Alvor-Silves

terça-feira, 30 de junho de 2020

A massa da maça que amassa e maça (1)

"Crónica de 1344" seria um título mais curto que "a massa da maça que amassa e maça", porque ainda não tínhamos aqui referido a crónica de Pedro Afonso, Conde de Barcelos.
Porém, essa é uma massa substancial que sustenta o homem da maça, Hércules, enquanto figura proto-histórica ibérica, para maçada de quem não se quer maçar.

Em jeito de aperitivo, convém não esquecer a massa romana no forte de Massada que, maçada de um longo cerco, levou ao suicídio em massa de judeus, rebeldes sicários, que armaram resistência, aquando da destruição do Templo (de Herodes) em 70 d.C.

O texto é sobre o messias, algo napoleónico, que abalou a Antiguidade, cerca de um milénio antes de Roma e Cartago serem fundadas, e séculos antes da Guerra de Tróia.
Hércules existiu?
Se um historiador colocar a questão, estará sujeito ao escárnio e maldizer dos colegas, por isso terá que rodear-se de propósitos mais "dignos"... por exemplo, e nos tempos que correm, pode fazer um ensaio sobre as razões ou implicações socio-políticas do mito... ou alguma mistela semelhante.

Impassível a isso, Hércules foi celebrado a nível quase mundial, tendo até estátuas no Irão:

Estátua de Hércules em Behistun (Bisotun) - Kermanshah (Irão)

Tal como no caso do Colosso de Pedralva, a estátua teria um falo, que a Revolução dos Aiatolas levou à castração. Além disso, sofreu de decapitação duas vezes, estando na imagem uma réplica substituta da cabeça, enquanto a original aguarda um museu.
A cópia é bastante deficiente... e o problema, além disso, é que a estátua no conjunto tem poucas parecenças na qualidade com outras estátuas gregas da época. Mas há uma placa escrita em grego, do tempo do império Seleucida, remetendo a autoria para ~ 153 a.C.
É sempre bom lembrar aos "artistas" que mudar placas é coisa fácil de fazer, e são muitos os casos, (como uma certa ponte emblemática de Lisboa que começou com um nome e acabou com outro, coisa própria de um regime dedicado ao gamanço descarado).
A estátua é "pequena", não passando de 2 metros, e esteve oculta até 1958, e por isso se conservou razoavelmente. Além disso está numa escarpa razoavelmente inacessível, num cenário onde se encontram outras inscrições cuneiformes e relevos do tempo do rei persa Dario.

Hércules será atributo relacionado com Hera,  já que o seu nome (segundo os gregos) seria Alkaios ou Alkeides de onde saiu o nosso "Alcides". Não será de excluir que pudesse ainda sair Alcaides... ou seja, que fosse um atributo de líder, depois usado nas vilas, enquanto alcaide... fosse ou não por influência berbere, já que as colunas de Hércules tinham dois lados!

A influência no mundo antigo, através das Colunas que tiveram o seu nome, ou pela presença do seu maior templo em Cadiz (Bernardo Brito pretendia ser no Cabo de S. Vicente), é incontornável na península ibérica, seja ou não enquanto mito, pois influenciou os milénios seguintes.

É também nesse contexto que convém mandar para as urtigas a ideia de que se trata de mitologia exclusivamente grega. Foi Herácles entre os gregos, Ercles entre os Etruscos, Hercules para os romanos, Melqart para os cartagineses, etc...
Os autores antigos dizem que houve mais do que um, e daí as confusões... mas neste caso estou interessado especialmente naquele que se impôs na península ibérica, pois ao que consta foi desse que surgiu o mito.

Segundo a história ou mitologia ibérica, este Hércules saiu do Egipto, andando à pancada por todo o lado, com o nobre intuito de impor uma lei mais justa ao povo... e daí a comparação com Napoleão, que arrasava tudo com o mesmo pretexto.

Egipto... quem?
Primeiro não pensei no Egipto, porque um candidato natural para ser um Hércules, seria o sumério (ou acádio) Sargão, que também é suposto ter andado por paragens afastadas da Mesopotâmia, e numa estela fragmentada poderá estar a dar com uma maça na cabeça de um prisioneiro.
No entanto, não havia nada de significativo que pudesse relacionar um com outro.

A situação é bastante diferente se passarmos para o Egipto, e o suposto primeiro faraó, cujo nome interpretado hoje em dia é Narmer ou Menes, e que foi sucessor do mítico Rei Escorpião.

Quer o rei Escorpião, quer Narmer, têm expostas enormes maças (ver Scorpion Macehead e em especial Narmer Macehead), ou melhor, a cabeça da maça:
Esta cabeça de maça de Narmer estaria depois presa a um cabo que se segurava, dando um balanço enorme, e uma temível pancada. Por outro lado, Narmer está associado a Hórus, e esse é também o nome que segundo Bernardo de Brito, e restantes cronistas da Monarquia Lusitana, estava associado a Hércules. Finalmente, em uma das estelas mais evocativas do período de Narmer, vê-se o faraó brandindo uma maça, ao mesmo tempo que segura um inimigo pelo cabelo.


