Em 2016
comecei a transcrever o tratado dos descobrimentos de António Galvão, com a intenção de fazê-lo até à parte «
Descobrimentos das Antilhas & Indias pelos Espanhóis feitas», o que aconteceu, porque então me interessava essa primeira parte.
Entretanto o tema dos descobrimentos repetiu-se e voltei a pegar no manuscrito, porque mesmo quando Galvão segue a versão oficializada, ele consegue juntar sempre alguma matéria de interesse.
Ainda que escreva longe do período da expansão, 1480-1520, teria tido informações do pai, o cronista Duarte Galvão, para além da capitania das ilhas Molucas que exerceu em 1536, recheada de actos de grande heroísmo, sendo nesse caso um relato em primeira mão.
Por exemplo, Galvão dá nomes alternativos a todas as ilhas que os espanhóis "descobriram", para bom entendedor perceber que as ilhas tinham outros nomes, ou dos nativos, ou colocados pelos portugueses.
- Por exemplo, Porto Rico era Boriquem (ou talvez Boliqueime...), nome dado pelos nativos.
- A descoberta de Colombo, deixou os espanhóis em alvoroço, ao ponto de quererem ir a nado...
- Dá conta que a viagem de Caboto terá explorado a costa da América, desde 70ºN (Labrador) até à zona de Washington (38ºN), ou mesmo até à Flórida.
- Fala de vários bichos, p.ex: um marsupial, que será o gambá, no monatim, etc.
- É ainda curioso falar no Amazonas como rio das Mazonas.
- Conta de uma exploração em 1501-02 que chegou a 32ºS, limite do Brasil, já perto do Uruguai.
- É interessante que Isabel de Castela só permitisse o descobrimento por castelhanos.
- Em 1506, na expedição de Tristão da Cunha, separou-se Álvaro Teles de tal forma, que terá sido o primeiro a atingir a ilha de Sumatra.
- Em Sumatra usava-se moeda, "dracmas", que diziam vir do tempo do Romanos (ou gregos?).
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DESCOBRIMENTOS
em diversos anos & tempos,
& quem foram os primeiros que navegaram.
por António Galvão (1563)
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Descobrimentos das Antilhas & Indias pelos Espanhóis feitas
No ano de 1492, estando el rey D. Fernando de Castela sobre a cidade de Grada [Granada], despachou Christovam Colom italiano, com três navios ao descobrimento da nova Espanha; o qual primeiro viera a Portugal a el rey D. João, e o não quis aceitar. Partiu da vila de Pallos a três de Agosto levando consigo por capitães e pilotos Martim Alonso Pição [Pinzón], e Bartolomeu Colon seu irmão, e 120 pessoas. E querem dizer alguns que fossem os primeiros que navegassem por alturas; nas ilhas Canárias tomaram refresco, daí foram na volta do Sagarço [sargaço]: e vendo o mar dele coalhado ficaram espantados e com grande arreceu chegaram às Antilhas a dez dias do mês de Outubro.
E a primeira ilha que viram se chamava Greinani [
Guanahani (Galvão usa um nome diferente!)], saíram em terra e tomaram posse dela, puseram-lhe nome Sam Salvador: depois viram muitas a que chamaram
as princesas, por serem as primeiras por eles vistas, mas os da terra lhes chamam os Lucayos, ainda que todas têm nomes separados, e estão na parte do norte, quase no Trópico de Cancro, da parte do Norte de 16 graus até 17, que é a ilha de Santiago.
Daqui foram à ilha a que os da terra chamam Cuba, e os castelhanos puseram o nome Fernandina, por el rey D. Fernando, a qual está em 22 graus, donde os índios os levaram a outra que eles chamam Ahyti [Haiti], e os castelhanos Isabela, em memória da rainha de Castela: e também a Espanhola [Hispaniola].
