(continuação)
Interessa notar apenas, que se tentássemos estabelecer alguma relação entre a posição das estrelas e posição de cidades antigas conhecidas, não se vislumbra nenhuma correlação neste sentido. Se essa associação pode ser vista de modo genérico, com a posição das constelações, como observámos no texto anterior, tendo por base a associação do Egipto a Órion, nada de semelhante se parece passar usando a identificação entre os dois equadores (celestial e terrestre).
Ou seja, caso tenha havido alguma associação directa - ligando lugares no céu a lugares na Terra, tal aconteceu apenas de forma genérica e pouco precisa, não se vislumbrando nenhuma ligação de grande precisão, feita por intencionalidade humana.
Deixei por terminar o texto anterior, com um assunto aparentemente semelhante - as estrelas do cinto de Órion, mas bastante distinto no conteúdo.
(6) Uma coisa são as interpretações humanas dos conjuntos estelares, outra coisa diferente é a relação directa que se pode estabelecer entre uma posição na Terra e uma posição no Céu.
Ou seja, se um local na Terra é identificado pelo par (Latitude, Longitude), também qualquer estrela no céu pode ser identificada pelo par (Latitude, Longitude).
Por exemplo, ainda que não seja muito comum ver planisférios celestes, encontramos um razoavelmente bom, associado à Expedição Apollo 11:
Planisfério Celeste (missão Apollo 11): a vermelho - minha indicação das estrelas de Órion - o cinto está praticamente sobre o equador celeste |
O equador celeste é uma marcação que não é arbitrária, está completamente ligado à rotação terrestre e ao equador terrestre, conforme é explicado nesta imagem (wikipedia)
Portanto, no que diz respeito à Latitude, tal como no caso terrestre, há uma única forma de a definir.
Ao contrário, no que diz respeito à Longitude, no caso terrestre houve sempre várias convenções. Actualmente, e desde o Séc. XIX, ficou convencionado ser marcado pelo Meridiano de Greenwich, pelo domínio da marinha britânica, mas antes disso houve outros marcos.
Como Ptolomeu que definiu o zero, no extremo ocidental do "mundo conhecido", usou-se muitas vezes a Ilha do Ferro nas Canárias como marcação do "Meridiano Zero" (aliás com a indicação de que estaria 20º a oeste de Paris, o que facilitava as contas aos franceses).
Ainda que as Flores sejam as ilhas açorianas mais ocidentais, é natural que o nome "Ilha do Marco", associado à Ilha do Corvo, pudesse ter a ver com alguma associação temporária desta ilha ao extremo mais ocidental... podendo ter sido usada como referência de longitude.
O caso mais interessante, e que é reflectido no Globo de João de Lisboa, toma a embocadura do Amazonas como marco para o Meridiano Zero. É adequado pela curiosidade do Amazonas desaguar em latitude zero... e de ser a marcação feita por D. João II para o Meridiano das Tordesilhas. Como se não bastasse essa coincidência, a ilha na foz do Amazonas era designada "grande Ilha de Joannes" (sendo agora designada Ilha de Marajó).
(7) A marcação do Meridiano Zero numa Carta Celestial também é de, certa forma, arbitrária... ainda que possa ser ligada aos meridianos correspondentes a equinócios... ou solstícios.
Ralativamente ao solstício de Verão, a estrela mais brilhante que se aproxima deste ponto será Betelgeuse, também ela na constelação de Órion, mas não sobre o Equador Celeste.
Assim, a definir-se alguma correspondência entre pontos do Equador Celeste e Equador Terrestre, o que pareceria melhor como marcação poderia ser justamente o Ilhéu das Rolas, em São Tomé (ou ainda a Ilha do Príncipe, escolhendo a do meio como referência... também esta supostamente referindo-se ao Príncipe - futuro D. João II).
(8) O interesse desta marcação de referência, seria que todas as estrelas do céu teriam um lugar único correspondente em Terra. Da mesma forma, as constelações ocupariam um lugar determinado no espaço terrestre. Com essa posição de Órion como referência, colocada sobre as Ilhas de São Tomé, obteríamos uma sobreposição com as constelações da seguinte forma:
... onde praticamente grande parte da Europa Ocidental corresponderia ao espaço da Constelação de Auriga, enquanto que a parte da Europa Oriental corresponderia à Constelação de Perseu. Neste caso, com a deslocação de Órion para latitudes equatoriais, é a constelação de Touro que ocupará o lugar do Egipto/Sudão (a de Carneiro, o lugar da Arábia; a de Peixes, o sul da Índia, etc.)
No que diz respeito à constelação de Auriga, a sua estrela mais brilhante é Capella, que tem coordenadas (declinação ou latitude) 45º59'... sendo o Monte Branco o ponto geográfico mais importante próximo daquela latitude, com 45º55'... sendo a questão de longitude igualmente próxima, mas mais variável, dependendo da definição da origem.
Interessa notar apenas, que se tentássemos estabelecer alguma relação entre a posição das estrelas e posição de cidades antigas conhecidas, não se vislumbra nenhuma correlação neste sentido. Se essa associação pode ser vista de modo genérico, com a posição das constelações, como observámos no texto anterior, tendo por base a associação do Egipto a Órion, nada de semelhante se parece passar usando a identificação entre os dois equadores (celestial e terrestre).
Ou seja, caso tenha havido alguma associação directa - ligando lugares no céu a lugares na Terra, tal aconteceu apenas de forma genérica e pouco precisa, não se vislumbrando nenhuma ligação de grande precisão, feita por intencionalidade humana.