terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Órion... cinto no equador

(continuação)
Deixei por terminar o texto anterior, com um assunto aparentemente semelhante - as estrelas do cinto de Órion, mas bastante distinto no conteúdo. 

(6) Uma coisa são as interpretações humanas dos conjuntos estelares, outra coisa diferente é a relação directa que se pode estabelecer entre uma posição na Terra e uma posição no Céu.
Ou seja, se um local na Terra é identificado pelo par (Latitude, Longitude), também qualquer estrela no céu pode ser identificada pelo par (Latitude, Longitude). 
Por exemplo, ainda que não seja muito comum ver planisférios celestes, encontramos um razoavelmente bom, associado à Expedição Apollo 11: 
Planisfério Celeste (missão Apollo 11):
a vermelho - minha indicação das estrelas de Órion -  o cinto está praticamente sobre o equador celeste
O equador celeste é uma marcação que não é arbitrária, está completamente ligado à rotação terrestre e ao equador terrestre, conforme é explicado nesta imagem (wikipedia)

Portanto, no que diz respeito à Latitude, tal como no caso terrestre, há uma única forma de a definir. 

Ao contrário, no que diz respeito à Longitude, no caso terrestre houve sempre várias convenções. Actualmente, e desde o Séc. XIX, ficou convencionado ser marcado pelo Meridiano de Greenwich, pelo domínio da marinha britânica, mas antes disso houve outros marcos. 
Como Ptolomeu que definiu o zero, no extremo ocidental do "mundo conhecido", usou-se muitas vezes a Ilha do Ferro nas Canárias como marcação do "Meridiano Zero" (aliás com a indicação de que estaria 20º a oeste de Paris, o que facilitava as contas aos franceses).
Ainda que as Flores sejam as ilhas açorianas mais ocidentais, é natural que o nome "Ilha do Marco", associado à Ilha do Corvo, pudesse ter a ver com alguma associação temporária desta ilha ao extremo mais ocidental... podendo ter sido usada como referência de longitude.

O caso mais interessante, e que é reflectido no Globo de João de Lisboa, toma a embocadura do Amazonas como marco para o Meridiano Zero. É adequado pela curiosidade do Amazonas desaguar em latitude zero... e de ser a marcação feita por D. João II para o Meridiano das Tordesilhas. Como se não bastasse essa coincidência, a ilha na foz do Amazonas era designada "grande Ilha de Joannes" (sendo agora designada Ilha de Marajó).

(7) A marcação do Meridiano Zero numa Carta Celestial também é de, certa forma, arbitrária... ainda que possa ser ligada aos meridianos correspondentes a equinócios... ou solstícios.
Ralativamente ao solstício de Verão, a estrela mais brilhante que se aproxima deste ponto será Betelgeuse, também ela na constelação de Órion, mas não sobre o Equador Celeste.
Assim, a definir-se alguma correspondência entre pontos do Equador Celeste e Equador Terrestre, o que pareceria melhor como marcação poderia ser justamente o Ilhéu das Rolas, em São Tomé (ou ainda a Ilha do Príncipe, escolhendo a do meio como referência... também esta supostamente referindo-se ao Príncipe - futuro D. João II).

(8) O interesse desta marcação de referência, seria que todas as estrelas do céu teriam um lugar único correspondente em Terra. Da mesma forma, as constelações ocupariam um lugar determinado no espaço terrestre. Com essa posição de Órion como referência, colocada sobre as Ilhas de São Tomé, obteríamos uma sobreposição com as constelações da seguinte forma:

... onde praticamente grande parte da Europa Ocidental corresponderia ao espaço da Constelação de Auriga, enquanto que a parte da Europa Oriental corresponderia à Constelação de Perseu. Neste caso, com a deslocação de Órion para latitudes equatoriais, é a constelação de Touro que ocupará o lugar do Egipto/Sudão (a de Carneiro, o lugar da Arábia; a de Peixes, o sul da Índia, etc.)

No que diz respeito à constelação de Auriga, a sua estrela mais brilhante é Capella, que tem coordenadas (declinação ou latitude) 45º59'... sendo o Monte Branco o ponto geográfico mais importante próximo daquela latitude, com 45º55'... sendo a questão de longitude igualmente próxima, mas mais variável, dependendo da definição da origem. 

