Alvor-Silves

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Navegações atlânticas medievais (1)

Há um exagero natural nas posições antagónicas, entre quem acha que há indícios que favorecem uma história oculta, e os que terminantemente recusam essa possibilidade, quase como fé.

No caso das navegações, os defensores da burocracia instituída pelo status-quo, estão bem protegidos por uma documentação oficial seleccionada que não assinala nada de inconveniente. 
Seria estranho, se assim não fosse... se a documentação romana disponível dissesse que as galés romanas visitavam a América, só haveria duas possibilidades - ou manter a teoria colombiana, e esconder isso, ou então assumir que de facto os romanos visitavam a América. 
Ora, o que implicaria isso em termos de História? 
Há mais interesse em manter a estória que temos, ou em corrigir a história, assumindo a ocultação?
Assumida uma ocultação, o que garantiria que a ocultação terminava?

Fruto da nossa educação dirigida, somos forçados a admitir que Copérnico foi revolucionário, por conceber que a Terra se movia em torno do Sol... e mesmo que seja dito que já Aristarco de Samos sabia disso, faz-se crer que essa informação estaria perdida. 
Não estava, e é o próprio Pedro Nunes ao criticar o trabalho de Copérnico que diz:
«(...) Nicolau Copérnico de Torun, o qual estava sobretudo interessado em, com o método, tabelas, e demonstrações de Ptolomeu, trazer de novo à luz a antiga e quase esquecida astronomia de Aristarco de Samos acerca do movimento da Terra e da imobilidade do Sol e da oitava esfera, tal como é referido por Arquimedes no seu livro "De arena numero".»
Ou seja, reler o famoso livro de Arquimedes "O contador de areia", foi a revolução de Copérnico. Acrescente-se, a teoria heliocêntrica nada acrescentou ao que já se sabia, e foi Kepler, mais do que Newton, a avançar com dados novos. Ensina-se ainda hoje que a teoria geocêntrica é errada face à heliocêntrica, o que só mostra como a publicidade serve a manipulação das mentes dos petizes. 
O único propósito da lengalenga publicitada foi tirar o homem do centro, e fazer crer numa insignificância no espaço universal e entre as espécies animais. 
Ora, a visão relativista deve ela própria ser relativa e não absoluta.
Retirar a visão absoluta, etiquetando-a como "errada", é perverso e igualmente errado.

Registos medievais
Thomaz de Souza, em "O Descobrimento do Brasil" (1946), muito preocupado em defender as navegações italianas, praticamente remete a crítica dizendo que se Colombo tudo aprendeu em Portugal, os portugueses tudo tinham aprendido dos navegadores italianos. 
O que em grande parte seria verdade, já que o próprio D. Dinis foi chamar o genovês Manuel Pessanha para almirante em 1317. Para esta opção estrangeira, não terá sido irrelevante o fim dos Templários em 1314 e a instituição da Ordem de Cristo em 1319.

Se ao rei Lavrador não está associada a descoberta do Lavrador (região canadiana), está pelo menos associado um dinamismo na produção de madeira para as embarcações, aumentando o pinhal de Leiria, iniciativa inicial do pai, D. Afonso III, porque a assoreada Leiria já não era porto de mar, sendo útil estabilizar as dunas de areia.

Só que num exagero fundamentalista, parece haver quem pretenda que, antes, os portugueses só tinham canoas, e nem tampouco dão crédito à existência de D. Fuas Roupinho, que terá morrido em confronto naval com os mouros, junto a Ceuta em 1184. Os cronistas árabes reconhecem o confronto e a vitória, com apresamento de 22 naus portuguesas, mas parece que sem o cartão de cidadão do Almirante, mesmo uma derrota passa a mito dos cronistas portugueses, por falta de registo no notariado de Alcobaça, deixado durante dias a saque em 1834.

Para efeitos da estorieta, Manuel Pessanha é considerado o primeiro almirante-mor do reino, tendo substituído Nuno Cogominho, que foi... almirante-mor do reino entre 1307-16. Poderá haver quem fique confuso por ter havido alguém antes do primeiro, mas isso não incomoda a lógica do regime, que se baseia na fé dos crentes. As palavras mudam assim de significado, sem qualquer incómodo, para que não apoquentem a fábula.

Assim, para Thomaz de Souza, os italianos praticamente descobriram tudo antes de todos.
Um tal Lanzarotto Malocello "encontraria as Canárias em 1270". Curiosamente este é o ano apontado para o seu nascimento, mas para Souza o nome já estaria nos astros... mas com efeito está instituída uma sua viagem em 1312.
Por mero acaso, também o filho de Pessanha se chamava Lançarote, e num artigo «Afonso IV (1325-1357) e a doação das Ilhas Canárias pelo papa Clemente VI (1332-1342)», Revista Portuguesa de História 46 (2015), A. M. Souza diz o seguinte:
Neste aspecto, a presença de genoveses e florentinos na Corte régia portuguesa já se fazia sentir desde o governo de D. Dinis, que a propósito da expansão das fronteiras do reino, firmara um contrato com Manuel Pessanha (Pessagno) para o reconhecimento do território ainda em 1317. Já Lancelloto Malocello (Lanzarotto Pessagno), terceiro filho de Manuel Pessanha, desta vez como comandante de uma frota portuguesa a mando de Afonso IV “redescobriu”, por volta de 1336, uma das treze ilhas que os geógrafos greco-latinos tinham apelidado de as Insulae Fortunatae (Ilhas Afortunadas). 
Inadvertidamente, ou não, identifica os dois Lanzarottos ou Lançarotes, como sendo a pessoa do filho de Manuel Pessanha. Já sabemos que os mapas não servem para provar nada, quando se trata de descobertas portuguesas, no entanto, depois das viagens enviadas por D. Afonso IV em 1336, aparece num mapa feito em Maiorca, por Angelino Dulcert (1339), uma inscrição com o nome da ilha descoberta pelo tal Lanzarotto Malocello. 

Mapa de Angelino Dulcert com Porto Santo e Madeira (Legname), à esquerda, 
e em baixo com a ilha Lanzarote, com a cruz de Cristo.

Na maioria dos casos, diz-se que no mínimo Lanzarotto estaria ao serviço do rei português, mas para Thomaz de Souza, isso não interessa e a descoberta é genovesa, até porque a bandeira é de Génova... Ora, por coincidência ou não, a bandeira da Cruz de Cristo é igual à bandeira de Génova.

Que se saiba, quando em 1344 o espanhol Luis de La Cerda ganhou do Papa a pretensão à ilha, não foi Génova a enviar uma reclamação ao Papa, como fez D. Afonso IV, informando que já tinha descoberto as ilhas antes. 

Antes de tudo isto, o mais natural é que os mouros já tivessem feito aí uma visita, e curiosamente consta que o cronista árabe Idrisi reporta a chegada às Canárias de árabes de Lisboa, no início do Séc. XII, ou seja, pouco antes da conquista por D. Afonso Henriques. Acrescenta da existência de duas enormes estátuas, algo que está na carta dos Pizzigani de 1367, dizendo:
"duas estátuas de pedra de cem côvados de altura e sobre cada uma delas una figura de bronze, que está com sua mão fazendo sinais aos navegantes para que não sigam navegando mais além".
O registo dessas estátuas desapareceu... e não parece que tenham sido os guanches os responsáveis!~

(continua)

sexta-feira, 24 de julho de 2020

A massa da maça que amassa e maça (3)

No texto anterior (2) sobre este tema pareceu-me interessante considerar a datação que junta eventos entre 10 mil a.C. e 4 mil a.C. num espaço de apenas mil anos, ou menos. Há várias razões para isso, normalmente negligenciadas ou ignoradas: (i) o fim do aparecimento de novas espécies, ligado a uma menor exposição a radiação; (ii) um dilúvio com o aumento mínimo de 200 metros do nível do mar; (iii) a ausência de registos significativos nesse espaço de tempo.
Vejamos qual será uma datação típica da pré-história, seguindo por exemplo, a wikipedia (inglesa):
  • Paleolítico superior (fim)
  • 14 000 a.C. – Bisontes de barro esculpido na gruta Le Tuc d'Audoubert
  • 12 800 a.C. – Período húmido começa. A região do Saara é húmida e fértil.
  • Mesolítico
  • 12 500 - 9 500 a.C. – Cultura Natufiana, sedentária com centeio, caçadores-colectores.
  • Neolítico
  • 9 400 - 9 200 a.C. – Cultivo de figos na vila neolítica de Gilgal (prox. Jericó, Israel).
  • 9 000 a.C. – Círculos com pilares em T erguidos em Göbekli Tepe (Turquia).
  • 7 000 a.C. – No norte da Mesopotamia, começa o cultivo de centeio e trigo (Çatal-Huyuk).
  • Calcolítico
  • 3 700 a.C. – Escrita cuneiforme na Suméria e primeiros registos.
  • 3 300 a.C. – Morte de "Ötzi the Iceman", com machado de cobre.
  • 3 000 a.C. – Começa Stonehenge com 56 postes de madeira
A opção de colocar estes eventos não é minha, e a parte da escrita cuneiforme não deveria pertencer à pré-história, sendo clara aqui a vontade de chegar até Stonehenge, quando nessa altura seria apenas um esboço com estacas de madeira...
No entanto, ilustra bem um salto de 5000 anos, entre Gobleki Tepe, com os seus berrões, ou então um salto de 3000 anos de Çatal-Huyuk até aos primeiros registos de escrita cuneiforme na Suméria. 

