quarta-feira, 31 de julho de 2013

As valetas, o Gozo e a Malta

Há Carris nos Açores... mas menos conhecidos. Teriam outro propósito que não servir para subsidiar rendas, rendilhados, subvenções vitalícias, com que a via direita alimenta a esquerda, e assim conduz os protestos da manada pelos carris programados...

São estas as imagens dos Açores, de carris definidos agora em pedra solidificada, que estão em causa:
Açores: imagens de carris "pré-históricos" - segundo ancient-wisdom.co.uk

Segundo a informação constante do site ancient-wisdom.co.uk

The presence of cart-ruts on the Azores is one of the most unexpected facts to present itself in the search for the first settlers on the Azores. The Portuguese cart-ruts are pre-Christian, as are those on Malta. As we have no record of their being made since the 'official' discovery of the Azores, we must assume that these were made by a people prior to the Portuguese.
... e sim, é tão surpreendente encontrar estes carris, tratando-se de registos "pré-cristãos", tais como os "carris" de Malta.

Serão apenas valetas naturais?
Vamos seguir a Malta, no encalço das valetas... não pela capital La Valeta, porque isso seria um gozo óbvio com a designação. Ao lado, sim, está a Ilha de Gozo... bem conhecida pelos monumentos megalíticos, onde também se encontram estas valetas:
Valetas ou carris, de Gozo, na Malta. 
(mais imagens em ancient-wisdom.co.uk

Estas valetas bem pronunciadas, sugerindo carris, não estão apenas no Gozo, encontram-se espalhadas nos diversos continentes. No mesmo site podemos encontrar registos em:
deixamos aqui a imagem dos que estão no Piódão:

Poderíamos seguir no encalço das espirais que também fazem parte de monumentos, onde?... bom, no Piódão, e não é que também é no Gozo?
  
Espirais no Gozo (Templo de Tarxien), e no Piódão (Vale da Égua).

As espirais não expiram no Gozo ou no Piódão... como é óbvio, encontram-se espalhadas por toda a cultura megalítica da Europa Atlântica (o José-Manuel já fez bastantes vezes referências a elas).

Encontra-se ainda em Gozo, uma referência a uma deusa-mãe:

Duas Estatuetas de deusa-mãe em Gozo. (ancient-wisdom.co.uk/malta.htm)
Estatueta boliviana de Pachamama (obtida em ucl.ac.uk)

Se a primeira figura de deusa-mãe remete para vénus neolíticas, como a de Willendorf, podendo anteceder o culto de Cíbele (deveria escrever-se Cúbele...), já a segunda tem demasiadas semelhanças com Pachamama... na região de Machupichu, para que não se note. 

A língua maltesa não é indo-europeia... e a explicação parece ser o domínio árabe durante 2 séculos.
Se em território nacional estiveram 5 séculos e 8 na Andaluzia... parece que aos árabes só o gato maltês não lhes comeu a língua, já nos outros casos o malte foi bem destilado.
Esta maneira de escrever pode parecer coisa de Puto, de Raia miúda, de Gaiato, invocando algumas piadas fonéticas fáceis... porém como temos visto as coisas são mais complicadas do que parecem.
Podemos falar de coincidências quando não passam a dezena, já é negação fazê-lo acima disso, mas quando as coincidências passam as centenas, como é o caso... então, negá-lo seria simples ocultação deliberada.

Falo ou não falo? Fá-lo ou não fá-lo?
Só havia deusas-mãe, símbolos exagerados de fertilidade?
Por Min, não... mas, já se sabe como foi e é a política de repressão cultural.
 
Culto do falo - deus egípcio Min.
Divindade primordial criadora.

Mais do que uma repressão de carácter sexual, terá começado por ser uma necessidade de repressão religiosa, destinada a erradicar os antigos cultos sexuais de fertilidade, que ofendiam a tradição judaica, tradição que o cristianismo bebeu pelos exageros.
Será de prever que todas as representações e símbolos fálicos explícitos, mais do que ocultados, foram pura e simplesmente destruídos e omitidos. 
Se parece ter-se mantido algum registo primevo na linguagem, parece ter sido remetido para as reprimidas asneiras populares... Gaia em gaja, com os gaiatos, Reia na raia miúda, Cupido como puto, e a mãe Vénus, como Laputa

Não há nenhum gozo no dom dos trocadilhos da língua portuguesa.
"Dom" é manifestação de "senhor" - alguém que exibia o "senho", que escondia uma "senha"... quando se brinca a clubes de Chaves, levando ao fundo de Caves... porque o "Ch" foi adulterado, escrevia-se "Chimera" para se ler "Quimera". 
As regras ortográficas tiveram propósitos notórios - por exemplo, ao fazer ler "cinco" como "sinco", mas não perdemos o "quinto" que nos recorda que deveria ler-se "quinco"... porque a convenção do "ce" se ler "se" ou do "ci" se ler "si" encerra milénios de deturpação e ocultação.

Haveria muito mais a dizer, mas terminamos com a ligação ao lado "Jovem", do Abraçadabra...
Gozo parece ter os monumentos megalíticos mais antigos... que aparecem numa ilha mediterrânica, há mais de 5000 anos. Há uma tradição da população posterior que liga a construtores gigantes... 
Esses construtores surgiram e morreram por ali? 
Ou antes de mais... certamente que os malteses não chegaram a nado a Malta! Teriam barcos.
Bom, a parte "jovem" é no sentido "jovial" de Jove, ou seja de Júpiter, filho de Saturno.
Como referimos no texto Abraçadabra  uma nova cultura haveria de suplantar a cultura pré-existente, e teria a sua germinação nas ilhas mediterrânicas. Tendo os indo-europeus dominado o continente, da Índia até à Europa Atlântica, faltaria o domínio sobre o Mediterrâneo. Cresceriam como potência naval a ocidente, e lançariam um ataque crucial a partir do seu domínio sobre essas ilhas (Malta, Sicília, Creta, Chipre), contra as populações estabelecidas na orla mediterrânica. Esse ataque seria manipulador, não destruiria as civilizações existentes... iria manobrá-las como colónias sujeitas à sua influência. Condicionariam a ascenção e queda dos restantes, procurando manter-se fora dos conflitos. Talvez a excepção tenha sido a até hoje enigmática invasão dos "povos do mar", após a Guerra de Tróia. 
Quando a influência chegou ao ponto de fundar uma colónia nas "barbas" dos aqueus, estes rebelaram-se, perante a ameaça externa... e rumaram em direcção à Tróia original. Aí foi preciso um reínicio que restabelecesse o poder, o poder onde ele sempre esteve... oculto.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Arco da Memória

O arco da memória é uma ligação que une dois pontos - passado e presente.
O arco da memória é a definição do tempo absoluto.
Uma estrutura sem memória não pode saber o que é o tempo. Tempo e memória confundem-se em noções diferentes, porque a experiência da ordem universal nos presenteia com a continuidade do movimento.
Os pequenos organismos reagem ao movimento, mas raramente têm memória. 
A memória só é útil a organismos complexos, capazes de a analisar. Um típico ser reactivo dispensa a memória. Entroniza a reacção, não a analisa. Um simples processo de compreensão vê um padrão e dele extrai uma noção. Ao repetir-se o padrão, conta com previsibilidade semelhante. Porém, quando as coisas se complicam, todas as noções contam num entendimento alargado. 
O arco da memória não é completo... tal como o arco do cajado de um caminhante, tem uma grande ponta fixa que assenta no presente, e uma pequena curva que vem do passado. Porquê? Porque substituímos o grande espaço necessário a uma memória completa por algo bem mais simples - as noções que se formam através dela. A falência da memória tem menos importância do que a falência das noções. A memória serve essencialmente para educar, testar e consolidar noções abstractas. Uma compreensão com noções abstractas alargadas dispensa o peso de uma grande memória.
Tudo isto se conjuga de forma admiravelmente lógica, indubitavelmente clara... mas algo extemporânea de ser entendida por uma sociedade que se formou pelo sucesso imediato dos processos reactivos simples.
A mesma sociedade que cuida ocultar a memória, por forma a educar espíritos infantilizados, lavrando sulcos de cultura distorcida por palavras que não são próprias, essa mesma sociedade é afinal ignota do propósito que serve a memória, e é assim também infantil... não no conhecimento, mas na sua compreensão.

