segunda-feira, 21 de abril de 2014

dos Comentários (7) - à face da alface, e da salada sem tomates

Tendo em conta dois comentários recentes, um do José Manuel sobre os alfacinhas, e outro da Maria da Fonte sobre a realeza de linha bastarda, podemos juntar os temas.

Quem quiser acreditar que a terminologia "alfacinha" resulta de um gosto lisboeta por alfaces, pode terminar aqui a leitura.
O resto do texto destina-se apenas aos que não se contentam com essa explicação. Essa é, aliás, uma linha principal deste blog... para além de procurar mostrar contradições das versões habituais, procura uma visão com nexo alargado. 
Ora não há contradição nenhuma em associar alfaces ao lisboetas, podiam ser tomates... mas, à falta de tomates, ficaram as alfaces. Portanto, não havendo aqui contradição, não podemos dizer que a salada está mal feita... a única coisa que fazemos é, digamos, juntar tomates à história. E sim, por vezes, exageramos na quantidade de sal e azeite, e até juntamos cebola.

Adiante. 
A história vai começar nos campos de Alvalade, com ou sem alfaces. 
Será longa, porque o nexo mereceu-me a pena de ser estabelecido.

A ocorrência de bastardos reais deve ser tão velha quanto a existência de reis... no entanto, só seria um problema se alguma força apoiasse uma linha não legítima, de acordo com a tradição real.
Certamente por acaso, isso ocorreu assim que os templários se estabeleceram em Portugal, acolhidos por D. Dinis.

Aldonça Talha - Afonso Sanches
De entre muitos bastardos, D. Dinis reconheceu um, Afonso Sanches como legítimo, o que colocaria em causa a sucessão de D. Afonso IV, o único filho da Rainha Santa Isabel, dois anos mais novo que o irmão bastardo. A agravar a situação, D. Dinis colocava-o mesmo no testamento de sucessão...

D. Afonso IV, o Bravo, que foi decisivo para a histórica Batalha do Salado... montou arraiais nos campos do Lumiar,  juntando exército contra o pai, e a batalha esteve às portas de Lisboa, nos campos de Alvalade. Sendo incerto saber qual dos campos tinha tomates ou alfaces, temos a nossa opinião sobre esta outra salada, antes da batalha do Salado.
Consta que uma intervenção algo miraculosa da Rainha Santa Isabel teria evitado que o confronto prosseguisse... e, entre o mito e a realidade, é colocada sozinha a atravessar a linha de fogo, montada num burro. Afonso Sanches teve depois que se exilar.

A situação da bastardia poder ameaçar a linha legítima deve ter servido de lição a Afonso IV, que não tolerou que a cena do pai se viesse a repetir com o filho... perdido de amores por Inês de Castro.
Como "coincidência", Inês de Castro terá vivido no castelo de Albuquerque, com a tia, que era afinal Teresa Martins, mulher do bastardo Afonso Sanches. Teresa era filha do Conde de Barcelos... como veremos, os galináceos de Barcelos vão procurar sempre poleiro mais alto.

Teresa Lourenço - D. João I
Porém, a história não segue pelo lado de Inês de Castro, apesar da pretensão dos seus filhos, segue pelo lado doutra amante de D. Pedro I, uma certa Teresa Lourenço, algo incógnita, que é referida como acompanhante de Inês de Castro, ou como filha de um comerciante lisboeta.
Aljubarrota vai levar o seu filho bastardo, já promovido a Mestre de Avis, à situação de rei. A juba rota pela bastardia conseguiria a primeira juba de rei, D. João I.
Não estava em causa o valor humano, pois nada diminui um ser humano, estava em causa a lógica da legitimidade monárquica... os bastardos afinal podiam passar a reis. Tinha sido tentado com Afonso Sanches, e era conseguido com o Mestre de Avis.
Para as cortes de Coimbra contribuíram mais as Ordens Militares (de Avis, Cristo, Santiago) do que a retórica de João das Regras, já que a legitimidade de D. Beatriz era clara, apesar de estar casada com D. Juan... esse problema ocorria sempre nestas coisas! Mas, mesmo havendo a questão de independência, dificilmente o Mestre de Avis se sobrepunha em legitimidade a João de Portugal, filho de Inês de Castro, que tinha sido consagrada rainha em morte, reabilitando assim a legitimidade dos filhos. 

Inês Pires - Afonso de Bragança
Só que o precedente criado causaria uma ferida de legitimidade nos séculos seguintes. A nobreza, que tinha alinhado pela legitimidade, era substituída por nova nobreza.
Novos actores, o mesmo guião.
A bastardia voltava a colocar-se com Afonso, filho do Mestre de Avis com Inês Pires.
O pai passava de bastardo a rei, e certamente que o filho do Mestre poderia ser opção na sucessão... era uma questão do pai se empenhar tanto quanto tinha feito D. Dinis por Afonso Sanches.
Só que D. João vai casar-se com Filipa de Lencastre, e as esperanças de Afonso resumem-se ao casamento arranjado com a filha de Nun'Álvares, então já tornado poderoso Conde de Barcelos, com domínios de terras que rivalizavam com os reais.
Por muito que tente... e o galo de Barcelos vai cantar muito, conseguindo depois criar o ducado de Bragança, a casa do bastardo Afonso só irá tomar o poder muito depois: - Após ter trazido os espanhóis e ter-se livre deles, em 1640.
Afonso vai destabilizar a corte até Alfarrobeira, provocando a morte do meio-irmão, Infante D. Pedro, que o tinha feito duque... Pedro, duque de Coimbra, pensara que igual tratamento seria suficiente para Afonso, criando o ducado de Bragança, mas não era. A influência dos Bragança já estava em Castela, e a aposta na neta - Isabel, a Católica, seria ganha contra D. Afonso V e D. João II, que apoiavam Joana.