Aqui se perdeu a nau capitã, e da madeira dela fizeram uma tranqueira, onde deixaram 38 homens, e capitão deles Rodrigo darena [de Arena], para aprenderem a língua e costumes da terra, de onde trouxeram mostras de ouro, papagaios e outras coisas que lá havia, e 10 índios de que se escaparam 6 que se cá baptizaram. E pôs isto em tão grande alvoroço e desejo aos Espanhóis, que a nado queriam ir àquela terra; e na volta vieram pelas ilhas dos Açores. E a 4 de Março do ano de 493 entraram pela barra de Lisboa: de que el rey D. João lhe pesou tanto que teve diferença sobre estas terras com o de Castela.
Tanto que Christovam Colon chegou a Castela com esta nova, e de como el rey D. João lhe pesava ela, el rey D. Fernando e dona Isabel, mandaram logo ao Papa Alexandre Sexto, da qual nova ele e todo o povo ficaram maravilhados haver terra que os Romãos [Romanos] não tiveram notícia, havendo-se por senhores da redondeza, e fez logo doação delas aos reis de Leão e Castela, com tal condição que trabalhassem como se a idolatria desarreigasse, e a nossa santa fé multiplicada. Chegada esta resposta, tornou el rey D. Fernando mandar Christovam Colon ao descobrimento, já Almirante com outras honras, mercês e insígnias, e derredor das suas armas uma letra que dizia, por Castela & Leon novo mundo achou Colon.
No ano de 493, aos 25 do mês de Outubro, tornou Christovam Colon às Antilhas, e da barra de Calez [Cádis] tomou sua derrota, levando 17 velas e 1500 homens nelas, e seus irmãos, Bartolomeu Colon e Diogo Colon, e outros fidalgos, cavaleiros, e letrados, e religiosos com calezes, cruzes, e ricos ornamentos de grande poder do Papa Alexandre. E aos 10 dias chegaram às Canárias e delas a 25 ou 30 dias às Antilhas. A primeira ilha que viram está em 14º da parte norte lestoeste com o cabo Verde, diz que haveria dela às Canárias 800 léguas, puseram-lhe o nome a Desejada, pelos desejos que levavam de ver terra, e logo viram muitas outras, a que puseram o nome de Virgens: ainda que os da terra lhes chamem Quiribas, por ser de homens guerreiros e bons flecheiros, atiram com erva tão peçonhenta que quem morre dela morde a si mesmo, como cão danado.
Destas ilhas em outras foram ter à principal delas, a que os da terra chamam Boriquem [
Porto Rico], e os castelhanos São João, de onde chegaram à Espanhola ou ilha Bela [
Hispaniola ou
Isabela], e acharam todos os homens mortos, que nela deixaram, por ofensas que aos da terra fizeram; aqui deixou o Almirante a maior parte da gente para povoá-la, e seus irmãos governadores dela; e embarcou em dois navios, foi descobrir a costada da ilha de Cuba, e daí a Iamaica [
Jamaica], que agora se chama Santiago, todas estas ilhas estão de 17 até 20 graus de altura da parte do norte. E enquanto lá andou o Almirante, seus irmãos com os que ali ficaram passaram assaz trabalhos e desventuras por se alevantar a terra; tornou Christovam Colõ outra vez a Castela, a dar conta a el rey e à rainha do que lá passara.
No ano de 1494 e mês de Janeiro se averiguaram as diferenças que entre estes dois reis havia: e foi a isso Rui de Sousa e dom João seu filho, e o doutor Aires de Almada; e da parte de Castela, dom Anrique Anriquez, dom Iorge de Cardines, e o doutor Maldonado, ajuntaram-se todos em Tordesilhas e partiram a redondeza de Norte a Sul por um meridiano que está a poente das ilhas do Cabo Verde 370 léguas, e que a metade que ficasse ao Levante fosse de Portugal, e Ocidente de Castela, e o mar e terra para caminhar fosse a todos igual. No ano seguinte de 95 faleceu el rey D. João, e começou a reinar D. Manuel seu primo.
