terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

O Restauro e a Rês Tauro

Os irmãos Bordalo Pinheiro foram bastante influentes no final do Séc. XIX, e Columbano que foi quem atestou a autenticidade dos Painéis de S. Vicente, após 1882, e não deixou de o fazer notar.

Não sei até que ponto Columbano foi influenciado, ou quis influenciar a partir daí.

O ponto de partida é este tecto que está no Hotel Olissipo Lapa Palace, antigo palácio do conde de Valenças. Esse tecto é uma parte que se compõe com mais 7 painéis.
Só conheço 5 deles, os outros 2 estão em colecção privada. Mesmo assim, encontrar este tecto, já não foi assim tão fácil:


Creio que o tecto representa quem toca a música, e de certa forma o pano/véu é um pouco levantado.
O tema é supostamente a "dança"... porque seria para enfeitar o salão de baile. 
Os 5 restantes painéis "Cenas de Baile" foram alvo de licitação em 2014, começando em 500 mil euros, mas não tiveram comprador. Não faço ideia como estão as coisas, nem me interessa. Interessava-me mais conhecer os 2 painéis, de que não conheço sequer uma fotografia, e parece que ninguém quis saber.

Acerca dos 5 painéis de "Cenas de Baile", parece-me que não podem ser dissociados dos 6 painéis que Columbano pintou para a ala dos Passos Perdidos, na Assembleia da República:

(clicar para aumentar)

Na lengalenga artística, Columbano pintou os 5 painéis de "Cenas de Baile" para este efeito e passo a citar o que está no site do leiloeiro:

O conjunto de painéis é descrito pormenorizadamente na obra de Fialho de Almeida, "Os Gatos": Columbano Bordallo acaba de mostrar a meia dúzia de íntimos, no seu atelier no pateo Martel, trabalhos de decoração executados por encomenda do conde de Valenças, para a sala de baile do mesmo senhor. 
A pintura é a óleo, e consta de um tecto que não podemos vêr, e foi pintado in situ, e de sete panneaux de cerca de tres metros d'alto e de largura diferente, que serão aplicados ás molduras d'estuque do salão de baile a que se destinam. 
O primeiro panno é consagrado á dança de hoje: um par adolescente avança com dengosidade fin-de-siècle 
O retábulo segundo é a dança no Imperio. Ha um rapaz de perfil, expressão flagrante dos estoiradinhos d'esse tempo, calça colante, meia de seda, casaca de gola altíssima, bicorne, e bofes de renda em grandes folhos. A figurinha da mulher é deliciosa, com o vestido de corpinho curto, os braços descobertos, e o decote quasi horizontal, descobrindo peito e hombros sem provocação. 
Terceiro panno, em pleno Luiz XV. É um momento de gavota, surprehendido: o par avança num torneio de corpos gracil'
Quarto retábulo, Luis XIV. O costume de homem, severo, casaca azul e cabelleira d'anneis, canhões e bofes de renda, tricorne na mão esquerda, e o collete de grandes abas, cahindo, vermelho, até lhe encobrir as coxas de paralta. A figureta da mulher poisa a tres quartos, voltando de leve as costas a quem olha, e é a mesma anemia morena, o mesmo typo afusado e decadente das outras, com frescuras que lhe vem dos poucos anos, e nunca do circular sadio do bom sangue. 
Finalmente o último trabalho da decoração é uma grande tela onde está pintada uma quadrilha, de que o espectador apercebe oito ou nove figuras. (20 de Janeiro de 1891)

Creio que não.
Creio que Columbano estava a pensar no Marquês de Pombal, na suposta cena de baile ao estilo "Luís XIV", e para esse efeito comparem-se as figuras dos círculos amarelos.
Quanto ao "Grupo em Festa", comparem-se as figuras com círculos verdes, ou seja, parece-se retratar o Duque de Saldanha. Compare-se ainda a senhora na figura central com retratos de D. Maria II:
... e se outra coisa não chamar a atenção, pois o penteado é uma cópia quase exacta.
Quanto, ao sujeito com o círculo roxo, pode ser associado ao que está representado nos Passos Perdidos como sendo Manuel Borges Carneiro, e que foi um dos supostos heróis da revolução liberal de 1820.
Haverá certamente outras possibilidades de associação, mas estas pareceram-me mais evidentes.

Por isso, como é óbvio, quando em 1891 Columbano Bordalo Pinheiro fez a encomenda para o conde de Valenças, não esteve com explicações sobre o que queria fazer, é natural que tenha dito aquilo que o leiloeiro diz, por via de Fialho de Almeida, e que seria o que o Conde de Valenças queria ouvir, mas a questão é sempre a mesma, e repetir-se-à:

- Quer V. Exª  ver, ou fechar os olhos?

Mesmo no que diz respeito aos 6 painéis dos Passos Perdidos, que têm uma sequência (mais ou menos) óbvia definida pelas nuvens, ou temporalmente, pela escolha dos figurantes. A própria escolha de personagens e do seu enquadramento, vestes, ou pose (vejam-se D. Dinis e D. João II), tem muito que se lhe diga.
Se Columbano usou aí 6 painéis, como número igual aos de S. Vicente, pois é uma escolha coincidente mas mais dúbia, já que não consigo vislumbrar uma relação interpretativa semelhante, mesmo admitindo que uma estátua de liberdade faça ali figura de santo para calhaus. Mas o que Columbano deixou nos Passos Perdidos, mostra bem que o ambiente fúnebre dos painéis de S. Vicente era ainda sentido naquela evocação das glórias libertárias, parlamentares, para lamentares.

Mas "Cenas de Baile" é mais ilustrativo para o olhar, com a cena no tecto do Hotel Lapa Palace a mostrar que há quem tem esteja por cima do pano, do véu que cobre a situação, à volta de uma arena, em que servimos de rês, de touro, aguardando a corneta do inteligente para sairmos à praça enfurecidos.
Depois virá cada cavaleiro espetar-nos uma farpa, e para a faiena ser boa, o bicho tem que ser bravo, mas é claro que quem será sempre aplaudido será o cavaleiro. A rês só serve para testar a valentia do boi montado a cavalo. Quando o bicho é mesmo bravo, usam-se umas vacas para o recolher aos curros.

Camões e as Tágides (por Columbano, 1894)

Restaurar ou rês-taurear?
A Restauração, que se diz ser de independência, ou outra, mesmo alimentar, serve para encher a mente da rês, ou o seu estômago, de matéria que sirva para avaliar o peso do animal quando vai para a arena. 

Da mesma forma que já disse que chapéus há muitos e barretes também... pois é altura de dizer:
- Painéis há muitos!
O problema é que ninguém os quer ver... porque no fundo ninguém está em interessado em ver, está sim interessado em olhar para onde lhe apontam o olhar, não para ver, mas apenas para ser visto.
Pelo que a questão, colocada aos que estão no meio da grande arena, se resume a isto:

Quer V. Exª  ver... ou que o vejam?

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