Nicolau Coelho do Amaral escreveu em 1554 obras que antecedem a Monarquia Lusitana de Frei Bernardo de Brito, de que já aqui falámos. Em particular, escreveu em latim o curto manuscrito:
de Nicolau Coelho do Amaral
em que apresenta uma cronologia da Monarquia Lusitana muito semelhante à de Bernardo de Brito, que é mais extensa e detalhada.
Para os que acusam Bernardo de Brito de ter inventado Laimundo de Ortega e as suas antiguidades lusitanas - "De Antiquitatibus Lusitaniae", pode ver-se perfeitamente que o resultado seria praticamente o mesmo, que neste Monostichon de Nicolau Coelho, que não citou tal obra, e apresenta a mesma ordenação de eventos:
1. de Iobel sine Tubal; 2. de Ibero; 3. de Iubalda; 4. de Brigo; 5. de Tago;
6. de Beto; 7. de Geryone; 8. de tribus fratribus; 9. de Hispali; 10. de Hispan;
11. de Hercule; 12. de Hespero; 13. de Atlante; 14. de Sic Oro; 15. de Sicano;
16. de Sic Ano sine Sic Ulo; 17. de Luso; 18. de Sic Ulo alio; 19. de Testa; 20. de Romo;
21. de Palatoo; 22. de Caco; 23. de Erythreo; 24. de Gorgoris; 25. de Habide.
Aliás, desde a apresentação dos registos de Beroso por Ânio de Viterbo que as alterações da cronologia divulgada por Annio foram menores, e muitas das críticas vulgares podiam ser igualmente feitas aos portugueses e espanhóis que lhe deram algum crédito - e que incluem André Resende, João de Barros ou até Camões - sendo autores anteriores, e suficientemente distantes de uma visão ibericista filipina, que muitos argumentam estar na origem da propagação de tal mitologia.
Aliás podemos ver que os portugueses da época foram razoavelmente conservadores e cautelosos na adopção das histórias de Annio de Viterbo, e talvez o primeiro registo seguidor se tenha verificado por influência do historiador flamengo João Vaseu ou do espanhol Florián de Ocampo.
O nome do frei Nicolau Coelho do Amaral é hoje praticamente desconhecido, mas sendo o nome Nicolau Coelho associado a um navegador que acompanhou as viagens de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral, muito elogiado nos Lusíadas, convém referir que Bernardo de Brito o tomava apenas como Nicolau Coelho, sem ver qualquer confusão de nome com o navegador secundário elogiado nos Lusíadas. A eventual importância deste frei Nicolau Coelho, é que teria sido o primeiro a assumir por completo a versão lendária da Monarquia Lusitana, uns vinte anos antes da publicação dos Lusíadas, já que André de Resende só o fizera muito parcialmente.
O que está em causa pode ser facilmente entendido, conforme já o disse antes.
A Bíblia no seu Velho Testamento apenas apresentava a versão judaica duma "história antiga", indo ao ponto de um detalhe excessivo, para um encadeamento de personagens menores, tribais. Referências a outros povos e culturas são praticamente inexistentes, sintoma de uma religião que professa apenas um "povo eleito por Deus". Num florescimento do cristianismo que aceitava o Velho Testamento, seria um incómodo negar a existência antiga de paragens que não tivessem tido contacto judaico. Os registos de Flávio Josefo e Eusébio de Cesareia apontavam para um sacerdote caldeu, de nome Beroso que, após a invasão de Alexandre Magno, teria escrito em grego (por volta de 290-280 a.C.) uma "História da Babilónia", a pedido de Antíoco. Essa versão ajustaria com o registo judaico seguido por Flávio Josefo, mas também ajustaria com outras narrativas.
Os manuscritos de Beroso estavam perdidos e só se conheciam as referências de outros, nomeadamente Sincelo no Séc. IX, que terá assim compilado uma história das dinastias egípcias. O texto de Laimundo de Ortega, sendo também do Séc. IX, poderia usar as mesmas referências, verdadeiras ou falsas.