No ano de 1496 achando-se um veneziano por nome Sebastião Gaboto [
Caboto] em Inglaterra, e ouvindo nova de tão novo descobrimento como este era: e vendo em uma poma [
bola] como estas ilhas acima ditas estão, quase num paralelo, e altura, e muito mais perto de sua terra uma a outra, que de Portugal nem Castela; o amostrou a el rey D. Anrique sétimo [
Henrique VII], do que ele ficou tão satisfeito, que mandou logo armar dois navios, partiu na primavera com 300 companheiros, fez seu caminho a loeste à vista de terra, e 45º de altura da parte do norte, foram por ela até 70º, onde os dias são de 18 horas, e as noites muito claras e serenas.
Havia aqui muita frialdade e ilhas de neve, que não achavam fundo em 70, 80, 100 braças, mas achavam grandes gelos [
regelos], de que também receavam. E como daqui por diante torna-se a costa ao levante, fizeram-se na outra volta ao longo dela, descobrindo toda a baía, rio, enseada, para ver se passava da outra banda, e foram assim diminuindo de altura até 38º, de onde se tornaram a Inglaterra.
Outros querem dizer que chegassem à ponta da Florida, que está em 25º.
No ano de 1497, tornou el rey D. Fernando a mandar às Antilhas Christovão Colõ com 6 navios, ele armou 2 à sua custa, mandou seu irmão à frente: partiu ele da baía de Calez [
Cádis] levando consigo dom Diogo Colon, seu filho. Diz que foi tomar a ilha da Madeira, com receio dos franceses, de onde mandou 3 navios, outros querem dizer das Canárias; como quer que seja, ele e três foram à ilha do cabo Verde, e correu ao longo da linha, em que achou grande calmaria e chuveiros. E a primeira terra que viram das Antilhas foi uma ilha que está em 9º Norte, pegada com a terra firme; puseram-lhe o nome a Trindade: entraram no golfo de Parca, e saíram por uma boca a que chamam do Drago, tomaram na mão a costa, e acharam 3 pontas, a que puseram o nome: Testigos, e adiante a ilha Cubaga [
Cubagua], que é grande pescaria de aljofre.
Também dizem que tem fonte de azeite, e mais adiante viram as ilhas de Paragry, Roques, e Heruma: e o Coraceo [
Curaçao], e outras pequenas ao longo da praia. Chegaram à ponta que se chama da Vela, descobriram por costa 150, ou 200 léguas, onde atravessaram a Ilha Espanhola, e houveram vista da que se chama Beata.
Há nestas ilhas e terras uns bichos ou pássaros a que chamam
Cocoyos, têm quatro estrelas, duas nos olhos, e as outras debaixo das asas, dão
claridade como candeias: podem escrever ou fiar, cozer e tecer com elas, e as levam para alumiarem, e se untam as mãos, e rostos com estas estrelas, parece que ardem em fogo. Há outro bicho que chamam
Nigu, salta como pulga, é muito mais pequeno, mete-se entre unha e carne, e põem ali de improviso tanta lêndea, que se não lhe acodem logo multiplicam de maneira que perdem os dedos, e ficam aleijados, alguns a vida.
Há também nestas partes
outro bicho do tamanho de um gato, anda pelas árvores, dependura-se dos ramos pelo rabo, e depois que pare os filhos, tornam-se a meter por um buraco que tem junto da natura: neste entreolho da barriga tem uma mama com que o cria, por onde parece que anda prenhe até ser de idade que a natureza o despede, e vai buscar sua vida.
Galvão descreveu aqui um marsupial, que será o gambá, também dito opossum.
Há nestas ilhas muitos, e diversos pescados, e um que se não entende se é alimária se peixe, tem pés, e mãos como lagarto, focinho, e rabo como galgo, cria-se na água, e na terra pelas árvores, põem ovos como de galinhas, de que se geram, tem a casca delgada, se os fritam não se coalham com azeite, nem manteiga, senão com água: em quanto estes bichos são pequenos, passam por cima da água com tanta presteza, que se não vão ao fundo, mas parece que correm por terra até certo tempo, dali por diante andam por baixo de água ao longo da areia por não saberem nadar, nem tem para isso maneira, comem-nos no carnal [
carnaval], e Quaresma.
