas o original se ter perdido no naufrágio do navio "Flor do Mar", o problema recorrente é o mapa que Afonso de Albuquerque enviou não estar junto da carta, e como é habitual, "perdeu-se".

Já aqui falámos de mapas chineses, que nos pareceram simples adaptação de mapas europeus, mas convém também mencionar um mapa coreano (os referidos gores podem ter sido coreanos ou japoneses) chamado Gangnido:
Gangnido - um mapa de 1402 feito pelos coreanos Yi Hoe and Kwon Kun, encontrado no Japão. 
Há também um muito semelhante mapa da dinastia Ming, Da Ming Hunyi Tu, datado de 1389.

... que se especula ter aí representada a África e a Europa:

Isto serve também de referência ao leitor relativamente ao alcance de especulações ditas sérias... quando se tem em vista um certo resultado.

De qualquer forma, eu não colocaria de lado esta possibilidade, até porque neste caso nem sequer está o Brasil, conforme Afonso de Albuquerque revelava acerca do mapa javanês.
Poderá ter sido um mapa deste tipo, com o tamanho dos continentes distorcido, tendo em atenção o foco local da navegação. Esse grau de distorção, mas a percepção de que corresponderia a uma ideia correcta da disposição do mundo nos seus contornos, poderá ter sido isso que causou admiração ao grande vice-rei, que era igualmente grande ao reconhecer mérito alheio.

Portanto, a ideia pequenina, que segue a par da grandeza da história ocidental, de que o assunto de navegações era coisa complicada e só ao alcance do europeu civilizado, deve ser colocada no seu contexto. Mesmo que Armando Cortesão esteja correcto, e o mapa do javaneses tenha sido adaptado de mapas portugueses surrupiados, isto significaria apenas que em Java sabiam fazer o mesmo que em Itália, em França, na Holanda, na Alemanha, etc. 

António de Abreu, na viagem de 1512, recorreu a pilotos javaneses para saber o caminho para as ilhas Molucas, e como estes optaram por enganá-lo, levando-o a outras ilhas, ele simplesmente optou por mandá-los borda fora, quando se apercebeu disso. 
Outros tempos, e um outro tipo de tratamento para a falsidade propositada.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Teatro dos descobrimentos (3)

Vamos recuperar o "mapa de descobrimentos":


que coloquei aqui há 10 anos atrás (... pois passou bastante tempo!) num postal


no formato que aparece no Museu da Marinha:

Voltei ao tema num postal feito há dois anos: Teatro dos Descobrimentos (2), já nem me lembrava, tendo visto que circulavam réplicas num formato bem mais antigo: ver (Ré)prova e Prova.

Quem fez o mapa, quando foi feito, etc... continuo a não encontrar nenhuma informação sobre isso, e a propósito do comentário de IRF, fui verificar de novo se havia alguma informação sobre o autor deste mapa, tendo encontrado uma curiosidade num blogue de Paulo Pinto:


Como se verá, o blogue está inactivo desde 2014, mas o livro de Paulo Pinto teve uma projecção só possível a um "menino do sistema". Está para lá dito: programas de rádio, televisão, jornais, etc... digamos que isto não se passa com o vulgar historiador que escreve um livro.

Nesse link específico, o autor pronuncia-se sobre a notícia da ilustração de um canguru num livro de orações, que também aqui comentei. Já não me lembrava disto, mas deixei lá um comentário, e foi só isso que me apareceu quando pesquisei por "mapa do museu da marinha". Deixei comentários em vários blogs populares, lembro-me do 31 da Armada, Arrastão, Corta-Fitas, Delito de Opinião, etc.
Digo isto para não parecer que me refugiei à discussão, mas é verdade que ao fim de pouco tempo, dava por tempo perdido "estar a pregar a infiéis". Só deixei lá o comentário, para que não se dissesse depois que não o tinha feito.

Como estas coisas têm tendência a desaparecer, deixo aqui o comentário que coloquei:
Primeiro, é anedótica a definição de "descoberta" que envolve autorização de expedição ao sítio "a descobrir".
Assim Cabral foi "achador" e não "descobridor" do Brasil.
Mas Duarte Pacheco Pereira afirma que foi descobrir com autorização de D. Manuel em 1498.
Colombo só tinha autorização de descobrir outras terras, que não aquelas.
Em que ficamos, senhor, confuso?
Segundo, como já foi dito, interessa que essas noções sejam ensinadas devidamente às pessoas, sob pena de ser apenas retransmissor de perversão e ocultação educacional.
"Descobrir" é uma palavra com significado corrente, e não uma definição que se ajusta aos poderes submersos na história.
Terceiro, é óbvio que de Timor à Austrália é um pulo, mas não de canguru. Pensar que os portugueses se estabeleciam sem enviar expedições à vizinhança, é não perceber nada de estratégia defensiva elementar. Todas as ilhas em redor estavam assinaladas, excepto a parte sul que tinha a maior, a Austrália. Porquê?
Quarto, há ainda provas de cartografia. Directas e indirectas.
Uma está escarrapachada no Museu da Marinha.
Pegou-se num Mapa de D. Sebastião, e diz-se que foi feito em 1970:
https://alvor-silves.blogspot.pt/2014/01/cangurus-e-cas-dos-gurus.html