(imagem retirada daqui)

Este tipo de pose é vista na estátua de Hércules com Caco (Séc. XVI) ou numa estátua romana de Hércules dominando Gerião (que curiosamente aparece com uma armadura romana):

Portanto, parece-nos que há pelo menos 3 pontos que favorecem uma hipótese deste Narmar se identificar a Hércules.
Quanto ao nome, não há aí qualquer semelhança... mas convém ter em atenção que este nome Narmar ou Menes (outra forma), são interpretações dos hieróglifos... e sobre a credibilidade da tradução feita por Champollion e seguintes, remeto para um texto anterior.

Este é apenas o primeiro texto de uma pequena série, que, conforme já dissemos irá englobar a Crónica de 1344 e parte da Monarquia Lusitana de Bernardo de Brito, dedicada a Hércules.


domingo, 21 de junho de 2020

dos Comentários (66) o colossal mamarracho

É muito provável que tenham existido diversas estátuas colossais, desde a Antiguidade até aos dias de hoje. Não teriam os 182 metros de altura da estátua de Patel, na Índia, mas o Colosso de Rodes consta ter atingido os 33 metros, antes de cair devido a um sismo.
Também Nero ergueu um colosso seu de 30-37 metros, que aliás deu o nome ao Coliseu de Roma, construído depois, porque se situava nas proximidades. Falamos de uma estátua com a altura da Estátua da Liberdade.
Não é que Nero fosse uma figura popular, e o mais natural acontecer na posterioridade, especialmente com uma narrativa tão desfavorável relatada pelos cristãos, seria a sua queda natural. Ainda assim, antes disso, Cómodo tomou a figura de Hércules, e terá substituído a cabeça (uma iniciativa mais económica). O colosso terá desaparecido por completo durante a Baixa Idade Média, dele apenas restando o nome do Coliseu.

O Colosso de Pedralva  (imagem)
Vem esta introdução acerca de alguns colossos, a propósito de comentário de Carlos Figueiredo, que trouxe à discussão a figura do Colosso de Pedralva, actualmente num parque de Guimarães, e que tem um aspecto ímpar, e isso é independente da datação que se lhe pretender atribuir.

A estátua estava dividida em três partes, não muito distantes umas das outras, e foi em 1876 que o pároco da Igreja de Pedralva comunicou a Martins Sarmento da existência da parte inferior de tal estátua, no caminho entre Pedralva e a Póvoa do Lanhoso.
Em conjunto com Martins Sarmento terão conseguido encontrar as duas outras partes, conforme hoje se vê, na suposta reconstituição da figura original.

Devido à presença notada do falo colossal, Sarmento concluiu tratar-se de uma figura esculpida antes do prurido religioso da Idade Média. Não se parecendo ainda com nada feito em tempos romanos, a conclusão apontaria certamente para tempos lusitanos, ou mais antigos.
Apesar de ser conhecido como "homem de pedra", Sarmento baptizou-o como Colosso de Pedralva, devido às suas dimensões (mesmo sentado, em mais de 3 metros de altura).
 
Fotografias do Séc. XIX que mostram o local onde foram encontradas as peças. 
(https://www.csarmento.uminho.pt) Nota - o braço tem posição invertida - será do negativo da foto.

Segundo casiterides.wordpress.com (artigo em espanhol, que aconselho), António Azevedo, num texto "Um caso de escultura" (Academia Nacional de Belas-Artes, 1948), descartava a hipótese de ser coisa pré-histórica, referindo coisas desavergonhadas do povo patrocinadas pela igreja, e enfiava o falo num pensamento de que seria uma estátua inacabada de São João nunca anterior ao Séc. XVI. Para António Azevedo, não passava de um "mamarracho" impotente, e esta poderá ter sido a classificação com maior rigor técnico que fez.

Museu Martins Sarmento
(Foto de C. Figueiredo)
Ao que parece, quando há fala, os modernos historiadores metem o falo no mesmo período histórico... ou seja, o período dos mamarrachos, entre os séculos XVI e XVIII.

No entanto, seguindo ainda o blog, bom como o comentário de Carlos Figueiredo, muito perto desta peça, ainda no Monte dos Picos, encontrou-se uma outra, igualmente de aspecto um pouco grotesco, que Martins Sarmento adquiriu em 1893.

Poderá também aí ver-se algo que pode indiciar quiçá, na perspectiva dos mamarrachos, de uma estátua que depois também iria para o Bom Jesus, servindo talvez de São Pedro.
Para esta estátua, não consegui encontrar douta fala sobre o eventual falo.

De qualquer forma, convém referir que este tipo de estátuas são raras, seja em que contexto for, excepto num contexto de mamarrachos, pois exemplares desses nunca nos faltaram em abundância, fosse qual fosse a época.

Ainda no Museu Arqueológico Martins Sarmento, é possível observar diversas estátuas da região que ilustram os chamados "guerreiros lusitanos" na sua típica pose com o escudo frontal. No entanto, dada a persistência da falta de vergonha, não fora opinião diferente conseguida há um século, e poderíamos agora ter que ver nestas representações mais uns mamarrachos feitos no Séc. XVII e destinados ao Bom Jesus.

À excepção dos guerreiros lusitanos, não é obviamente fácil inserir estas esculturas no desprezo em que foi transformado o património nacional, cultural e histórico.

Ercle - Hércules etrusco.

Procurei representações menos perfeitas de Hércules, por exemplo, entre as feitas pelos etruscos, e havia alguma persistência na representação de Ercles com o braço da maça levantado.