Não parece ter grande significado saber se Ânio de Viterbo teve acesso a uma versão original ou falsificada de Beroso, já que o próprio registo de Beroso seria duvidoso. Convém notar que a história judaica tinha sido reescrita após a libertação dos judeus do cativeiro babilónico, por Ciro, e por isso não é de estranhar que tome tantos pontos comuns com outros registos babilónicos. Certamente que os babilónios não quiseram fazer dos judeus os protagonistas da sua história, e por isso a versão judaica, feita ao tempo de Ciro, seria convenientemente modificada.
Nem tão pouco seria claro que Beroso quisesse transmitir aos gregos uma versão independente dos acontecimentos, mas tão somente uma versão adaptada, semelhante à que os judeus teriam tido acesso. Numa perspectiva de que os vencedores reescrevem a história, qualquer ideia diferente teria pouco sucesso, e aparentemente Beroso terá tido bastante sucesso entre os gregos, ao ponto de lhe ter sido erguida uma estátua em Atenas.
O que parece ter bastante significado será o que se seguiu... num misto de adopção e crítica à divulgação de Beroso por Ânio de Viterbo. Primeiro, porque pretendeu-se resumir todas as conjecturas à cópia viterbense de Beroso, quando há múltiplas referências que não resultam daí. A crítica preguiçosa seguiria esse caminho fácil. Depois, porque se muitos são os nomes que parecem ser simples modificações convenientes para uma história fabricada, outros detalhes seriam completamente redundantes e injustificados.
Os principais detractores parecem esquecer é que se estas histórias particulares de cada nação foram banidas, como se tivessem peste, mas a história judaica não sofreu qualquer abalo.
O Velho Testamento, com as suas lendas e personagens, continuou a ser propalado como texto fundamental, especialmente entre protestantes, para além dos óbvios judeus. Mas não apenas no aspecto religioso explícito, como também no aspecto religioso-científico:
- Será perfeitamente aceitável ver alguém escrever "cidade do tempo do rei Salomão", ou "castelo do tempo do rei Artur", mas algo desgraçado alguém escrever "citânia do tempo do rei Brigo".
E a razão será simples... há mitologia politicamente correcta, e politicamente incorrecta! Apenas isso.
Para os que acusam Bernardo de Brito de ter inventado Laimundo de Ortega e as suas antiguidades lusitanas - "De Antiquitatibus Lusitaniae", pode ver-se perfeitamente que o resultado seria praticamente o mesmo, que neste Monostichon de Nicolau Coelho, que não citou tal obra, e apresenta a mesma ordenação de eventos:
1. de Iobel sine Tubal; 2. de Ibero; 3. de Iubalda; 4. de Brigo; 5. de Tago;
6. de Beto; 7. de Geryone; 8. de tribus fratribus; 9. de Hispali; 10. de Hispan;
11. de Hercule; 12. de Hespero; 13. de Atlante; 14. de Sic Oro; 15. de Sicano;
16. de Sic Ano sine Sic Ulo; 17. de Luso; 18. de Sic Ulo alio; 19. de Testa; 20. de Romo;
21. de Palatoo; 22. de Caco; 23. de Erythreo; 24. de Gorgoris; 25. de Habide.
Aliás, desde a apresentação dos registos de Beroso por Ânio de Viterbo que as alterações da cronologia divulgada por Annio foram menores, e muitas das críticas vulgares podiam ser igualmente feitas aos portugueses e espanhóis que lhe deram algum crédito - e que incluem André Resende, João de Barros ou até Camões - sendo autores anteriores, e suficientemente distantes de uma visão ibericista filipina, que muitos argumentam estar na origem da propagação de tal mitologia.
Aliás podemos ver que os portugueses da época foram razoavelmente conservadores e cautelosos na adopção das histórias de Annio de Viterbo, e talvez o primeiro registo seguidor se tenha verificado por influência do historiador flamengo João Vaseu ou do espanhol Florián de Ocampo.