Ana Mendonça - Jorge Lancastre
D. João II procurará eliminar a questão Bragança, ou dos galos de Barcelos, executando o filho de Afonso, Fernando, mas o problema da bastardia voltaria a colocar-se com a morte do príncipe Afonso.
D. João II procura legitimar o seu bastardo Jorge (filho de Ana Mendonça), algo que seria perfeitamente natural no quadro ilegítimo que iniciara a própria dinastia de Avis, uma vez que não havia sucessores... porém, afastados pela bastardia, os Bragança não iriam agora tolerar excepções. 
Assim, a linha segue com o primo, D. Manuel, mas há uma efectiva quebra de Dinastia. 
Manuel não sucede a D. Afonso V, nem a D. João II. No panteão da Batalha só teria o avô D. Duarte, e o bisavô D. João I, e por isso constrói um novo panteão nos Jerónimos.
Será na Dinastia Avis-Beja a continuação do ducado de Viseu, iniciado com o Infante D. Henrique. O ducado de Coimbra teria em D. João II um rei único. Depois de Viseu, chegaria a vez dos Bragança, não sem antes convidarem os espanhóis.

Violante Gomes - D. António
Quando volta a colocar-se o problema da bastardia?
Tal como D. Manuel era primo de D. João II, também depois o eram os seus netos, Filipe II de Espanha e o Cardeal D. Henrique. Assim, pela morte de D. Sebastião, a questão da legitimidade apontava de novo para a vizinha Espanha quando morre o velho cardeal... 
O cenário repetia-se. A nova nobreza, pela questão legitimista, ainda que tivesse toda resultado dessa quebra de legitimidade, alinharia pela lógica intrínseca ao seu poder... o poder legal. Os Bragança, excluídos pela bastardia, alinhariam nessa lógica, com promessas de terras, mais do que haviam perdido com D. João II. 
Do outro lado estava D. António I, Prior do Crato - mais um bastardo... também neto de D. Manuel, filho do Infante Luís com Violante Gomes (dita "a Pelicana", dita judia). Obteve algum apoio, pouco, tentou resistir ao Duque de Alba, desembarcado em Cascais sem problemas, mas perdeu a Batalha de Alcântara. Filipe II poderia fazer a sua entrada triunfal em Lisboa.

Alfacinhas de gema, amigos da onça, e os amigos de Peniche, a ver navios
Chegamos assim ao período em que "andava o diabo em casa do Alfacinha".
"Demon-du-midi", ou diabo, foi designação colada a Filipe II pelos franceses, ameaçados pelo seu poder crescente. Quanto à alfacinha...
Alfacinha (Lechuguilla): certo género de cabeções e de punhos de camisa muito grandes e bem engomados, frisado com ferro em forma de folhas de alface, e que se usavam muito no tempo de Filipe II de Espanha.
Dicionário espanhol-português (pg. 1004) de Manuel Mascarenhas Valdez (1864)
Não é difícil encontrar esses exemplares de "alfacinhas" em quadros da época, era moda usada pela burguesia e pela aristocracia. Os que usavam alfacinhas estavam na elite lisboeta.
Quanto às gemas preciosas e às onças de ouro... (como bem salientou o José Manuel), podem ser ilustradas pelo monumental Arco dos Ourives e Lapidários
a imagem do centro é do Filipe II (III), alfacinha, conforme é ilustrado
no blog "do Porto e não só"... 

A grande alface abria a sua face, recebendo Filipe II com múltiplos Arcos Triunfais, conforme ilustrado no antigo postal que fizemos sobre a Monumentália Filipina Lisboeta, e depois ainda melhor ilustrado no blog "do Porto e não só".
O que aconteceu a tantos arcos? - foram destruídos. Porque a memória era algo inconveniente. 
Por exemplo, o "Arco do Ouro" e o "Arco do Espinho" caíram em 1754... o terramoto, relembramos, foi em 1755. Ficou um só Arco, sobre a Rua Augusta... acho que esse e todos os outros podem ser vistos simbolicamente na designação "Arco do Cego" (zona de Lisboa, onde não há hoje nenhum arco, diz-se que foi demolido para facilitar a passagem do coche de D. João V quando ia a banhos às Caldas).

D. António I não deixou de procurar apoios para recuperar o trono que lhe fora fugaz... conseguiu convencer Isabel I de Inglaterra, e uma frota de Francis Drake entraria por Cascais isolando a cidade, enquanto outra, de Norris, desembarcaria em Peniche.

Uma parte do plano não funcionou... contava-se que Lisboa se revoltasse, e apoiasse D. António. E parecendo querer puxar a imagem do Mestre de Avis, que entrara em 28 de Maio de 1384, pelas portas de Santa Cantarina, D. António ataca aí, também junto à contígua Porta da Trindade:
 "D. António atacou Lisboa aos 3 de Junho de 1589, com o exercito Inglez que o auxiliava, fazendo grande destruição, e pondo fogo a todos os edifícios exteriores do seu muro, e das circumvizinhas". (Revista Panorama, 1838, vol. 1-2, pág. 339).
Porém, D. António terá "ficado a ver navios do alto de Santa Catarina".
Drake aguardava, e parece não ter investido o suficiente, pois esperava-se que a alface se abrisse com a coragem de D. António, mas isso parece não ter bastado à salada.
Os alfacinhas revoltaram-se? 
Abriram as portas ao rei português e libertaram-se do jugo espanhol?
Os alfacinhas de gema, mais amigos da onça, parece que não... 

