A costa ocidental europeia, onde o Atlântico embate violenta e directamente em promontórios elevados, é uma marca de territórios associados aos "celtas". Na parte ocidental da Grã-Bretanha, essa parte ocidental incluía a Cornoalha, e o País de Gales. O termo Wales poderia ligar-se a whales (baleias), mas para registo latino a habitual presença posterior dos "w" não afectou aqui o "g" ficando Gales.
Por outro lado, os galeses denominam a região como Cymru, que latinamente é lida Cambria (existe ainda Cumbria, na parte inglesa, também designação já existente em tempo romano).
Por outro lado, Wales-Cambria poderia ser entendido como "Vales-Cambria" e se quisermos dar sentido à primitiva migração hispânica para paragens britânicas, lembramos, sem nenhum galo na cabeça, ou câimbra na perna, que "Vale de Cambra" é uma cidade portuguesa, às margens do Rio Cambra (cujo nome passou no Séc. XIX a Rio Caima, e onde existe a notável cascata da Mizarela).
Ora, apesar das evidências da distribuição comum do haplogrupo R1b, indicando origens comuns, há uma clara diferença linguística entre as supostas línguas remanescentes dos celtas e as línguas latinas.
Brithenig
No ano passado recebi um simpático email (Evany F.) que me dava conta de um texto galês que tinha semelhanças claras com o português, ou pelo menos com o latim. À época procurei, mas não consegui encontrar mais nada sobre o assunto. Entretanto, percebi que se tratava de uma "espécie de anedota" - ou seja, uma linguagem inventada em 1996, o Brithenig, que simulava como seria uma língua latina em Gales, aquando da transição após o Império Romano. Eis parte do texto que gerou a confusão:
(...) a romanized Cadwallon, using the same chancellery-language, might have sworn as follows on allying himself with King Penda of Mercia in 632:
Per amur dy Dew ed per salwament dy pobol cristiane ed dy nus tuts, dy yst di inawant, in cant Dew saber ed poder mi duna, sig eo salwerai yst mew fradre Penda, sig cum hom dy drieff sew fradre salwar debe, in ho che ill altertan face, ed cun Edwyn nul plegit nunche prendrai, che willy mewe a yst mew fradre Penda damnuse sî.
Quem não leu, ou não quis ler, "might have" podia ler directamente o texto em português como qualquer coisa da forma "por amor de Deus, e por salvamento de povo cristiano e de nós todos..."
Há mesmo uma comunidade que alimenta esta brincadeira de história alternativa, e sendo certa a citação que usam de Horácio - "O que impede de, rindo, dizer a verdade?", não se percebe muito bem onde está a piada, nem onde estará a verdade.
De facto, a informação mais importante sobre a evolução do galês vem antes no texto, e essa parece não ter passado na anedota:
V still pronounced as W long after it had become labio-dental V elsewhere; whence Welsh gw as in Gwener (Friday) from (dies) Veneris; gwir (true) from verus, - a change which was effected by the eighth century (later in Cornish and Breton). Secondly, there were idiosyncrasies such as the insertion of W between U and another vowel (e.g. destruo was pronounced destruwo, whence Welsh distrywio 'to destroy', and posuit, 'he placed' was pronounced posuwit (cf. W.clywed) which produced posiit in some inscriptions). Even more remarkable, the same W was inserted between E and O and between E and U. Leo, for example, was pronounced lewo, whence Welsh llew (lion), oleum became olewum W. olew (oil), deus became dewus, W. duw(god; cf. the Gaulish prefix Devo- seen in the name of the Galatian king whom Cicero defended, Deiotarus). Thus, if Brythonic had borrowed the word for boy, puer, Welsh would have had a word like pewyr.
É claro que se quiséssemos passar em letras todos os sons variantes da pronúncia portuguesa, o dialecto de S. Miguel nos Açores passaria facilmente por língua estrangeira. Basta notar por exemplo que "Mem" e "Mãe" se pronunciam de forma semelhante.
Para o que aqui interessa, notamos então que Gwynned se deveria ler Vined (ou talvez Vinheda), e isso corresponde a uma região galesa (ainda que sem produção vinícola significativa hoje em dia), desde os tempos romanos. Portanto, atendendo a isto, o nome da mítica Gwynnevere, mulher do Rei Artur, deverá ser lido de forma mais inebriante.