Apesar das representações de um Hércules sentado ou ajoelhado, serem raras, a posição de um braço erguido, com o outro estendido, poderia perfeitamente ajustar-se a uma eventual representação do Homem da Maça.

É claro, esta hipótese pode parecer estranha, e assim não descartamos que possam estar em causa eventuais representações de S. João pelos etruscos, seguindo a ideia mais elaborada pelo status quo nacional.

Conforme já referi, um grande problema com a História nacional reside na obsessão quase religiosa ou melhor, anti-religiosa, e doentia, de querer ignorar a presença de Hércules na tradição cultural portuguesa. Já não se pode falar em tradição popular, porque a lavagem ao cérebro foi de tal forma forte, que o único Hércules que a população ouve falar é do grego. Mesmo que não esteja presente hoje, esteve presente até ao Séc. XVI, conforme se queixava Gaspar Barreiros, desse exagero popular.

Adivinhar a posição dos braços a partir de fragmentos, é a mesma tarefa que procurar determinar a posição dos braços da Vénus de Milo... Neste caso, nem tanto, porque um dos braços está presente no Colosso de Penalva, e indica uma possível semelhança, que não quisemos excluir.

Como exemplo final, deixamos o Colosso de Monterrosso, na Itália, uma obra de 14 metros, feita em 1910, para representar Neptuno, segurando uma concha, numa posição que lembraria um Atlas ou um Hércules segurando o Mundo.

Com os bombardeamentos ocorridos na 2ª Guerra Mundial, a habitação e parte da estátua caíram.
O que ficou daquele conjunto e que podemos observar na actualidade será isto:

Portanto, a pergunta que fica é a de saber se conseguiríamos prever o contexto da estátua antes do bombardeamento da 2ª Guerra, apenas observando o que dela restou?
Quase certamente que não, pelo menos sem outros dados...
O que é interessante é que o colapso parcial da estrutura lhe possa ter deixado uma naturalidade com que melhor se insere na paisagem. Bom, e mais do que isso, deixou-lhe uma história que não tinha.

Também o Colosso de Pedralva, acumulou já uma história, e para além de representar de forma grosseira um lendário gigante, apresenta de forma colossal o mamarracho histórico-cultural que nos é impingido.

terça-feira, 16 de junho de 2020

dos Comentários (65) In Hoc Signo

O símbolo que identifica a Companhia de Jesus irradia a partir de 3 letras, I H S:

sendo conveniente notar que já se utilizaria em época medieval as 3 letras na forma minúscula i h s
que normalmente são interpretadas como iniciais de Iesus Hominem Salvator, ou ainda iniciais de In Hoc Signo (vinces), um sinal cristão associado ao imperador Constantino, que também não deixa de aparecer noutros contextos. Por exemplo, IHS aparece na medalha da Ordem do Serafim, dada pelo Rei da Suécia, In Hoc Signo Vinces é usado por uma ordem maçónica dos cavaleiros templários.

Num comentário recente, José Manuel Oliveira reparou no símbolo que se encontra atrás da fonte do leão, em alto relevo, no claustro dos Jerónimos (ver postal anterior):
Pela minha parte fiquei bastante convencido que ali estavam as mesmas letras, surgindo dentro de um sol irradiante, tal como acontece no símbolo jesuíta. O problema aqui é que o Claustro dos Jerónimos foi feito em 1517-30 por João Castilho, e a semelhança com o símbolo jesuíta pré-datava a criação dessa Companhia em 1540.

Mas, José Manuel ainda acrescentou um link para outra foto:
Cúpula da Charola do Convento de Cristo, em Tomar

Ou seja, José Manuel, encontrava um novo símbolo i h s radiando, qual sol jesuíta, o que não deixa de ser notável, porque a simbologia é semelhante à do Jerónimos, e pode ter sido colocada na altura em que D. Manuel procedeu a alterações significativas no Convento. Portanto, mais uma vez antecedendo o radiante IHS da Companhia de Jesus, que aqui era diferente, sendo de novo, tal como nos Jerónimos ihs. Este ihs manuelino parece radiar mais a Rosa-dos-Ventos, das direcções da carta de navegação, que tinha destaque na direcção nascente (de Jerusalém) - será uma questão de confirmar, mas será natural, porque as capelas estavam viradas sempre a leste, ao sol nascente.

Fez ainda menção ao detalhe importante que Hugo Martins refere (por via de Rainer Daenhardt):
 

Portanto, a mãe de D. Afonso Henriques usava uma simbologia "rosa+cruz" que foi espelhada no tecto do Convento de Cristo. Além disso, o próprio D. Afonso Henriques quando usou o símbolo de Portugal, procurou fazê-lo de forma comparativa com o usado no antigo símbolo grego Chi-Rho:
 
O Símbolo XP (Ch-R de Cristo) com Alpha e Omega (à esquerda).
A designação de Portugal num selo de D. Afonso Henriques (à direita).

Portanto, surgem aqui outras interpretações de possível existência de um movimento rosa-cruz, anterior ao movimento de Christian Rosenkreuz. Já agora mencionamos a ligação entre o símbolo XP, Hórus, e o símbolo RX dos Raios X, que fizémos num postal antigo.