Poderiam queixar-se de não ver os "amigos de Peniche", ou seja, um exército inglês ainda maior, mas de facto Lisboa já não alinhava com os ingleses. Foi de Lisboa que zarpara a Armada Invencível, um ano antes, em 1588, e o lado português, pelo menos lisboeta, era o lado espanhol, ibérico.
A designação "gema" pode até ser mais "gémea", pois Lisboa via-se como gémea de Madrid, e os lisboetas estavam mais preocupados em convencer Filipe II a trazer a capital para Lisboa. Essa alusão está aliás no arco dos ourives.

A guerra de D. António, filho da "Pelicana" (em clara alusão a D. João II), era também uma guerra contra os Bragança, altamente favorecidos por Filipe II, e dificilmente uma revolta aconteceria fora da teia cortesã montada por uma casa que nunca reconheceria outros bastardos. Para bastardos, estavam lá eles... e por isso a Restauração só foi feita com os descendentes do Barbadão, em 1640. A desonra do pai de Inês Pires, sapateiro que não cortara as barbas devido ao "deslize" da filha, tinha honras de comandar um Império de Timor ao Brasil. Sobre alguma honrada irmã de Inês Pires... pois, é óbvio que não sabemos o destino da descendência popular.

Esse enguiço da casa de Bragança, que os perturbou além do racional, durante séculos, levou à extinção da concorrente Casa de Aveiro, da descendência do bastardo pelicano, D. Jorge. Foi o conhecido Processo dos Távoras, onde, para além dos Távoras, se eliminou o último duque e se extinguiu a casa que de Coimbra fora forçada a chamar-se Aveiro por D. Manuel. Curiosamente, o nome ligado ainda a essa descendência é Abrantes... local onde D. João II simulara a execução do Bragança fugitivo, e convém não esquecer a expressão "tudo como dantes, quartel-general em Abrantes"... aplicada à invasão francesa de Junot, mas em que a escolha de quartel pode não ser tão mole quanto parecem os ovos.

Poderia continuar... mas o texto já vai longo. 
Há muitos detalhes que ficam sempre por dizer. 
Escolho alguns sortidos.

A lista da Revista Panorama, de 27 de Outubro de 1838, vol. 1-2, pág. 337 ... comunicada por um "anónimo", é excelente. Aprende-se muito sobre o que existiu e desapareceu na cidade de Lisboa. As referências às destruições pelo "terramoto" de 1755 são nalguns casos deliciosamente subtis, invocando explícita ou implicitamente outra origem na destruição.

Podemos ver que "Abaixo da Porta Moniz, na Costa do Castelo, existiu uma povoação chamada Villa Quente, que foi submergida pelo lastimoso terremoto que sucedeu em Lisboa a 26 de Janeiro de 1531".
Portanto, o famoso maremoto foi mesmo em 1531... quando se construiu o Bairro Alto.

Outro exemplo, é pouco conhecido - e nada divulgado - que a Universidade fundada em Lisboa por D. Dinis esteve sediada no Pátio dos Quintalinhos... não fui lá, não sei se estas imagens correspondem ou não a essa glória da cultura nacional:
Onde foi a primeira universidade? 1290 - Pátio dos Quintalinhos, Lisboa.
... ou como os alfacinhas de gema guardaram o seu património histórico.
À atenção dos responsáveis camarários, a bem do turismo ou cultura... 
... que façam uso dos seus instrumentos de maçonaria fora das negociatas.

Conforme é dito na Revista Panorama, houve aí a velha Casa da Moeda, onde D. Dinis teria instalado inicialmente a Universidade, e acrescentamos, onde depois D. Manuel colocou os Estudos-Gerais.
Apesar da página no CNC, tem sido apontado para local da universidade o Largo do Carmo... mas para esse, há outras comemorações, ao que parece de uma revolução que, como o nome indica - na revolta, a volta repete-se. 
Afinal entre o Quartel do Carmo e a Porta da Trindade (de D. António), será tudo como dantes, Quartel-General em Abrantes?

Serão detalhes do arco-da-velha (expressão antiga usada para o arco-íris, por invocar lei velha do acordo entre Deus e os homens), e assim termino com o diálogo entre "Archia" e "Íris", da peça/ópera "Encantos de Circe" (1756), que ilustra diversos arcos... e praças.

Íris: Na verdade, tão cativo estás de mim?
Arch: E tão cativo, que se me viessem resgatar, me faria um renegado de Grécia, só por estar na masmorra da tua graça.
Íris: Tão bem te pareço?
Arch: Já que és Íris, por arcos te explico a tua beleza; porque comparo as tuas sobrancelhas aos Arcos da Capella; os teus olhos ao Arco do Cego; o nariz ao Arco dos Pregos; a boca ao Arco das Mentiras; o pescoço ao Arco do Espinho; o corpo ao Arco do Garajão; e toda tu és um arco da velha, e sendo toda arco, não vi coisa mais desarcada.
Íris: Não te pareça que menos agradada estou de ti; e por praças te retratarei: e assim é a tua testa praça vazia, os teus olhos Praça do Remolares; o nariz Praça do Castelo; a boca Praça da Palha; o pescoço Praça do Pelourinho; o corpo praça morta; e sendo tu homem de tantas praças, não vi homem de menos praça.
Íris vai-se.
Arch: Parece que lhe não agradou o retrato, se já não é que por ser já noite, não deve aparecer este arco da velha.

sábado, 19 de abril de 2014

Gazetas, Tesauros, Tesouros e Tesouras

Há uma diferença de género entre "O Tesouro" e "A Tesoura".