Voltamos ao início... e vemos aqui como a ambiguidade entre g, w. gw, pode ter mudado bastante os nomes, por via de simples mudanças impostas.
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Juramento de EstrasburgoO texto em questão, simulado recentemente em "Brithonig" é baseado num documento histórico, assinado em Estrasburgo (843), entre dois netos de Carlos Magno: Carlos II de França e Luís II, o Germânico. Acordo já resultante de divisões entre França e Alemanha, na sucessão do Império Carolíngio, e que terminaram num Tratado de Verdun (... e sim, a escolha de nomes ou locais, raramente será acidental).
Texto do juramento de Estrasburgo e excerto usado.
A parte interessante do texto do juramento de Estrasburgo é que se encontra em três línguas - latim, romana, e teudisca. Esta "língua romana" conforme aparece identificada em latim é entendida hoje como uma "língua romance" e neste caso como uma forma de "francês antigo" (o "teudisca", refere-se ao tedesco alemão).
Para "francês" parecem algo estranhos os termos "salvamento", "inquanto", "poder", "adiuda" (ajuda), "cad huna cosa" (cada uma coisa), "salvar", "fazer", "nunquã" (nunca), etc. ainda que marginalmente se pudessem remeter ao latim.
Assim, apesar da transliteração, nota-se uma maior proximidade com as línguas ibéricas, algo estranho no Séc. IX, após Carlos Magno.
No entanto, a história do Romance como origem das línguas ibéricas é um completo romance. Começa pelo facto de não se registar qualquer invasão vinda de paragens gaulesas, nem mesmo assim se justificar minimamente as diferenças ibéricas, acresce aqui a existência de um texto destes, de sonoridade ibérica, assinado em Estrasburgo no Séx. IX.
Ora, Carlos Magno mostrara uma grande preocupação com o ensino da Gramática, e o que se passou no resto do período medieval foi um desvio muito acentuado do francês face ao que podemos ler naquele documento, muito mais próximo das línguas ibéricas.
Quando no documento se introduz em latim a língua "romance" é dito literalmente:
- "verba romana lingua" ou "romana lingua sic se habet"
Portanto, é uma clara deturpação da cultura vigente falar em língua romance em vez de língua romana, conforme é explícito no texto.
Esta língua romana seria a língua popular comum no Império Romano, bastante diferente do latim. Ficou mais conservada no lado ibérico porque a invasão de Carlos Magno não teve sucesso, ao ser desbaratada em Roncesvalles. Seria provavelmente uma língua semelhante entre os "Galos", que ocupavam grande parte da Europa Ocidental. Obviamente que sofreu alterações durante o período romano, com uma revolução gramatical próxima do latim, mas isso favoreceu a base comum. A tarefa medieval posterior, levada a cabo em muitos séculos, com ajuda de invasões saxónicas e normandas nas ilhas britânicas... terá servido para uma nova diferenciação na Europa ocidental.
Quando houve direito a escrever de novo em linguagem vernacular e não apenas em latim, ou seja, já no tempo de Dante, estavam cimentadas diferenças suficientes entre as línguas dos diversos reinos europeus. Por outro lado, no juramento de Estrasburgo, nota-se que as diferenças para o tedesco germânico, essas eram grandes, cimentadas há muito pela fronteira romana do Reno.
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Gálico, Ogham e Ockham
Como referimos, o texto em "Brithonig" é uma brincadeira com menos de 20 anos, em contraponto com as línguas britónicas originárias da Grã-Bretanha (em particular, o Galês, ou o Córnico da Cornualha), e que são ainda diferentes das línguas gaélicas ou gálicas, originárias da Irlanda.
No Séc. VI, perante a queda do Império Romano e invasões anglo-saxónicas, a ligação marítima entre as ilhas britânicas, a Bretanha e a Galiza, serviu de fuga a essas populações.
Sobre a ligação directa com a Bretanha, já falámos de Conan, e há ainda o registo da migração no Séc. VI em direcção à Bretanha e Galiza:
Esta ligação entre Bretanha e Britânicos foi terminando com outra ligação posterior, entre a Normandia e a Inglaterra, pela invasão de Guilherme I em Hastings. Portanto, o estabelecimento autorizado dos normandos em terras francesas, e subsequente invasão britânica, ofuscou a anterior ligação, que se desvaneceu por completo no final da Guerra dos Cem Anos, com a anexação do Ducado da Bretanha à coroa francesa, e com a definitiva união galesa à Inglaterra, através de Henrique VII, o primeiro Tudor, de família galesa, que esteve em exílio na Bretanha até à conquista do trono em 1485, pondo fim à Guerra das Rosas.