[desconheço o bicho aqui tratado]
Galvão descreve de seguida o manatim.
Há lá um peixe que se chama
Monatim [
Manatim], é grande, e de coiro, tem a cabeça e rosto de vaca, e também na carne parece muito a ela, tem uns braços junto dos ombros com que nadam; o mais de seu comer é erva que nasce ao longo da água é muito saboroso, tem umas pedras na cabeça que são proveitosas para a dor de pedra, e a fêmea tem tetas nos peitos com que criam os filhos que nascem vivos.
Há outro pescado a que chamam
Reverso pouco maior de um palmo, tem espinhos como ouriço cacheiro, criam-nos no mar em um covão, atam-nos num cordel comprido, tomam com eles monatins, e outros grandes pescados, e trazem-nos como furões aos coelhos; aqui há muitas sardinhas, estes bichos pescados se vêem em Maluco, e naquelas Ilhas, e a gente se parece com a da nova Espanha, e assim comem alguns lá carne humana.
No mesmo ano de 497, a vinte dias do mês de Julho, partiu Vasco da Gama por mandado del rey D. Manoel, de Lisboa para a India com três velas, iam por capitães Vasco da Gama, e Paulo da Gama seu irmão, e Nicolau Coelho, e cento e vinte homens nelas; ia mais um navio com mantimentos, e em treze dias foram ao Cabo Verde à Ilha de Santiago a tomar refresco, e daí foram ao longo da terra: e além do Cabo de Boa Esperança puseram padrões nela. Chegados a Moçambique, que está em 13º da parte do meio-dia [
ou seja, sul], fizeram aí pouca detença: foram a Mombaça e a Melinde, el rey dele lhe deu pilotos, que os puseram na India, na qual travessia descobriram os baixos de Padua [
em Cananor].
No ano de 1498. no mês de Maio, surgiram na cidade de Calecut, e Panane, e estiveram todo o Inverno, e o primeiro de Setembro se fizeram à vela, e foram contra o Norte descobrindo aquela costa até a ilha d'
Angediva que está daquela parte em 15º de altura, onde surgiram na entrada do mês de Outubro; partiram de Angediva, e no de Fevereiro do ano de 499 houveram vista da terra de África, acima de Melinde contra o Norte 3º ou 4º: daí foram àquela cidade, e dela a Moçambique, e ao Cabo de Boa Esperança, e tomaram na mão a costa, e vieram às ilhas do Cabo Verde, e à cidade de Lisboa na entrada do mês de Setembro, e puseram 26 meses neste caminho.
No ano de 499, a treze dias do mês de Novembro, partiram de Palos, Vicente Anez Piçã, e seu sobrinho Aires Piçam com quatro navios que armaram à sua custa, para descobrimento do novo Mundo, com licença del rey de Castela, e regimento que não tocasse no que o Almirante Colon tinha descoberto, pelo que foram às ilhas do Cabo Verde, e passaram a Linha da outra parte do Sul, e descobriram o Cabo de Santo Agostinho que está daquela banda em 8º de altura, e escreveram em troncos de árvores, e penedos o nome del rei e rainha com alguns deles, e o ano e dia que ali chegaram; pelejaram com os Brasis, e não guardaram nada.
Tomaram na mão a Costa contra o Poente, e no rio Maria, Tambal, cativaram neste tempo trinta e tantos índios, tomaram o cabo primeiro, Angra de sam Lucas, a terra dos Fumos, o rio Maranhõ, e o das Mazonas [
Amazonas], e rio Doçe, e outras partes ao longo da costa chegaram à Paria em 10º de altura da parte do Norte, perderam dois navios e gente. Puseram na viagem e descobrimento dez meses e meio.