A Gazeta de Lisboa foi uma publicação periódica entre 1715 e 1820, e que de alguma forma tem como sucessor o actual Diário da República. Passou por diversos nomes, podendo ser ligada à Gazeta da Restauração, logo publicada em 1641, como forma de propaganda a D. João IV.
Durante esse longo período, essa publicação periódica de informação aos cidadãos, foi só suspensa pela Mesa Censória do Marquês de Pombal, entre 1762 e 1778... tendo mesmo sido mantida pelos franceses durante a sua ocupação.

O nome Gazeta é sistematicamente remetido a Veneza, onde a moeda "gazzetta" servia para comprar a leitura da informação publicada no periódico, desde 1563.

Refere-se ainda a presença do símbolo de uma pega, pássaro cujo nome italiano é gazza. Afinal os mesmos pássaros que decoram o tecto de uma sala do Palácio de Sintra, com a menção "Por Bem", moto de D. João I... e se as pegas foram pretendidas ser outras, o rei poderia argumentar com o "honi soit qui mal y pense", invocando a ascendência Lancastre, já que foi o primeiro rei estrangeiro a pertencer à Ordem da Jarreteira.
Podemos ler outra origem, algo mais elaborada, que aponta "gaza" como "tesouro" (Rönsch), indo ao latim gazetum, e à origem persa. Este tesouro seria no mesmo sentido de "tesauro" (thesaurus), uma corrupção de tesouro, que passou a designar os dicionários de sinónimos e antónimos. 

Bom, mas não interessa dispersar.
A notícia da Gazeta de Lisboa (nº45) é de 6 de Novembro de 1755 e diz apenas o seguinte:
O dia 1º do corrente ficará memorável a todos os séculos pelos terramotos e incêndios que arruinaram uma grande parte desta cidade; mas tem havido a felicidade de se acharem na ruína os cofres da fazenda real e da maior parte dos particulares. 
A Gazeta era conhecida por ser sucinta... mas tanto? 
Então e o famoso Maremoto?
Esta informação está numa análise pertinente feita por André Belo:

Análise Social, n° 151-152, vol. XXXIV, Inverno 2000, pp. 619-637.

As interrogações sucedem-se, e bem. Citamos agora directamente André Belo:
Na semana seguinte, a 13 de Novembro, a Gazeta continuava na mesma linha, escrevendo:
"Entre os horrorosos efeitos do terremoto, que se sentiu nesta cidade no primeiro do corrente, experimentou ruína a grande torre chamada do Tombo, em que se guardava o Arquivo Real do Reino e se anda arrumando; e muitos edifícios tiveram a mesma infelicidade". (GL, n° 46, 1755)
Lacónico sobre os efeitos do terramoto em Lisboa, o periódico foi incluindo neste mesmo número descrições bastante mais pormenorizadas sobre o impacto do sismo em Córdova, Cádiz e Sevilha. Das oito páginas da edição, cerca de seis foram preenchidas com informação sobre o sismo na Andaluzia, enquanto Lisboa merecia apenas as seis linhas citadas.
Não acompanhamos depois a sua tese de que a informação sobre Lisboa não interessava aos leitores lisboetas. Os poucos exemplares que encontramos na internet têm destinatários noutras paragens do país, e mesmo estando em Lisboa, a informação ou ausência dela é até mais relevante.

Ainda que a informação da Gazeta seja escassa, é suficiente para abrir brechas no divulgado.
A Torre do Tombo teria "experimentado ruína", mas "andava-se arrumando" o Arquivo do Reino... e portanto duas semanas depois não se reportam nenhumas perdas devidas a terramoto ou incêndio.

As Gazetas europeias tinham por hábito apanhar as notícias umas das outras... mas não foi certamente com estas linhas sucintas que Voltaire ficou traumatizado com o Abalo do Marquês.
Se dúvidas houvessem sobre a manipulação e distorção informativa no período pombalino, e especialmente sobre a sua preservação nestes 250 anos, pelos acólitos maçons, aqui está mais uma prova. 
O Marquês proíbe a publicação em 1762 porque tem a descer o Tejo o exército espanhol do Conde de Aranda... a sua força de repressão era interna - externamente revelava uma debilidade total, em Portugal e especialmente no abandono das possessões ultramarinas.

Então e o Maremoto, o maior tsunami jamais registado? 
Pois... um maremoto ocorreu provavelmente em 1531, quando foi decidida a construção do Bairro Alto.
Afinal, após um maremoto fazia sentido insistir na construção da "baixa" pombalina?... não seria mais indicado uma "alta" pombalina - por muito baixos que fossem os modos desta gente?

Pois, a certa altura deixei de reportar detalhes aqui... por causa disto.
Basta fazer uma pequena pesquisa e sucedem-se informações, umas atrás das outras...
Como já disse, é indiferente ter 1000 provas, 1001 ou 1 milhão... o número é indiferente quando se embate contra uma parede de obstinação insana.