Convém assim constatar que esta simbologia poderia fazer parte do ritual templário que acompanhou o nascimento do reino independente de Portugal. O símbolo IHS teve uma presença inscrita pelos templários, antes do seu uso pelos jesuítas, e podemos aí ver um dos caminhos que a Ordem tomou.

No entanto, convém dizer que esta representação do símbolo IHS não é única, e uma outra...

... dir-se-ia fazer mais parte de uma campa de um Tio Patinhas, do que propriamente de um símbolo cristão. Essa vertente, mais financeira, mais ligada ao tesouro templário, das cifras e cifrões, pode ter seguido um caminho paralelo, por via distinta, embebida na maçonaria.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

dos Comentários (64) ... e não só

Há demasiados pequenos detalhes a registar, talvez não substanciais cada um deles, mas acumulam para um texto diversificado. Alguns destes tópicos foram abordados nos comentários e daí o nome...

1. Leão dos Jerónimos
É apenas um detalhe, mas não deixa de ser interessante que também o leãozinho na fonte do Claustro dos Jerónimos tem o cabelo liso e a cauda a cair nas costas (como acontecia com os de Évora):

Seria este leão feito de raiz para o Mosteiro, indo basear-se nos antigos encontrados pelos campos, ou seria este um dos leões encontrados pelos campos, que foi ali colocado?

Leões de juba com o cabelo escorrido e cauda nas costas, não são fáceis de encontrar. 

Dei com um par deles na Catedral de S. Lourenço em Génova, mas como se perceberá o aspecto é bastante mais sofisticado, e com efeito são já reportados ao Séc. XIX.

No entanto, não indo longe, e procurando ao lado, em Espanha, encontramos outros, na Catedral de Ávila (em baixo, esq.), na Catedral de Ourense, ou ainda em Baños de Ebro (em baixo, dir.).


Não me parece ser possível concluir muito com esta informação, mas este estilo de leões parece ter feito sucesso na península, poderá ter vindo na Antiguidade (assim foi a opinião do Museu de Évora), sendo eventualmente recuperado na Idade Média, mas não deixa de evidenciar uma raiz mais antiga e singular.


2. Condomínio no Castelo de São Jorge?
Procurando saber um pouco mais sobre a editora Mattos Moreira & Cª (que editou os volumes de Pinho Leal, e também algumas obras de Camilo) fui parar a esta imagem no blog restos de colecção:


Ao que um leitor aí perguntou:
- "Que prédios são aqueles dentro das muralhas do castelo?"
tendo obtido a resposta:
- "Aquartelamento e prisão desde 1807 até cerca de 1940".

Apesar de ter sido iniciativa do General Junot de modificar o espaço, instalando aí o seu quartel-general, o Castelo de S. Jorge já não era Paço Real desde o Séc. XVI, quando passou a existir o Paço da Ribeira. As instalações foram mesmo passando por aquartelamento e prisão, até ao funcionamento da Casa Pia (entre 1780 e 1807). De qualquer forma as obras de Junot devem ter sido razoáveis, porque só com um governo nacionalista, é que conseguiram deitar abaixo a memória invasora. 
Fotos desta lembrança de Lisboa não são (agora) fáceis de encontrar.

3. Relógio do Convento de Cristo
Digamos, se tivéssemos que escolher os monumentos históricos mais emblemáticos do país, só faltaria mesmo a Torre de Belém aparecer com duas torres, ou algo do género.
Por esse lado, não encontrei nenhuma modificação importante, mas, com efeito, havia um relógio no Convento de Cristo, em Tomar.

Segundo é contada a história no blog Tomar a dianteira o relógio esteve a funcionar até 1937, altura em que especialistas alemães (dada a época, nazis) tiraram o relógio, anunciando problemas estruturais, mas deixaram ficar o mostrador, que foi definitivamente retirado depois de 1974.

José Manuel Oliveira tirou fotografias ao mecanismo, que se encontra guardado (ver postal sobre o assunto), e poderia ser relógio do Séc. XVI (segundo esse blog), tem no entanto um mecanismo de escapamento em âncora, que é só típico em relógios posteriores a 1650.


4. Relógio da Sé de Lisboa
D. Fernando é um dos reis mais controversos, pois ao mesmo tempo que edificou construção notável... e tentou anexar Castela, acabou por casar a filha única com o rei castelhano. Ao que consta, em desespero de causa tentava que um seu neto viesse a ser rei em Portugal. Tudo isso originou a crise 1383-85, que levou o meio-irmão bastardo, D. João I e a sua Dinastia de Avis ao trono.

Terá sido D. Fernando a reedificar as torres da Sé de Lisboa, e a juntar-lhe o relógio, que à época era o primeiro em Portugal. Assim se lê, na Monografia sobre a "Egreja matriz de Lisboa" escrita pelo Abade Castro e Sousa em 1875, no nº 5 do Boletim Architectonico e de Archeologia (pag.67).

Ainda neste capítulo de relógios, há uma boa série de imagens na tese de mestrado Guardiães do Tempo, de Lúcia Marinho - FLUL (2010). Com algum destaque:
(i) D. João III apresenta um relógio que tem 2 ponteiros (horas e minutos), o que seria grande novidade em 1540 (data do suposto retrato), mas o quadro e é de Carlos Falch, circa 1650, e já não é grande novidade... ainda que me pareça provável que este retrato post-mortem de Falch seja baseado num outro quadro original da época (até porque o rei está em pose), mas ainda assim não é claro que o desenho do relógio fosse o mesmo, e os 2 ponteiros podem ser entendimento de Falch.
(ii) Catarina de Bragança terá um relógio num pequeno pendente. Uma miniatura, talvez mais pequena do que os Pomander de Peter Henlein.