Na hipótese adoptada no texto anterior, os valores de Carbono-14, mais pequenos antes, não resultam de tempo passado, mas sim de uma grande alteração climática, ocorrida há 6 mil anos, que libertou radiação (do Sol ou do interior da Terra), que derreteu os gelos, e fez as últimas alterações significativas nas espécies animais, inclusive na nossa...

Assim, os eventos do "neolítico" reduzem-se c. 5000-4000 a.C., num rápido desenvolvimento de uma cultura atlântica, hoje completamente enterrada debaixo de uma plataforma que está a 200 metros de profundidade, na sua principal extensão. Extensão essa, aliás, que é bastante regular e uniforme.

Gobleki Tepe pode servir de modelo para aquilo que restou da cultura atlântica, no sentido de uma  agregação da população dispersa, sobrevivente ao dilúvio c. 4000 a.C. (10 mil a.C. na datação usual), com a finalidade da restauração de uma ordem religiosa. Ao que consta, o monumento foi propositadamente enterrado, talvez na tentativa de apagar esse registo para a posterioridade.
Gobleki Tepe (Turquia) a menos de 700 Km do Monte Ararat

Em Gobleki Tepe estavam alguns berrões, mas vemos na imagem (topo da pedra), as famosas "Bolsas de Capivara" associadas depois aos Anedotos (ou Annunaki), em particular a Dagon.

Um poder religioso ter-se-à assim exibido nas montanhas turcas, e floresceu ao ponto de outorgar uma monarquia universal, conforme Manuel Figueiredo enunciava: Sete Monarquias, onde um poder iniciado na Mesopotâmia, será depois passado para Alexandre e os seus generais, depois para César e para os romanos e bizantinos, e depois para Carlos Magno com os sacro-imperadores germânicos.
Uma redução histórica interessante, que deixaria como secundário o papel do Egipto.

Nessas monarquias de Figueiredo não estava nenhum Hércules, mas esse Hércules aparece na história ibérica, desde o tempo dos autores gregos e romanos. Não foi, como tantos pretenderam, uma invenção de Bernardo Brito, ele aliás pega apenas numa história/estória que andava solta, contada parcialmente aqui e ali. Fernão de Oliveira, muito antes de Brito, conta uma história muito semelhante. Mas ainda antes, a própria Crónica de 1344, tem uma história para Hércules.

A Crónica de 1344 
Alfonso X (o sábio), rei castelhano (1252-84), decidiu reunir os documentos dispersos sobre a história de Espanha (entender como Ibéria) e compilar em diversos volumes
de que Pedro Afonso, filho de D. Dinis, e Conde de Barcelos, fez uma adaptação nacional, a chamada Crónica de 1344. Por exemplo, nas páginas dessa crónica está a figuração de D. Afonso Henriques, com o seu pai, o Conde D. Henrique:

Conde D. Henrique e D. Afonso Henriques na Crónica de 1344 (só existe a versão espanhola) 
onde se lê que "El conde don enrique fue de terra de bisanco e caso con doña theresa ..."
(ou seja, dando suporte à versão Borgonhesa da dinastia, numa origem em Besançon)

No site pedrodebarcelos.wixsite.com/cronica1344 estão algumas coisas sobre este assunto, mas apesar do financiamento público, estas coisas acabam por nunca estar acessíveis a quem paga - ou porque os links desaparecem, por incúria, desleixo ou incompetência, ou porque estão sob restrição em cópia interna na Biblioteca Nacional Digital... who cares?

Mas para os efeitos, de todos aqueles críticos que dizem que Bernardo de Brito inventou "isto e aquilo", também "La Estoria de Espanna", tem versões ditas "fabulosas" de Hércules.

Ou seja, já na Idade Média, antes de Anio de Viterbo, por falta de informação documental, começou-se a definir uma história parcialmente baseada em mito, com invenção, onde os nomes de lugares se associavam a nomes de pessoas, etc. O ataque ad hominem feito a Bernardo de Brito, quase como inventor solitário (que não foi, e esteve longe de o ser), é um ataque fácil ignorando tantos outros que o antecederam... esses são tidos como credíveis, mas é com base neles que se fez grande parte da história medieval oficial.

Pedro de Barcelos e Bernardo de Brito
A vinda de Hércules à Hispania é assim assunto de Alfonso X que Pedro de Barcelos vai recuperar de forma muito semelhante, nos seguintes capítulos:
  • Cap. 5 - De como Hercules foi dado a criar e a quem e quantos homens foram os que este nome houveram e dos feitos que fez Hercules depois que foi crescido.
  • Cap. 6 - Como Hercules entrou em Espanha e como divisou a povoação de Sevilha e das coisas que aí fez.
  • Cap. 7 - Como Hercules partiu de Sevilha e como pelejou com Gedeão [Gerião] e o matou. 
  • Cap. 8 - Como Hercules povoou Tracona [Tarragona] e outros lugares e das outras coisas que ele fez em Espanha.
  • Cap. 9 - Como Espam [Hispano] ficou por rei da Espanha e como corregeu a terra.
que se podem comparar com capítulos da Monarchia Lusitana de Bernardo de Brito:
  • Cap. 9: De como o tirano Gerião se apoderou do Reino de Espanha, e do que em Lusitania sucedeu até à sua morte.
  • Cap. 10: De como os filhos de Gerião reinaram em Espanha, e da vinda de Hércules Líbico contra eles, e como o mais que se passou até sua morte.
  • Cap. 11: De Hispalo e Hispano, reis de Espanha, e do que sucedeu no tempo de seu reinado em Espanha.
  • Cap. 12: Do tempo em que Hércules reinou em Espanha, e dos favores que sempre fez aos Lusitanos.
  • Cap. 13: Do tempo em que na Espanha reinaram Hespero e Atlante Italo, das guerras que entre si tiveram, e da fundação de Roma, feita por gente Lusitana.
Para vermos como esta presença de Hércules na Ibéria era ponto comum entre os antigos, citamos a tradução de Diodoro Siculo, historiador grego, contemporâneo de César. Diodoro é uma das referências que Bernardo de Brito vai usar e citar:
Eurystheus then enjoined upon him as a tenth Labour the bringing back of the cattle of Geryones, which pastured in the parts of Iberia which slope towards the ocean. And Heracles, realizing that this task called for preparation on a large scale and involved great hardships, gathered a notable armament and a multitude of soldiers such as would be adequate for this expedition. For it had been noised abroad throughout all the inhabited world that Chrysaor, who received this appellation because of his wealth, was king over the whole of Iberia, and that he had three sons to fight at his side, who excelled in both strength of body and the deeds of courage which they displayed in contests of war; it was known, furthermore, that each of these sons had at his disposal great forces which were recruited from warlike tribes. It was because of these reports that Eurystheus, thinking any expedition against these men would be too difficult to succeed, had assigned to Heracles the Labour just described. But Heracles met the perils with the same bold spirit which he had displayed in the deeds which he had performed up to this time. 
After Heracles had slain Antaeus he passed into Egypt and put to death Busiris, the king of the land, who made it his practice to kill the strangers who visited that country. Then he made his way through the waterless part of Libya, and coming upon a land which was well watered and fruitful he founded a city of marvellous size, which was called Hecatompylon, giving it this name because of the multitude of its gates. And the prosperity of this city continued until comparatively recent times, when the Carthaginians made an expedition against it with notable forces under the command of able generals and made themselves its masters. And after Heracles had visited a large part of Libya he arrived at the ocean near Gadeira, where he set up pillars on each of the two continents. His fleet accompanied him along the coast and on it he crossed over into Iberia. And finding there the sons of Chrysaor encamped at some distance from one another with three great armies, he challenged each of the leaders to single combat and slew them all, and then after subduing Iberia he drove off the celebrated herds of cattle. He then traversed the country of the Iberians, and since he had received honours at the hands of a certain king of the natives, a man who excelled in piety and justice, he left with the king a portion of the cattle as a present. The king accepted them, but dedicated them all to Heracles and made it his practice each year to sacrifice to Heracles the fairest bull of the herd; and it came to pass that the kine are still maintained in Iberia and continue to be sacred to Heracles down to our own time.
Diodoro fala de Crisaor, como rei da Ibéria, com uma enorme riqueza em ouro, e com três filhos, chamados Geriões, o que daria a sugestão das 3 cabeças. Este Crisaor aparece na Teogonia de Hesíodo, enquanto irmão de Pégaso, o cavalo alado, ambos resultantes da morte da Medusa por Perseu.