Qual a razão da obstinação?
A Tesoura faz O Tesouro...

Primeiro, da forma evidente. 
O cargo de Censor era já um cargo romano importante, e pelos cortes, pelas censuras, se definia um poder imenso. A tesoura cortava a pedra no papel das regras do jogo. O secretismo era alma para tal negócio que embrulhava qualquer pedra na papelada da engrenagem.

Segundo, da forma menos evidente, mas superior à anterior.
Pois, mas sobre essa já falei, e é um problema de arquitectura. 
O ouro encanta a vista, mas não é visão... com o tesouro tens ouro, mas t'és ouro? 
E, queiramos ou não, as palavras estão aí para serem associadas na aura do Tesauro.
- És tu ouro?... no restauro, na rés tauro, no signo do Touro... és tu ouro?
- Ah, ris... do signo Aries, dos sacrificados carneiros da paz côa, filtrada, paz cal, pintada de branco. 
- Temes investir no encarnado, e apostas na reencarnação.

A arquitectura na tesoura visava o tesouro. 
Apresentava ouros evidentes, para criar outros diferentes.
Apresentava o temporário para, pela negação, encontrar o eterno. 
É terno? É ter-nos.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Ré vista (1)

A primeira parte dos textos era focada na questão dos descobrimentos, do final da Idade Média ao final do Renascimento e início da Idade Moderna. Há pouco mais que um ano, recuperei os textos iniciais(*), e não há propriamente muito mais a dizer. Ou, o que há a dizer pode ser mencionado acerca doutros textos.

(001) Por isso, começo pelo texto Dom Fuas, que é basicamente o fiel de todo o balanço seguinte.
Podemos perseguir um objectivo, mas não ao ponto de pensar que a gravidade não afecta a montada. Se o corcel ganha asas, avança para terrenos draconianos.
Porquê? Porque há sempre uma fronteira que define os limites. Podemos ultrapassar uma limitação, para nos depararmos de seguida com outra, porque há sempre limites. A ideia de ilimitação é uma simples negação de um limite que conhecemos. Como qualquer negação, nada acrescenta ao conhecido.
Num comentário, Calisto definiu bem outro ponto de Dom Fuas... a fuga não é caminho e o recolhimento é apenas solução temporária.

A mentira precisa de propaganda e divulgação, porque precisa de inventar mundos.
Sem constantes cuidados de manter o fabrico da mentira, o mundo que emerge é o da verdade.
A verdade subsiste por si, não precisa de paladinos que a protejam.
A única coisa a reconhecer é a verdade que podemos retirar da informação que temos, ou melhor, é reconhecer a falsidade pelas suas contradições. Tudo o resto é temporário e serve de paisagem.
Só as crianças se podem sentir enganadas na Disneylândia, os adultos sabem onde estão, e sabem conviver com a fantasia.
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(002) De seguida, o texto Boeta de D. João II é dispensável, e ilustra apenas o simbolismo da morte do rei, do secretismo e mistério que o rodeou, e rodeou os descobrimentos. Se o Infante D. Henrique escolheu Lagos, para local fúnebre, D. João II escolheu Alvor, no outro lado da Meia-Praia.
Garcia Resende assinala que tinha sido o único rei a morrer fora de Portugal, porque escolhera os Algarves... o outro rei será D. Sebastião. O pedido de ficar na Sé de Silves, longe do repouso da Batalha, para onde depois será trasladado, adensa essa parte trágica do isolamento final. Quando escrevi o texto estava convencido do simbolismo nas longitudes: 
Silves está à longitude de Coimbra, e Alvor à longitude de Aveiro.
Por um ponto ligava-se ao avô (Infante) Pedro, e pelo outro à irmã (Santa) Joana. Com o filho D. Jorge reeditava o Ducado de Coimbra, que passou a Ducado de Aveiro, até à sua extinção no Processo dos Távoras. Os Lancastre e Távora obtiveram os condados de Alvor e Portimão, ligando-se ao local do óbito.

Sendo normalmente secundarizado, convém notar que há na prática uma mudança de Dinastia pela morte de D. João II. Houve uma guerra política pela sucessão, entre D. Manuel e D. Jorge, e a opção de D. João II não vingou. D. Manuel vai trasladar D. João II para o Mosteiro da Batalha, onde será o último rei. O novo panteão da Dinastia Avis-Beja será o Mosteiro dos Jerónimos, afinal D. Manuel não seguia a linha directa dos reis anteriores, D. Afonso V e D. João II. Sob certa forma é uma mudança maior do que a passagem de D. Fernando para D. João I, que é uma passagem de dinastia entre irmãos - aqui a passagem é entre primos. Afinal também D. Sebastião era primo de D. Filipe II...
Se não existiu uma guerra na altura, estavam ali os fantasmas de Alfarrobeira. 
Se o romance de D. Pedro I e Inês de Castro tinha abalado a corte, o romance do filho, D. João I, com outra Inês, Inês Pires, levaria à maior cisão na corte nacional. Afonso e sucessores, nunca aceitaram o papel secundário, algo bastardo, a que tinham sido relegados os Bragança pelo casamento Lancastre. Essa insatisfação trouxe a Dinastia Filipina, e também acabou com ela. Mesmo já reis, a sombra dos Lancastre permanecia e só foi afastada com a morte e extinção da Casa de Aveiro, pelo Processo dos Távoras.