Interessa notar apenas, que se tentássemos estabelecer alguma relação entre a posição das estrelas e posição de cidades antigas conhecidas, não se vislumbra nenhuma correlação neste sentido. Se essa associação pode ser vista de modo genérico, com a posição das constelações, como observámos no texto anterior, tendo por base a associação do Egipto a Órion, nada de semelhante se parece passar usando a identificação entre os dois equadores (celestial e terrestre).
Ou seja, caso tenha havido alguma associação directa - ligando lugares no céu a lugares na Terra, tal aconteceu apenas de forma genérica e pouco precisa, não se vislumbrando nenhuma ligação de grande precisão, feita por intencionalidade humana.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

dos Comentários (28) - a espera, a espora, e o esporo

A notícia aparece no Expresso, num breve artigo de Virgílio Azevedo, e foi aqui indicada por um comentador anónimo:

Um estudo que procurava determinar a vegetação antiga dos Açores, baseado em sedimentos de poléns, esporos, depositados na Lagoa Azul, concluiu que a ilha de S. Miguel teria habitação humana, por volta do ano 1287, ou seja, 150 anos antes da data oficial reconhecida para a descoberta dos Açores.
O artigo científico está publicado aqui (o acesso é condicionado à subscrição da revista), mas o resumo é acessível:

"Vegetation and landscape dynamics under natural and anthropogenic forcing on the Azores Islands: A 700-year pollen record from the São Miguel Island
- Quaternary Science Reviews. Volume 159, 2017, Pages 155–168.
- Autores: Valentí Rull, Arantza Lara, María Jesús Rubio-Inglés, Santiago Giralt, Vítor Gonçalves, Pedro Raposeiro, Armand Hernández, Guiomar Sánchez-López, David Vázquez-Loureiro, Roberto Bao, Pere Masqué, Alberto Sáez
- Instituições dos autores: Institute of Earth Sciences Jaume Almera, Botanic Institute of Barcelona; CBIO - Univ. Açores; Instituto Dom Luiz - Univ. Lisboa; CICA - Univ. da Coruña; Edith Cowan University, Joondalup, Australia; ICTA - Universitat Autònoma de Barcelona; University of Western Australia, Crawley.
Resumo: The Azores archipelago has provided significant clues to the ecological, biogeographic and evolutionary knowledge of oceanic islands. Palaeoecological records are comparatively scarce, but they can provide relevant information on these subjects. We report the palynological reconstruction of the vegetation and landscape dynamics of the São Miguel Island before and after human settlement using the sediments of Lake Azul. The landscape was dominated by dense laurisilvas of Juniperus brevifolia and Morella faya from ca. 1280 CE to the official European establishment (1449 CE). After this date, the original forests were replaced by a complex of Erica azorica/Myrsine africana forests/shrublands and grassy meadows, which remained until ca. 1800 CE. Extractive forestry, cereal cultivation (rye, maize, wheat) and animal husbandry progressed until another extensive deforestation (ca. 1774 CE), followed by the large-scale introduction (1845 CE) of the exotic forest species Cryptomeria japonica and Pinus pinaster, which shaped the present-day landscape. Fire was a significant driver in these vegetation changes. The lake levels experienced a progressive rise during the time interval studied, reaching a maximum by ca. 1778–1852 CE, followed by a hydrological decline likely due to a combination of climatic and anthropogenic drivers. Our pollen record suggests that São Miguel were already settled by humans by ca. 1287 CE, approximately one century and a half prior to the official historically documented occupation of the archipelago. The results of this study are compared with the few palynological records available from other Azores islands (Pico and Flores).
Traduzindo rapidamente, a paisagem era dominada por laurissilvas, cuja presença hoje é apenas significativa na Ilha da Madeira (a Laurissilva da Madeira é paisagem UNESCO). Essa vegetação foi substituída com a colonização oficial no Séc. XV, e depois mudada de novo nos séculos XVIII e XIX. 
A análise dos pólens sugere adicionalmente a ocupação humana por volta de 1287 (ou seja, em reinado de D. Dinis).

No artigo do Expresso refere-se que "... há historiadores que defendem que os Açores já eram conhecidos antes, baseados em mapas de 1339 onde as ilhas do Corvo e de São Miguel já estão assinaladas, embora com nomes diferentes (Corvinaris e Caprara, respetivamente)"... e o mapa/portulano de 1339 é atribuído a Angelino Dulcert, onde aparecem as ilhas, mas a uma latitude mais condicente com Madeira e Porto Santo.