Para Diodoro, Hércules é grego e está ao serviço de Euristeu, com a missão de trazer o gado dos Geriões. Confirma a sua saída da Líbia, depois de matar o rei Busíris, que Brito entende como rei fenício... e neste ponto Brito faz uma história mais agregadora.
Para Brito, Gerião tem 3 filhos, a que chama Lomínios, e o nome Minos será associado a um análogo de Crisaor - o rei Minos, que transformava em ouro o que tocava.
Em Brito, o primeiro a defrontar Gerião é Osíris/Zeus, pai de Hércules, que andaria a conquistar toda a Europa - neste aspecto faz aparecer a lenda de Osíris/Zeus raptando Europa.

Apesar de matar Gerião, Osíris deixa os Lomínios no poder, e será morto no regresso ao Egipto depois de conquistar a Itália, e aqui faz aparecer a mitologia egípcia na sua morte pelo irmão Tifão/Seth, e na ascensão de Hórus/Hércules, filho de Ísis e Osíris.
Hércules, depois de se livrar de Tifão, irá à Ibéria, segundo a Crónica de 1344 acompanhado do astrónomo Atlas, para derrotar os Lomínios, ou Gedeão segundo Pedro de Barcelos.

Há diversas versões para estas estórias, mas têm alguns pontos em comum que Brito terá procurado agregar. A versão de Brito conjuga com dois reis egípcios de maça (ver primeiro texto) - Osíris que seria o rei Escorpião, e Hércules que seria Narmer ou Menes, seu filho.

Agregação plausível
Não irei entrar em mais detalhes, mas pareceu-me que se poderia daqui retirar alguma coisa plausível das diversas estórias.
Voltando aos momentos pós-diluvianos, se do lado ocidental se procurava reerguer uma civilização atlântica, ou atlante, afundada no degelo; no lado oriental, uma elite refugiada num poder religioso definia civilizações que iriam pôr em causa essa reconstrução.
Por vontade desses deuses, as torres de Babel teriam que cair, e as línguas teriam que ser misturadas.

Crisaor, Gerião e Caco podem ter sido nomes de chefes ocidentais que tiveram que defrontar as primeiras invasões vindas de oriente, no sentido de manter o poder da elite refugiada a oriente. Convém aqui lembrar que uma região caucasiana também se chamou Ibéria... ou seja, no tempo dos gregos existia a Ibéria ocidental, hispânica, e a Ibéria oriental, no Cáucaso.

Pelo lado do "regime", os heróis dessas primeiras invasões tiveram nomes gloriosos, como Osíris/ Zeus/ Júpiter, ou Hórus/ Herácles/ Hércules (Melqart para Fenícios)... gloriosos porque foram religiosamente colocados num panteão divino.
O culto popular a Hércules na península ibérica durou até à época dos descobrimentos!
Só foi destruído com a mudança de poder maçónica, que se seguiria.

Existindo, Hércules não terá feito mais do que era hábito... pode ter construído algo, mas muito mais provável, o que já era construído, passou a seu nome. Coisas que eram "do tempo de Hércules" passaram a ser "de Hércules". O mesmo fez depois Trajano, que associou a si muito do que era chamado "de Hércules".

Das monarquias egípcia e mesopotâmica, o poder foi passado a outro estado vizinho do Cáucaso - a Grécia, mas não pela democracia. A passagem só ocorreu na monarquia de Alexandre Magno, tal como a passagem de Cleópatra para Júlio César só ocorreu quando César iniciou a fase imperial de Roma.

César foi colocado a par de Hércules, porque teria sido finalmente ele a subjugar definitivamente a parte ocidental, da Hispânia até à Gália.

Os reinos orientais desapareceram definitivamente, ou foram completamente mergulhados num apagamento histórico. Para esse papel foi fundamental o fundamentalismo islâmico, que agregou do nada, em poucos anos, uma potência impressionante, que manteve a Europa sequestrada às suas fronteiras, durante séculos. Receita semelhante foi usada na China pelas invasões mongóis.

De assírios, sumérios, babilónios, ou egípcios, pouco ou nada restou... os gregos tiveram direito a respirar de novo no Séc. XIX, mas grande parte da sua cultura foi mantida e recuperada pelos primos da Europa ocidental.

A arma que foi sempre garante de poder, consistiu em manter os povos como órfãos sem história, pois seriam sempre crianças num mundo ficcionado.

terça-feira, 21 de julho de 2020

dos Comentários (69) diversos

Um comentário de A. Saavedra, a propósito da não descendência pelo latim, um outro de Djorge acerca da necessidade de madeira para os navios, e um outro de José Manuel, sobre uma primeira colonização com "fugitivos", são aqui colocados.

1. As línguas latinas não vêm do Latim
A. Saavedra refere a ligação
com um excerto
"Un pequeño libro aparecido en Francia en junio de 2007 viene a inaugurar una posible era copernicana en el mundo de la lingüística. Su tesis fundamental es que hemos estado equivocados durante siglos respecto al verdadero origen de las lenguas romances (el castellano, el catalán, el francés, el italiano, el portugués, el rumano, entre otras). El autor, a lo largo de doce capítulos deliciosos de leer, nos presenta lo que él considera pruebas irrefutables contra lo que él mismo denomina una auténtica aberración lingüística."
apontando ainda um vídeo ilustrativo da linguísta Carme Huertas sobre o assunto.

Conforme observei, em resposta, dizer que se tratava de "uma revolução copernicana" só fazia sentido se entendermos que Copérnico repetiu o que tinha dito Aristarco de Samos 1800 anos antes, já que pelo menos o Cardeal Saraiva o escrevera que o português não vinha do latim há 180 anos (e dificilmente terá sido o primeiro).
A principal língua na Europa Ocidental, durante o Império Romano, terá sido aquilo a que se chama a língua "romance", muito parecida com o português, e que está no Juramento de Estrasburgo:

A língua "romance" ou "romana" que aparece naquele documento de Estrasburgo, à época de Carlos Magno (843 d.C.) tem palavras e verbos portugueses, e é quase compreensível para nós, ao contrário do latim.
Terá existido uma língua comum nestas paragens ocidentais.
Essa língua seria bastante anterior à invasão romana, e os entendimentos eram assim facilitados por essa comunicação... as divisões linguísticas acentuaram-se depois da queda do império romano.

O latim talvez possa ser entendido como um projecto do género "esperanto", que se quis impor do topo para a população, ao contrário do natural. Mesmo as elites do Lácio falariam este "romano" quanto mais não fosse para comunicar com a restante população. Simplesmente todos os textos que não estivessem escritos na linguagem do regime eram proibidos ou desconsiderados... à excepção do grego. 
Por isso, uma característica típica do Império Romano é que não se encontram documentos escritos noutras línguas durante esse período. Poderia haver dicionários, um estudo do vocabulário dos outros povos, como foi feito desde o início dos descobrimentos... mas não! 
O que resultou foi - zero!
Também não ajudou andarem a incendiar bibliotecas e a proibir livros...

2. A necessidade de madeira
Djorge refere a tradução da legenda de Fra Mauro: 
"… e máxima (vontade), qual será? a do Rei de Portugal, que mandou <> as suas caravelas e ver de olho…"
Referindo que ele não saberia os motivos da partida de tantas caravelas para o mar, e adicionando uma referência
destaca a página 28, no capítulo "Madeiras", o crescente desespero pela procura de madeira para construção naval, relembrando, que não seria pelo facto de não termos boa madeira pois éramos exportadores de madeira em tempos mais remotos, mas sim pelo crescimento avultado da construção naval, tudo isto antes de 1415:
“… D. Afonso IV, entre 1340 e 1353, autorizava que se mandasse cortar, e acarretar madeiras das “suas matas de Alcobaça”, para construir galés, tendo em vista defender o Reino e, ulteriormente, D. Fernando I, em 1377,alargava aquela concessão a todas as matas reais, isentando o pagamento de impostos (Marques, 1988, pp. 93,158; Reboredo e Pais, 2012, p. 34).
Aquele último monarca autorizou mesmo a obtenção de madeiras em propriedades do clero, o que deu origem a abusos por parte da população, conforme se verificou quando, em 1372, os abades do Porto se queixaram ao rei que os carpinteiros daquela cidade e de Gaia cortaram madeiras nas propriedades da Igreja, “autorizados por carta régia que lhes dá permissão para cortarem madeira a fim de construírem barcos e navios”, mas que depois a vendiam ou lhes davam outro uso (Devy-Vareta, 1985, p. 57).
Tendo em vista controlar a utilização de madeiras, em1378, o concelho de Loulé fixou regras para o seu corte (Devy-Vareta, 1985, p. 58)… ….A necessidade de madeiras para a construção naval era tal que fez com que D. João I autorizasse a obtenção, mesmo de madeira verde, nas matas de Leça, Peio, Caraboy e do Bispo, para remos de seus navios e seca do pescado ao sol e, ainda, para tingir redes, conforme lhe foi pedido pelos moradores de Buarcos (Marques,1988, p.203).
A madeira verde era empregue, apenas, nos remos das embarcações, dado que a sua utilização na estrutura daquelas reduzia a resistência e durabilidade…”
Djorge conclui depois da seguinte forma:
Voltando à dúvida do Frade Mauro, sim, é evidente que havia um propósito para mandar “el rey de Portugal” pegar nas suas caravelas, comprovar que o que os mapas mostravam, era exploração e comercio Português.