Adiante...
Dia 13 de Maio, na Serra dos Candeeiros, é feita uma promessa.
Poderia estar a falar de 1917 e da Cova da Iria, mas a data e o local são diferentes. 
Para melhor evidência, cito o Archivo Pittoresco (1863, volume 7, pag. 336):
Indo el-rei D. Affonso o primeiro de Portugal para ganhar Santarem, fez neste proprio lugar hum voto a Christo, de dar tudo quanto via com os olhos d'alli até o mar á Ordem de Cister, se ajudado com os merecimentos de N. P. S. Bernardo ganhasse a.villa. E alcançando-lhe o Santo o que pedia, cumprio el-rei seu voto, donde resultou a fundação do Real Mosteyro de Alcobaça; o Senhorio do qual começa d'este lugar, e se acaba na praia do mar. Acontecerão estas couzas todas no anno de 1147, aos 13 de Maio em uma quinta feira.
Esta "lenda" associada à fundação do Mosteiro de Alcobaça estabelecia marcos de domínio da Ordem de Cister, cedidos por D. Afonso Henriques, que ficaram definidos por um Arco da Memória, encimado com a estátua do Rei fundador:
Arco da Memória (perto de Rio Maior) 
gravura no Archivo Pittoresco, e fotografia antes da "ira republicana" [imagem daqui]

Acontece que a promessa de D. Afonso Henriques era suposto ocorrer até que durasse monarquia. 
Três meses volvidos sobre a Implantação da República, em 12 de Janeiro de 1911, as concessões da monarquia já não faziam sentido... e o monumento foi destruído por republicanos.
É claro que, desde o tempo do Marquês, parece também haver uma versão conveniente de colapso por abalo sísmico... mas acresce a coincidência do aproveitamento imediato das pedras da derrocada para a estrada de ligação de Caldas da Rainha à Benedita. 
A história está bastante bem descrita em 
e inclui um curioso detalhe... restava a estátua do rei - e o popular que a foi restituir acabou multado!
A estátua de D. Afonso Henriques está agora junto ao Castelo de Leiria:
 
Estátua de D. Afonso Henriques. Reconstrução do Monumento em 1981. [imagens daqui]

Passados 70 anos, em 1981, por iniciativa do pároco dos Vidais, com o apoio da população, o Arco da Memória foi finalmente reconstruído. Como é óbvio, o Estado Português tem sido socorrido por populares com sentido de estado, quando falta sentido de estado aos seus dirigentes, ou quando esses dirigentes estão visivelmente a soldo de interesses externos.

Há muitas notas a acrescentar a este monumento oficialmente ignorado pela República Maçónica.
(1) Do que é possível apurar, pelo menos a estátua será fabrico ao tempo de D. Sebastião (who else?). Pela simples observação do escudo, é fácil ver que se tratam das armas posteriores a D. João II.
(2) A localização é ambígua, tal como já seria pela imprecisão da descrição de Frei Francisco de Santa Clara, que remete para uma Serra de Albardos, que já foi dita como Serra de Alvados.
(3) Ora, parte da Serra dos Candeeiros, a Serra de Alvados, será depois remetida para uma localização contígua a Cova de Iria - Fátima. 
Podemos falar na coincidência da data simbólica do 13 de Maio... a 1ª República estava apostada em banir a influência do poder eclesiástico, e a queda deste monumento terá estado nesse movimento. É significativo que, como aparente resposta, apareça na mesma data, 13 de Maio, uma manifestação católica em Fátima que iria suplantar as expectativas de qualquer republicano... que de bom grado reporia o monumento face ao significado que ganharam as ocorrências da Cova de Iria. Aliás, essa ligação foi uma suspeita imediata dos republicanos, que chegaram a prender os "pastorinhos", evitando a presença a 13 de Agosto de 1917.
(4) A situação fica ainda menos clara, porque há outro Arco da Memória, também na Serra dos Candeeiros, mais próximo da Serra de Alvados, mas que não teria nenhuma estátua real:
Arco da Memória perto de Arrimal, Serra dos Candeeiros

Este outro Arco da Memória não parece ter o mesmo registo histórico do anterior, mas foi também ligado à marcação dos domínios de Cister do Mosteiro de Alcobaça. 
Com inúmeros muros de pedra, que ornamentam grandes extensões da Serra, fazendo lembrar os muros açorianos, os monumentos singulares, atribuídos a uma marcação dos domínios de Cister, não seriam afinal outro tipo de monumentos, de outros tempos, depois aproveitados para outras "estórias"?
(5) Se não parece haver dúvidas sobre a estátua de D. Afonso Henriques ser do Séc. XVI, é significativa a frase constante no texto do Archivo Pittoresco:
Entre os povos da localidade e circumvisinhanças, é inteiramente desconhecido o nome da serra de Albardos, dando-lhe o de serra de Rio Maior, por ficar não mui distante desta villa, e das suas celebres bocas, das quaes ainda tenciono fallar. Chamam elles a este arco o rei da memoria, nutrindo fabulosas opiniões, filhas da sua ignorancia, e dão interpretações vagas e até absurdas sobre a origem d'este monumento.
Portanto a população não corroborava por completo a lenda de D. Afonso Henriques, ou chamava-lhe "rei da memória", estando associada a "fábulas" de "ignorantes", segundo opinião do autor do texto, P. C. Sequeira, em 1863. Como o autor não especifica as fábulas, fica a questão se remeteriam de novo a Hércules, como era frequente em Portugal e Espanha.
(6) É ainda notável o artigo do Archivo Pittoresco ser seguido de outra opinião, do editor Silva Tullio, que critica o autor do texto, dizendo que faltaria mencionar a investigação histórica que remetia a concessão de D. Afonso Henriques como sendo uma "invenção dos frades bernardos" do Mosteiro de Alcobaça, para reivindicarem aquelas terras. Esta questiúncula levaria depois à destruição do monumento.

O que se conclui desta pequena análise?
Que as acusações de ignorância podem ser sempre repartidas, procurando apenas validar um tipo de conhecimento... "politicamente correcto", adequado aos propósitos dos acusadores. Se os houver, os detentores de uma história mais completa, não se livram dessa ignorância, que passa por não perceberem qual o propósito do conhecimento que guardam para si.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Com chás (3)

Chá Mate.
O Chimarrão, ou Chá Mate, é uma infusão popular do Sul do Brasil até à Argentina, e também em toda a América do Sul. O recipiente por onde se bebe esta infusão é normalmente a parte inferior de uma cabaça (ou cuia):
Cabaça (cuia) por onde se bebe o chá mate.

O assunto do chá na cabaça parece ser aqui um pouco forçado, por via do título dos textos e tema anterior. No entanto, posso fazer uma ligação simples e interessante, indo parar rapidamente das pampas argentinas à zona sul, à Patagónia, cuja conquista se deu na transição para o Séc. XX. A partir daí, deixou-se de ouvir falar naquela raça de gigantes que enchia a imaginação europeia desde a viagem de Magalhães.
Sim, já falei disto aqui, aquiaqui ou aqui... e sendo certo que não gosto de me repetir, há um ligeiro detalhe que devo adicionar. Repisco a famosa imagem de contacto entre patagões e europeus, e ao lado coloco uma imagem do chinês Yao Ming, a estrela de basquetebol da NBA, que alinhou pelos Houston Rockets:
 
Imagem de Patagões no contacto europeu, e imagem de Yao Ming na NBA
(a ligação mostra ainda outros 5 jogadores de 2,30 m)
... a desproporção é muito semelhante.

Bom, e o que nos diz o "Viajante Universal", antes de falar sobre o Taiti... fala por acaso da "Terra Magallanica", da altura dos patagões, e de como era um mito infundado que fossem "gigantes", porque:
Sua controvertida estatura excede geralmente à dos Europeus: medidos escrupulosamente os mais altos, achou-se que não passavam de 7 pés e 1,25 polegadas (2,17 m); e a comum estatura era de 6,5 até 7 pés (ou seja, entre 2,00 e 2,13 metros). Segundo reflecte Mr. Bougainville não é tão notável seu talhe como sua corpulência, que em alguns chegava a 4 pés e 4 polegadas (1,35m) na circunferência do peito; porém seus pés e mãos não correspondem ao membrudo das outras partes (!) Todos estão cobertos de carne sem poder-se chamar gordos: a tensão de seus músculos manifesta a sua força, e não é desagradável sua figura (...)
Uma estatura que (nos medidos) variava entre 2 e 2,20 metros torna claro que a imagem da ilustração era bem verosímil, e estávamos em presença de um povo quase gigante, em que Yao Ming seria um indivíduo normal, e não uma excepção. Aliás, recordamos, era isso que dizia Buffon (1774-89):
- "As raças de gigantes antigamente tão comuns na Ásia, já aí não subsistem. Por que razão as encontramos hoje na América?"

Como dissemos, a pergunta de Buffon, teria uma actualização no Séc. XX:
- Por que razão desapareceram os gigantes do globo?
Há mercados e mercadorias, e a Argentina muito foi subsidiada pelos "mercados" na sua expansão irracional para o terreno patagão, conhecendo um crescimento económico notável no início do Séc. XX. Ao mesmo tempo os patagões foram aniquilados, e passaram a ser confundidos com os Tehuelche.