Portanto, ainda que se façam todas as teorias sociopolíticas acerca do curso da História, uma simples "escapadinha" do Mestre de Avis teve consequências durante 400 anos, ou mais... e assim nunca é de negligenciar o problema da efectiva beleza de Helena numa Guerra de Tróia, ou o efeito das velhas invejas familiares. Se a racionalidade controla uma parte da acção, a irracionalidade controla a outra parte.
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(003) A Passagem Noroeste é um pequeno texto numa altura em que ainda procurava perceber uma codificação nos mapas. Uma tentativa mais complicada está no texto Carta do Atlântico Norte. Se a rotação do mapa africano de Reinel permitira ver o contorno do Golfo do México, pensei ser possível encontrar outras relações, nomeadamente pela posição das rosas dos ventos. No entanto, nunca fiquei satisfeito com o resultado - que não vai além de curiosidade.
No entanto, esclareça-se, é objectiva a informação seguinte:
a) A presença de bandeiras portuguesas na zona Inca, indicando ali presença anterior à espanhola.
b) A propositada distorção e alteração dos mapas incluindo menção a ilhas fictícias.
c) As ilhas fictícias foram marcas nos mapas indicando outras terras - p.ex. a Ilha Brasil. 
d) A rotação de alguns mapas indicia contornos americanos.
e) A degradação da informação objectiva dos mapas, durante 200 anos a Califórnia passou por ser ilha!
f) A existência de um mapa com contornos exactos do globo à época de D. Sebastião - o mapa do Museu da Marinha. A afirmação disso é escrita por Pedro Nunes em 1536 - não restavam ilhas, penedos ou baixios por cartografar.

Que os portugueses teriam navegado a Passagem Noroeste e Nordeste, disso não tenho grandes dúvidas, e basta olhar para os mapas de Ortelius, Lavanha, ou ainda mais, para o mapa do Museu da Marinha. 
O que não consegui provar é que essa informação estivesse encriptada noutros mapas... mas isso é um detalhe, interessante, mas entretanto irrelevante.
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(004) Algumas bandeiras, p.ex. triangulares vermelhas, indiciavam uma Presença Islâmica na América, tese que tinha sido já avançada pela Duquesa de Medina-Sidónia, que encontrou também um paralelismo entre as referências a África e correspondentes referências americanas.
Por um lado, se essa presença, vinda dos reinos marroquinos ou granadinos, seria mais que natural, também é verdade que não conheço relatos de registos físicos que atestem isso. Não restou uma lamparina ou faiança árabe esquecida em solo americano? Um indício mais suspeito seria o nome Nova Granada dado à zona colombiana... local onde se vêem as bandeiras no mapa de João de Lisboa. 
Colômbia-Perú : castelos portugueses (e islâmicos?)

Porém, os espanhóis usaram também Nova Galiza e Nova Castela, referindo-se às suas províncias americanas. O assunto não é conclusivo, mas o importante do mapa do Almirante Piri Reis é evidenciar que nunca deixou de haver navegações islâmicas no Atlântico concorrentes às cristãs. 
O mapa de Piri Reis é praticamente idêntico a parte do mapa do globo de Lopo Homem que ilustra o Atlas Miller:
... se o de Piri Reis faz parte do folclore nos sites de "mistérios", os de Lopo Homem e Reinéis são convenientemente ignorados... apesar de Piri Reis mencionar a cartografia portuguesa como fonte.

Convém não esquecer que se os navios turcos rivalizavam com os espanhóis em Lepanto, a única força que os impedia de avançar pelos mares ocidentais era a passagem entre Gibraltar e Ceuta. Por isso a conquista de Ceuta marca o domínio para a expansão europeia... e é o verdadeiro início da Idade Moderna, já que a queda de Constantinopla não anuncia nenhum futuro domínio global turco. Ao contrário, as quedas de Ceuta e Granada, mostram o domínio ibérico que se seguiria, e que só foi perdido na Guerra dos 30 anos, mantendo-se ainda assim em centro europeu.
A Idade Moderna deveria começar com avanço pelo Bojador, para além dos limites antigos, e que coincide "enigmaticamente" com o fim de aventura semelhante chinesa. Este "enigmaticamente" denota ou uma coincidência pretendida, ou um controlo mundial escondido... escolha-se!
Essa Idade Moderna é caracterizada pela ocultação de boa parte do Pacífico, desde a costa oriental Australiana à costa ocidental norte-americana. Termina simbolicamente com a viagem de Cook, logo seguida da independência dos EUA. A Idade Contemporânea começa assim antes da Revolução Francesa, quando houve autorização para descobrir o que restava da Terra... e terminará quando houver verdadeira permissão para explorar o espaço para além da Terra. A encenada "ida à Lua" está ao nível das referências confusas sobre a Austrália antes de Cook, ou sobre a Guiné antes do Infante D. Henrique.

Foi neste texto que José Manuel lançou a questão sobre as motivações das viagens nacionais:
Mas o que continua encoberto é o que motivou as viagens marítimas e expedições terrestres dos portugueses? Uns dizem que foi para expandir a cristandade, outros que foi por os lucros comerciais das especiarias, outros dizem que foi para encontrarem um Reino perdido, e aí aflora-se o encoberto que é a "Rota Marítima do Megalítico pelos portugueses nos Re descobrimentos".

