terça-feira, 30 de junho de 2020

A massa da maça que amassa e maça (1)

"Crónica de 1344" seria um título mais curto que "a massa da maça que amassa e maça", porque ainda não tínhamos aqui referido a crónica de Pedro Afonso, Conde de Barcelos.
Porém, essa é uma massa substancial que sustenta o homem da maça, Hércules, enquanto figura proto-histórica ibérica, para maçada de quem não se quer maçar.

Em jeito de aperitivo, convém não esquecer a massa romana no forte de Massada que, maçada de um longo cerco, levou ao suicídio em massa de judeus, rebeldes sicários, que armaram resistência, aquando da destruição do Templo (de Herodes) em 70 d.C.

O texto é sobre o messias, algo napoleónico, que abalou a Antiguidade, cerca de um milénio antes de Roma e Cartago serem fundadas, e séculos antes da Guerra de Tróia.
Hércules existiu?
Se um historiador colocar a questão, estará sujeito ao escárnio e maldizer dos colegas, por isso terá que rodear-se de propósitos mais "dignos"... por exemplo, e nos tempos que correm, pode fazer um ensaio sobre as razões ou implicações socio-políticas do mito... ou alguma mistela semelhante.

Impassível a isso, Hércules foi celebrado a nível quase mundial, tendo até estátuas no Irão:

Estátua de Hércules em Behistun (Bisotun) - Kermanshah (Irão)

Tal como no caso do Colosso de Pedralva, a estátua teria um falo, que a Revolução dos Aiatolas levou à castração. Além disso, sofreu de decapitação duas vezes, estando na imagem uma réplica substituta da cabeça, enquanto a original aguarda um museu.
A cópia é bastante deficiente... e o problema, além disso, é que a estátua no conjunto tem poucas parecenças na qualidade com outras estátuas gregas da época. Mas há uma placa escrita em grego, do tempo do império Seleucida, remetendo a autoria para ~ 153 a.C.
É sempre bom lembrar aos "artistas" que mudar placas é coisa fácil de fazer, e são muitos os casos, (como uma certa ponte emblemática de Lisboa que começou com um nome e acabou com outro, coisa própria de um regime dedicado ao gamanço descarado).
A estátua é "pequena", não passando de 2 metros, e esteve oculta até 1958, e por isso se conservou razoavelmente. Além disso está numa escarpa razoavelmente inacessível, num cenário onde se encontram outras inscrições cuneiformes e relevos do tempo do rei persa Dario.

Hércules será atributo relacionado com Hera,  já que o seu nome (segundo os gregos) seria Alkaios ou Alkeides de onde saiu o nosso "Alcides". Não será de excluir que pudesse ainda sair Alcaides... ou seja, que fosse um atributo de líder, depois usado nas vilas, enquanto alcaide... fosse ou não por influência berbere, já que as colunas de Hércules tinham dois lados!

A influência no mundo antigo, através das Colunas que tiveram o seu nome, ou pela presença do seu maior templo em Cadiz (Bernardo Brito pretendia ser no Cabo de S. Vicente), é incontornável na península ibérica, seja ou não enquanto mito, pois influenciou os milénios seguintes.

É também nesse contexto que convém mandar para as urtigas a ideia de que se trata de mitologia exclusivamente grega. Foi Herácles entre os gregos, Ercles entre os Etruscos, Hercules para os romanos, Melqart para os cartagineses, etc...
Os autores antigos dizem que houve mais do que um, e daí as confusões... mas neste caso estou interessado especialmente naquele que se impôs na península ibérica, pois ao que consta foi desse que surgiu o mito.

Segundo a história ou mitologia ibérica, este Hércules saiu do Egipto, andando à pancada por todo o lado, com o nobre intuito de impor uma lei mais justa ao povo... e daí a comparação com Napoleão, que arrasava tudo com o mesmo pretexto.

Egipto... quem?
Primeiro não pensei no Egipto, porque um candidato natural para ser um Hércules, seria o sumério (ou acádio) Sargão, que também é suposto ter andado por paragens afastadas da Mesopotâmia, e numa estela fragmentada poderá estar a dar com uma maça na cabeça de um prisioneiro.
No entanto, não havia nada de significativo que pudesse relacionar um com outro.

A situação é bastante diferente se passarmos para o Egipto, e o suposto primeiro faraó, cujo nome interpretado hoje em dia é Narmer ou Menes, e que foi sucessor do mítico Rei Escorpião.

Quer o rei Escorpião, quer Narmer, têm expostas enormes maças (ver Scorpion Macehead e em especial Narmer Macehead), ou melhor, a cabeça da maça:
Esta cabeça de maça de Narmer estaria depois presa a um cabo que se segurava, dando um balanço enorme, e uma temível pancada. Por outro lado, Narmer está associado a Hórus, e esse é também o nome que segundo Bernardo de Brito, e restantes cronistas da Monarquia Lusitana, estava associado a Hércules. Finalmente, em uma das estelas mais evocativas do período de Narmer, vê-se o faraó brandindo uma maça, ao mesmo tempo que segura um inimigo pelo cabelo.