No ano de 1500 e entrada de Março, partiu Pedralvarez Cabral com treze velas, com regimento que se afastasse da costa Dafrica [d'África], para encurtar a via. E tendo uma nau perdida, em sua busca perdeu a derrota, e indo fora dela, toparam sinais da terra, por onde o capitão mór foi em sua busca tantos dias que os da armada lhe requereram que deixasse aquela profia: mas ao outro dia viram a costa do Brasil. E mandou o capitão mór um navio apalpar se achava porto, tornou dizendo que achava bom, e seguro, e assim lhe puseram o nome, e dizem que está da parte do Sul em 17º de altura.
Daqui se fizeram à vela na volta do Cabo de Boa Esperança, e de Melinde, e atravessaram à outra banda, e no rio de Cochim que se ainda não sabia, e carregaram de pimenta. E à tornada Sancho de Thovar descobriu a cidade de Çofala [
Sofala].
Neste mesmo ano de 500 diz que pediu Gaspar Corte Real licença a el Rey D. Manoel para ir descobrir a terra Nova. Partiu da ilha Terceira com dois navios armados à sua custa, foi àquele clima que está debaixo do Norte em 50º de altura. É terra que se agora chama de seu nome, tornou a salvamento à cidade de Lixboa. Fazendo outra vez este caminho, se perdeu o navio em que ele ia, e o outro tornou a Portugal. Pela qual causa seu irmão Miguel Corte Real foi em sua busca com três navios armados à sua custa. Chegados àquela costa, como viram muitas bocas de rios e abras, entrou cada um pela sua, com regimento que se ajuntassem todos até vinte dias do mês Dagosto [d'Agosto]: os dois navios assim o fizeram. E vendo que não vinha Miguel Corte Real ao prazo, nem depois algum tempo, se tornaram a este reino, sem nunca mais dele se saber nova, nem ficar outra memória, se não chamar-se esta terra dos Corte Reais ainda agora.
No ano de 1501 e mês de Março, partiu João de Nova com quatro velas da cidade de Lisboa, e além da Linha da parte do Sul em 8º de altura descobriram a ilha a que puseram nome da Concepção [
Ascensão], e foram a Moçambique, e de Melinde atravessaram a outra banda, tomando carrega se tornaram, e dobrado o Cabo em 17º de altura, acharam a ilha a que puseram nome de Santa Elena [
Helena] cousa pequena, mas muito nomeada.
Neste mesmo ano de 1501 e mês de Maio partiram três navios da cidade de Lisboa por mandado del rey D. Manoel, a descobrir a Costa do Brasil, e foram a ver vista das Canárias, e daí o Cabo Verde, tomaram refresco em Beziguiche [
perto do cabo verde], passada a linha da parte do Sul, foram tomar terra no Brasil em 5º de altura, e foram por ela até 32º pouco mais ou menos, segundo sua conta, de onde se tornaram no mês de Abril por haver já lá frio e tormenta, puseram neste descobrimento, e viagem quinze meses, por tornarem a Lisboa na entrada de Setembro.
Neste ano, ou no seguinte, foram ao descobrimento da nova Espanha Alonso de hijada [
Hijeda], e trouxe sua derrota até reconhecer a Provincia de Sinta. E no ano seguinte partiu Rodrigo de Bastidas de Sevilha, com duas caravelas armadas à sua custa, e a primeira terra que das Antilhas tomaram foi uma Ilha a que puseram nome Verde, que está junto da Guadalupe contra a terra, e tomada na mão a volta contra o Poente a Santa Marta, e a Cabo da Vela, e ao rio Grande, e descobriram o porto de Zamba, os Coroados,
Cartagena, e as ilhas de S. Bernardo de Baru, e as áreas, foram diante à Ilha Forte, e à ponta de Caribana, que está no cabo do Golfão de
Uraba, viram os Farelones, que estão da outra banda junto Dariem [d'Ariem], e do Cabo da Vila até esta enseada há trinta léguas, está em nove graus e meio de altura. Daqui atravessaram a ilha de Zamayca [
Jamaica], onde tomaram refresco, e na Espanhola deram com os navios à costa pelo
gusano que há muito, levaram quarenta marcos de ouro que por esta terra regataram, ainda que a gente da terra é mais guerreira que há na Nova Espanha, e atiram com erva [
ou seja, com veneno nas setas].