Outro aparte, deste documento, página 27 e 28, é o facto de existir um documento datado de 1 de Fevereiro 1478, que confirma a construção de caravelas, nos estaleiros da Pederneira, incompletas, quase como hoje se faz na construção naval, construíam-se os cascos em série na Pederneira, (provavelmente seriam rebocados a Lisboa) para ai serem terminadas.
Este aparte liga perfeitamente, com o outro pormenor de engenharia e design, já falados aqui no seu blog, com um registo documental, que fala do transporte de uma caravela desmontada no convés de uma das naus na segunda viagem de Vasco da Gama à Índia, e que terá sido montada na ilha de Moçambique. Sem falar das fortalezas e provavelmente as casas de pedra, mencionadas no comentário acima, pelo IRF.
Empurrar para o esquecimento global coletivo, toda esta evolução e avanços industriais, como algo secundário, fazendo o público em geral acreditar que do nada nos tornamos senhores dos mares, que foi um ataque a Ceuta que nos ensinou a construir naus, bateis, batelões, picotos, galés e caravelas, é de louvar.
E a mentira repetida passa a verdade!
3. Descobertas fugitivas
Finalmente José Manuel avança a hipótese de se considerarem os fugitivos nas descobertas:
Os pré descobridores das Américas de antes de Colombo são os fugitivos ao Vaticano e Islão. Há elementos capitais que estão excluídos do relato da época dos "descobrimentos" portugueses:
- a mini era glacial de 1400 (por aí) já vinha antes de 1300 registada na tal Aldeia Branca das sete igrejas da Gronelândia (1) eram fugitivos,
- as construções medievais feitas por europeus antes de Colombo na América do Sul (Pueblo bonito) eram fugitivos,
- o "desaparecimento dos Corte Real... essa é evidente que não naufragaram nem foram mortos pelos "índios"... eram fugitivos,
- MUITOS etc..
- fugiam para ilhas e Américas dos impostos que tinham que pagar aos reis, igrejas e Vaticano,
- fugiam para ilhas e Américas da obrigação de irem morrer nas guerras dos acima citados,
- fugiam para ilhas e Américas da pestilência das cidades onde eram obrigados a viver, pois as terras eram dos senhores!,
- fugiam para ilhas e Américas das regras de vida impostas por reis, padres, igrejas, Vaticano que lhes eram impostas (a noiva ter de ir para a cama do Senhor da terra no dia do casamento... etc.),
isto tudo e mais era suficiente para muitos, mas muitos, se terem pirado da Santa Católica Europa governada pelos representantes de Deus na Terra..., que antes eram os César do modelo ainda tanto venerado pelos portugueses…
acrescentando
Na época dos "descobrimentos" eram pouco mais de 3 milhões de pessoas, acredito que muito menos mesmo contando com os escravos de antes do Infante... sim sim os moço-árabes tinham escravos da Guiné antes de Afonso Henriques aparecer (mais uns a terem razoes de se pirarem para ilhas e Américas, ver (2) caso de S. Tomé e Príncipe…)
Antes dos portugueses os islâmicos controlavam TODA a África por navegação da costa marítima e a pé…
Sim sim, havia razões de sobra para da Europa sempre fugirem para ilhas e Américas, aliás anda hoje se gostaria de fugir desta maldita UE e civilização ocidental, mas nem na Amazónia iríamos escapar aos "direitos do homem" que afinal são a sua prisão jurídica social, quanto à suposta capacidade do Reino de Portugal e dos portugueses controlarem os quatro continentes é uma ilusão das histórias contadas que vamos perdendo com a maturidade, alguns nunca lá chegam, eu não sabia que iria lá chegar!
Os pré descobridores das Américas de antes de Colombo são os fugitivos ao Vaticano e Islão…
e adicionando referências:
  • (1) Qaqortoq /the white place/ Hvalsey Church, which was originally whitewashed
  • Pueblo Bonito
  • (2) Cimarrones (fugitivos negros e brancos… habitavam a Ilha antes da descoberta) Quilombolas (link)
  • e aqui fugitivos para todos os gostos: Maroons
Sendo claro que é uma hipótese que tem um sentido próprio, normalmente são excluídos dos relatos de descobertas estes casos, porque não houve uma viagem de regresso. Poderia ser uma descoberta para os próprios, mas não sendo comunicada a quem fica, passa a ser entendida como uma viagem de perdição... tal como acontecia na lenda das Sete Cidades. 
Esse foi um problema que a tese Viking teve, pois se desconheciam provas de retorno, mesmo que se considerassem vestígios na América. Em género superlativo todos os que viajaram para outro mundo, não regressando para contar, são dados como perdidos... ou literalmente mortos.

Não foi esse o caso das viagens portuguesas, que foram sistemáticas, e eram comunicadas ao rei, e a todos os envolvidos na empresa de exploração marítima. Se rei optava por as esconder, isso não era uma opção dos próprios, e não lhes pode ser retirado esse mérito. Afinal, também os europeus não  se apressavam a comunicar as suas descobertas a árabes, chineses ou indianos...

Finalmente, ainda que seja claro que os portugueses não estavam em completo controlo da situação, e também por isso acabaram por perder esse domínio, convirá não esquecer qual era o panorama há 500 anos, por volta de 1515... falando apenas das descobertas oficializadas e reconhecidas ainda hoje:
Os pontos azuis são os territórios com feitorias ou ligação portuguesa, e os pontos amarelos as posses castelhanas, de acordo com a divisão de Tordesilhas.

Sempre que se coloca em questão a relevância do empreendimento português, eu penso no enorme esforço, mesmo incomensurável nalguns casos, que os nossos antepassados portugueses tiveram na exploração do mundo. 
E não penso nos casos conhecidos, penso especialmente nos casos dos quais não nos chegou qualquer registo. Penso no esforço e sofrimento que terão passado pelos gelos do Canadá, tentando a passagem Noroeste, ou mais a sul, ao passar o Estreito de Magalhães, ainda antes deste sequer ter nascido.

São múltiplos heróis anónimos, que nem tampouco deles temos um nome ou registo de viagem.
São heróis para quem a memória pátria foi madrasta, e restam como almas errantes, na nossa memória colectiva, estando por sepultar condignamente. A maioria teria os defeitos e brutalidade próprias da época, mas excederam-se pelo reino, indo por mares nunca dantes navegados.
Creio que em retorno, o mínimo que podemos fazer é não deixar que essa memória morra em todos nós, por conveniência de uns quantos medíocres, que quiseram fazer da história uma estória...

quinta-feira, 16 de julho de 2020

dos Comentários (68) Coelho antes de Cabral

Em comentário ao postal anterior, IRF destacou o seguinte parágrafo na wikipedia relativamente à História da Ilha de Itamaracá:
"Os primeiros habitantes seriam náufragos, havendo também registros sobre a passagem dos portugueses João Coelho da Porta da Cruz e Duarte Pacheco Pereira, em 1493 e 1498, respectivamente."
O que, conforme IRF refere, antecederia a descoberta oficial do Brasil em 7 e 2 anos.
Já tínhamos aqui falado de Duarte Pacheco Pereira em 1498, mas a presença de João Coelho em 1493 anteciparia ainda mais um registo semi-oficial da presença no Brasil antes de Cabral.