5. Erros nas transcrições dos originais
Um dos elementos principais dos historiadores, é que raramente são caligrafistas e têm que recorrer a técnicos especializados no assunto.
Há duas maneiras de entender o assunto - ou corre bem, ou corre mal...

Num comentário de Djorge sinalizando uma obra de Duarte Barbosa que estava transcrita e da qual também se tinha o original, foi possível detectar imediatamente a liberdade com que estas transcrições são feitas (neste caso a transcrição seria de 1946.

- Por exemplo, na página 211 da transcrição aparece "Ilhas de Bandão", quando no manuscrito está apenas "banda". 

Mais se nota que logo de seguida é transcrito:
  • E mais ao diante deixando a ilha de Timor, estão cinco ilhas...
enquanto no manuscrito parece estar:
  • Passada esta ilha de Timor, mais pelo norte, estão 5 ilhas...
Ora não é importante este detalhe, mas parece-me que podem ser os seguintes.
Com esta liberdade de transcrição qual é a confiança que podemos depositar nesta malta?
- Zero ou quase...

Não interessa verificar se a minha transcrição está bem, o que é seguro é que a transcrição feita pelo especialista está mal, porque não é literal quando o poderia ser. Eu diria mais, foi feita com o descuido de quem estava confiante de que não iria ser censurado por fazer o que fez.

6. Manifesto de navegação
Convém fazer aqui uma pequena divagação filosófica, porque me parece útil e esclarecedora.
Não sou historiador, nem burocrata estatal.

Contesto as contradições, que sendo conscientes, são vergonhosas mentiras, alimentadas ao longo de séculos e até milénios, mas por fazer isso não tenho qualquer mínima obrigação de apresentar uma história alternativa. Mas tenho o direito social de exigir uma reparação aos historiadores e burocratas estatais de serviço. Porque dessas mentiras conscientes ou incompetentes, alimentadas pelos próprios responsáveis estatais, nasceram lucros monstruosos e pobreza monumental.

Pessoalmente, é-me absolutamente indiferente que os documentos que vão sendo disponibilizados sejam verdadeiros ou falsos. Acredito que na sua maioria são verdadeiros, apenas por preguiça e incompetência. Ou seja, pelo simples facto de que o sistema social teria que debitar e acumular informação, e não conseguiria processar falsidade em toda ela. Mesmo com todos os incêndios, roubos, adulterações, pretensas falsificações, etc, o sistema não conseguiria aguentar-se num vácuo histórico, e por isso tem algumas bases verdadeiras.
No entanto, e porque a panela começa a acumular demasiada pressão pelo acumular de falsidades, o que vai interessando é relativizar a verdade, e procurar que os cidadãos sejam comprados pelo conforto e segurança, e ao invés de se apoquentarem com certezas absolutas, se vão entretendo com memórias temporárias, cada vez mais curtas.

Quando os cidadãos de um estado não conseguem obter informação verdadeira desse estado (e não estamos a falar de segredos de estado actuais, estamos a falar de coisas que se passaram há séculos), então estão a ser discriminados como estrangeiros ou como indígenas colonizados, pela própria pátria.
Se numa monarquia tal ideia ainda pode ser considerada, porque se assume que os plebeus não têm os mesmos privilégios que os nobres, numa república, essa noção é ultrajante.

Interessou-me então perceber (há 10 anos atrás) se era possível que isto continuasse indefinidamente assim, sem que houvesse nunca possibilidade de tirar o véu que vai cobrindo a nossa vivência.
Pode dizer-se que "a verdade vem sempre ao de cima", mas o sistema vive da sua intolerância, maquinação e corrupção. A intolerância permite fazer crer que "todos têm algo a esconder", e a maquinação assegura que se não houver, arranja-se. Finalmente, se alguma vez alguém vier a saber, a corrupção encontra maneiras de abafar ou silenciar o assunto.
Portanto, não parece nada claro que o sistema não possa resistir assim mais uns séculos, mais vários milénios, etc. 
Aliás, se já o fez antes, porque não haveria de continuar a conseguir fazê-lo?

No entanto, há um pequenino detalhe.
Um sistema que continue a fabricar uma fantasia, estará a viver num sonho.
Um sonho, ainda que consiga convencer toda a malta, não convence a natureza... que é implacável com alucinações. Daí a grande pressão científica, que para além de permitir maior controlo, permitiria fugir à imprevisibilidade natural.
Se o homem controlasse a natureza, ao ponto de não temer nem doenças, nem catástrofes naturais, só teria que temer outros homens... e quanto a esses, o sistema só precisaria de mantê-los sem memória, como crianças, para ficarem facilmente manobráveis por adultos. Em vez de doces, estas crianças recebem cacau, alguma impunidade, luxo e luxúria.
Outro problema, é que este sistema só funciona com uma reduzida liderança, que em segurança, por medo de traições e surpresas, se reduz a uma única pessoa - o próprio.
Mas não é por aí que o sistema colapsará, o sistema vai colapsar pela ineficiência na objectividade de uma estrutura falsária.
É indiferente se falta muito ou pouco, simplesmente irá ruir por completo, até se erguer de novo, voltar a cair, e esta repetição vai ocorrer várias vezes, como já aconteceu num passado muito distante.