Por muito que tente a objectividade, há uma confusão de sentimentos associada ao drama de extinção de um povo que tinha o problema nato de ser diferente... dizia Camões (Lusíadas, Canto X - 141):
Dês que passar a via mais que meia
Que ao Antártico Pólo vai da Linha,
Düa estatura quási giganteia
Homens verá, da terra ali vizinha;
 
E mais avante o Estreito que se arreia
Co nome dele agora, o qual caminha
Pera outro mar e terra que fica onde
Com suas frias asas o Austro a esconde.
Agora, "Duma estatura quase gigantesca, homens já não verá..." porque a mediocridade assim o exigiu, e continuará a tentar exigir o impossível para que os ratos se possam esconder nos buracos financeiros, sendo certo que serão os primeiros a abandonar qualquer barca infernal que conduzam.

Qual a relação dos patagões com o chimarrão, com o chá mate?
Começa pelo nome dos seus fiéis cães:
- "São tão fieis companheiros destes Índios os cães, que rara vez os vimos sem um grande número deles: sua casta é quase semelhante à que em Buenos Aires chamam Cimarrões, dos quais certamente trazem a sua origem (...)"
Quanto à palavra "mate", talvez o "xeique-mate" tenha sido decidido à hora de Londres do chá, chá mate!
A pequena palha chamar-se bomba, também não remeterá necessariamente a bombear o líquido.
Depois, a história ganha detalhes mais sinistros, porque a própria zona Gaúcha, do Chimarrão, já teria uma imigração das Canárias, onde tinha ocorrido uma aniquilação dos Guanches, tidos também como gigantes, aquando da conquista espanhola... "com suas frias asas o Austro a esconde". Esta palavra "austro", que escondeu a ilha australiana, mostrou a bicéfala asa imperial da casa austríaca.

Infusão.
Poderia ficar por aqui, porque o tema assim se justificava.
Porém, esta relação está longe de ser suficiente para quem não aprecia chá...
Há muitas possibilidades de infusões... sendo que o simples chá de limão poderia ter constituído uma bebida popular. Porém, a própria escassez alimentar de citrinos, associada ao escorbuto, é outro facto que merece menção. O nome das laranjas estar associado ao nome de Portugal, é outro ponto que evidencia algo estranho. As laranjeiras eram árvores ornamentais, pelo menos entre persas e árabes.
Se é dito que o nome laranja vem do sânscrito "naranga", onde variou para "naranja" entre árabes, nós ficámos com essa derivação do nome, enquanto italianos, gregos, turcos, e outros árabes usavam "portocala" para designar a laranja. Portanto, usamos o nome vindo do Médio Oriente, e aí usa-se o nome vindo daqui? Não é isso que me leva a seguir o texto...

Afinal o que se bebia na Antiguidade até à Idade Média?... 
Não seria café, nem chá... nem sequer um cházinho de limão!
Bom, na Europa havia o vinho, as misturas com mel, hidromel, e variantes de cerveja. Porém, entre os árabes, por via religiosa, nem isso seria permitido. Há uma tradição do chá árabe, mas ainda assim parece vir da Pérsia, só no Séc. XV (tal como o café, por via etíope)... ou seja, quase ao mesmo tempo que os descobrimentos vão tomar essa importação de chá vinda da China. Na China seria já popular muitos séculos antes, sendo a sua introdução remetida a um dos 3 míticos soberanos chineses, Shennong.
Shenong faria uma investigação sobre a natureza das plantas, tal como os druídas celtas (simbolizados por Panoramix), ou outros xamãs, também se entreteriam com as suas "poções" e "mézinhas":

Da cabaça passamos ao caldeirão:
... afinal, quem estava associado à confecção de estranhas infusões com particularidades "mágicas"? 
... a livre ideia de ferver plantas colhidas no campo, seria benvinda a uma sociedade onde a apenas alguns estava reservado o direito de fazer "poções"?

Ou seja, para banir veleidades de experiências psicotrópicas com ervas, parecem ter sidos introduzidos bloqueadores morais. Na Idade Média fazer uma infusão num caldeirão seria algo associado à "bruxaria" ou "alquimia". Um simples cozinhado "não convencional" poderia ser conotado com práticas pouco recomendáveis de bruxaria. Se ao tempo dos druidas esses cozinhados estariam reservados a uma classe sacerdotal, com a chegada da Idade Média, nem tão pouco isso iria ser bem recebido.

As classes dirigentes da sociedade nunca viram o livre uso de plantas com bons olhos:
- o aspecto medicinal seria positivo, para alguns... mas o aspecto psicotrópico das drogas causaria um problema social grave. Uma coisa é a cocaína na Coca, outra coisa é o refrigerante Coca Cola.
Por isso, a chegada do chá, do café, coincidiu com uma prática alargada que foi recuperar medicamentos nas selvas tropicais, ou outras paragens remotas, como no caso das Quinas e do quinino.

Subitamente a sociedade admitia de novo a experimentação de plantas para o uso benéfico da população, com a contrapartida de controlar o problema nefasto do seu abuso... Mas, foi paradigmático a China, de onde saíra o simbólico chá, ver-se confrontada com a alienação da população por via da Guerra do Ópio.

Transversalmente, nas mais diversas tribos do globo, aparece uma prática religiosa de xamãs que criam condições de alteração de consciência, seja através de plantas, de venenos em doses toleradas, ou outras. A medicina ligava-se às práticas religiosas neste aspecto, sendo comum o duplo papel - médico e religioso, dos xamãs.
Os xamãs em diferentes culturas (imagem da wikipedia)

Nalgumas tribos índias o ritual de iniciação da adolescência passava por um retiro introspectivo do indivíduo, sujeito a alterações de consciência (plantas, veneno de serpente), que o confrontavam consigo próprio, com os seus medos e fantasmas. Serviria como uma entrada num mundo espiritual, mas não visaria apenas a educação do próprio jovem... serviria também para que desse relevo de realidade a um mundo de espíritos, onde contaria com o seu xamã como guardião.
Peter Gabriel - San Jacinto
(relatando a experiência iniciática de um jovem índio)
I hold the line - the line of strength that pulls me through the fear 
San Jacinto - I hold the line 
San Jacinto - the poison bite and darkness take my sight - 
I hold the line - And the tears roll down my swollen cheek - think I'm losing it - getting weaker 
I hold the line - I hold the line San Jacinto - yellow eagle flies down from the sun - from the sun

Ao contrário de uma sociedade tribal, as civilizações desenvolveram-se numa base de privacidade, onde a individualidade não é respeitada, é condicionada. Numa pequena tribo, os conceitos de privacidade fazem pouco sentido e, por outro lado, conhecendo-se melhor os convivas, os seus problemas serão problemas de todo o grupo. Ao contrário, as civilizações fizeram pagar a privacidade com a desconfiança... sendo permitidos segredos, são todos suspeitos disso mesmo. Por melhores sistemas de vigilância que sejam implementados, a desconfiança serve apenas como chama que se alimenta a si própria.

Os xamãs, e análogos, encontram um mundo alternativo... de universos que se quiseram impor e sucumbiram às próprias contradições. Um caos ausente que encontra uma porta para se manifestar através de irracionalidades presentes... irracionalidades que na sua contradição têm tanto de destruidoras, como de criadoras de belos universos em manifestações artísticas. Um caos presente na iminência destruidora de uma simples sinapse de comando, contra uma ordem regeneradora, que se soube sobrepor à aniquilação. E falo no passado, porque é o passado de todos os universos que falharam, mas que reservaram o direito de se manifestar no único que os poderia albergar. Foi esse o preço da racionalidade albergar a irracionalidade, a beleza, a inocência do amor, as incertezas, e a perversidade hedonista e niilista das suas manipulações... é isso que teremos que transportar em cada presente - todas ilusões e mentiras colapsadas dos "amanhãs que cantariam", e que encontraram maior expressão na única porta que lhes ficou aberta - a irracionalidade e aparente fragilidade humana.