Tem lá os seus cangurus.
Depois está aqui a resposta de Paulo Pinto:
Hesitei antes de comentar, mas como sei no que estas coisas dão, ou seja, o silêncio permite que o disparate se espalhe (haverá quem leia, e depois siga os links, e diga "uau!", e acabe até por achar que sim, se calhar...), venho dizer assim umas coisas avulsas. Espero que sirvam para alguma coisa. A primeira é que não entendo as referências à diferença que "achar" e "descobrir" tinha na época (pensará que me deu uma novidade?). A segunda é que não entendi inicialmente o tom sarcástico do comentário, mas ao reconhecer o blog para onde remete (presumo que seja o autor, anónimo, claro está) percebi tudo, é aquele repositório de desvarios e delírios sobre estas temáticas, com conspirações e ocultações à mistura. A "perversão e ocultação educacional", a referência aos "poderes submersos na história" não enganam.
"Estratégia defensiva elementar"? Ali, em Timor? Contra quem? Macassares e ternates, talvez, sim, com certeza, mas esses vinham de outras bandas, não de sul. E lá vem a inevitável referência ao "mapa de D. Sebastião" e as "provas de cartografia" (ou seja, um remissivo para o tal blog). Corro o risco de estar a publicitar disparates, mas irrita-me a forma como passam por "hipóteses" (quando não "teses"). Portanto, aqui vão umas quantas coisinhas: 1. onde está a sustentação de que o "mapa do Museu da Marinha" é baseado numa carta de 1570? onde? ahhh o autor viu que tinha uma bandeira em Manila, pronto, é 1570. Elementar. Ou não sabia que as Filipinas foram espanholas até aos finais do século XIX ou "isso agora não interessa nada", como dizia a Teresa Guilherme. 2. onde está a prova de que D. Manuel I "usava o epíteto imperial de César"? Só porque Duarte Pacheco Pereira o tratava assim? é pouco. 3. a referência a 1514 como data da chegada dos portugueses a Timor é errada. Erro de quem? de McIntyre (um precursor de Peter Trickett e das teorias do "descobrimento português da Austrália", da tese Cristóvão de Mendonça, etc), que cita. Se lesse a fonte saberia que a carta é dirigida a Afonso de Albuquerque e não ao rei, e que Rui de Brito diz (em 1514) que não mandou ninguém a Timor "por não ter junco", e que contava fazê-lo no ano seguinte. Mas a primeira referência segura aponta para 1516. 4. Interrogar-se sobre a razão porque não há vestígios hindus ou islâmicos na Austrália é mais do que ridículo, é não perceber nada de história do Sueste Asiático (há-de dizer-me onde estão eles na Nova Guiné, por exemplo), dizer que é porque os ingleses os apagaram é delírio de teoria da conspiração. 5. Por fim, ligar o livrinho "do canguru" às Caldas> Rainha D. Leonor > D. João II > Descobrimentos, é verdadeiramente descobrir a pólvora. Mais haveria, mas muito sinceramente, tenho mais o que fazer do que perder tempo a ler disparates.
... e a troca de comentários terminou com a minha breve resposta:
Queria coibir-me do adjectivar à Lagardére, como você faz...
Mas, continuamos no grau zero:
- Não pode usar informação posterior - constatar que não tem inimigos a Sul, na Austrália, antes de explorar o Sul, o que implicava dar de caras com ela.
Porém, tem toda a razão, não adianta discutir cores com cegos.
Ainda mais com os que optaram por essa cegueira.
O blog indicado tem de facto muita especulação, tal como aqui se vêm outros desvarios pessoais interpretativos e nada mais.
Ficamos no "Gosto disto" (talvez prefira em termos de TV).
Quanto ao resto, já que tentou um simulacro de resposta...
Vejamos, o que conseguiu? - Passar Timor de 1514 a 1516, e com uma justificação que nem lembrava ao menino Jesus.
E daí? Nada.
O mapa do Museu da Marinha tem outras referências que apontam para a data única de 1570.
Você só viu o que quis. Tinha lá os links:
https://alvor-silves.blogspot.pt/2013/05/prova.html
https://alvor-silves.blogspot.pt/2011/03/mapas-de-dieppe-2.html
(este último mostra como a junção dos mapas de Dieppe dá a Austrália oriental)
Tem outros mapas, noutro blogs:
https://tdias.files.wordpress.com/2007/03/2085t.jpg
Mas, não vou adjectivar blogs, isso faça-o você, que parece ser muito bom em adjectivos, mas pobre em substantivos.
De resto, não lhe estava a tentar dizer nada que não saiba, mas já agora, é bom que se veja que há mais quem saiba.
Este é também o "Teatro dos Descobrimentos"...