No ano de 502 tornou Christovam Colom a quarta vez a este descobrimento com quatro navios por mandado del rey D. Fernando a buscar o estreito, que diziam cortar a terra à outra banda, levava consigo D. Fernando seu filho: foram ter à Ilha Espanhola, e de Iamaica, e ao rio Nheser [
em Nicaragua?], e ao cabo de Figueira, e às
ilhas dos Gamares, e ao porto das Fonduras [
Honduras?]: e daí contra o Levante ao Cabo de Graças a Deos, e descobriu a província, e Rio Veraga, e o rio Grande, e outros que os da terra chamam Hievra, E daí foi ter ao rio dos Lagartos, que se agora chama Chegres [
Chagres], que tem seu nascimento ao mar do Sul, e sai ao do Norte, passa de Panamá quarenta léguas, e foi à Ilha que pôs nome dos Bastimentos, e ao porto Bello, e a Nombre de Dios, e ao Rio Francisco, e ao porto do Retrete, e ao Golfão de Secativa, e às Ilhas de Caparrosa, e ao Cabo de Marmol, que são duzentas léguas de costa, donde começaram, tornou à Ilha de Cuba, e daí a Iamaica, onde acabou de dar com os quatro navios à costa por serem já mui gastados do gusano.
No ano de 502 tornou D. Vasco da Gama já Almirante à Índia, levou 19 ou 20 caravelas: partiu de Lisboa a 10 de Fevereiro, na fim dele surgiu no Cabo Verde, donde foi a Moçambique, e o primeiro que desta ilha atravessou para a Índia, e descobriu outra em quatro graus de altura, a que pôs nome a do Almirante, tomou carrega de pimenta, e drogas, e deixou lá por guarda da costa da India com cinco velas, Vicente Sodré. Estes foram os primeiros Portugueses que d'Armada correram a costa de Arábia, a que chamam Felix, ela é tão estéril que não se mantêm os gados, e camelos senão em peixe seco que do mar lhe levam, e serão eles tantos que os gatos os tomam. E no ano seguinte segundo dizem descobriu Antonio de Saldanha a ilha que se chama Dioscorodis, e agora
Socotorá, e o Cabo de Guarda foy [
Guardafui] com aquela terra.
No ano de 504. armaram João de Cosa, vizinho de Santa Maria del Puerto, e o piloto Rodrigo de Bastidas, com ajuda de Ioam de Ledesma, e outros de Sevilha, com licença del Rey D. Fernando quatro caravelas, e foram a descobrir a terra nova onde se chama Cartagena, que está em dez graus e meio da parte do Norte, e diz que acharam ali o Capitão Luis da Guerra, e juntos todos saltaram [
assaltaram] na ilha do Codego, tomaram nela seiscentas pessoas, foram por aquela costa, e entraram no
Golfão de Uraba: e na areia acharam ouro misturado com ela, e foi o primeiro que se dali trouxe a El Rey D. Fernando, onde foram à cidade de Sam Domingos carregados de escravos sem resgate nem mantimento: porque os da terra não quiseram contratar com ele e lhe fizeram muito dano. E no fim deste ano de 504 faleceu a Rainha Dona Isabel de Castella, e enquanto foi viva não consentiu que fossem do descobrimento da Nova Espanha, Aragões, Catalões, Valencianos, nem nenhuns do património del Rey D. Fernando seu marido, salvo se fosse seu criado, ou por especial mandado; somente Castelhanos, Galegos, Biscaínhos, e os de seu senhorio que esta terra descobriram.