(imagem retirada daqui)

Este tipo de pose é vista na estátua de Hércules com Caco (Séc. XVI) ou numa estátua romana de Hércules dominando Gerião (que curiosamente aparece com uma armadura romana):

Portanto, parece-nos que há pelo menos 3 pontos que favorecem uma hipótese deste Narmar se identificar a Hércules.
Quanto ao nome, não há aí qualquer semelhança... mas convém ter em atenção que este nome Narmar ou Menes (outra forma), são interpretações dos hieróglifos... e sobre a credibilidade da tradução feita por Champollion e seguintes, remeto para um texto anterior.

Este é apenas o primeiro texto de uma pequena série, que, conforme já dissemos irá englobar a Crónica de 1344 e parte da Monarquia Lusitana de Bernardo de Brito, dedicada a Hércules.


16 comentários:

  1. A ponte de Lisboa que mudou de nome seria a de Alcântara, quando do cerco pelos espanhóis ao tempo de D. António Prior do Crato?

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    1. Eh, eh, eh!
      Bom, não será longe, e também não é a de Sacavém.

      Essa ponte de Alcântara, de triste memória, já não existe, e está aqui um bom apontamento:

      https://historiaschistoria.blogspot.com/2016/08/a-ponte-de-alcantara.html

      Também já falei aqui dela:
      https://alvor-silves.blogspot.com/2011/04/vista-de-alcantara.html

      Cumprimentos.

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    2. Não sabia que tinha existido tal ponte.
      Obrigado a ambos,

      Cumprimentos
      IRF

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  2. Pois, também não seria a ponte romana (desenhada por Francisco d'Holanda) em Sacavém.
    Entendamos, então, que a mudança de regime pode mudar o nome de pontes, sem que seja um gamanço descarado.
    Cumprimentos

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    1. Creio que seria admissível que o regime 74-76 até poderia considerar a mudança do nome de tudo, e até o nome das pessoas, se assim o entendessem. Poderia o pessoal tratar-se apenas pelo primeiro nome... mas nem todos tinham nomes menos comuns, como Otelo, e assim seria uma confusão.
      Agora, depois de uma certa "estabilização revolucionária", especialmente quando inauguraram a Vasco da Gama, poderiam ter reposto alguma consistência histórica, e chamar à outra Infante D. Henrique, ou repor Salazar se tivessem coragem.

      Na minha opinião, remeter o nome de Salazar para uma "memória danada", não traz benefício, porque o gamanço da memória pode resultar a curto prazo, mas costuma trazer maiores problemas depois.
      Dificilmente me verá a defender algo que não seja para repor a verdade histórica, tanto quanto nos é possível conhecer.
      Também se poderá dizer que não foi Salazar que fez a ponte, foram os trabalhadores, etc... o problema é que sem Salazar aquela ponte não teria sido feita, e o mesmo não se poderá dizer dos restantes.

      Cumprimentos

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  3. "ou repor Salazar se tivessem coragem".

    Essa é a nossa obrigação.
    Há gerações que destróem, há gerações que constróem.
    Foi sempre assim e sempre há de ser...

    E quero ver onde vai chegar com esta coisa do Hércules Ibérico...

    Cumprimentos,
    IRF

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    1. Mantendo o contexto... repor Salazar no nome da ponte!
      Agora seria apenas uma obra de cosmética, que até vai na onda... mas geraria outras ondas.
      Na altura, é que seria coisa de homenzinhos.
      E foi um exemplo que caiu mal, no "sector moderado", e mostrou que não se vinha para fazer certo, vinha-se para fazer o costume.

      O Hércules Ibérico só foi ibérico porque entrou pela península ibérica, com o pretexto de fazer melhor, e deve ter feito o costume...

      Cumprimentos

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    2. Sim, sim...

      Mais mas que manter o nome da ponte importa restaurar a Verdade Histórica ao invés de lendas do papão que legitimam ladrões.
      Não acredito numa volta de um qualquer Salazar simplesmente porque os tempos são diferentes. Os Homens e as modas passam. Os Valores não.

      Importa restaurar a Verdade.

      Continuo curioso para ver onde vai dar esta história do Hércules Egípcio... que esteve por toda a parte...

      Cumprimentos,
      IRF

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  4. Tal como aconteceu no tempo do António Augusto Aguiar, na construção dos caminhos de ferro e telégrafos foi gasto dinheiro do empréstimo dos ingleses, ou seja empréstimo sim mas parte gasto nas empreitadas inglesas.
    No acordo sobre a utilização da base das Lages, nos Açores, embora com muita resistência ('não precisamos de nenhuma ponte'), os americanos incluíram a construção da ponte com uma empreitada de empresas dos próprios americanos, com excepções da nossa mão-de-obra barata e o cimento, ou seja sem as Lages não haveria ponte nenhuma.

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    1. Quanto a esses negócios de bancarrota ocorridos no final da monarquia, e que tivemos que ir pagando durante o Séc. XX, sim, é o que consta, e daí parte da sátira violenta que fez ao fontismo. Creio que se queria referir a Fontes Pereira de Melo, naturalmente com o apoio da maçonaria, que teve António Augusto Aguiar como grão-mestre, e como ministro das obras públicas de um governo de Fontes, mas apenas durante 2 anos. Claro que isso deu a um e a outro o palco para duas importantes avenidas de Lisboa. Se tivéssemos que mudar nomes...