Concorreram diversos factores, para além da necessidade de abrir a porta a uma Europa fechada sobre si mesma. Os portugueses tomaram as chaves do Vaticano e foram abrindo a descoberta. A ideia da "táctica da cunha", ou seja, o ataque ao Islão através do Oceano Índico, era outra motivação clara, nunca escondida pelo Infante D. Henrique, nem pelo sucessor da Casa de Viseu, D. Manuel.
Porém, o mais importante era a abertura ao desconhecido, simbolizado pelas riquezas materiais do ouro, e pela diversidade de novos produtos, as especiarias, fossem elas culinária ou drogaria... e ainda por toda a recuperação de informação de um passado perdido. Desde as pirâmides comuns ao México e Egipto, a tantos outros monumentos, certamente que esses dados não passaram despercebidos - foram colhidos, e depois recolhidos - ficaram no segredo das novas organizações que se substituíam ao Vaticano no secretismo, nomeadamente, a Maçonaria.

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(*) Os seis textos iniciais estão aqui:

Uma versão PDF então compilada, e cujo link desapareceu 
pelas restrições dos GoogleGroups pode ser reencontrada aqui:


sábado, 12 de abril de 2014

Ré vista (0)

No final de 2014 vão cumprir-se 5 anos sobre os textos que fui colocando em blogs, a maioria dos quais aqui e no odemaia. Vai sendo pois altura de uma pequena revisitação, e enquadramento actualizado.

Posso fazer uma divisão pessoal dos textos.

1) Tese de Alvor-Silves (de Dezembro 2009 a Dezembro 2010)
1.1) Seis partes de sete (Dezembro 2009) 
1.2) D. Fuas e o canhão da Nazaré (Janeiro a Julho 2010)
1.3) Cola do Dragão e as suas Cores (após Agosto)

2) A questão Gaia (de Dezembro 2010 a Agosto 2011)
2.1) Traffic Signs (até Março 2011)
2.2) Teogonias e o Puto de Vénus (até Agosto)

3) Peça a Peça (desde Setembro 2011, ou Abril 2012)
3.1) Primeiras Arquitecturas - Espiral (Abril até Maio 2012)
3.2) Segundas Arquitecturas - Abraçadabra (até Fevereiro 2013)
3.3) Banho maria (até Dezembro 2013 e continua)

Mais do que um mapa de navegações, tão claro quanto possível (mas com símbolos próprios), o que aqui ficou foi um Livro de Marinharia. Não sabia disso quando comecei a escrever, nem quando escolhi o símbolo do globo de João de Lisboa para o blog.

Há muita coisa que não sei, a maior parte da qual nem me preocupa saber.
O marinheiro não tem que conhecer todos os mares, mas tem que estar preparado para qualquer um.

Porém, não haja confusões. 
Não se tratou de um diário de bordo de navegações na internet...
A noção de "navegar" na internet creio que ficou popularizada com o velhinho Netscape Navigator:
... esse foi o imenso mar que a Google cartografou. São os mapas da Google que hoje definem as rotas, e foram eles que permitiram encontrar ilhas de informação pouco conhecida.

Só que há um detalhe muito importante.
Antes de nos metermos no Oceano há que saber o que procurar e porquê... senão estamos à deriva.

Visitar imensos sites, tal como visitar imensas ilhas, sem outro intuito, é apenas turismo.
Fazer um blog com curiosidades, apanhadas aqui e ali, é como fazer um álbum de fotografias dos sítios onde se foi navegar, ou passear. Depois quer-se mostrar aos outros:
- "Já viste esta? Aqui sou eu e o meu filho na selva do Bornéu!
... Olha agora esta foto do caçador de cabeças! - Queres ver as da Nova Zelândia?"

Pois. A deriva é isso. É não ter orientação. Navegar por navegar. Sem memória, sem critério.
Não é necessariamente mau, pode ser útil, mas não é suficiente.

Aqui encontram-se muitos registos de navegação, mas sempre foi claro ao que ía.
Pelo menos, na minha cabeça foi.
Num mar de mentiras, interessava perceber qual era o batel da verdade. 
Ao que eu ia, encontrei há já algum tempo, agora estou só a cartografar a paisagem circundante.
Por isso, os textos Teogonias e Arquitecturas foram um ponto final, aliás escritos com atraso, e a partir daí há uns detalhes mais importantes que outros.

Lamento, mas não é pelo facto de haver embarcações perdidas que a minha está. 
Não está. Chegou a porto ainda mais seguro do que estava antes. 
Posso viajar, mas sei sempre onde regressar.

Lamento, mas não há ilhas de verdade... há apenas batéis que navegam num mar de ilusões.
A única coisa verdadeira é a estrutura, não é a paisagem.
A paisagem é um adereço, uma máscara... só que a máscara tem que assentar nalguma estrutura.
É essa estrutura que é inabalável, ultrapassa todo o tempo e toda a mentira ocasional.
Somos feitos dessa estrutura.
O pensamento não é nada fluido, assenta em matéria consolidável - as palavras.
As palavras são elásticas, podem até servir a confusão, ou a mentira dos outros, mas não nos enganam  a nós - sabemos o significado que lhes damos.