Por isso, mais do que qualquer outra coisa, estes apontamentos servem de manual de navegação, num mar de mentiras. O objectivo não é acertar na rota da verdade, o objectivo é evitar os remoinhos de contradições que vemos levarem os batéis com estrondo contra os recifes. Mantendo-nos à tona.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Maça e maçã. O homem da maça e da maçã.

Há várias representações notáveis de Hércules, muitas delas com uma maça e uma maçã.

Talvez menos conhecido seja o enorme monumento feito em 1714, em Kassel (Alemanha), exclusivamente dedicado ao herói, em estilo mação.

Hércules surge aí no topo de um edifício maçónico octogonal que termina em forma piramidal, numa pose que é bem mais antiga, chamada Hércules de Farnese, nome do cardeal que tratou de ficar com a estátua recuperada:

Esta estátua será romana, e provavelmente cópia de uma outra estátua bastante mais antiga, de origem grega.

Em Sevilha, no parque Alameda de Hércules, feito em 1571, encontram-se duas estátuas, em cima de altas colunas, uma é uma cópia do Hércules de Farnese, e a outra é de Júlio César, tidos como fundadores da cidade.


As duas colunas vieram de Hispalis, a versão romana de Sevilha, havendo duas outras colunas a norte do parque, que já são construção recente, tal como os leões que as encimam, ainda mais recentes, com os escudos de Sevilha e de Espanha.

Em Portugal, apesar de não ser muito divulgado, existe em Alhandra uma coluna com um Hércules que comemora a resistência à invasão napoleónica e vitória nas Linhas de Torres em 1810.
Non Ultra - Linhas de Torres. Monumento em Alhandra (1883) - Serra de S. Lourenço.

As placas brancas que se vêem na foto eram de bronze e foram roubadas em 2017, mas a inscrição "Non Ultra", é uma espécie de "Não passarão!", significando a disposição das linhas defenderem o avanço das tropas napoleónicas. Refere-se ao mítico "non plus ultra" que estava nas colunas de Hércules, em Cadiz, proibindo (ou desaconselhando) a navegação além daquele ponto.

Protótipo de super-homem, antes de este ser enunciado por Nietzsche, ou de vestir uma capa com S no peito, Hércules foi servindo de mito e de pretensiosa auto-comparação como neste caso (figura ao lado), em que Cómodo se auto-retratou nas vestes do herói, numa estátua que é datada de 192 d.C.
Cómodo é o imperador romano, filho de Marco Aurélio, que foi retratado talvez de forma exageradamente perversa no filme Gladiador, mas que ao que consta teria efectivamente um estranho gosto do combate com gladiadores.

Temos os elementos identificadores de Hércules:
- maça numa mão;
- maçãs na outra;
- cabeça de leão.

Normalmente, a maça na mão direita, as maçãs na esquerda.
As maçãs, de ouro, são as que sacou das Hespérides, no 11º trabalho, enquanto o leão de Nemeia foi o 1º trabalho. 
A maça era, desde o início, a arma de eleição do herói.


Noutras representações clássicas, Hércules aparece apenas ligado à maça e à maçã, como na figura ao lado (estátua de bronze no Museu Capitolino, em Roma, Séc II a.C.).

O Hércules ibérico assemelha-se de forma ligeira ao Hércules greco-romano, assim chamado Hércules Tebano. Na realidade na "Monarquia Lusitana" o "nosso" é chamado Hércules Líbico, pelo facto de vir de África, do Egipto.

É aqui que a "mitologia ibérica" se torna mais interessante, porque associa Hércules a Hórus, filho de Osíris. 
Por sua vez Osíris é associado a Júpiter, fazendo assim a associação de Hércules ser filho de Júpiter.
Terem colocado os deuses da mitologia enquanto reis sujeitos ao fado humano já Camões denunciava no Canto IX (91):

Não eram senão prémios que reparte
Por feitos imortais e soberanos
O mundo com os varões, que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
Eneias e Quirino, e os dois Tebanos,
Ceres, Palas e Juno, com Diana,
Todos foram de fraca carne humana

Esta mitologia ibérica, foi completamente destruída com a queda da influência ibérica no mundo, e banida com a ascensão da maçonaria. É certo que teve uma influência de interesse do império espanhol, em criar uma certa mitologia conjunta agradável a lusos e castelhanos, quando as coroas estavam juntas. Mas, o problema é que os escritores antigos, gregos e romanos, e não só Viterbo, falavam do mesmo... ou ainda pior, como se queixava Gaspar Barreiros, era também o povo que atribuía tudo a Hércules. 
Em alternativa, historiadores posteriores, foram passando tudo o que puderam para "obra de Trajano", algo que o próprio também terá feito, e não seria novidade de actuação na Antiguidade e depois.

