Há um exagero natural nas posições antagónicas, entre quem acha que há indícios que favorecem uma história oculta, e os que terminantemente recusam essa possibilidade, quase como fé.
No caso das navegações, os defensores da burocracia instituída pelo status-quo, estão bem protegidos por uma documentação oficial seleccionada que não assinala nada de inconveniente.
Seria estranho, se assim não fosse... se a documentação romana disponível dissesse que as galés romanas visitavam a América, só haveria duas possibilidades - ou manter a teoria colombiana, e esconder isso, ou então assumir que de facto os romanos visitavam a América.
Ora, o que implicaria isso em termos de História?
Há mais interesse em manter a estória que temos, ou em corrigir a história, assumindo a ocultação?
Assumida uma ocultação, o que garantiria que a ocultação terminava?
Fruto da nossa educação dirigida, somos forçados a admitir que Copérnico foi revolucionário, por conceber que a Terra se movia em torno do Sol... e mesmo que seja dito que já Aristarco de Samos sabia disso, faz-se crer que essa informação estaria perdida.
Não estava, e é o próprio Pedro Nunes ao criticar o trabalho de Copérnico que diz:
«(...) Nicolau Copérnico de Torun, o qual estava sobretudo interessado em, com o método, tabelas, e demonstrações de Ptolomeu, trazer de novo à luz a antiga e quase esquecida astronomia de Aristarco de Samos acerca do movimento da Terra e da imobilidade do Sol e da oitava esfera, tal como é referido por Arquimedes no seu livro "De arena numero".»
Ou seja, reler o famoso livro de Arquimedes "O contador de areia", foi a revolução de Copérnico. Acrescente-se, a teoria heliocêntrica nada acrescentou ao que já se sabia, e foi Kepler, mais do que Newton, a avançar com dados novos. Ensina-se ainda hoje que a teoria geocêntrica é errada face à heliocêntrica, o que só mostra como a publicidade serve a manipulação das mentes dos petizes.
O único propósito da lengalenga publicitada foi tirar o homem do centro, e fazer crer numa insignificância no espaço universal e entre as espécies animais.
Ora, a visão relativista deve ela própria ser relativa e não absoluta.
Retirar a visão absoluta, etiquetando-a como "errada", é perverso e igualmente errado.
Registos medievais
Thomaz de Souza, em "O Descobrimento do Brasil" (1946), muito preocupado em defender as navegações italianas, praticamente remete a crítica dizendo que se Colombo tudo aprendeu em Portugal, os portugueses tudo tinham aprendido dos navegadores italianos.
O que em grande parte seria verdade, já que o próprio D. Dinis foi chamar o genovês Manuel Pessanha para almirante em 1317. Para esta opção estrangeira, não terá sido irrelevante o fim dos Templários em 1314 e a instituição da Ordem de Cristo em 1319.
Se ao rei Lavrador não está associada a descoberta do Lavrador (região canadiana), está pelo menos associado um dinamismo na produção de madeira para as embarcações, aumentando o pinhal de Leiria, iniciativa inicial do pai, D. Afonso III, porque a assoreada Leiria já não era porto de mar, sendo útil estabilizar as dunas de areia.
Só que num exagero fundamentalista, parece haver quem pretenda que, antes, os portugueses só tinham canoas, e nem tampouco dão crédito à existência de D. Fuas Roupinho, que terá morrido em confronto naval com os mouros, junto a Ceuta em 1184. Os cronistas árabes reconhecem o confronto e a vitória, com apresamento de 22 naus portuguesas, mas parece que sem o cartão de cidadão do Almirante, mesmo uma derrota passa a mito dos cronistas portugueses, por falta de registo no notariado de Alcobaça, deixado durante dias a saque em 1834.
Para efeitos da estorieta, Manuel Pessanha é considerado o primeiro almirante-mor do reino, tendo substituído Nuno Cogominho, que foi... almirante-mor do reino entre 1307-16. Poderá haver quem fique confuso por ter havido alguém antes do primeiro, mas isso não incomoda a lógica do regime, que se baseia na fé dos crentes. As palavras mudam assim de significado, sem qualquer incómodo, para que não apoquentem a fábula.
Assim, para Thomaz de Souza, os italianos praticamente descobriram tudo antes de todos.
Um tal Lanzarotto Malocello "encontraria as Canárias em 1270". Curiosamente este é o ano apontado para o seu nascimento, mas para Souza o nome já estaria nos astros... mas com efeito está instituída uma sua viagem em 1312.
Por mero acaso, também o filho de Pessanha se chamava Lançarote, e num artigo «Afonso IV (1325-1357) e a doação das Ilhas Canárias pelo papa Clemente VI (1332-1342)», Revista Portuguesa de História 46 (2015), A. M. Souza diz o seguinte:
Neste aspecto, a presença de genoveses e florentinos na Corte régia portuguesa já se fazia sentir desde o governo de D. Dinis, que a propósito da expansão das fronteiras do reino, firmara um contrato com Manuel Pessanha (Pessagno) para o reconhecimento do território ainda em 1317. Já Lancelloto Malocello (Lanzarotto Pessagno), terceiro filho de Manuel Pessanha, desta vez como comandante de uma frota portuguesa a mando de Afonso IV “redescobriu”, por volta de 1336, uma das treze ilhas que os geógrafos greco-latinos tinham apelidado de as Insulae Fortunatae (Ilhas Afortunadas).
Inadvertidamente, ou não, identifica os dois Lanzarottos ou Lançarotes, como sendo a pessoa do filho de Manuel Pessanha. Já sabemos que os mapas não servem para provar nada, quando se trata de descobertas portuguesas, no entanto, depois das viagens enviadas por D. Afonso IV em 1336, aparece num mapa feito em Maiorca, por Angelino Dulcert (1339), uma inscrição com o nome da ilha descoberta pelo tal Lanzarotto Malocello.
Mapa de Angelino Dulcert com Porto Santo e Madeira (Legname), à esquerda,
e em baixo com a ilha Lanzarote, com a cruz de Cristo.
Na maioria dos casos, diz-se que no mínimo Lanzarotto estaria ao serviço do rei português, mas para Thomaz de Souza, isso não interessa e a descoberta é genovesa, até porque a bandeira é de Génova... Ora, por coincidência ou não, a bandeira da Cruz de Cristo é igual à bandeira de Génova.
Que se saiba, quando em 1344 o espanhol Luis de La Cerda ganhou do Papa a pretensão à ilha, não foi Génova a enviar uma reclamação ao Papa, como fez D. Afonso IV, informando que já tinha descoberto as ilhas antes.
Antes de tudo isto, o mais natural é que os mouros já tivessem feito aí uma visita, e curiosamente consta que o cronista árabe Idrisi reporta a chegada às Canárias de árabes de Lisboa, no início do Séc. XII, ou seja, pouco antes da conquista por D. Afonso Henriques. Acrescenta da existência de duas enormes estátuas, algo que está na carta dos Pizzigani de 1367, dizendo:
"duas estátuas de pedra de cem côvados de altura e sobre cada uma delas una figura de bronze, que está com sua mão fazendo sinais aos navegantes para que não sigam navegando mais além".
O registo dessas estátuas desapareceu... e não parece que tenham sido os guanches os responsáveis!~
(continua)