No ano de 505. dia de Nossa Senhora de Março, partiu D. Francisco Dalmeyda [
de Almeida], Viso Rey [
vice-rei] da India com vinte e duas velas, fez seu caminho na volta do Brasil, como se já costumava. Chegado à cidade de Quiloa, assentou fortaleza, capitão dela Pero Ferreira, e além de Melinde atravessou a Ilha d'Angediva, onde fez Capitão Manoel Paçanha [
Pessanha]. Em Cananor edificou outra, deu a capitania a Lourenço de Brito. Em Cochim o mesmo, e capitão D. Afonso de Noronha. Neste ano fez Pero danhaya [de Anaia] a fortaleza de Sofala, de que teve a capitania.
No fim deste ano, ou na entrada do outro, mandou o Viso Rey a D. Lourenço seu filho às ilhas de Maldiva, e com tempo contrário, arribou às ilhas, a que os antigos chamaram Tragana [Taprobana?], e os Mouros Itterubenero, e nós agora Ceilam [Ceilão], onde saiu em terra, e assentou paz com os de ali, tornou a Cochim ao longo da costa, deixando-a toda sabida. No meio desta ilha está hum pico de pedra mui alto, e uma pegada de homem, e na sumida dele que dizem ser do nosso pai Adão, quando subiu aos Céus, têm-no os Índios em grande veneração.
No ano de 506, depois da Rainha Dona Isabel falecer, veio El Rey Felipe, e a Rainha Dona Joana sua mulher a Espanha tomar posse, El Rey D. Fernando se foi a Aragão por ser seu património: e neste meio ano faleceu El Rey Felipe, e tornou governar Castela El Rey D. Fernando, e deu licença aos Espanhóis que pudessem ir à terra nova e Antilhas salvo os Portugueses. E neste mesmo ano, e mês de Maio faleceu Christovam Columbo, e sucedeu em seu lugar seu filho dom Diogo Columbo.
Neste mesmo ano de 506, e entrada do mês de Março, partiu Tristam da Cunha, e Afonso Dalburquerque para India, e quatorze velas em sua companhia, foy surgir em Bezeguichi, pera refrescarem, e antes que chegassem ao cabo de Boa Esperança em trinta e sete graus daltura acharam umas ilhas, que se agora chamam de Tristam da Cunha, onde lhe deu tão grande tormenta, que se espalhou toda a frota. Tristam da Cunha, e Afonfo Dalbuquerque que foram ter a Moçambique, Alvoro Telez, correu tão largo, que foi à terra de Samatra [Sumatra], donde se tornou ao Cabo de Guardafui deixando descuberto muitas ilhas, mar, e terra, nunca até àquele tempo por Portugueses vista.
Manoel Telez de Menezes também varou por fora daquela gram ilha de sam Lourenço, e correu toda sua costa, foi ter a Moçambique com Tristam da Cunha, que foi o primeiro capitaõ que ali invernara, e por lhe dizerem que nesta ilha havia muito gengibre, cravo, e prata, tornou a descobrir muita dela pela parte de dentro, e não achando nada se tornou a Moçambique, donde partiram pera Melinde, correram aquela costa, saíram em Brava, e daí passaram à ilha de Sacatorá, onde fizeram Fortaleza, capitão dela dom António de Noronha.
No ano de 1507, no mês d'Agosto partiu Tristão da Cunha para a India e Afõso Dalbuquerque que ali ficava com cinco, ou seis navios para guarda da costa, e boca daquele estreito, não se contentando disto se passou Arabia, e correndo-a toda, dobrou o Cabo de Rosalgata, que está no Trópico de cancro.
No ano de 1509 partiu Diogo Lopez de Seqyra [Sequeira] de Lisboa com quatro velas para a ilha de sam Lourenço, andou derredor dela quasi um ano, e no 19 do mês de Maio chegou a Cochim, o VisoRey lhe deu mais um navio. E na entrada do mês de Setembro, partiu para Malaca, passou por entre as Ilhas de Nicobar, e outras muitas: e foy à terra de Samatra às Cidades de Pedir, e Pacem: e por toda essa costa até à Ilha da Polvoreira, e baixos de Capacea: e daí se passaram a Malaca, que esta em dois graus d'altura da parte do Norte, e por lhe matarem, e cativarem nesta cidade gente, se tornou para a India deixando quinhentas léguas descobertas.