Bom, mas pelo lado gaélico, irlandês, chegou a existir uma prevalência irlandesa sobre as paragens britânicas galesas, ilustrada nos contos Tristão e Isolda, ou mesmo nas lendas do Rei Artur.
Júlio César conta do secretismo celta, que impediria qualquer registo escrito, no entanto entre os Séc. V e VI, com a queda do Império Romano terão sido erigidos monumentos com inscrições numa linguagem aparentemente secreta:
- alfabeto Ogham
... cuja cifra seria depois revelada no chamado Livro de Ballymote.
Estes monumentos encontram-se em boa parte na região de Gales e da Cornualha. O interessante acerca desta forma de alfabeto é que pode passar mesmo despercebida, como traços feitos por algo natural, ou ocasional:
Exemplo de inscrição Ogham (img)
Também no caso da caligrafia árabe, podemos ver vários monumentos em que as inscrições surgem algo escondidas, como efeitos decorativos. O alfabeto Ogham poderia também ser disfarçado, servindo propósitos apenas conhecidos pelos receptores que conhecessem a cifra, sem que sequer houvesse intuito dos inimigos em decifrá-lo. Curiosamente este alfabeto é remetido à origem Cita, na tal migração que passara pela Hispania, a um neto de Magog, cujo nome Fénius Farsa, parece revelar mesmo a farsa desta fénix encriptada no disfarce.
Se o propósito deste tipo de escrita seria a naturalidade das inscrições, há muitas outras circunstâncias em que este tipo de riscos pode aparecer, e fica assim a questão de saber se podemos ou não remeter sempre a sua origem ao alfabeto Ogham.
Uma hipótese, a que não deixo de fazer referência, porque me foi comunicada por email (Herculano), será haver alguma influência do alfabeto Ogham, dos Séc. V e VI, em inscrições antigas encontradas no Brasil, o que a ser concluído, levaria a um manifesto contacto entre paragens atlânticas remotas - Brasil e Irlanda. Deixo aqui a referência à página web do autor:
onde é abordado o assunto. Estas ligações podem parecer fortuitas e forçadas, ou revelarem-se mesmo sistemáticas, e aí interessa também saber se estes candidatos a códigos Ogham batem certo no tempo de datação com as inscrições europeias conhecidas.
Finalmente, e mais por questões fonéticas, o nome Ogham faz imediatamente lembrar o de Ockham, monge que viveu no Séc. XIV, pouco antes da publicação do Livro de Ballymote sobre o alfabeto Ogham. O nome do monge é conhecido do seu princípio da "explicação mais simples", designada habitualmente como "Occam's razor". Porém, se essa ideia é conceptualmente apelativa, é óbvio que uma explicação mais simples não serve sempre manifestações complexas. Porque, tendencialmente a explicação mais simples, tende a ficar tão simples que deixa de haver explicação, ou é simplista. Por exemplo, uma explicação simplista é aceitar que é tudo um acaso, argumentar com coincidências a torto e a direito, outra explicação simplista é aceitar que só há uma razão para tudo, sem evidenciar porquê.
Portanto, quando ligámos aqui "Wales Cambria" a "Vales de Cambra", é óbvio que isso é apenas uma mera indicação fonética, que até pode ser entendida como algo viciada, mas que por outro lado tem suporte nos registos de migração ibérica para paragens galesas. Há uma tentativa de nexo simples, sob pena contrária de não ver nexo nenhum em nada - admitindo que a migração ocorreu, mas que não é possível estabelecer ligações. Ora, os estudos dos haplogrupos acabaram por evidenciar que é ainda possível estabelecer a ligação pela presença do R1b, ainda que não se admitam mais nenhumas.
Porém, convém sempre resistir à tentação simplista do carpinteiro que, munido de um martelo, tende a ver tudo como um prego ou um cravo, ou do pescador que tende a ver tudo como pesca por anzol. As especializações têm esse defeito de vício de raciocínio, e a insistência num leque de abordagens reduzido, foca uma determinada visão frontal, diminuindo a igualmente importante visão periférica.
As coincidências são sempre co-incidências, e se o nexo existe ele acaba por se tornar evidente - não vale de nada martelar para o fazer aparecer, ou tapá-lo para o esconder.
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30/09/2014