O que somos então?
Somos meros operadores de palavras?
O que nos faz acreditar que é uma pessoa que escreve um comentário?
Já respondi aqui a textos enviados por máquinas... simplesmente porque podiam também ser enviados por uma pessoa. Tinham nexo para isso, e foram de facto pensados por alguém... 
Um interlocutor desde que apresente nexo nas respostas passará sempre por uma pessoa.
A origem tanto pode estar num humanóide, numa máquina, num habitante de 8 pernas da galáxia Andrómeda, ou no vizinho do lado... é absolutamente indiferente. Tudo se resume a palavras que são reflexo das noções profundas que nos constituem.
Quantas são essas palavras? Fundamentais, são ainda poucas, muito poucas. A maioria das linguagens é redundante, usa muitos sinónimos, ou composições de noções mais simples. 
Não quer isso dizer que não venham a ser precisas mais, simplesmente sentimo-nos completos com as que temos, e isso pode ser uma medida da nossa limitação... ou não. Isso é o tema "hélgia", no odemaia, e aqui não interessa tanto.

Se a origem da comunicação for desconhecida, mas tiver nexo novo e relevante, interessa a origem, ou a comunicação? - Eu preocupar-me-ia pouco com a origem, e muito mais com a comunicação.
Por exemplo, indo a um exemplo típico de filmes de terror... se aparecesse uma mensagem a desenhar-se na parede, era razão para ficar assustado? Pela mensagem, ou pela origem desconhecida? 
Uma mensagem nunca fez mal a ninguém, é quem a envia que pode fazer... por isso interessa apenas o conteúdo. O facto de aparecer de forma estranha, apenas indicaria uma origem sobrenatural. Ora o que assusta o sobrenatural? Saber que há alguém mais potente do que nós? Isso não é novidade para quem se habituou a lidar com a impotência. Aliás, não há nada atroz nos filmes de terror que não tenha sido pensado por humanos, e o pior que conhecemos vem de nós próprios, e dos medos não combatidos.

Por isso, a resposta é sim. Na essência somos operadores de palavras, de noções. Só compreendemos uma coisa quando a assentamos nessas palavras, senão é apenas uma emoção pessoal... e como não treinamos a partilha de emoções, as palavras são vagas e confusas para muitas delas. Funcionamos como máquinas, que perante uma situação a analisam, reduzindo a noções conhecidas, depois processam essa informação, dando uma resposta. Quando não fazemos isso, agimos por impulsos, e essa parte não é completamente nossa, porque não a controlamos racionalmente. É inútil atribuir a nós o que não é nosso... se não controlo o bater do meu coração, o que me adianta atribuir isso a mim? Se não controlamos os sonhos, o que adianta dizer que são produto nosso?

Como já disse num comentário, o nosso suporte físico parece-me tão importante quanto este texto estar a ser visto numa folha de papel, num computador, ou se a letra é Times ou Arial, se o tamanho é 10 ou 12pt.
O texto é o mesmo, o suporte físico é indiferente e irrelevante para o seu conteúdo. Também é indiferente ser escrito em português ou ser traduzido para qualquer outra língua. No entanto, é preciso ter um suporte físico, porque o texto não se escreve no vazio. 
Mais que isso... por muito que se copie fisicamente o texto, o conteúdo é o mesmo.
Por isso, é para mim algo inútil procurar explicações ou divisões biológicas. Não interessam para nada.
Se entender que um animal processa respostas como um humano, é para mim um humano.
No entanto, essa noção é socialmente inútil se os outros não considerarem o mesmo. 
Os outros são sempre um referencial de controlo do acordo. 
Não aprendemos as palavras sozinhos, elas servem a comunicação. Da vibração caótica de múltiplas partículas podem surgir frequências comuns - um universo onde há um acordo de acordes.
Por isso a comunicação é importante, e provavelmente por isso, tudo o que sabia antes estava limitado pelo guardar, por não ver ali interesse ou concerne alheio generalizado.

Este é um registo de marinharia.
O mar é a informação que recolhemos ao longo do tempo, seja na internet, ou onde for. Navegamos na vida, e mais que a história dos outros, convém não perder muito a memória da nossa história.
O único batel que temos é individual, mas podemos comunicar... pelo menos aqui, neste espaço físico.
Ao contrário do que se pensa, o tempo não é linear, tal como a Terra não é.
Os outros batéis desaparecem na linha do horizonte, mas isso não significa que caiam no precipício da morte. A ideia de que o mundo acaba no horizonte visível é apenas uma ilusão local devida à curvatura... e também não se encontra na linha do horizonte com nenhum céu.
A estrutura do batel é suficientemente sólida, mas as vagas são altas e podem meter medo.
Não adianta muito unir os batéis e navegar em comboio quando há tempestade.
A água entra a jorros pelo batel se a compreensão não for suficientemente estanque às ilusões.
Não se afunda, mas pode-se ficar muito tempo isolado à deriva.
Para onde navegamos?
Antes disso é preciso encontrar o nosso porto. Essa é a primeira parte da navegação.
O primeiro passo é que cada um esteja seguro do seu porto, e não pense que é seguindo os outros que o encontra... ou então que tem que haver disputa pelo melhor sítio para apanhar vento. Sem conhecer os ventos, tanto se pode afastar como aproximar da costa. 
Há pretensas naus que cruzam os mares a grande velocidade, com orgulho nas suas velas enfoladas... mas para onde vão? Quo vadis?

Portanto, por muito que veja as velas enfoladas, a pergunta será sempre - já conhece o seu porto?
Só depois de se conhecer bem esse caminho é que se pode saber até onde se pode afastar da costa.
Este é um registo de marinharia, mas não é para marinheiros de água-doce, nem para flibusteiros errantes.