Nota adicional (24/7/2013)
Não sendo o chá, propriamente dito, objecto de análise destes textos que escrevi, não quero deixar de sinalizar uma bela obra: 
(1905)

Começa assim a prosa romantizada de Venceslau de Moraes:
É no Oriente, e em especial no Extremo-Oriente, que as coisas communs da creação ou os usos e costumes triviaes da vida são susceptiveis de merecer um tal requinte de solemnidade sentimental e de praxes de rito, que constituam um verdadeiro culto. No espirito do europeu, despoetizado pela chateza dos ideais da epoca, atribulado pelas multiplices exigencias da vida, pervertido pela febre do negocio, não medram de há muito os cultos. Especializando a observação ao chá, havemos de convir que este artigo de commercio, que de tão longe nos vem, propositadamente adulterado conforme o nosso gosto, no fim de contas se resume n'uma detestavel infusão que entrou em moda no sport social, simples pretexto para repastos pelintras, para reuniões banaes, para palestras vãs. 
Este parágrafo ilustra bem como a generalidade da sociedade ocidental iria tratar a informação... os barões assinalados teriam as suas bibliotecas privadas de espampanantes encadernações... de livros nunca abertos.
As camélias chinesas ou japonesas serviriam um ritual de chá que seria uma encadernação do livro que tinha outro significado quando reportado ao local de origem.
Num pequeno texto, fácil de ler, Moraes coloca muita informação sobre o ritual do chá no Japão, que vai desde mitos, costumes, histórias, até à própria produção, em particular no rio Uji:


O texto de Moraes está decorado com belas e informativas ilustrações japonesas da época, que servem como uma fotografia de tempos passados a Oriente, no quadro duma estabilidade colonial e comercial da belle époque que antecederia as convulsões mundiais do Séc. XX.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Com chás (2)

Vieira.
Já aqui tínhamos apresentado uma moeda que tinha o símbolo da empresa de D. Sebastião:

Serena Celsa Favent, era o moto, e se o esclarecimento favorece a excelência, aqui temos uma concha, a vieira venusiana, e um peixe, símbolo cristão, sob uma constelação estelar (Pleiades?) enquadrada com o crescente selene, lunar.
Devemos notar que as conchas estão ligadas ao baptismo, havendo mesmo pias baptismais com essa forma:
 
Pia baptismal - Igreja NªSrª Navegantes (Armação de Pera, imagem).

Portanto, há uma ligação da concha à libertação do "pecado original", da expulsão do Paraíso. 
Bom, e tendo acabado de falar nas ilhas polinésias, do Taiti no texto anterior, de forma algo natural estabelecemos a noção de "ilha paradisíaca"... como se congenitamente o fosse reconhecido naquelas paisagens.


Pelicano.
Para além do peixe, também o pelicano, pelo auto-sacrifício pela prole, é considerado um símbolo de Cristo, tendo sido primeiro adoptado por D. João II como seu símbolo.
Vamos encontrar esse símbolo com um influente conselheiro dos reis ingleses Henrique VII e Henrique VIII, tratava-se de Richard Foxe, bispo de Winchester:

Leito de morte de Henry VII Tudor (1509) com destaque para Richard Fox, Bispo de Winchester, 
vêem-se as quinas portuguesas e o pelicano de D. João II.

O que faria o Bispo de Winchester, o conselheiro mais influente de Henrique VII, e depois de Henrique VIII (até ser substituído por Wolsey), usar armas com quinas e o pelicano, símbolos do já defunto D. João II?
Estava aqui implícito que a política de D. João II teria uma continuação pelo lado inglês?

Richard Foxe vai fundar o Colégio Corpus Christi de Oxford, que ainda hoje usa o símbolo do pelicano:
  
Richard Fox, o pátio central com o Pelicano do Corpus Christi de Oxford, e as armas do colégio,
que incluem ainda as armas de Hugh Oldham (com 3 mochos e rosas vermelhas de Lancaster)

Mais tarde, também Isabel I, filha de Henrique VIII, a rainha que determinará a expansão inglesa, irá adoptar o pelicano como símbolo no seu papel de "mãe" da Igreja Anglicana. A simbologia cristã do pelicano remontará a S. Tomás de Aquino, a sua ligação às quinas portuguesas só fica evidente através de Fox, e da influência que terá tido na regência dos Tudor.

A tomba de Fox está na catedral de Winchester da Santíssima Trindade, que era a mais influente à época, e que curiosamente esteve em perigo de colapso por inundação das fundações, sendo "salva" pelo trabalho contínuo de um escafandrista, William Walker, entre 1906-11, que tem um busto na catedral cuja cripta ainda se encontra imersa em água. 

Catedral de Winchester, o escafandrista Walker, e a cripta inundada (com escultura moderna).

Cordeiros.
Curiosamente, 50 anos antes, outro Bispo de Winchester, Henry Beaufort, ficou famoso por dirigir o processo inquisitório que condenou Joana d'Arc à fogueira. Tratava-se de um meio-irmão de Filipa de Lancastre, sendo um dos muitos filhos de John de Gaunt (com Katherine Swynford, no terceiro casamento que originou a linha Beaufort). 
Henry Beaufort, o inquisidor, e Joana d'Arc... 
um cordeiro entregue à fogueira.

Joana d'Arc tinha sido entregue por Philippe III de Borgonha (casado com Isabel de Portugal, filha de D. João I, sobrinha do inquisidor). Margaret Beaufort, também sobrinha deste Henry, será mãe do rei Henrique VII, que derrota Ricardo III, tornando-se o primeiro dos Tudor. Henrique VII usa a rosa de Lancaster, mas ao casar com uma rosa de York, terminará a Guerra das Rosas com a união.
Um detalhe importante é Henrique VII usar num retrato o colar do Tosão de Ouro, o símbolo da Ordem fundada por Philippe III de Borgonha, aquando do casamento com Isabel de Portugal.
Phillipe III de Bourgogne, fundador da Ordem do Tosão de Ouro (esq.)
Henry VII Tudor, membro da Ordem do Tosão de Ouro (dir.)
Ambos usam o colar da ordem, com o cordeiro sacrificial.

Duque de Kent, chefe da Grande Loja de Londres, com colar da Maçonaria.

Juntei uma imagem de colar da maçonaria porque o compasso, ou o esquadro, descaindo em forma de V invertido, assemelham-se ao cordeiro sacrificial, que vemos nos colares da Ordem do Tosão de Ouro.
Conforme já referi noutros textos, o cordeiro tem vários significados, não apenas ligados à lenda de Jasão e dos Argonautas. É claro que a Ordem surgindo no contexto do casamento da irmã do Infante D. Henrique, carrega um aspecto dos Descobrimentos ligado aos "Argonautas" e ao Velo de Ouro.
Descobrir foi desvelar, tirar véus... na forma Ariana deste carneiro, o Velo seria a pele de Aries, uma pele de Ouro, ou de Oro, forma abreviada de Hórus, o olho vigilante que se pode ligar ao verbo Orar.
Descobrir foi revelar, levantar Velas e não tanto retirá-las. As cara-velas do Infante velaram pelo véus antigos, e a Ordem do Tosão ou "Velo de Ouro", pode ser vista como preservação do "véu de Hórus".
Jasão teve que vencer o Dragão da Cólquida para obter o Velo de Ouro, tal como Hércules teve que vencer o dragão Ládon, que guardava as ocidentais Hespérides, num dos 12 trabalhos (ou 12 Oras...).
Ao mesmo tempo aparecia a Ordem do Dragão, de que fez parte o Infante D. Pedro, e que já ligámos à Dra-cola, ou Cola do Dragão, em que o "Colar" se refere ao pescoço, tal como Coço e Cola se referem à retaguarda, entrelaçada ao pescoço... (sobre o significado antigo de "coço da procissão" ser "atrás da procissão", ler D. Manuel Clemente)

A história do cordeiro tem ainda o aspecto hebraico que remete à Páscoa, ou à paz-côa, quando Abraão é sujeito ao teste de obediência divino, e o seu filho Isaac é substituído pelo cordeiro no sacrifício:
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis... dona nobis pacem
É um bocado complicado falar deste ponto, porque o sacrifício do cordeiro ordeiro envolve aqui um conceito perverso, no outro verso interpretativo. Deus não permitiria o sacrifício do filho eleito, apenas dos cordeiros... e por isso os cordeiros poderiam ser sacrificados, até que Deus se manifestasse em sentido contrário. E quem eram os cordeiros a sacrificar? O sacrifício indiscriminado traria a presença de Deus?
Pois... até que ponto os Árias foram pastores de Aries, cordeiros? Até que ponto os pastores sacrificariam os seus cordeiros para reencontrarem Deus, ou o Messias?
Esta filosofia continha uma aposta tripla 1X2, se Deus não interviesse perante a iniquidade, os pastores beneficiariam do velo de ouro, uma opção hedonista face à ausência divina. De forma oposta, justificariam a sua acção perante o divino, requerendo a sua presença, afinal a sua omnipotência só permitiria o sacrifício dos sacrificáveis. A incógnita X seria a recusa teológica de outras possibilidades... obviamente possível por crença, mas afinal insustentável racionalmente. Azar, este universo foi definido justamente pela racionalidade, e os absurdos levam ao vazio contraditório - o caos irracional fica no seu exterior. O tempo permite o absurdo diferido, temporário, mas não o simultâneo e permanente. Todos os filhos de Gaia são introspectivamente recuperáveis, pela lógica do arrependimento, do reconhecimento de erros, mas não é possível a recuperação dos irrecuperáveis. A persistência eterna no absurdo foi simplesmente excluída, nem tampouco poderia ser humana. Logicamente, não poderia ser doutra forma... os erros podem viver nas ilusões temporárias, que acolhem elementos do caos, mas não o caos completo. Desse oceano caótico importamos a imprevisibilidade, elementos artísticos e sentimentais, mas esses impulsos devem sujeitar-se ao enquadramento racional, sob pena de serem o convite ao estabelecimento do irracional, e à recusa da principal faculdade humana, que nos distingue das alimárias, a racionalidade.