IRF apontou de seguida fontes oficiais do governo Brasileiro, no caso a História dos Municípios Brasileiros, onde encontrou escrito:
"Itamaracá abrigou um dos mais antigos núcleos habitacionais da colônia portuguesa , já que remontam a 1508 as primeiras referências a essa ilha. No entanto , existem relatos (Documentação Territorial Brasileira, do IBGE) da presença de náufragos portugueses e piratas franceses nessa ilha, antes mesmo do descobrimento oficial do Brasil. Informa-se até o nome de dois portugueses (João Coelho da Porta da Cruz e Duarte Pacheco Pereira) que teriam estado no Brasil em 1493 e 1498, respectivamente."
Depois, seguindo outra fonte:
que conforme IRF disse, estaria "oficialmente relacionada com o governo do Brasil relativamente à Ilha de Itamaracá", está escrito:
"Segundo o 1º Processo Judicial, quando se discutia no Tribunal Bayone, na França, os crimes do Navio Lá Pélerino, nove anos antes do Descobrimento do Brasil (1491), portugueses “moraram na Ilha de Itamaracá e possuiam casas de alvenaria”.
Fortaleza de Santa Cruz de Itamaracá, também dito Forte Orange, dada uma breve presença holandesa.

Bom, quando Colombo foi acolhido em Lisboa, depois de ter feito a sua viagem inaugural de 1492, o próprio Colombo refere que D. João II o teria informado que existia terra mais a sul, que Colombo tentou encontrar quando fez a sua 3ª viagem em direcção à Venezuela. Tudo isso seriam domínios "portugueses" segundo o Tratado de Alcáçovas, que estabelecia então a proibição dos castelhanos navegarem abaixo do paralelo das Canárias, abaixo de 27ºN.

Podemos duvidar das palavras de D. João II e de Colombo, mas tal não parece sensato, ainda que seja conveniente para a lengalenga oficial.


João Coelho (da Porta da Cruz) e Estevão Fróis
Em 1513, Estevão Fróis é apanhado na zona castelhana do Tratado de Tordesilhas e é assim preso, e do Haiti envia a seguinte missiva ao Rei D. Manuel em 1514 (a primeira parte é a introdução escrita por Thomaz Souza, num artigo de 1961):

            


Thomaz O. Marcondes de Souza 
Revista de História 23(47):149, Junho 1961

A parte que se sublinha a negrito é a matéria mais relevante - "Vossa Alteza possuía estas terras há vinte anos e mais, e que João Coelho, o da Porta da Cruz, vizinho da cidade de Lisboa, viera por onde nós vinhamos a descobrir..."

Reportando-se à data escrita, era referida uma posse anterior a 1494, ou 1493, sendo 1513 a data da prisão e da argumentação. Seria natural que em 1493 o dito João Coelho pudesse fazer aquela viagem, pois nem passava pela cabeça dos castelhanos que tal território existia, e além disso estava em vigor o Tratado de Alcáçovas, portanto aquele território estava no domínio português.
Estevão Fróis tenta argumentar que andava por onde outros tinham andado, e pretendia ignorar a substituição pelo Tratado de Tordesilhas. Fróis estava preocupado, porque D. Manuel teria mandado enforcar um castelhano apanhado na Guiné, tentando traficar escravos, e pretendiam que a mesma justiça lhe fosse aplicada...

Não se sabe o que aconteceu a Fróis (refirindo-se uma troca de presos)... mas o próprio Tratado de Tordesilhas excluía os territórios já descobertos (como o caso das Canárias), só que o continente americano, apesar de ter sido visitado por João Coelho, e tantos outros, não fazia parte da lista. 
No entanto, o argumento de Fróis, no sentido de dizer que fazia apenas o que João Coelho tinha feito, poderá ter surtido efeito, já que a Castela não interessaria ter confusões dessa ordem...

Thomaz Souza, historiador brasileiro, fortemente crítico de pretensões portuguesas a descobrimentos anteriores, não oficiais, classifica todas essas pretensões como chauvinismo português (associado à filosofia do Estado Novo).
Dadas as circunstâncias, a contra-argumentação é bacoca e trivial - Estevão Fróis sujeito a ser morto, mentiria, diria o que fosse preciso para safar a pele... 
Chega a meter dó este tipo de raciocínio (que é português e brasileiro), pois não se vê qualquer interesse em mentir a D. Manuel, que saberia perfeitamente da situação.

Ou seja, haveria mais uma vez, que concluir que os portugueses andavam pela América antes de 1493, havendo o nome de João Coelho, da Porta da Cruz, para descobridor não-oficial do Brasil, pelo menos até que aparecesse outro anterior!

Moradas em Itamaracá em 1491 ou 1499?
O outro episódio que IRF traz à discussão diz respeito ao outro assunto que Thomaz Souza aborda, e que foi descoberto pelo historiador português Jordão de Freitas.

Tratava-se de uma questão que foi a tribunal em Bayonne (França), porque um barão francês armou  um navio La Pelérine, que por sua iniciativa estabeleceu posse em Itamaracá em 1532 (ou 31) fazendo aí uma pequena fortaleza que foi logo arrasada por Pêro Lopes de Sousa. 
O barão fez protesto formal ao governo francês que remeteu ao rei de Portugal e a questão entre as partes seria decidida em tribunal com dois juízes franceses e dois portugueses, mas o que interessa é a argumentação dos juízes portugueses.
Colocamos aqui o texto conforme Thomaz Souza o coloca:


Sendo um acto formal em tribunal, registado em documento, os juízes não iriam aqui "mentir", e portanto quando dizem que o rei de Portugal tinha mandado construir fortaleza e castelo em Pernambuco, há mais de 30 anos, e que havia lá casas de morada há mais de 40 anos, isto deixa um problema ao status-quo.

Thomaz de Souza tenta denegrir o documento, dizendo que não tinha valor pois indica 1531 como data desse incidente, e ele teria ocorrido em 1532. Espectacular como argumento, não será?
O desespero leva aos malabarismos que temos visto em diversos actos circenses.
É tanto mais caricato que Souza diz que o documento foi escrito em 1538, mas depois apresenta uma data de 1539, e ao tirar 30 anos coloca a fortaleza em 1508 ou "pouco antes", mas ao tirar 40 anos, coloca as moradias em 1499 ou "pouco antes". 
O "pouco antes" é de sua lavra, e as contas que escolhem 1538 ou 1539, parecem propositado erro para mostrar como o seu ponto era absurdo, ou então como tinha dificuldades na subtracção.

Jordão de Freitas deve ter usado 1531 como valor a partir do qual se deduziriam os 30 ou 40 anos, o que dava 1501 para a fortaleza, e dava 1491 para as moradias... sendo que este argumento pode ser alvo de discussão, sem ter acesso ao original - que imagino não se terá perdido, mas que deve estar convenientemente esquecido, até que se perca.

A citação que IRF encontrou no documento oficial, relatando as casas de alvenaria em 1491, deve assim ser considerada, tomando por boa a investigação que Jordão de Freitas terá feito.
Mas, mesmo que seja 1492, isto mostra claramente a presença portuguesa, não apenas em viagens, mas mais concretamente em moradias... 

Thomaz de Sousa não argumenta para além da confusão do ano, remete apenas para a necessidade de Jordão de Freitas procurar nos arquivos franceses qual foi a contra-argumentação, e em jeito de aviso, faz aparecer o nome de Jean Cousin, supostamente um navegador francês que teria chegado à América em 1488, na companhia de Pinzón - o mesmo que irá acompanhar Colombo na sua primeira viagem. Sobre este Jean Cousin conheço pouco ou nada, sendo sabido que os franceses dizem que estiveram na América antes de espanhóis e portugueses com citações como esta do Barão La Hontan "os marinheiros da Biscaia francesa são conhecidos por serem os mais capazes e mais destros que há no mundo" (ver Nooks and Corners of the New England Coast, S.A. Drake (2008), pág 21)

As primeiras palavras de Souza neste artigo devem ser lidas:

e este, quer se queira, quer não, mais do que outra coisa é um aviso à navegação histórica.
Ou seja, Souza ilustra bem como o mundo, inclusive o Brasil, agora já uma nação pluricultural, veria mal dar mais protagonismo a Portugal, do que aquele que já lhe era reconhecido.

Thomaz Souza parece compreender mal que se o Tratado de Tordesilhas só vinculava Portugal e Espanha, a Bula papal Inter Coetera vinculava os reinos católicos, e por isso as pretensões francesas caíam nesse problema legal adicional.
Não terá sido acidental que logo depois em 1519-21 apareça Martinho Lutero a questionar o poder papal, e em 1535 Henry VIII funde a Igreja Anglicana.
Além disso, após o papa Alexandre VI, um espanhol que favoreceu Espanha (e Portugal), não mais houve papas não italianos, até ao polaco João Paulo II. 

Para efeitos históricos, não tenho nenhum problema em admitir outras viagens atlânticas, antes das portuguesas, aliás já coloquei aqui uma hipótese de poderem ter sido árabes de Granada ou Marrocos, a empreendê-las. As correntes abaixo das Canárias favorecem essa possibilidade. Mas nesse caso, não se abra o baú apenas para tirar o que convém... e vá-se antes, a tempos de fenícios e romanos, onde viagens dessa ordem foram sugeridas, por Duarte Pacheco Pereira e António Galvão. Mesmo no mapa de Fra Mauro, e a seguir às viagens portuguesas, ele menciona a viagem de Eudoxo que contorna a África, conforme o relato de Pompónio Mela.