Em Coimbra, os campos ao longo do Mondego eram "campos hercúleos", havia uma torre pentagonal com a placa "Quinaria turris Herculea fundata manu" até que o Marquês de Pombal mandou abaixo, com o pretexto de um Observatório Astronómico, que nunca construiu.
As Torres de Hércules, em Cadiz, desapareceram igualmente, depois do "terramoto" de 1755, e a Torre de Hércules na Corunha, ou o Arco em Mérida, passaram a ser coisas de Trajano.
Deixo as ligações, porque é escusado falar de novo sobre o assunto.

Homem da maça (versus) homens da massa
Queria recordar, no entanto, aquela que me parece ser a única estátua antiga de Hércules existente em Portugal, e que é denominada o "Homem da Maça", e que continua a estar ao semi-deus dará...

Homem da Maça com o Leão (ou similar) - daqui.

O conjunto está catalogado, mas não tem qualquer protecção como monumento. 
É referido ser medieval e propriedade eclesiástica, mas a Câmara de Matosinhos também o menciona. Aponta-se polémica de identificação, que só existe, porque está tudo entregue à bicharada, e com isto não me refiro ao "bicho", e nem sequer se mencionam os argumentos da polémica. Nos tempos que correm, o homem da maçã é Steve Jobs, falando assim da pré-história dos computadores.

Por que razão é óbvio ser Hércules, apesar da ignorância nacional?
Porque antes de ter os dois braços partidos, tinha na mão uma maça e foi assim entendido como Hércules por Pinho Leal, que no seu Portugal Antigo e Moderno escreve:
CRUZ DO BISPO (Santa) ... Em um sêrro, entre as capellas de Nª Srª do Livramento e de S. Sebastião, se achou uma estátua de pedra, de Hercules, a que o vulgo chama o homem da maça, pela que tem na mão. A seus pés se vê o leão.
Acrescenta ainda que Santa Cruz do Bispo se chamaria Santa Cruz da Maia...

A Câmara de Matosinhos tem o bom senso de pelo menos disponibilizar o único documento credível que a Direcção Geral do Património cita, ou seja Rocha Peixoto (1908) em Portugália, já que os outros dois são um guia de Portugal e do Porto, de 1985 e 86. 
Esperava encontrar uma grande contestação a Pinho Leal, por parte de Peixoto, mas não. É motivado pelo escrito de Pinho Leal, mas diz apenas que em 1908 a estátua já não tem os dois braços, que não lhe parece ser estátua culta nem bárbara, que será rude mas mais trabalhada que outras esculturas dos antigos lusitanos, e que a tradição das meninas agarrarem-se às pedras seria proto-histórica.
Ou seja, uma opinião vulgar, feita por qualquer um com uma certa cultura, e dificilmente comparável a Pinho Leal. 

Portanto, a Direcção Geral, que omite Pinho Leal (é claro), andará a basear-se em guias de cidade para decidir a classificação monumental nacional. Qualquer dia passam ao Guia Michelin.

Hércules e César 
A colocação de César ao lado de Hércules mítico, em Sevilha, não deixa de ser algo notável, sendo especialmente lisonjeiro para a figura de Júlio César... já que Hércules continuaria a pertencer ao mito e César não era propriamente um local, como era Trajano (nascido em Hispalis).

Porém não é caso único, e surge aqui a sequência deste postal com o anterior:
- O Mosteiro dos Jerónimos.
Na fotografia seguinte sinalizo a vermelho duas figuras que ladeiam a entrada no Mosteiro, bem como uma inscrição que falta no topo superior. 
- Quem são? O que lá estava escrito?


É instrutivo dizer que encontrar uma foto desta entrada não é assim tão fácil. 
Experimentem procurar... há milhares de fotos do Mosteiro, pois mas são quase todas iguais, da porta principal, que está à direita. Por estranho que pareça, quase ninguém publica a foto da frente!
Só para fazer notar que procuramos... mas a maioria das vezes, nem sequer em frente vemos, vemos onde orientam o olhar!

Bom, as personagens são César e Hércules, conforme em Sevilha!
No topo, onde está a cruz azul, e agora não se lê coisa nenhuma, estava:
Extitit Alcydes gentis dominator iberae,
Froenavit Caesar gallica regna jugo,
Rex pi.os Emmanuel victor supereminet iunges,
Solis adviq. ortum qui tulit imperium.
Que é como quem diz: Existiu Alcides (Hércules) que dominou as gentes ibéricas, César que pôs a Gália sob seu jugo, e depois apareceu aqui o Manel cujo império vai até onde o Sol nasce. A última parte jocosa é apenas porque escapa ao que consigo traduzir, e não encontrei traduzido... mas a ideia não andará longe disso.

O Abade Castro e Sousa (Descripção do Real mosteiro de Belém, 1840) acrescenta:
E aos lados das ombreiras, sobre umas pequenas janelas, há dois bustos; um de Hércules, e outro de Júlio César, lendo por baixo pintados os seguintes dísticos :
Debaixo do busto de Hércules
    Hoc lapide ante fores, depicta Alcydis imago,
    Regalis firmum denotai aedis opus. 

Do de Júlio César 
    Caesaris, incisco praesens in marmore vulteis,
    Induat augustae limina fausta domus. 
Como o Abade achava que todos sabiam latim, não traduziu, mas aproximadamente seria:
Hércules - Esta lápide antes da porta representa a imagem de Alcides. Rei com firme obra edificada
César - A divisa de César pretende estar no mármore. Que os augustos limites favoreçam esta casa.

