Recupero o assunto do mapa do Museu da Marinha.
Ou seja...
Não há grandes dúvidas que a marcação da viagem de Pedro Queirós terá ocorrido depois de 1606, e por isso, essa inscrição no mapa teria que ser posterior. Acresce a menção às "Novas Hébridas", que só poderia ocorrer depois da viagem de Cook, ou seja, depois de 1760.
Como escrevi há pouco tempo, comprei uma cópia do mapa há uns anos, e não ligando mais ao assunto, deixei-o enrolado conforme o comprei... mas tendo voltado a falar nisto, desenrolei-o.
Sem querer falar de novo sobre a origem do mapa, há outros aspectos que merecem notas detalhadas.
1. Origem do mapa
Como o próprio mapa indica (embora não se veja isto nas reproduções "vintage"), foi:
"Executado pelo pessoal técnico do Museu de Marinha - Maio de 1970"
... e é justamente nesse aspecto "técnico" actual que se colocam também algumas questões.
1. América do Norte
- Primeiro, aparece uma cidade perdida no meio do Canadá, justamente com o nome Canadá!
Não há nenhuma cidade aí... os cinco grandes lagos apontados no Canadá serão (de cima para baixo):
- Great Bear Lake, Great Slave Lake, Lake Athabasca, Reindeer Lake, Lake Winnipeg.
Trata-se de uma das zonas mais desabitadas do mundo, um frio labirinto de montes e pequenos lagos, no estado canadiano de Sasktchewan, onde aparecem os Lagos Atabasca e Reindeer, que limitam a referência à tal "cidade Canadá".
- Segundo, aparece uma viagem de Gaspar Corte Real (1500-01) que, partindo dos Açores, terá rodeado toda a península da Florida, basicamente até ao Mississipi (~Nova Orleães), para depois seguir sempre junto à costa da América do Norte até Cape Breton, onde aparece uma bandeira nacional. Nada disto foi alguma vez reportado... que eu saiba!
- Terceiro, fica definido todo um território que engloba as províncias do Quebéc e Labrador, Terra Nova, sob uma grande coroa nacional.
- Quarto, aparecem pequenos montes em forma de pirâmide... um dos quais na zona onde se poderá localizar Monks Mound, um monte que é a maior pirâmide artificial da América. O outro(s) seria no Canadá, junto à Baía de Hudson, mas nada se conhece aí (pelo menos por enquanto).
- Quinto, a viagem de João Rodrigues Cabrilho em 1542 tem a seta conforme partisse bem acima de S. Francisco na Califórnia em direcção ao México... e não no sentido oposto, conforme é suposto.
2. América do Sul
- O problema na América do Sul começam por ser todas as bandeiras portuguesas no lado oriental da costa, ao longo de toda a Argentina (escrita "Terra de Gigantes"). Como as bandeiras coincidem com o percurso da viagem de Fernão de Magalhães, poderá pensar-se numa atribuição nacional por via da nacionalidade do explorador, mas isso não aconteceu com Cabrilho, onde não são assinaladas bandeiras.
- Além disso junto à cidade do Lima, escrita "Cidade dos Reis", aparecem duas bandeiras, uma castelhana, mas a outra portuguesa, ao tempo da "união ibérica". Isso deve referir claramente a origem do piloto nacional, tanto que depois são colocadas as quinas nas Novas Hébridas (agora Vanuatu), como ponto de chegada da sua viagem.
- Vemos ainda as diversas ilhas atlânticas descobertas pelos portugueses.
3. Gronelândia
O único problema da Gronelândia é a marcação da viagem de "João Fernandes Labrador - 1495", partindo dos Açores e assim mostrando a perfeição do contorno que encontrámos, desde o início, no mapa de Cantino.
4. China e Japão
Começo por notar que nada é escrito na península da Coreia, nem no Vietname (então Conchichina).
Pontos no Japão:
- Kioto e Tokio, que têm as mesmas letras, estão colocadas em simetria.
- Não longe de Tokio está Yokohama, e mais abaixo Tana Shima, que corresponde à ilha de Tanegashima, onde foram feitas as primeiras armas de fogo pelos japoneses... após a célebre história dos portugueses naufragados (António da Mota, Francisco Zeimoto e António Peixoto). Aliás, a navegação de António da Mota (ao que consta num junco...) é assinalada a vermelho - justamente até Tana Shima, ou seja, Tanegashima.
- Duas bandeiras portuguesas - uma em Nagasaki, outra em Tanegashima. Nagasaki era o principal porto de comércio português, e a cidade esteve mesmo sob administração portuguesa de 1580 a 1586. Será de supor que o mesmo possa ter ocorrido em Tanegashima.
Pontos na China:
- Cidade de Cantão - está desenhada, tal como mais acima deve estar desenhada Pequim (mas não mencionada).
- Bandeira na Ilha Formosa, que foi descoberta por portugueses, e que depois passou a ser também espanhola, até que os holandeses conquistaram a ilha aos espanhóis em 1642.
- Passando a ilha de Ainão, surge a exploração de Jorge Álvares que chega à China em 1513.
5. Molucas
- Nas Filipinas - Cebu, vemos a cruz do local da morte de Fernão de Magalhães.
- Mais abaixo vemos as ilhas Molucas (antes, ilhas Malucas) com bandeira portuguesa, e está marcado o fim da viagem de António de Abreu, que terminou esta exploração em 1512, nas ilhas de Timor e Banda.
- Vemos depois a Austrália, sem qualquer marcação (demoraria 100 anos, depois da viagem de Abreu, até ser marcada parcialmente pelos holandeses), e os estranhos desenhos de cangurus, bem como mais a sul, os eucaliptos. Presume-se acreditar que estes bonecos tenham sido feitos em 1970 pelo pessoal técnico...
Não há grandes dúvidas que a marcação da viagem de Pedro Queirós terá ocorrido depois de 1606, e por isso, essa inscrição no mapa teria que ser posterior. Acresce a menção às "Novas Hébridas", que só poderia ocorrer depois da viagem de Cook, ou seja, depois de 1760.
No entanto, não está neste mapa a viagem de David Melgueiro - pela passagem Nordeste, rota que era habitual mencionar em 1970, como uma das proezas nacionais.
Por outro lado, um dos aspectos mais estranhos, é a inclusão da viagem de Gaspar Corte Real pela costa americana desde a Florida, ao mesmo tempo que era atribuída a sua navegação à Gronelândia, antes de ter desaparecido em 1501.
Não querendo sobrecarregar o assunto com detalhes, o mapa mantém as suas incoerências, juntando inscrições e um recorte de costa próprio do Séc. XX, com uma formação estética e técnica do Séc. XVI. O mapa que aparece como "vintage" é uma variante deste que, incluindo as rotas das viagens, será posterior a 1606 e talvez anterior a 1660 (por não incluir a viagem de Melgueiro), e se também tiver a designação "Novas Hébridas" então não é um mapa antigo...
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