Esta informação que IRF aqui trouxe é extremamente importante, sugerindo que não apenas os portugueses navegavam para paragens atlânticas, como ali deixavam residentes, ainda antes dos territórios serem oficialmente "descobertos".


sábado, 11 de julho de 2020

Fra Mauro por via da Costa

Numa publicação da Presidência do Conselho de Ministros, em 1979, Manuel Fernandes Costa faz um resumo das 

É um texto com 117 páginas, fácil e convidativo a ler. Além disso, é informativo, indo um pouco fora da lengalenga comum, da cartilha oficial. 

Destaco as duas referências que faz ao mapa de Fra Mauro, onde na página 45 diz:
Na segunda metade do século XV, destacamos o mapamundi de Fra Mauro. Tem uma legenda que diz que os navios portugueses atingiram mais de 2000 milhas além do estreito de Gibraltar… «por tal forma que, persistindo em seguir nesse caminho, chegaram a pôr a proa ao Sul quarta de Sudeste, ultrapassaram o meridiano de Tunis e alcançaram quase o de Alexandria, encontrando por toda a parte boas praias, com pouco fundo e navegação bastante boa, sempre sem tormenta»
e na página 55 insiste dizendo:
No mapa-mundi de Fra Mauro, elaborado em 1457 e 1459, em Veneza, por mandado de D. Afonso V, e que veio para Portugal, apresenta-se uma legenda no sudoeste da representação do continente africano. Diz que os portugueses chegaram a mais de 2 000 milhas além do estreito de Gibraltar. Sabe-se, por este exemplar, que Fra Mauro teve em seu poder novas cartas portuguesas, concluindo Jaime e Armando Cortesão dos seus estudos, que: «Reconhecemos, em abono dos críticos mais exigentes, que a aceitação da legenda, no seu extraordinário teor, oferece dificuldades, que é temerário incorporá-la, sem discussão à história. Mas mais grave se nos afigura eliminá-la sem apelo, quanto mais não seja como conjectura digna de porfiado estudo.»
Porquê estas palavras? Porque a legenda revela esta coisa espantosa: que antes de 1457 os portugueses teriam dobrado o Cabo da Boa Esperança. Ora o que estranharam os irmãos Cortesão, torna-se dia a dia mais claro, depois da certeza a que se chegou de que se realizaram viagens de portugueses no Índico, antes das de Bartolomeu Dias e Vasco da Gama. 
Este «torna-se dia a dia mais claro», que Manuel Fernandes Costa salienta é, claro está, uma afirmação para sorrirmos, passados mais 40 anos de longa escuridão.

Este é o pormenor da carta de Fra Mauro (meu sublinhado a amarelo) que fala dessas navegações:


Ao contrário dos irmãos Jaime Cortesão e Armando Cortesão, eu não reconheço coisa nenhuma em abono de nenhum crítico exigente, porque não é uma prova circunstancial isolada, é uma constante.
Aliás Fra Mauro, que também é exigente, diz pelo meio que não teve acesso às cartas que os portugueses fizeram... Nem ele, nem nós!

No contexto do Estado Novo, os Cortesão poderiam ter esperança de que houvesse alguma tentativa honesta de procurar desvelar o passado, e em Janeiro de 1979, com o governo de Carlos Mota Pinto, também ainda não se saberia bem a orientação que o regime seguiria... mas quando Luís Albuquerque começou a dominar o panorama histórico, deve ter-se percebido que a ordem era o "bico calado".
Havia um especial grupo de trolls de esquerda, destinados a ridicularizar o passado português, remetendo-o a uma conveniente "alucinação fascista", que conviria esquecer, por mandado... já sabe de quem... da nossa incansável maçonaria.

Esta como é óbvio, não é prova única, acrescem várias outras que fomos trazendo, e podemos citar aquilo que António Galvão referiu, sobre um mapa no cartório de Alcobaça que seria anterior a 1408.
Mesmo já tendo escrito num postal anterior, volto a citar:
No ano de 1428 diz que foi o Infante dom Pedro a Inglaterra, França, Alemanha, à casa sancta, e a outras daquela banda, tornou por Itália, esteve em Roma, & Veneza, trouxe de lá um Mapamundo que tinha todo o âmbito da terra, & o estreito do Magalhães se chamava Cola do dragam [Cauda do Dragão], o cabo de Boa esperança, fronteira de Africa, e que deste padrão se ajudava o Infante dom Anrique em seu descobrimento. Francisco de sousa tauarez [Francisco de Sousa Tavares] me disse que no ano de 528 [... 1528] o Infante dom Fernando lhe amostrara um Mapa que se achara no cartório Dalcobaça [de Alcobaça] que havia mais de cento & vinte anos que era feito, o qual tinha toda navegação da Índia, com o cabo de Boa esperança, como as de agora, se assim é isto, já em tempo passado era tanto como agora, ou mais descoberto. 

Repare-se que é mesmo dito que a carta seria "como as de agora", ou seja, como as do Séc. XVI, que no que diz respeito a África eram extremamente precisas. Os mais "exigentes", leia-se quiçá a soldo duma exigência maçónica, poderão dizer que nada disto é válido, etc, etc... who cares?

Serve este pequeno apontamento para ilustrar, mais uma vez, como para além de Faustino da Fonseca, Garcia Redondo, e aqui, Jaime e Armando Cortesão, Manuel Fernandes Costa, toda essa rapaziada, tal como o próprio Almirante Gago Coutinho, estiveram a pregar aos infiéis, sendo certo que seria sempre inúteis as suas tentativas, face à santa inquisição, digo, face à crítica exigente.

Basta pensar um pouco, fazer as contas, como sugeri, para ver que mesmo a pé, pelas praias, chegava-se ao Cabo da Boa Esperança em pouco mais que um ano, e sem grandes pressas...

Quais grandes cabos, difíceis e mostrengos?
Os cabos foram cabos dos trabalhos, para conseguir as permissões de exploração, mas quanto à via de facto, citamos de novo Fra Mauro: "encontrando por toda a parte boas praias, com pouco fundo e navegação bastante boa, sempre sem tormenta". Basta pensar que os cabos complicados, deixaram de o ser assim que foram domesticados... ou seja, "passados".

Finalmente, apenas para esclarecer que 2000 mil léguas portuguesas eram mais de 12 000 Km, o que corresponde bem com a distância à Cidade do Cabo que serão 11 mil Km.
Além disso, passar o meridiano de Tunis, significava ter chegado às ilhas de S. Tomé e Príncipe, mas estar perto do meridiano de Alexandria significava ter passado o Cabo da Boa Esperança e ter-se ficado pelo Rio do Infante... curiosamente foi o que fez depois a viagem de "Bartolomeu Dias".

Os meridianos de Tunis e de Alexandria, mencionados por Fra Mauro.

Portanto, e citando Pedro Nunes em 1537... dizia ele:
E fizeram o mar tão chão que não há hoje quem ouse dizer que achasse novamente alguma pequena ilha, alguns baixos, ou se quer algum penedo, que por nossas navegações não seja já descoberto.
Ora manifesto é que estes descobrimentos de coisas, não se fizeram indo acertar, mas partiam os nossos mareantes muito ensinados e providos de instrumentos e regras de astrologia e geometria, que são coisas que os cosmógrafos hão-de andar apercebidos, segundo diz Ptolomeu no primeiro livro da sua Geografia. Levavam cartas mui particularmente rumadas e não já as que os antigos usavam, que não tinham mais figurados que doze ventos e navegam sem agulha.
Mas, enfim, Pedro Nunes, Jaime Cortesão, Armando Cortesão, Gago Coutinho, serão figuras "pouco credíveis", quando confrontados com os membros dos partidos, dos sindicatos, da maçonaria, os donos das editoras, os intelectuais de pacotilha, os anónimos burocratas, etc, enfim, todos esses grandes vultos da mediocridade outorgada, que decidem a "verdade chancelada" pelo politicamente correcto... ou como Mao Tsé Tung lhe chamou - Revolução cultural.

Em suma, não devo escrever estas coisas sem tomar antes um calmante...

quinta-feira, 9 de julho de 2020

A massa da maça que amassa e maça (2)


1. O último dilúvio
A data registada para o fim da Idade do Gelo, início do degelo, com a subida do mar em pelo menos 200 metros de altura, é suposto ter ocorrido há 12 mil anos.
Omite-se que se tratou de um dilúvio, mas faz-se um drama de destruição quase apocalíptica, quando o nível do mar sobe 10 cm. Omite-se, mas não se nega, o assunto é aceite. Só que não se pode falar em "dilúvio" porque isso seria dar alguma razão à Bíblia, etc, etc, vade retro Satanas.