Chapéus...
Há muitos, vários formatos de chapéus. Assim, para além do colar com o cordeirinho sacrificial, também o chapéu usado por Filipe III de Borgonha fez moda, ficou conhecido como "chapéu borgonhês", e resistiu aos tempos, sendo ainda hoje uma indumentária usada pela Confraria do Vinho do Porto:
É claro que no caso da confraria de vinho usa-se no colar uma taça de escanção, para averiguar da cor do vinho, afinal simbolicamente tratado como "sangue de Cristo".
A taça do vinho da Última Ceia foi habitualmente designada como Graal, e houve já quem sugerisse que o nome Portugal encerraria um críptico "por-tu-graal", que assim se complementaria, pela associação de Porto e Gaia, nas caves do famoso vinho, que sozinhas asseguravam as contrapartidas do Tratado de Methuen. Para adivinhos, há outros vinhos... os famosos vinhos da Borgonha, ou de Bordéus, da antiga região da Guiana occitana-basca, entre outros preciosos néctares de um Baco divino di-vinho, cuja preservação de antiguidade necessita do devido arrefecimento em caves bem seladas.

Baptista
Não longe, encontramos a Igreja Matriz de Vila do Conde, cuja a entrada é interessante.
De construção biscainha, apresenta de um lado as armas de D. Manuel (num caso raro, em que ainda aparece a dupla esfera armilar, sugerida por D. João II), e do outro lado temos: a âncora da Póvoa de Varzim, o antigo barco de Vila do Conde, e um outro brazão com uma figura humana que emerge de uma concha (símbolo associado à localidade de S. Pedro de Rates).
Igreja Matriz, de S. João Baptista, em Vila do Conde (imagem).

Como a Igreja é dedicada a S. João Baptista (que aparece no topo da porta), a concha será baptismal, mas também referente à mítica presença do Apóstolo Santiago, que teria ordenado S. Pedro de Rates como primeiro Bispo de Braga (45 a 60 d.C.).
Há assim essa dupla ligação a conchas, cuidando ambas para o simbolismo do renascimento, numa igreja renascentista emanuelina. O homem que sai da concha aparece depois, com D. Sebastião, na forma de peixe, invocando esse Renascimento cristão, que seria o renascimento de Cristo, na forma humana.
O ritual baptista parece remeter para uma origem aquática, pela imersão do baptizado, ou mais simbolicamente vertendo água na sua cabeça.
No entanto, há variações baptistas.
Um outro aspecto de baptismo, era o baptismo com óleo, aplicado na unção de sacerdotes.
Aí podemos ver outro aspecto das vieiras que, virtude dos tempos, são reencontradas no símbolo de uma famosa companhia petrolífera:

A vieira usada como símbolo de petróleo pela Shell.

O petróleo, também designado como "ouro negro", passou a encerrar outros véus, ou velos de ouro negro... mas para essas considerações remetemos para um texto anterior.

Poderíamos ainda falar de outros aspectos interessantes das vieiras, nomeadamente pela sua geometria.
Há uma confluência entre parte de um quadrado e parte de um círculo, podendo ser usado para simbolizar a relação do número Pi na quadratura do círculo.
Por outro lado, as divisões naturais das vieiras (ou outras conchas) poderiam servir para marcar ângulos, constituindo um simples instrumento de posicionamento, semelhante a um vulgar quadrante, para simples uso náutico, em navegações primitivas. Esse seria um aspecto prático de orientação astral para qualquer peregrino, associando a vieira ao cajado do pastor.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Com chás

Perante as informações dispersas, algo contraditórias, abundantes na irrelevância e escassas na importância, é sempre um risco especular novas hipóteses sobre as primeiras migrações humanas. Não há suficiente informação nem para rebater, nem para sustentar categoricamente nenhuma hipótese... o resto é inércia conveniente. Com chás, é mais fácil alinhar pela teoria que se foi estabelecendo, por mais interrogações que se deixem sem resposta... mas o espírito inquieto prefere o caminho das conchas - neste caso procurar uma versão consistente que responda a interrogações fundamentais.

Constava no Séc. XVI que o nome Nova Guiné era devido à oposição à outra Guiné, africana. Tal como a Guiana, todas estas terras partilhavam a proximidade equatorial em diversos continentes. 
O registo mais antigo do nome Guiana é o nome do território basco francês, na zona da Aquitânia, que esteve na origem da Guerra dos Cem Anos.
Essa Guiana occitana fazia parte dos domínios ingleses, nomeadamente de Eduardo III, fundador da Ordem da Jarreteira, que quebrando as promessas de paz com o rei francês, passou o Ducado da Guiana ao filho, o Princípe Negro, Eduardo de Woodstock! A mesma Guiana esteve em posse do irmão, Eduardo de Gant, pai de D. Filipa de Lencastre... e foi reivindicação inglesa até ao fim da Guerra dos Cem Anos.

De forma rápida, chegamos da Guiana occitana/basca ao nome da Nova Guiné, e no texto anterior procurámos ver se fazia sentido o caminho inverso, partindo de uma Velha Guiana.

Tudo isto parece arbitrário, mas há uma questão fundamental, que carece de resposta:
- Como manter no decurso de milénios uma guerra brutal entre tribos rivais numa ilha limitada?
- Não seria natural que uma das tribos ganhasse ascendente, aniquilando as restantes?
Quando a violência vai ao ponto de antropofagia cultural, o único valor dados aos outros parecia ser o de recurso alimentar... No entanto, as diversas tribos coexistiram ao ponto de criarem quase 900 línguas diferentes, o que mostra uma assumida diferença e herança ancestral.
Como manter o equilíbrio entre tribos que visavam aniquilar as outras?
Ao fim de tantos milénios, o que evitou que uma das tribos crescesse a ponto de criar um exército de guerreiros que derrotasse as restantes?... 
Como se deu o controlo populacional na ilha?
Eram as batalhas apenas rituais destinados a esse controlo populacional? Ou seja, não visavam a destruição dos rivais, mas apenas uma "selecção" dos mais jovens?
Afinal, se a agricultura deu ali os primeiros passos, e se havia uma técnica apurada no manejo de arco e flecha, acrescido do uso de venenos naturais, onde foi estabelecido o limite do génio inovador, para estabelecerem novas defesas e armamento? 
A imaginação ficou nos rituais algo estranhos e exóticos? 
Quem orientou essa educação guerreira ineficaz para batalha?
Quem aconselharia uma política não expansionista, deixando a tribo sob ameaça constante de se ver aniquilada (ou comida...) pelas tribos rivais?

Portanto, há aqui uma quantidade apreciável de perguntas que estão sem resposta.
À falta de melhor, a única resposta que encontro é a de uma coordenação global dos xamãs locais.
Os xamãs, conselheiros típicos da favorabilidade da batalha, da educação condicionada por rituais, exerceriam um papel fulcral na formação daquelas sociedades. A eventual fragilidade de cada um seria irrelevante perante o papel coordenado dos restantes. Ou seja, se um fosse banido, essa tribo arriscaria o ataque coordenado das outras tribos, ordenado pelos outros xamãs... 

Esta evolução para uma coordenação entre xamãs seria um processo natural de reflexão social. 
Afinal, quando uma tribo dominasse por completo a ilha, o que se seguiria? 
Uma regência única? Não havendo inimigos na ilha, entrar-se-ia numa competição interna... mas onde apareceriam esses focos de dissensão, seriam controlados pelos xamãs, ou organizariam-se contra eles?
Como se controlaria uma explosão populacional? 
Rapa Nui (pintura de Hodges, 1775) e o problema dos Coelhos da Páscoa...