      A interjeição "não precisamos de nenhuma ponte" talvez tenha ocorrido, como também se diz que Salazar não queria o nome dele na ponte. Esta última está aqui:

      https://observador.pt/2016/08/02/salazar-deu-nome-a-ponte-sobre-o-tejo-mas-nao-interferiu-na-construcao/

      Não me surpreende que Salazar gostasse de exibir a contenção nos gastos, e quisesse salientar que a maior parte do custo ia ser pago pelos americanos (na Vasco da Gama, não foi pela CEE?).

      Porém, convém não esquecer que em 1963 inaugurava-se a 3ª ponte no Porto, a da Arrábida, que foi um recorde de construção do arco em betão...
      Então, Lisboa não precisava de nenhuma e no Porto precisavam de 3 pontes?

      Bom, pelo menos nessa, ninguém teve a ideia de transformá-la em Ponte 1º de Maio.

      Cumprimentos.

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    2. Pois, por a zona da Arrábida ficar no Porto, os habitantes de Gaia bem se podiam ter lembrado disso, como que a dar elogios às gentes de trabalho, ou '31 de Janeiro' para agradar às duas margens.
      Por Lisboa, bem podia ter sido de São Pedro de Alcântara, mas ficava Ponte de São Pedro da 'Ponte' e só de Alcântara podia ser confundida com a em Espanha. A construção duma ponte naquele local é antiga, há interessantes imagens do século XIX duma ponte com vários pilares.
      A 'Vasco da Gama', em memória das comemorações dos Descobrimentos Portugueses, foi costeada pelo Fundo de Coesão da UE e com empréstimo do Banco Europeu de Investimento, e nunca teve a hipótese de se 'chamar' António Guterres.
      Cumprimentos

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    3. "A construção duma ponte naquele local é antiga, há interessantes imagens do século XIX duma ponte com vários pilares."

      Em Alcântara a única ponte de que vi sinais foi a que atravessava a Ribeira de Alcântara.
      Está a referir-se a imagens de uma ponte com vários pilares para o Tejo?

      É que dessa eventual ponte ouvi falar, ver p.ex. aqui:

      https://alvor-silves.blogspot.com/2010/12/batalha-do-tres-reis.html

      mas dela não tenho nada de concreto.

      Se puder indicar o link para essas fotos ou imagens do Séc. XIX da ponte (sobre o Tejo) com vários pilares, agradeço.

      Obrigado.

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    4. Não sei dizer concretamente em qual 'Illustração Portugueza' aparece a imagem/desenho 'Ponte entre as duas Lisboas- projecto', em que também aparece a imagem/desenho do 'Viaducto São Pedro d'Alcântara-Campo de Sant'Ana' sobre a Avenida da Liberdade.
      Na imagem/desenho, a ponte tem cinco pilares em pedra com dois tabuleiros metálicos, passando no superior um comboio e no inferior peões e carruagens de cavalos.
      Julgo ser a 'Illustração' de 1904.

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    5. Caro Valdemar, obrigado.
      Não excluo procurar nas 55 edições de 1904.
      No entanto, creio que se poderá referir às vias aéreas projectadas e nunca construídas.

      Neste artigo "Das colinas de Lisboa: as “avenidas aéreas” nunca construídas", de Ana Barata (2018), há um esboço de um duplo viaduto:

      http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?pid=S2183-31762018000100008&script=sci_arttext&tlng=en

      Aí tem um esboço:
      Ante-projecto da ponte metallica entre S. Pedro d'Alcantara e o Campo dos Martyres da Patria e d'este ponte á Graça

      que poderá corresponder ao que está a descrever.

      De facto, houve diversos projectos e propostas para Lisboa, a maioria das quais não passou do papel. É dito que o Eng. Miguel Pais em 1876 apresentou o primeiro projecto para uma ponte sobre o Tejo. Aliás a RTP tem um resumo interessante aqui:

      https://www.rtp.pt/noticias/pais/historia-da-ponte-25-de-abril_es937036

      onde se vê o projecto de Miguel Pais e outros que se seguiram.
      Curiosamente, n'o Diabo (2016) dizia-se que Miguel Pais deveria ter sido o nome da ponte:

      https://jornaldiabo.com/sociedade/devia-ter-se-chamado-ponte-miguel-pais/

      Obrigado e cumprimentos.

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  5. Sim, expliquei-me mal.
    Tratavam-se de desenhos/projectos publicados na 'Illustração Portugueza'.
    O do viaduto sobre a Avenida da Liberdade é de 1906 e outro da ponte Lisboa-Almada julgo ser de 1904, mas não sei os meses e ambos têm o traço do mesmo 'desenhador'.
    Cumprimentos

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    1. Caro Valdemar, obrigado na mesma.
      Aproveitarei a ocasião para falar nas pontes da Abissínia.
      Cumprimentos.

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