Parte do mapa de Angelino Dulcert -1339 (wikipedia), com ilhas nomeadas.

Os pequenos esporos, tal como estes mapas antigos revelam apenas uma parte da evidência, que espera que uma espora decisiva nos cavalgue das trevas, para a luz. 

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Ó rio... sinto que o cinto

(1) Órion - sinto que o cinto ser colado à cintura da gravura pré-histórica humana, esculpida num osso de mamute (ver figura seguinte), seria uma conjectura digna de desprezo e escárnio... noutras circunstâncias. 
Mas não foi... e a um investigador da Univ. Munique bastou ver que umas mãos levantadas, os pés, e a cintura fina do homem, poderiam corresponder a uma configuração das estrelas em Órion (ver figura seguinte, à direita), para essa afirmação estar já reportada no Guiness Book of Records como o mapa estelar mais antigo, acrescendo para isso uns pontinhos sem sentido, espalhados no verso do osso!
 
À esquerda: «The carvings have been interpreted as a star map»  in BBC News (21/'01/2003) "Oldest star chart found" 
À direita: A constelação de Órion... que supostamente é representada pelo homem de braços levantados! 

A nossa sociedade tem assim o magnífico condão de dar estatuto de "verdades" a grandes patacoadas, ao mesmo tempo que tenta descartar verdades como patacoadas. 
Foi assim, com o simples manipular de opiniões, que foi difundida a ideia de que as constelações teriam algum correspondente entre estrelas e desenhos de animais, que levassem à designação que traziam desde a Antiguidade. Como as estrelas eram meros pontos, a união desses pontos levar a um qualquer desenho imaginado, simplesmente ganhou popularidade.

(2) Órion - sinto que o cinto ter uma correlação quase exacta com a posição das pirâmides de Gizé, conforme é descrito no artigo da Wikipedia... 
levanta muito mais polémica, conforme se pode ver na figura:
Posição das estrelas do cinto de Órion, com sobreposição da localização das pirâmides de Gizé.
A posição das estrelas é  perfeita face à posição relativa das pirâmides. (imagem : Wikipedia)

Esta observação poderia ter sido notada em qualquer momento na História, desde a construção das pirâmides, e em especial a partir do Séc. XVIII. Porém, só teve adeptos dispostos a defendê-la desde há uns 30 anos. Um deles, Graham Hancock, foi severamente criticado pelos egiptólogos por sugerir tal "disparate". 

Portanto, para quem tenha dúvidas, fica bastante claro que em assuntos "secretos" - quanto mais as afirmações se aproximarem da verdade, mais facilmente são alvo de ferozes críticas, enquanto que os mais grosseiros disparates seguem o percurso inverso. 

(3)  O rio - será o Nilo, tratando-se do Egipto. Órion, um mitológico caçador filho de Poseidon, tendo o seu cinto atado às pirâmides egípcias, na margem do Nilo, definiria um marco geográfico, tal como se definem outros - ainda reconhecíveis nos nomes das constelações vizinhas:

  • A constelação de Touro (Taurus) ligada aos Montes Taurus, na Turquia;
  • A constelação de Perseu (Perseus) ligada à Persia, e ao Golfo Pérsico;
  • A constelação de Carneiro (Aries) ligada ao região Ariana ou Aria.
Isto fica mais claro quanto colocamos os nomes das constelações num mapa face às suas posições relativas. No caso das constelações de Touro, Perseu e Aries, a coincidência geográfica é completa, conforme podemos ver:

Mapa baseado na Geografia de Erastóstenes (em cima), e as constelações próximas a Órion (em baixo).

No caso da constelação Eridanus, foi associada ao Nilo, e tem um nome próximo ao Mar Eritreu, o Mar Vermelho, que corre paralelamente ao Nilo, portanto a relação também será próxima. Já mais interpretativa será a constelação de Gémeos, que teria aqui um correspondente entre a Grécia e Itália, lembrando que Castor e Polux para além de serem estrelas da constelação, eram gémeos, filhos de Leda, e irmãos das gémeas Helena e Clitemnestra. Todos estes quatro gémeos tomam parte fulcral no enredo da Guerra de Tróia. Tal como podemos lembrar que a fundação de Roma é atribuída a outros dois gémeos - Remo e Rómulo.
Quanto às restantes constelações, sendo umas invenções mais recentes que outras, as associações são ainda mais dúbias.