Um aumento descontrolado da população esgotaria os espaços e os recursos, entrando-se num conflito e colapso social, semelhante ao que se supõe ter ocorrido na Ilha da Páscoa.
As ilhas polinésias apresentavam esta dualidade... por um lado ambientes paradisíacos, mas quando a liberdade permitia o descontrolo populacional, a reprodução dos coelhinhos era um modelo inevitável para prever o que se seguiria - um esgotar de recursos, conflitos crescentes caóticos levando ao colapso social.
Por isso, a nova "Paz-côa", a "paz filtrada", trazia um ovo diferente do de Colombo[*], trazia um acordo de paz que visaria um controlo populacional... o "crescei e multiplicai-vos" tinha o limite Malthusiano, o limite da estrutura para os recursos disponíveis. 
[*] Sobre a tradição dos ovos da Páscoa, 

Não é preciso ler Robinson Crusoe, para ver que os paraísos tropicais traziam vários problemas, onde foram aplicadas diversas soluções ao longo de gerações... normalmente condicionando a mentalidade pela educação, pelos rituais, pela cultura, pelas histórias. Não se trataria apenas de um problema de sobrevivência, seguir-se-ia um problema de vivência... ou seja, que objectivos de vida manteriam um funcionamento regular da sociedade?  Sob esse aspecto, a manutenção dos inimigos tribais, como na Nova Guiné, reteria um foco de atenção para a vivência... parece ter sido essa a solução encontrada, durante inúmeras gerações.
No Taiti, ilha cuja descoberta deve remontar a Pedro Fernandes Queirós[**], ocorreu a famosa história da revolta da Bounty. Alguns marinheiros amotinaram-se, querendo viver em tal paraíso, ofereceram armas para o desequilíbrio de forças, em favor de um rei, Pomare I, que assegurou o controlo total da ilha entre 1788 e 1791. O capitão Bligh retornou, e perante a ameaça externa o rei entregou os amotinados que lhe tinham fornecido o poder. O Taiti entraria em contacto com os ocidentais como reino unificado, mas em 1842 os franceses usariam as famílias dos rivais depostos para impor um protectorado francês contra a rainha Pomare IV, e ainda hoje o Taiti faz parte da França (... o país modelo da liberdade dos povos, que nunca abdicou das suas colónias, sem deixar de acusar os outros de colonialismo).
Sim, é verdade que falta a folha com as páginas 110 e 111, mas o 
borrão consegue fazer ler o nome de Pedro Fernandes Queirós
(... foi pior a emenda que o soneto!)

Ainda sobre o Taiti, o mesmo livro "O Viajante Universal" refere a particularidade de na viagem de Wallis ter sido reportado haver habitantes "ruivos", e Bougainville, chegando no ano seguinte, refere o uso de conchas como castanholas, e de pérolas como o único meio de moeda de troca. 
O Taiti afinal tanto tempo incógnito é abordado por Wallis, Bougainville e Cook em 1767, 1768 e 1769.
Os espanhóis cruzariam o Pacífico durante 250 anos, e afinal parecia difícil era não passar pelo Taiti.
A viagem de Cook tem um propósito científico - o trânsito de Vénus em Junho de 1769.
O mítico nascimento de Vénus, como pérola saída de uma concha
... parece "maluquice" uma mulher sair de uma concha, mas isso depende do tamanho da concha:
Segundo o National Geographic as conchas da 
zona do Recife Australiano podem atingir... 1m 20cm.
Com essa dimensão, poderiam bem albergar uma criança!

Portanto, afinal a ideia de uma criança poder sair de uma concha, faz sentido na zona das Ilhas Malucas, nos Mares Austrais... e as pérolas, as pérolas saem de "Ostras", ou será preciso "ostracizar" para dizer que saem de "Austras"?
Quanto às pérolas taitianas podem ser "pérolas negras", e como dissémos, serviam de moeda. 
Desde os primeiros registos civilizacionais que foi dada grande importância às pérolas, antes mesmo de pedras preciosas, porque saíam naturalmente brilhantes da "ostra". 
Sumérios, chineses, egípcios, japoneses, gregos, romanos, etc... todos tinham os seus pescadores de pérolas... os hindus afirmariam que teria sido Krishna a criar a primeira. Diferentes culturas, algumas que pouco teriam de marítimas, teriam os seus mergulhadores especializados em suster respiração e encontrar pérolas nas ostras. A maior pérola é disforme e ostenta o nome de Lao Tzé. Cleópatra dissolveu uma pérola para mostrar a Marco António que poderia ter uma refeição mais cara que o orçamento de uma cidade, e outras pérolas como "La Peregrina" têm histórias de 500 anos.

Se há local que tipicamente se prestava a uma população marítima vocacionada para apanhar as primeiras pérolas terá sido a Oceania. Bom, e agora vamos regressar ao mapa do logotipo:
O que tem de especial, de novo, este mapa?
Não é o que tem... é o que falta.
O último registo marcado a Oriente... é a Nova Guiné!
Os mapas começam a ser modificados, e são sucessivamente inventados contornos alternativos...
A Nova Guiné vai ficar incompleta, a Austrália não vai aparecer, o mundo fica suspenso até Cook.
Timidamente serão marcadas as Ilhas Salomão (o nome parece simbólico), ao lado da Nova Guiné, e os holandeses vão arriscar entrar pela Austrália até ao limite definido pelo meridiano português de Tordesilhas (convém reparar que os holandeses se especializaram mais no hemisfério português).

A pérola com o nome "La Peregrina" leva-nos à continuação!
Qual era a rota de peregrinação típica durante quase toda a Idade Média?
Havia a cruzada a Jerusalém, a via Francigena, que levava a Roma... mas curiosamente a peregrinação mais importante, era a de Santiago de Compostela:
Caminhos europeus de Santiago de Compostela
"Estrada de Santiago"... a Via Láctea 
A vieira indicando o Caminho de Santiago.

O que fazia tantos peregrinos europeus seguirem a rota do Apóstolo Santo Iago?
É claro que havia todo o factor religioso, mas nem sequer podemos considerar que se tratasse de uma figura crucial no cristianismo, e mesmo a lenda envolvendo a sua presença na Galiza seria muito controversa.
Acresce que a Estrada de Santiago nem acabaria ali... muitos seguiam o caminho até Finisterra!
Finisterra, onde seria o ponto mais ocidental (por erro, já que era o Cabo Magno), e constando que as rotas eram mais ancestrais, remetem-nos para uma tradição celta, associada a quê?
- À Vieira... que se diz também "venera", ou seja, a uma Vénus, saída da concha!

É claro que a vieira foi tida como símbolo do peregrino pela sua eventual utilidade para beber água, tal como a cabaça... mas sobre a cabaça evitarei falar. Apenas direi que se a concha tinha este lado feminino, a cabaça, um dos primeiros alvos de agricultura, poderia encerrar um aspecto masculino... que se resume no contexto da Oceania à palavra koteka, porque as coisas são como são, e o resto são preconceitos induzidos pelos xamãs da nossa cultura. É assumido que os cultos de fertilidade foram primevos.
Bom, e se as taitianas usavam conchas, a migração cigana da Índia até à Andaluzia popularizou as castanholas
... que têm origem reportada aos fenícios, afinal a civilização que se baseou num domínio marítimo, desde o Mediterrâneo até ao Atlântico. Seriam os fenícios a definir o alfabeto que dominaria o mundo das línguas indo-europeias, e não só.

Compostela poderia aparecer no contexto de peregrinação marítima como uma rota que terminava num grande lago proibido à navegação, seria um "santo lago" que se ligava a "Santo Iago", tal como alguns cultos de Santo Antão estão claramente ligados às Antas. Curiosamente a outra Santiago, do Chile, foi repousar à beira de um lago ainda maior, o oceano Pacífico. Com o decorrer das descobertas, o caminho estava aberto para o lago atlântico, e a contra-reforma terminou a harmonia católica - o caminho de Santiago deixou de ser popular durante os quase cinco séculos seguintes, tendo apenas sido reavivado recentemente.

Objectivamente, o que se pode reter daqui?
Muito pouco, grande parte do texto pode ser considerado especulativo e arbitrário nas associações.
Afinal, se Vénus é Venera, daí tanto vem a palavra "venerar" como a palavra "venérea". 
Se um Puto é um pequeno anjo, associável a Cupido, para fazermos o feminino associado à mãe Vénus, devemos recorrer ao filme japonês LaPuta: Castle in the Sky, em que o nome Laputa se refere a uma cidade nos céus, na obra Gulliver de Jonathan Swift.
Os xamãs guardaram os métodos e as conchinhas, os cravos e as pimentas, e no seu percurso peregrino fizeram as naves subir aos céus, até que reencontraram o simbolismo perdido. Superada a prova, passaram a magos que bebem chá... os problemas são os mesmos, e os métodos pouco diferentes.

domingo, 7 de julho de 2013

Pontas da língua (3)

Conforme referido no texto anterior, em condições favoráveis uma pequena tribo familiar teria a possibilidade de constituir um grande aglomerado populacional, digamos que ao fim de mil anos poderia atingir um milhão de pessoas. 
Porém, para o grande aumento populacional teria que se fazer uma mudança radical na sociedade... teria que se organizar como sociedade agrícola. Essa mudança parece ser recente.