Ao lado temos uma pequena ilustração do Dilúvio, a que voltaremos.
Para já, continuemos com o tal dilúvio ocorrido há cerca de 6 mil anos.
Mas não seriam 12 mil anos?
O detalhe é pouco relevante no que se segue, mas convém notar que uma datação para 4000 a.C. será mais concordante com as datações dos textos antigos, antes da especulação científica que se implantou no Séc. XIX.

A datação por Carbono-14 é uma hipótese de trabalho, nada tem de sagrado.
Admite que enquanto vivos, respiramos uma micro-quantidade de C14 que fica nos tecidos no momento em que morremos.
Depois o radioactivo C14 vai decaindo e vai desaparecendo...
Ao fim de ~ 5730 anos resta metade.
Ora, isto deu um processo de datação giro, já que restando um quarto, seria porque morreu há 11460 anos, etc. Basta fazer contas da escola primária.
Impecável, certo? - Sim, porque confirmou com coisas de que se sabia a data, e se não confirmou, não sendo divulgado, vai dar ao mesmo...
Vamos admitir que sim, porque praticamente não se usa outra coisa!
Confirmando até às coisas que sabíamos, havia a extrapolação para o que não sabíamos.

Toda a arqueologia ficou à solta, e começou a datar tudo o que podia.
Só que há um pequenito detalhe... muito pequeno, o que acontece se houvesse mais C14 na atmosfera numas épocas do que noutras (ou mais nuns sítios que noutros)?
A resposta basicamente é - não nos estraguem a brincadeira, que isto está a correr bem!
Haverá meia-dúzia de investigadores que se preocupam com isso, mas raramente apoquentam.
Depois, há outros processos de datação análogos que só são aceites se derem o mesmo...

A questão é que se tiver ocorrido um drástico fenómeno, há 6 mil anos, que aumentou a actual percentagem de carbono-14 para o dobro, as coisas que ocorreram antes passam a ser datadas como tendo 12 mil anos. Entre há 12 mil anos e há 6 mil anos, encontrar-se-iam poucos registos, resultantes de naturais anomalias de medições. Ora, é um pouco isso que se passa!
Foram escassas as coisas, que se conheciam antes, datadas entre 10 mil a.C. e 4 mil a.C.

Há diversas razões que podem explicar esse aumento de C14 radioactivo, uma das quais será actividade nuclear, e aqui não falo de actividade humana, mas sim do centro da Terra. Por exemplo, após os testes nucleares no Pacífico, o C14 aumentou para o dobro nas medições australianas. Para futuros monos, quem nasceu antes de 1950 terá mais 6000 anos que os nascidos em 1970.
Outra razão é um aumento das emissões radioactivas vindas do Sol, etc.
Em qualquer caso, conjuga bem com uma mudança climática, aumento de temperatura, que levou ao tal dilúvio.

A partir daqui vou entrar na simples especulação...

Quando o dilúvio ocorreu, existia uma civilização avançada, e disso já especulei num texto anterior Mito Atlante - de Minos ao Minus. Perante a invasão do território pelas águas, nessa altura devido à real "mudança climática", a ordem mundial "atlante", que estava estabelecida, colapsou.

Grande parte da elite procurou refúgio nos pontos mais altos e amenos, que eram as Montanhas do Taurus, da Turquia até ao Cáucaso, onde se inclui o Monte Ararat, enquanto a restante da parte, o grosso contingente da populaça que sobreviveu ao caos seguinte, teve que reaprender a reorganizar-se sozinha.

O caos de que falo inclui a subida da água além do Estreito de Gibraltar.
O Mediterrâneo que seria uma zona de grandes lagos, passou subitamente a um imenso mar, do dia para a noite.
Uma inundação desse género terá tido efeitos inimagináveis, especialmente psicológicos, na população. Isto não é especulação, no sentido em que há mesmo cavernas pré-históricas que hoje estão bem debaixo de água, como é o caso da Gruta Cosquer, cuja entrada está 36 metros abaixo do nível do mar. Como não tem outro acesso, e a menos que os homens pré-históricos nadassem como peixes, debaixo de água, só conseguiriam ter lá feito gravuras rupestres se o mar estivesse pelo menos uns 35 metros abaixo do nível actual.

Ou seja, este dilúvio existiu mesmo há poucos milhares de anos, e teve consequências devastadoras.
Todas as zonas costeiras de grandes falésias são produção recente do mar... porque se tivessem milhões de anos, junto à costa já estariam em praia ou tão planas quanto possível.
Representação da possível linha de costa, antes do dilúvio ocorrido em 10 mil a.C.
A linha a branco representa a possível localização dos gelos quase-permanentes.

2. Babel
Poderia dizer-se que a elite teria levado consigo a tecnologia, etc, mas convém aqui notar que no meio de caos e conturbação social, sem se restaurar a anterior competência, poucas coisas iriam funcionar... e além disso uma tecnologia antiga dificilmente seria superior à existente no Séc. XIX, na melhor das hipóteses.

Momentos fulcrais do dilúvio terão sido o afundamento de grandes ilhas em frente à costa portuguesa/galaica, e depois o coup de grace - o estrondo das águas atlânticas a varrerem tudo à sua frente no Mediterrâneo.

Só muitos anos depois, quando houve alguma certeza de que as águas não continuariam a subir, é que essa suposta elite refugiada nas paragens do Ararat, começou a ganhar confiança para retomar o seu modus operandi...
Em Portugal, é possível que as águas tenham subido até à zona das Beiras. Só desceram muito depois, quando o nome da Estremadura espanhola, passou para a Estremadura portuguesa.

Bom, agora vem o relato mítico, grego, bíblico ou sumério, pouco importa. Interessa notar que esses relatos eram patrocinados pelos bons da fita, ou seja o lado da elite reinante, e da reinação, que passou a funcionar como "deuses", enquanto do outro lado, no lado mau, estariam os que desafiaram essa ordem.

Aquilo que me parece natural acontecer numa situação destas é que mais facilmente a sociedade se organizou do lado popular sobrevivente, do que a elite dominante recuperou o seu anterior poder. Simplesmente porque uns nada tinham a perder, e os outros nada queriam perder...

Provavelmente do lado popular, organizaram-se as primeiras repúblicas, e uma vez estabilizada a situação, sem necessidade de grandes conflitos, procurou-se mais a reconstrução do que a constituição de grandes exércitos, ou dispositivos de guerra...
Ideia oposta teria a elite, entretanto resguardada a Oriente, mas pronta a retomar o seu efectivo poder.
Enquanto a Ocidente, a língua anterior era preservada, a Oriente usava-se a estratégia habitual de camuflagem dos "deuses", e confusão de todos, com diversas línguas, ao estilo Babel. Essa elite favoreceu assim o aparecimento de reinos fortemente hierarquizados, com grandes exércitos obedientes.
A população mais civilizada teria ficado a Ocidente, próximo da antiga costa Atlântida, agora completamente submersa, e os restantes sobreviventes, mais a Oriente, seriam montanheses distantes dessa civilização atlante, agora desaparecida.


Em paralelo com Babel surge a Torre, suposta construção humana de Nimrod, para desafiar os desígnios de Deus. Parece-me credível que o trauma diluviano levasse a que a primeira civilização reerguida do Caos (que tinha língua única, a atlante latina), viesse a desenvolver estruturas suficientemente altas para assegurar que poderia estar a salvo de novo dilúvio, e é esse o nexo da história bíblica.

Só que não seria nenhuma ameaça a nenhum Deus, mas seria visto como um progresso tecnológico que ameaçaria os "deuses", ou seja uma elite residente refugiada em paragens turco-caucasianas.
Segue assim como natural que os supostos deuses procurassem a mezinha adequada para tratar o problema... Ou seja, desenvolver rapidamente civilizações que se equiparassem em poder guerreiro, e fossem controláveis por deuses inacessíveis. Isso teria levado a erguer a Suméria e o Egipto, próximas do seu raio de acção, mas mantendo-se disfarçados e ocultos, enquanto entidades divinas.
No caso da Mesopotâmia passaram por Anedotos (hoje chamados Annunaki).

3. Hércules
É mais ou menos neste ponto que entra a figura da Hércules. Para os portugueses, na Crónica de 1344, ou depois com Bernardo de Brito, na Monarquia Lusitana, é um rei do Egipto que vai fazer mossa com a maça, por todo lado onde passa...

Representa a fúria dos "deuses" que manda abaixo as construções reerguidas pela populaça, claramente contra o desígnio dos "deuses". Mandar abaixo não será bem o termo, poderá ter sido mais apropriar-se do existente, fazendo-o passar por seu.
Gerião (ou Gedião) terá primeiro feito frente a Jupiter/Zeus/Osiris, e o filho Hércules/Herácles/Hórus terá liquidado os seus filhos, os 3 Lomínios, e daí a representação de Gerião com 3 cabeças.