O nome do frei Nicolau Coelho do Amaral é hoje praticamente desconhecido, mas sendo o nome Nicolau Coelho associado a um navegador que acompanhou as viagens de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral, muito elogiado nos Lusíadas, convém referir que Bernardo de Brito o tomava apenas como Nicolau Coelho, sem ver qualquer confusão de nome com o navegador secundário elogiado nos Lusíadas. A eventual importância deste frei Nicolau Coelho, é que teria sido o primeiro a assumir por completo a versão lendária da Monarquia Lusitana, uns vinte anos antes da publicação dos Lusíadas, já que André de Resende só o fizera muito parcialmente.
O que está em causa pode ser facilmente entendido, conforme já o disse antes.
A Bíblia no seu Velho Testamento apenas apresentava a versão judaica duma "história antiga", indo ao ponto de um detalhe excessivo, para um encadeamento de personagens menores, tribais. Referências a outros povos e culturas são praticamente inexistentes, sintoma de uma religião que professa apenas um "povo eleito por Deus". Num florescimento do cristianismo que aceitava o Velho Testamento, seria um incómodo negar a existência antiga de paragens que não tivessem tido contacto judaico. Os registos de Flávio Josefo e Eusébio de Cesareia apontavam para um sacerdote caldeu, de nome Beroso que, após a invasão de Alexandre Magno, teria escrito em grego (por volta de 290-280 a.C.) uma "História da Babilónia", a pedido de Antíoco. Essa versão ajustaria com o registo judaico seguido por Flávio Josefo, mas também ajustaria com outras narrativas.
Os manuscritos de Beroso estavam perdidos e só se conheciam as referências de outros, nomeadamente Sincelo no Séc. IX, que terá assim compilado uma história das dinastias egípcias. O texto de Laimundo de Ortega, sendo também do Séc. IX, poderia usar as mesmas referências, verdadeiras ou falsas.
Não parece ter grande significado saber se Ânio de Viterbo teve acesso a uma versão original ou falsificada de Beroso, já que o próprio registo de Beroso seria duvidoso. Convém notar que a história judaica tinha sido reescrita após a libertação dos judeus do cativeiro babilónico, por Ciro, e por isso não é de estranhar que tome tantos pontos comuns com outros registos babilónicos. Certamente que os babilónios não quiseram fazer dos judeus os protagonistas da sua história, e por isso a versão judaica, feita ao tempo de Ciro, seria convenientemente modificada.
Nem tão pouco seria claro que Beroso quisesse transmitir aos gregos uma versão independente dos acontecimentos, mas tão somente uma versão adaptada, semelhante à que os judeus teriam tido acesso. Numa perspectiva de que os vencedores reescrevem a história, qualquer ideia diferente teria pouco sucesso, e aparentemente Beroso terá tido bastante sucesso entre os gregos, ao ponto de lhe ter sido erguida uma estátua em Atenas.
O que parece ter bastante significado será o que se seguiu... num misto de adopção e crítica à divulgação de Beroso por Ânio de Viterbo. Primeiro, porque pretendeu-se resumir todas as conjecturas à cópia viterbense de Beroso, quando há múltiplas referências que não resultam daí. A crítica preguiçosa seguiria esse caminho fácil. Depois, porque se muitos são os nomes que parecem ser simples modificações convenientes para uma história fabricada, outros detalhes seriam completamente redundantes e injustificados.
Os principais detractores parecem esquecer é que se estas histórias particulares de cada nação foram banidas, como se tivessem peste, mas a história judaica não sofreu qualquer abalo.
O Velho Testamento, com as suas lendas e personagens, continuou a ser propalado como texto fundamental, especialmente entre protestantes, para além dos óbvios judeus. Mas não apenas no aspecto religioso explícito, como também no aspecto religioso-científico:
- Será perfeitamente aceitável ver alguém escrever "cidade do tempo do rei Salomão", ou "castelo do tempo do rei Artur", mas algo desgraçado alguém escrever "citânia do tempo do rei Brigo".
E a razão será simples... há mitologia politicamente correcta, e politicamente incorrecta! Apenas isso.