(Como facto lateral, este mapa dá uma ideia de como a agricultura nalgumas zonas verdes ou amareladas 
poderiam ter o óbice de estar sob gelo, ou debaixo de água... noutros tempos)

Expansão da agricultura na Europa (fonte: eupedia.com
e possíveis origens mundiais:
Médio Oriente (9000 a.C., trigo, centeio),  Nova Guiné (9000 a.C., inhame), China (7000 a.C., arroz),
México (3000 a.C., milho, feijão, cacau), Peru (3000 a.C., batata, cabaças), 
África (2000 a.C., sorgo), EUA (2000 a.C., girassol).

A dedução destes mapas virá da arqueologia neolítica, considerando a datação de algumas sementes encontradas. Notável é o primitivo aparecimento de agricultura na Nova Guiné, Timor, Ilhas Salomão, que chega a ser considerado existente há 25 000 anos, nas Salomão.
Este aspecto é interessante para nos reportarmos a culturas que pouco terão mudado nos últimos 10 mil anos. Talvez uma causa comece por rituais iniciáticos. É especialmente curioso este ritual encontrado numa tribo da Papua-Nova Guiné, onde os jovens rapam o cabelo e colam ao rosto, para parecerem mais velhos:
imagem em themonthly.com.au ... de fotos © James Morgan 

Há por isso uma questão - tradição versus necessidade. A tradição tende a preservar, a necessidade a mudar.
Uma das primeiras zonas que parece ter introduzido a agricultura é também aquela que menos parece apresentar evolução face aos ancestrais ritos. O que encontramos nestas zonas é uma estrutura social dimensionada para um conjunto limitado de habitantes, que é replicada pelo território circundante.

Creio que não é preciso ser antropólogo para perceber uma provável transição.
1) Tribos primitivas. Terão sido as primeiras, e não se afastariam muito do padrão social de muitos primatas superiores. Comunidades familiares até algumas dezenas de elementos. Passado esse número, alguns jovens sairiam do território original, movimentando-se para territórios adjacentes, fazendo novas famílias, novas tribos. Enquanto a expansão territorial fosse possível, por exemplo em África, teríamos essencialmente uma disseminação pouco competitiva. A competição entre animais da mesma espécie é quase sempre reduzida ao mínimo confronto possível. O grande confronto interno à espécie aparece depois como característica humana.
A sedentarização das tribos aparecerá primeiro ligada a um território favorável. Um bom território de caça, fixaria tribos de caçadores-colectores. Não haveria uma subespeciação evidente porque acabaria por haver uma mistura de elementos no mesmo território. Poderia ocorrer subespeciação por rejeição de elementos... um caso frequente ainda em África são os albinos. A rejeição de albinos é uma causa provável de diferenciação na tez da pele. Foi provavelmente mais frequente em período glaciar, e poderá ter levado a um isolamento de elementos que se definiriam na subespeciação, talvez como os neandertais. Mas seria o excesso populacional, ocorrendo ao fim de poucos milhares de anos, que levaria a confrontos pela inevitável escassez de recursos com o sucessivo aumento das tribos. 
Se os animais lutavam individualmente por um território, o homem passando a ser animal social transformou o conceito de individualidade à tribo. Em vez de termos um leão a desafiar outro pela posse de um território, teríamos uma tribo a desafiar outra. Onde isso poderia ocorrer? O mais natural é que ocorresse num local donde já não haveria migração possível e onde o confronto fosse inevitável.
Não falamos aqui de nenhuma razão civilizacional, os propósitos seriam essencialmente de sobrevivência por coexistência. Os territórios deveriam ser inicialmente suficientemente vastos para permitirem o direito de passagem sem confronto... a ideia de um território cuidadosamente guardado será noção recente. O único cuidado antigo seria com um abuso de permanência que ameaçaria os mesmos recursos. Isso iria mudar com a agricultura, podendo requerer uma efectiva vigilância do espaço, e uma disputa de carácter mais letal.
Iremos tomar o exemplo da Oceania com particular importância.
Porque a Oceania com o fim da Idade do Gelo passaria a uma situação de várias ilhas onde se poderia formar uma competição feroz, devido à limitação territorial. Em pequenas ilhas talvez não se formassem muitas tribos, e o destino de alguns passou por uma migração marítima, resultando numa expansão polinésia. O resultado mais violento e letal desse confronto talvez se tenha dado na Papua - Nova Guiné, onde o espaço era suficientemente grande para múltiplas tribos, hoje culturalmente desligadas por quase 900 línguas diferentes. Aí a expansão populacional implicaria um confronto mortal entre tribos. Ainda na 2ª Guerra Mundial, apesar de estar incluída na Austrália, as tribos da Nova Guiné alinhavam com australianos ou com japoneses consoante o alinhamento das tribos rivais. Havia uma guerra cultural local e intemporal que não parecia afectada pela presença dos novos deuses da guerra, externos ao seu micro-confronto ancestral.

2) Primeiras civilizações. Para se constituírem as primeiras civilizações, a sociedade teve que mudar de paradigma. Precisaria de tempo suficiente para se constituir numa estrutura estável de divisão de tarefas, tendo por um lado elementos autoritários, e por outro, elementos obedientes. Ou seja, a menos de grande entendimento, havia uma coabitação de duas culturas... a cultura de mandar e a cultura de obedecer. Deixamos de ter uma tribo onde todos eram vistos como iguais, recebiam rituais iniciáticos semelhantes, e partilhariam a mesma cultura transmitida pelos anciãos. Nas civilizações passaria a haver uma cultura cortesã ou sacerdotal, diferente da cultura popular.
As múltiplas tribos que adoptaram a filosofia de partilha comunitária cultural acabaram por não se desenvolver... desde as ultra-competitivas tribos da Nova Guiné, às tribos da Guiné, passando pelas da Guiana. 
Onde terá ocorrido esta mudança de paradigma? Um sistema de castas antigo, não sabemos se o mais antigo, é sem dúvida o indo-europeu, onde sobressai o velho sistema de castas indiano.
De qualquer forma, o incremento populacional numa metrópole não permitiria uma cultura tribal equalitária. De entre os irmãos surgiam os varões que passavam a barões. Ao fim de poucas gerações, a prole dos restantes irmãos constituiria uma enorme massa populacional... a prole passava a proletariado.
Esse era um mecanismo, o outro mais evidente era o da simples conquista. Se nos confrontos das tribos da Nova Guiné o resultado era habitualmente a aniquilação, as primeiras civilizações passaram a usar uma estrutura social de escravos, resultante das capturas de tribos derrotadas.

A linguagem comum passou a ser fulcral nas comunicações e a língua comum da civilização impôs-se pelo seu sucesso a todos os intervenientes, passando a ser uma caracterização de nova estrutura - o povo. Poderia haver uma linguagem diferente falada pela elite da varonia, mas a longo termo a linguagem comum da população iria dominar. Deve ter sido esse o caso do latim, que a longo termo acabou apenas por ter espaço na erudição, tal como foi o caso do francês usado pela corte inglesa normanda que desapareceu.
A comunicação específica no poder passou a usar preferencialmente alegorias, símbolos e códigos abstractos, cujo significado escaparia à generalidade da população. Ao estilo dos hieróglifos egípcios, um mesmo texto poderia ter vários significados.

Munda.
Na filogenia dos haplogrupos Y-DNA aparece uma origem comum K que irá variar para diferentes haplogrupos que constituem a maioria da população mundial, gerando os L, M, N, O, P, Q, R, S, T.
Já vimos no texto "abertura genética" os mapas dos N, O, Q, R, que constituem a maioria da população terrestre, faltava mostrar, os M e S que se situam justamente na Oceania, e os L e T de pequena expressão (especialmente Oceano Índico, na zona do Indo (L) e do corno de África (T)).

