sábado, 17 de março de 2018

Teatro dos Descobrimentos (2)

Recupero o assunto do mapa do Museu da Marinha.
Como escrevi há pouco tempo, comprei uma cópia do mapa há uns anos, e não ligando mais ao assunto, deixei-o enrolado conforme o comprei... mas tendo voltado a falar nisto, desenrolei-o.

Sem querer falar de novo sobre a origem do mapa, há outros aspectos que merecem notas detalhadas.

1. Origem do mapa
Como o próprio mapa indica (embora não se veja isto nas reproduções "vintage"), foi:

"Executado pelo pessoal técnico do Museu de Marinha - Maio de 1970"


... e é justamente nesse aspecto "técnico" actual que se colocam também algumas questões.

1. América do Norte
- Primeiro, aparece uma cidade perdida no meio do Canadá, justamente com o nome Canadá!
Não há nenhuma cidade aí... os cinco grandes lagos apontados no Canadá serão (de cima para baixo):
- Great Bear Lake, Great Slave Lake, Lake Athabasca, Reindeer Lake, Lake Winnipeg.

Trata-se de uma das zonas mais desabitadas do mundo, um frio labirinto de montes e pequenos lagos, no estado canadiano de Sasktchewan, onde aparecem os Lagos Atabasca e Reindeer, que limitam a referência à tal "cidade Canadá". 


- Segundo, aparece uma viagem de Gaspar Corte Real (1500-01) que, partindo dos Açores, terá rodeado toda a península da Florida, basicamente até ao Mississipi (~Nova Orleães), para depois seguir sempre junto à costa da América do Norte até Cape Breton, onde aparece uma bandeira nacional. Nada disto foi alguma vez reportado... que eu saiba!
- Terceiro, fica definido todo um território que engloba as províncias do Quebéc e Labrador, Terra Nova, sob uma grande coroa nacional.
- Quarto, aparecem pequenos montes em forma de pirâmide... um dos quais na zona onde se poderá localizar Monks Mound, um monte que é a maior pirâmide artificial da América. O outro(s) seria no Canadá, junto à Baía de Hudson, mas nada se conhece aí (pelo menos por enquanto).
- Quinto, a viagem de João Rodrigues Cabrilho em 1542 tem a seta conforme partisse bem acima de S. Francisco na Califórnia em direcção ao México... e não no sentido oposto, conforme é suposto. 

2. América do Sul
- O problema na América do Sul começam por ser todas as bandeiras portuguesas no lado oriental da costa, ao longo de toda a Argentina (escrita "Terra de Gigantes"). Como as bandeiras coincidem com o percurso da viagem de Fernão de Magalhães, poderá pensar-se numa atribuição nacional por via da nacionalidade do explorador, mas isso não aconteceu com Cabrilho, onde não são assinaladas bandeiras.

- Além disso junto à cidade do Lima, escrita "Cidade dos Reis", aparecem duas bandeiras, uma castelhana, mas a outra portuguesa, ao tempo da "união ibérica". Isso deve referir claramente a origem do piloto nacional, tanto que depois são colocadas as quinas nas Novas Hébridas (agora Vanuatu), como ponto de chegada da sua viagem.
- Vemos ainda as diversas ilhas atlânticas descobertas pelos portugueses. 

3. Gronelândia
O único problema da Gronelândia é a marcação da viagem de "João Fernandes Labrador - 1495", partindo dos Açores e assim mostrando a perfeição do contorno que encontrámos, desde o início, no mapa de Cantino.

4. China e Japão
Começo por notar que nada é escrito na península da Coreia, nem no Vietname (então Conchichina).

Pontos no Japão: 
- Kioto e Tokio, que têm as mesmas letras, estão colocadas em simetria.
- Não longe de Tokio está Yokohama, e mais abaixo Tana Shima, que corresponde à ilha de Tanegashima, onde foram feitas as primeiras armas de fogo pelos japoneses... após a célebre história dos portugueses naufragados (António da Mota, Francisco Zeimoto e António Peixoto). Aliás, a navegação de António da Mota (ao que consta num junco...) é assinalada a vermelho - justamente até Tana Shima, ou seja, Tanegashima.
- Duas bandeiras portuguesas - uma em Nagasaki, outra em Tanegashima. Nagasaki era o principal porto de comércio português, e a cidade esteve mesmo sob administração portuguesa de 1580 a 1586. Será de supor que o mesmo possa ter ocorrido em Tanegashima.


Pontos na China:
- Cidade de Cantão - está desenhada, tal como mais acima deve estar desenhada Pequim (mas não mencionada).
- Bandeira na Ilha Formosa, que foi descoberta por portugueses, e que depois passou a ser também espanhola, até que os holandeses conquistaram a ilha aos espanhóis em 1642.
- Passando a ilha de Ainão, surge a exploração de Jorge Álvares que chega à China em 1513.

5. Molucas
- Nas Filipinas - Cebu, vemos a cruz do local da morte de Fernão de Magalhães.
- Mais abaixo vemos as ilhas Molucas (antes, ilhas Malucas) com bandeira portuguesa, e está marcado o fim da viagem de António de Abreu, que terminou esta exploração em 1512, nas ilhas de Timor e Banda.
- Vemos depois a Austrália, sem qualquer marcação (demoraria 100 anos, depois da viagem de Abreu, até ser marcada parcialmente pelos holandeses), e os estranhos desenhos de cangurus, bem como mais a sul, os eucaliptos. Presume-se acreditar que estes bonecos tenham sido feitos em 1970 pelo pessoal técnico...

Ou seja...
Não há grandes dúvidas que a marcação da viagem de Pedro Queirós terá ocorrido depois de 1606, e por isso, essa inscrição no mapa teria que ser posterior. Acresce a menção às "Novas Hébridas", que só poderia ocorrer depois da viagem de Cook, ou seja, depois de 1760.

No entanto, não está neste mapa a viagem de David Melgueiro - pela passagem Nordeste, rota que era habitual mencionar em 1970, como uma das proezas nacionais.
Por outro lado, um dos aspectos mais estranhos, é a inclusão da viagem de Gaspar Corte Real pela costa americana desde a Florida, ao mesmo tempo que era atribuída a sua navegação à Gronelândia, antes de ter desaparecido em 1501.

Não querendo sobrecarregar o assunto com detalhes, o mapa mantém as suas incoerências, juntando inscrições e um recorte de costa próprio do Séc. XX, com uma formação estética e técnica do Séc. XVI. O mapa que aparece como "vintage" é uma variante deste que, incluindo as rotas das viagens, será posterior a 1606 e talvez anterior a 1660 (por não incluir a viagem de Melgueiro), e se também tiver a designação "Novas Hébridas" então não é um mapa antigo...

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