Esta ilha de Samatra [Sumatra] é a primeira terra que lá sabemos, em que se come carne humana, umas gentes que vivem nas serras que se chamam Bacas, douram os dentes, dizem que a carne dos homens pretos é mais saborosa que a dos brancos: e assim as bufaras [bufalas], vacas, galinhas que há naquelas partes, são de carnes tão pretas como esta tinta. Diziam haver aí homens a que chamam Dara que dara, que têm rabos como carneiros, aqui há azeite que tiram de poços: El Rey de Pedir me disse que por sua terra corria um rio dele; não se deve de haver por muito, pois se acha escrito, que na Batriana há uma fonte de óleo: e assim contam haver aqui uma árvore que o çumo [sumo] dela é forte peçonha, e se toca em sangue logo a pessoa morre, e bebendo-o é coisa muy provada contra ela, assim que dá morte e vida: bate-se aqui moeda d'ouro a que chamam dragmas, dizem que os Romãos a trouxeram a esta terra, parece alguma coisa, porque daqui por diante não se bate moeda d'ouro, mas corre-se ele por mercadoria.
No ano de 1508 armaram à sua custa com licença del Rey D. Fernando, Alonso de Hijada, e Diogo de Recusa, para ir povoar, e conquistar a rovincia Doriem, e descobrir a terra firme, onde se chama Uraba que puseram nome Castella do Ouro, pelo que acharam na areia ao longo da praia, e foram os primeiros Castelhanos que isso fizeram: porque um tinha a governança de Uraba, e outro de Beraga. Partiu primeiro Alonso de Hijada da Ilha Espanhola, e cidade de Santiago com quatro navios, e trezentos soldados, deixando o bacharel Ansiso, que depois fez um livro deste descobrimento, para ir atrás dele num navio com mantimentos e munições, e cento e cinquenta Espanhóis: Chegou Alonso de Hijada a Cartagena, onde tomou terra, e os dela lhe mataram, e comeram oitenta soldados, de que ficou muito agastado.
Neste mesmo ano de 508 armou
Diogo de Nequisa no porto de Beata sete velas para ir a Beraga, e levou nelas perto de oitocentos homens. Chegado a Cartagena, achou aí Alonso de Hijada assaz agastado pelo que lhe sucedera, saíram ambos em terra, tomaram vingança, e se foram cada um à sua governança, Diogo de Necusa foi descobrindo a costa que é de Nombre de Dios aos Roquedos [
Rochedos] de Dariem chamou porto de Misas ao rio Pico: chegado a Beraga deu com a armada à costa, por os soldados perderem esperança de tomarem a Espanhola: e ainda que este ardil de guerra tivesse depois Fernam Cortez, não foi ele primeiro naquela terra (como alguns têm, e cuidam) Alonso de Hijada começou uma Fortaleza em Caribana Solar dos Caribas, e foi a primeira vila que os Castelhanos em terra firme fizeram, e assim em Nombre de Dios, cidade de Nossa Senhora del Antiga, e a Villa de Uraba, donde deixaram por capitão, e teniente Francisco Piçarro [
Pizarro], que levou aí assaz trabalho, (e descobrirá depois a de Peru). E assim fizeram outras que não nomeio, porque estes capitães não tiveram tão bom sucesso como cuidavam, e isto abasta a meu propósito.
No ano de 1509 chegou o segundo Almirante dom Diogo Colom à ilha Espanhola, com sua mulher, e casa, e como era nobre, e fidalga, levou muitas mulheres, e de boa casta que lá casaram, e começaram de Castelhanos de encher a terra, porque el Rey D. Fernando tinha dado licença que pudessem lá ir descobrir, povoar, todos os povos de Espanha, por onde aquela terra foi mais enobrecida, e frequentada e também este Almirante deu ordem como se povoasse a ilha da Cuba, que é cousa grande, e pôs nela para isso por seu adiantado a Diogo Valhasquez que fora com seu pai na armada segunda.
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