  
Haplogrupos M e S
 
Haplogrupos L e T


Bom, falta ainda o P... mas sobre esse não encontrei mapa, tal como o K, talvez por serem comuns aos "descendentes" não aparecem especificados. Mas encontrei esta frase (Abe-Sandes, Human Biology, 2004)
This haplogroup P-92R7 is frequently observed among Europeans: 44.0% among Italians (Previdere` et al. 2000), 52.0% among Portuguese, and 54.0% among Spaniards...
Por outro lado, no site eupedia.com é basicamente afirmado que o P é hoje inexistente, e na wikipedia remete-se para a zona central asiática ou para os Munda, no Bangladesh. Visitando um pequena discussão técnica aquando publicação de resultados sobre Portugal diz-se: "The authors have no individuals who would have been typed as P (92R7) who are not also typed as R1a or R1b, so there is no way to associate it with or exclude it from P."
Ou seja, mudou-se a classificação, e na prática os P foram misturados nos R1b.
Atendendo a como a academia encara a Grota do Medo, usa-se o habitual "método científico":
- os resultados servem para provar a teoria (existente).
Dificilmente temos acesso a dados que não estejam enquadrados numa teoria... se isso acontecesse, ou os resultados estariam mal (o que não interessa aos autores), ou seria a teoria vigente a estar mal (o que não interessa à academia). Mudanças ou falhas na teoria só aparecem garantindo os devidos cuidados na divulgação e divulgadores, assegurando os interesses da academia...

Qual o problema? Bom, o haplogrupo P é suposto preceder o Q, dos ameríndios, e seria estranho ter uma maioria P entre os latinos, conforme reportada no artigo de Abe-Sandes. Como a disciplina era recente no início de 2000, não excluo uma confusão nas primeiras análises de resultados.
Porém, também cada vez mais será difícil ver resultados genuínos... há uma flagrante tentativa de apresentar os resultados numa linha politicamente correcta, indo sempre buscar um centro euro-asiático de onde tudo se espalha.
Ironizando... pode ver-se como uma teoria da estrelinha dispersora, assim:

Nova ou Velha Guiné?
Como referimos, a forte presença dos M e S na Nova Guiné parece sugerir algo bem diferente (mesmo não sabendo por onde andam os P)... porque a questão é que os P não deveriam estar longe da Oceania, já que o haplogrupo "pai", o K é ainda encontrado com grande frequência aí. Pode ler-se na wikipedia:
"Paragroup K - Specially in Oceania. Also in Timor, Philippines and East India."
Esse haplogrupo K originaria os actuais orientais, siberianos, ameríndios, e indo-europeus.

A hipótese que se levanta aqui é completamente diferente. A origem dessas linhas estaria na imensidão de ilhas entre o Pacífico e o Índico, na zona da Oceania. Alguns australianos queixam-se, e com razão, que toda a cultura aborígene parece ter sido esquecida, apesar de ter os registos de pinturas mais antigas da humanidade.
Ora, uma hipótese bem plausível é que um primeiro degelo tenha levado ao isolamento de populações naquelas ilhas. Tratavam-se ainda de mares mais susceptíveis à navegação... e se há povos que associemos à água são justamente os povos da Oceania.
Com o degelo as águas subiam mergulhando o seu continente, digamos Mu, e ficariam afastados de populações vizinhas, em ilhas que podiam ver à distância. Que fazer então?
Os mais próximos do continente asiático podem ter retornado a "terra firme", mas os restantes acabariam por ter uma vertente mais aquática. Já sabemos onde foram parar os M e S... estão concentrados nas diversas ilhas da Oceania. E os outros?
Os P que vão dar os Q ameríndios e os R indo-europeus podem ter tomado um caminho mais complicado!

A questão é que há semelhanças entre as culturas tribais dos ameríndios e das tribos da Oceania.
Um desses aspectos é a adaptabilidade à água. As canoas, as pirogas, são um desses elementos comuns.
As culturas da Oceania usavam e abusavam das pirogas, tal como depois os europeus foram encontrar essa tradição entre os índios americanos, especialmente na zona do Canadá ou da Amazónia, mas também na zona das Caraíbas, ou similares (até em esquimós). Note-se que não é assim tão comum ver noutras paragens uma antiga vocação humana aquática, apesar dos inúmeros cursos de água.
Alguns hábitos antropofágicos de indígenas americanos, e a extrema violência contra outras tribos também parecem ser um ponto comum com a Nova Guiné, competição atroz que a priori não se justificaria nos novos territórios americanos, de grandes espaços desabitados.
Ou seja, aqui seria precisa a teoria Kon-Tiki inversa... uma migração dos polinésios no sentido americano. A América já estaria povoada pelo haplogrupo C3 (mongol), pelo que pode ter havido aspectos de invasão, onde figurou o elemento masculino Q no Y-DNA, mas o mtDNA, pelo lado feminino, teria emprestado um aspecto oriental à descendência invasora. Convém notar que os Olmecas, civilização primeira na mesoamérica, teriam um aspecto menos oriental do que o que se viria a encontrar depois.
Cabeça Olmeca  (La Venta, 1400 a 400 a.C.)

Algo semelhante se poderá ter passado com violência no Japão. Os Ainos D terão sido suplantados pelo haplogrupo O, o traço vencedor que se disseminou pela China e sudeste asiático, talvez remetendo os N para paragens siberianas.

Nesta pequena especulação alternativa falta falar dos R, que originariam os Indo-Europeus.
Bom, os R são "irmãos" genéticos dos ameríndios Q, ambos descendendo do haplogrupo P, de que se perdeu o rasto.
Por muito que se tente esconder, há um registo R na costa leste americana, na zona do Canadá, dos grandes lagos, típica zona de canoas ou caiaques. Também, como descendentes dos K, temos os L que se estabeleceram na zona do Indo e os T que entraram em África.
Vou considerar duas hipóteses para a migração dos R:
a) A mais plausível, com os dados conhecidos, leva a uma entrada dessas populações da Oceania no subcontinente indiano, onde há ainda um grande registo R (R2 e R1a). Aí, na Índia, submeteram as populações anteriores (E,F,H), instituindo um sistema de castas, e prosseguiram na direcção do continente europeu, que praticamente esmagaram com o seu ímpeto característico. A sua língua, que seria afinal uma das centenas de variantes na Oceania, ganhou uma dimensão igual à sua expansão conquistadora. Entraram pelo Oceano Índico e só pararam quando viram mar de novo... no Oceano Atlântico, ou teriam prosseguido (ainda em caiaques?) para as paragens canadianas.
b) A mais especulativa, indo pela teoria de Schwennhagen. Os R (tal como os Q) também teriam migrado para a América e constituído aí uma civilização dominante (no norte da América). Chegariam como colonizadores à Europa Atlântica, em particular à península Ibérica onde teriam feito a sua progressão na direcção indiana. Isto seria a versão de uma "Atlântida americana", que teria sido colonizadora da bacia mediterrânica, segundo os registos egípcios comunicados a Sólon, reportados por Platão no Timeu. Esta hipótese pode ter várias falhas...

Ambas as hipóteses ajustam-se a uma predominância R na Europa, e justificam haver um diferente haplogrupo R-M173 na zona oeste da Austrália e na parte atlântica canadiana, que doutra forma tem permanecido como "mistério". Só este detalhe inviabiliza muito da teoria habitual sobre a expansão centrada no Cáucaso.

Em qualquer caso, antes da chegada dos R, a Europa deveria ter uma distribuição do haplogrupo E (especialmente na Grécia), do J (na bacia mediterrânica), do I (Escandinávia e Balcãs), e do G, que se espalhava pela Europa (mas que hoje se concentra apenas no Cáucaso). A chegada dos indo-europeus terá embatido com todas estas populações, quase fez desaparecer os G, dividiu os I, e entrou nos territórios dos E e J.
A língua indo-europeia tornou-se quase exclusiva na Europa, com variantes adaptadas aos povos sucessivamente conquistados. O caso basco, tido como singular, por não ser língua indo-europeia, mas ter a maior concentração de R1b, pode ter duas explicações simples... por um lado na Oceania a variação linguística seria uma técnica defensiva básica, por outro lado isso só seria feito num ambiente exclusivo de elementos da tribo... que teriam escolhido aquela região como assento próprio, não se misturando com os habitantes primitivos. Os casos magiar ou finlandês são substancialmente diferentes, prendendo-se com as migrações posteriores, nomeadamente dos hunos.

Esta invasão indo-europeia do haplogrupo R pode ter acontecido nos milénios subsequentes à época glaciar, na sequência do degelo. Isto seria um registo demasiado tardio, mesmo para mais velhos mitos que nos levam apenas até ~ 4000 a.C. A subsequente evolução teria misturado populações, mas também a separação do continente europeu na zona do Mar Negro terá contribuído para a separação R1a e R1b.

Os R1b formariam depois a indistinta população celta que habitou a Europa Ocidental.
Não teriam conquistado a zona mediterrânica, mas também não há propriamente registos míticos de que tenha havido qualquer conquista europeia. Curiosamente, ou não, nem mesmo os mitos parecem esclarecer o que se passou nesse passado remoto. Talvez seguindo os gregos se possa dar sentido às guerras com Titãs, Gigantes, ou Centauros... mas isso será outra história.