(4) Órion enquanto caçador é associado ao Cão Grande, a constelação Canis Major, que tem Sirius, a estrela mais brilhante no céu. E se as estrelas de Órion pouco terão mudado de posição nos últimos milhares de anos, dada a sua grande distância ao Sol, o mesmo não se terá passado com Sirius, que é uma estrela próxima.
Sirius era uma estrela importante no Egipto, mas localizando o cinto de Órion em Gizé, a correspondente posição geográfica desta estrela fica bem longe do Egipto.
Onde? Bom, tal como no céu estrelado, a constelação de Órion pode servir para identificar outras estrelas, acontece o mesmo no correspondente geográfico:
O cinto de Órion aponta numa direcção para Sirius (Cão Maior), 
e na outra direcção para Aldebaran (Touro).

Contudo, lembramos que já há uns anos seguimos aqui essas direcções, porque são as mesmas do "alinhamento piramidal" de Gizé:


Ou seja, no globo terrestre, vamos parar pelo lado de Aldebaran a Heliopolis (Baalbec), e pelo lado de Sirius vamos parar à Ilha de São Tomé.
Acontece que, como as coincidências não ficam por aqui, ocorrem na Ilha de São Tomé umas gigantescas formações geológicas, autênticos colossais monolitos, do qual se destaca o "Pico do Cão Grande" (com 663 metros de altura):
O pico do Cão Grande (com 663 m) na Ilha de S. Tomé

Admitindo que as entidades oficiais possam atribuir ao nome "Cão Grande" uma referência popular a um cachorro que se perdeu... não deixamos de lembrar que o alinhamento piramidal apontava para Sirius, a brilhante estrela da constelação do Cão Grande (Canis Major).
Bom, e também é coincidência pelo lado oposto a Sirius ir parar a Baalbec, que está na Síria.

(5) Órion - sinto que o cinto está colado ao Equador Celestial. Bom, e que ilha segue o alinhamento piramidal e está situada no Equador Terrestre?
- São Tomé, mais propriamente, o Ilhéu das Rolas.
Só que as coincidências ainda não acabam aqui... e temos 3 ilhas:
- São Tomé, o Príncipe, e Fernando Pó, alinhadas tal como as pirâmides, no Golfo da Guiné (excluímos o Ilhéu de Ano Bom, que é de dimensão reduzida, pouco maior que o Ilhéu das Rolas).
As ilhas de S. Tomé, Príncipe e Fernando Pó, no eixo dos Camarões

Ora, estando alinhadas com as pirâmides, como estas estão alinhadas com Órion, também estas três ilhas alinham com as três estrelas do Cinto de Órion, apenas com uma pequena diferença - estas estão um pouco acima do equador e as estrelas do cinto de Órion estão um pouco abaixo dele.
É claro que, sendo formações naturais, a posição das ilhas ou o seu tamanho não segue a coincidência quase perfeita que Graham Hancock observou para as pirâmides... está longe disso. Mas o simples facto de seguirem a direcção, e estarem perto do equador, já é uma coincidência notável.

Coincidência notável que os construtores das pirâmides não deixaram de fazer notar, porque se tivessem colocado as pirâmides noutro lado, só encontrariam o Equador em São Tomé, na linha que une a Baalbec... e em mais nenhum sítio ficariam ao lado do Nilo (que apontava o norte).

Neste caso fica bem o nome "São Tomé", talvez porque fosse "ver para crer", o que lá encontraram deixado pelos egípcios ou fenícios. Se o Príncipe foi assim nomeada em tributo a D. João II, já o destino do seu filho, outro príncipe, acabou por ganhar significado mais à frente... no Monte Camarões, porque o nome desse monte vulcânico, antigamente invocado como "Carro dos Deuses", acabou por aparecer ligado à morte do príncipe - afinal o seu corpo foi recolhido num Camaroeiro, que a Rainha D. Leonor passou a ostentar como símbolo.

(continua)



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

dos Comentários (27) - Ligações

Seguem-se alguns links, ou ligações, sugeridas nos últimos tempos:

Esta lista de 2017 não está fechada e ficará aberta a novas sugestões.