Em suma, para o que interessa, da origem do mapa nada fiquei a saber.
O argumento de Paulo Pinto sobre a bandeira em Manila é ilustrativo do grau-zero, pois nem tão pouco percebeu que o problema era a simultaneidade da bandeira portuguesa com a espanhola, ambas nas Filipinas, e essa simultaneidade só aconteceu na época de D. Sebastião. 

No mapa em causa aparece a viagem de António de Abreu em 1511-1512, enviado por Afonso de Albuquerque, que chegou às Molucas, segundo aí consta, passando por Java e Timor, em 1512.
Temos então o outro registo burocrático de Timor em carta de Rui de Brito, governador de Malaca, datada de 6 de Janeiro de 1514.
onde a certa altura se diz:

Realmente é dito que por não haver junco não foram lá... Bom, e lá vem o problema do grau-zero de raciocínio. Quem não foi lá e onde? Pode ter acontecido que uma expedição de Rui de Brito não tenha ido a Timor "por falta de junco", mas isso implica que não tenha lá ido antes António de Abreu, em 1512?
Depois, o maior problema é outro. O que é Timor? 
Timor hoje sabemos onde fica, mas era a mesma Timor de que falava Rui de Brito? 
Não estão nomeadas todas as ilhas, o que está dito para a identificar?
Timor não tinha juncos para navegar, tinha muito sândalo, mel e cera, e era "ilha grande" de cafres (negros).
Ora, Timor é muito mais pequena que Java, e para ilha grande falta um pouco.
Ilha grande seria ou a Nova Guiné, ou então a Austrália, que tinha também muito sândalo e cafres.
Além disso, a menção sem juncos para navegar aplicava-se muito mais aos aborígenes que aos mauberes. Aborígenes que também usavam cultura de mel e cera na região de Kimberley, a mais próxima de Timor, conforme se lê no artigo Honey in the Life of the Aboriginals of the Kimberleys de Kim Akerman (Oceania, vol. 49, 1979).

O problema de Rui de Brito é dito logo de seguida... com a queda de Malaca, toda a região estava atemorizada, e ele não queria mandar portugueses em barcos pequenos, queria uma ou duas naus de 500 tonéis, para impressionar:
Acrescenta que o caminho já é sabido... portanto não basta ler o que queremos ler!
Que António de Abreu já tinha andado por essas paragens está registado na carta de Afonso de Albuquerque de 30 de Novembro de 1513:
que dá relato das outras ilhas, além de Java, que seriam "fracas".
Mas a carta de Afonso de Albuquerque tem outra surpresa... que me parece ter sido ignorada. Deixamos isso para outro postal.

Em suma... que o mapa do Museu da Marinha é uma fabricação de 1970, não há dúvida.
Que pode ter aparecido entretanto uma outra fabricação baseada nele, com aspecto de mapa antigo, é uma possibilidade a considerar, e não a descarto.

KTemplar, na altura falou-me de um outro mapa que tinha comprado no Museu da Marinha, e que então me enviou por email:
Este mapa diz 1573, em certa medida tem semelhanças na ilustração dos navios, e configuração geral.
Pode ter sido com base neste mapa que o Museu da Marinha decidiu fazer o outro.
Porém aqui a Austrália aparece como Terra Deserta Indica, e o nome Luis Vaz Torres, além de Gomes de Sequeira e Álvaro de Mendanha aparece fora do tempo, já que a sua viagem foi reportada em 1606.

Neste mapa lê-se junto á figura do Rei D. Manuel, o verso de Camões 
e, se mais Mundo houvera, lá chegara.
o que no fundo reforça a ideia que Pedro Nunes já antes transmitira.

O que aqui considero é essa hipótese baseada em escritos de figuras marcantes da nossa história, como Pedro Nunes, que disse que «fizeram o mar tão chão que não há hoje quem ouse dizer que achasse novamente alguma pequena ilha, alguns baixos, ou se quer algum penedo, que por nossas navegações não seja já descoberto», e mesmo descontando exagero, falava com o irmão do rei, e não estava propriamente a fazer poesia, como Camões.

Essa parte pode ser considerada especulação, quanto ao blogue ser conhecido como um «repositório de desvarios e delírios sobre estas temáticas, com conspirações e ocultações à mistura», pois pena será que tenha faltado uma pinga de coragem a Paulo Pinto, e a todos os outros, para rebater argumentos... mesmo até na figura de anónimos (que é quando não se exibem galões). No entanto, o problema é que este pessoal não precisa de argumentos, precisa só de manter a retórica para os evitar.
Felizmente, nunca precisei de galões académicos, para enfeitar argumentos, que devem valer por si mesmos. Aliás, o protocolo recomenda que se quiser me chatear, me dirija a um par, que é normalmente gente com mais tacto, e que não disparata à balda com o próprio nome.