Seguindo a sugestão de GMR, em comentário anterior, coloco aqui a imagem do prólogo do livro da genealogia do infante D. Fernando, filho de D. Manuel.


Nele se figuram não um mas dois possíveis Hércules, ambos com maça, mas só um deles com pele de leão, tendo o outro uma pele de leopardo. É muito provável que do lado esquerdo esteja Hércules e do lado direito o seu pai. Isto pode ainda corroborar a existência de dois faraós com maças recuperadas, conforme fizemos referência no texto anterior.
É neste Prólogo que está também a imagem do dilúvio que colocámos no início do texto.

Será interessante reparar na figuração "peluda", e nos escudos com dragão, em campos de prata e vermelho, que ambos ostentam.
O dragão tem uma possível representação de um grande perigo criado na mente da população, que as imobiliza e desorienta. Há duas inscrições "Salus Vite" e "Sal Vite" que, não sendo perito, posso entender como "vida salutar" e "sal da vida".

Interessa que, no final da excursão de Hércules, o lado ocidental teria ficado pacificado e obediente,  celebrando o grande guerreiro invasor. Talvez nem todo o lado ocidental, porque a menção "Non plus ultra", de proibição de navegação além do Estreito de Gibraltar, remeteria a população obediente ao lado oriental do estreito. Tudo o resto seria "mar proibido"...

segunda-feira, 6 de julho de 2020

dos Comentários (67) as pontes da Abissínia

As pontes portuguesas que ainda existem na Etiópia são mais um dos múltiplos exemplos de desconhecimento do nosso passado.
Ponte portuguesa sobre o Nilo Azul, em Tis Issat (Etiópia).
Ver mais pontes portuguesas na Etiópia nesta Lista da Wikipedia.

Não sabia que existiam, e tropecei no assunto, devido a uma troca de comentários sobre pontes, com Valdemar Silva, onde se falou de viadutos que uniriam a colinas alfacinhas (ou túneis para a união dos vales).

Projecto para a construção de um viaduto entre S. Pedro de Alcântara e o Campo Mártires da Pátria e daí até à Graça - ver artigo de Ana Barata, "Das colinas de Lisboa: as avenidas aéreas nunca construídas", Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser.2 no.9 Lisboa jun. 2018

... e ainda do projecto de Miguel Pais em 1879, de uma ponte entre o Grilo (Lisboa) e o Montijo:

 
Projecto de ponte sobre o Tejo do Eng. Miguel Pais em 1879 (ver rtp.pt)

Bom, e quando se vai ao "sótão", acaba-se sempre por tropeçar noutra coisa qualquer, e neste caso, ao ver a revista Guia de Portugal Artístico, coordenada por Robélia Ramalho, no volume XI (1944), pág. 9, encontra-se a seguinte fotografia (da mesma ponte em cima) com legenda:


A primeira observação (positiva) é que a ponte foi entretanto restaurada. 
A segunda menção é a legenda, segundo a qual D. Sebastião teria como plano uma grande Angola, que chegasse até à Abissínia, ou seja, até à Etiópia, e imagino que partisse da África do Sul.
Portanto, se assim foi, e não me surpreende, D. Sebastião tinha verdadeiramente planos a uma escala imperial. Que os cónegos gostassem, não me admiraria, por razão missionária, especialmente jesuíta, do espalhamento da fé... que os nobres achassem muito piada, já me parece mais difícil, porque era melhor estar no solar a picar toiros, brincando à valentia, antes de ir jantar. 

Esta ponte está perto da grande catarata que o Nilo Azul faz em Tis Issat, que tem 37 a 45 metros de altura. A página da wikipedia sobre as cataratas diz sobre a primeira ponte de pedra construída na Etiópia, o seguinte:
A short distance downstream from the falls sits the first stone bridge constructed in Ethiopia, built at the command of Emperor Susenyos in 1626. According to Manuel de Almeida, stone for making lime had been found nearby along the tributary Alata, and a craftsman who had come from India with Afonso Mendes, the Orthodox Patriarch of Ethiopia, supervised the construction.

Já se sabe que os portugueses começaram cedo a tentar uma aliança com a Terra do Prestes João, a Etiópia ou Abissínia, iniciada com a viagem de Pêro da Covilhã e Afonso Paiva em 1487. Pêro da Covilhã acabou por daí nunca sair, já que não permitiam a saída de estrangeiros. Foi feito nobre e deixou descendência na Etiópia, onde foi encontrado quando os portugueses ali voltaram já em 1520.

O reino da Etiópia era uma ilusão, enquanto poderoso aliado, mas isso despertou a atenção dos Otomanos que se preparavam para invadir o território, quando Cristovão da Gama, filho mais novo de Vasco da Gama, foi enviado e conseguiu derrotar os invasores com um pequeno exército e o apoio dos etíopes, em 1541-43. No entanto, quando perseguia os invasores foi capturado e decapitado. Os portugueses pediram vingança ao Prestes, rei etíope, e venceram definitivamente os invasores.
Este episódio foi decisivo para que a Etiópia se mantivesse cristã.

Na tradução inglesa dos relatos de Miguel Castanhoso e de João Bermudes (que foi Patriarca da Etiópia), é possível ler o seguinte por Bermudes:


Os tradutores do Séc. XIX indicam nesta nota de rodapé que não existiam pontes na Abissínia, excepto duas ou três que os portugueses teriam construído, "alguns anos depois daquela data"... o que não parece ser em 1626, já que 85 anos dificilmente são "alguns anos depois de 1543". No entanto um relato contemporâneo do Padre Jerónimo de Lobo, parece confirmar que uma ponte foi mesmo feita por ordem do imperador, com construtores vindos de Goa.

Uma e outra ponte podem ser confundidas, já que existe uma segunda ponte portuguesa no Nilo azul, esta já bem mais afastada da área do Lago Tana, e das cataratas.

Curiosamente, e porque os espanhóis são assim, depois de toda esta aventura, em que todo um exército português, anda pela Etiópia e onde o filho de Vasco da Gama perde a vida, consideram que quase passados 100 anos, houve um jesuíta espanhol (em 1618) que foi o primeiro europeu a avistar a nascente do Nilo Azul. Claro está Pêro da Covilhã andava entretido a constituir a sua prole, e mal tinha tempo para sair de casa...
Está em toda a wikipedia (inclusive portuguesa), citando livros, dizendo que Pedro Paez foi o primeiro europeu a relatar e a ver o tal Lago Tana. Por sinal há quem diga que João Bermudes, que até era galego, descrevia o Lago Tana... mas depois não havia certeza que lá tivesse ido.

Bom, fui ver o que dizia Miguel Castanhoso em 1564, e dificilmente poderia ser mais explícito, não apenas acerca da nascente do Nilo no lago, como também da sua presença (e dos hipopótamos). Assinalo duas frases a amarelo, que são suficientes:

Ou seja, diz que é do tal lago (Lago Tana) que sai o Nilo (neste caso, é ignorado o Nilo Branco, que vai até ao Lago Vitória), diz que o lago tem ilhas com mosteiros (o que se confirma), e que há umas criaturas grandes (os maiores hipopótamos conhecidos). Por causa das coisas, diz ainda que estiveram com o Preste, com o rei, na borda do lago... ou seja, não apenas Miguel Castanhoso, mas toda a comitiva portuguesa, em 1543.

Provavelmente isto não é prova suficiente... deve faltar o impresso WTF da burocracia histórica!
O impresso que está impresso é só mais uma prova da incompetência e pouca vergonha reinante, nacional e estrangeira.

No entanto, os portugueses, para além de deixarem pontes, palácios e castelos, deixaram também uma vasta prole... pelo menos é este o enredo de um filme lançado em 2018,


Birkutan eram laranjas (as mais doces que os etíopes tinham conhecido), e era também a designação dos portugas, conforme é escrito:
The word Portugal is also the root for the word orange in Persian پرتقال (porteghal), the Bulgarian портокал  (portokal),  the Albanian portokall, and  the Greek πορτοκάλι (portokali).   As it is in the Turkish portakal and the  Romanian portocală. The Georgian ფორთოხალი (pʰortʰoxali) and the Arabic البرتقال (bourtouqal)…
... e contam 16 mil laranjinhas no Facebook
In today’s Ethiopia  there are ruined castles, palaces as well as bridges spanning the Blue Nile — but there also lingers on the memory of the community of Ethiopian-Portuguese born from the marriage of Portuguese soldiers and Ethiopian women —  the Birkutan.
Portanto, quando os nosso primos passarem por maus bocados, não esquecer de fazer outra ponte... porque a expansão portuguesa não foi o que querem pintar com ela.