Pode-se perguntar... por que razão haveriam de apagar aquilo?
Ou ainda... por que razão ninguém pergunta o que está ou falta ali?
Mas esta última pergunta, nem tento responder, cada um saberá. Até aqui também não notei, mas não escrevi sobre os Jerónimos, e ainda assim acho que já me pareceu estranho faltarem legendas.

Quanto à primeira pergunta, responde-se com o que está dentro da Sala do Capítulo.
Imagem de 1937 do túmulo de Alexandre Herculano (o recente jazigo, em redor do túmulo, foi demolido em 1940).

O problema era simples... antes de Alexandre Herculano, a História de Portugal começava sabe-se lá onde. A maioria dos frades começavam com a Criação, o Dilúvio, etc.
Por vezes, mais abreviadamente, tentavam passar logo a Túbal, mas vinha a sucessão de reis ibéricos (agora proibidos de serem pronunciados ou balbuciados sequer) até à chegada dos fenícios.
Quando o Iluminismo começou a singrar no Séc. XVIII, houve alguns historiadores mais modernaços que queriam começar logo com os Cartagineses, o que era um escândalo para a Igreja.

Os franceses mandavam para aqui tudo o que era instruções da maçonaria para acabar com aquela pouca-vergonha, livros com as versões francesas da História de Portugal, e acabaram mesmo por vir em força com Napoleão... pelo que a presença de Hércules a comemorar a sua derrota é excelente!

Chegamos assim à Guerra Civil entre Miguelistas e Pedreiros, aliás Pedristas, que levou ao completo genocídio cultural e histórico, que foi a extinção das Ordens Religiosas em 1834. Mata-frades terá sido apenas alcunha de Joaquim António de Aguiar, mas a sua implementação do decreto fez desaparecer da vista milhares de documentos únicos, deixando mosteiros, conventos e igrejas à disposição do saque da população. As perdas foram só semelhantes às do sismo e incêndio (a que chamam Terramoto de 1775), e é claro quem perdeu destas rapinas maçónicas, foi só o povo, porque estava na forja uma outra história.

A historiazinha, que começa nas desavenças entre filho e mãe, ou seja entre D. Afonso Henriques e D. Teresa, e manda tudo o que está para trás disso para o estatuto de "lenda", foi a grande iniciativa de Herculano.
Maçon convicto, recusou algumas honrarias estatais, mas acabou em pompa nos Jerónimos.
A sua actividade histórica é boa, mas também não passa do sofrível, onde Herculano se destaca é na  completa intolerância às fontes eclesiásticas.
Passa por fundador da história portuguesa, etc, etc, porque foi esse o refrão que a maçonaria tratou de ensinar aos petizes nas décadas seguintes. Comparado com Frei Bernardo de Brito, o cronista real banido de menção hoje, este merece-me mais simpatia. Porquê? Simples... Brito trouxe-nos perguntas disfarçadas de certezas, enquanto Herculano o que nos trouxe foi uma arca de lixo documental.
Fez escola, porque se chama "ciência" à burocracia documental.
Herculano foi um burocrata, ao serviço de um ideal político, como foram tantos outros na URSS.
É claro que também agradou à nobreza e realeza, porque a história selectiva foi sempre um negócio.

Assim, o nome de Hércules foi banido dos Jerónimos, mas ficou o nome na variante Herculana... nisso, pelo menos a maçonaria parece ter algum sentido de humor negro.


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Comentário Adicional (10.06.2020)
Em dia de Portugal, e porque foi aqui mencionado e não tem o destaque devido, junto na barra lateral uma ligação directa para os 12 volumes da obra Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal. São mais de 7500 páginas, reunindo informação dispersa e interpretação inteligente.
Em prejuízo do seu próprio bem estar, Pinho Leal foi publicando durante onze anos, onze volumes da única obra que conheço (antes e depois) que reúne as histórias de cada cidade, vila e aldeia nacional. 
Em suma, procurava reunir uma verdadeira história de Portugal, e é uma das suas melhores fontes.
Morreu em 1884, pelo que o último volume já foi feito pelo Abade de Miragaia.
Camilo Castelo Branco foi fulcral para conseguir a publicação da obra. A wikipedia tem um bom resumo biográfico.
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domingo, 7 de junho de 2020

Relógio dos Jerónimos

Conforme assinalámos num postal anterior, sobre o computo pascal, apareciam na Bíblia dos Jerónimos ilustrações de relógios, e portanto aos hieronomitas não seria estranho o artefacto, que aliás era já comum nas torres das nossas igrejas.
Vejamos uma peça escrita em 1853, em que começa assim o 6º capítulo:
Acaba de soar a sexta hora da tarde no relógio do convento dos Jerónimos em Belém, no dia 6 de Novembro de 1640, quando num velho palácio (...)
Esquecendo o enredo, onde está o relógio do Mosteiro dos Jerónimos?
Ora, o Mosteiro dos Jerónimos não apresenta nenhum relógio... agora!
Com efeito, há fotografias do Mosteiro dos Jerónimos com o relógio, que perdeu há 150 anos:
Foto do Mosteiro ou Convento dos Jerónimos, em 1872, com o relógio (ao centro, à esquerda).

A informação relevante está num blog 
que publicou parte do acervo fotográfico de Eduardo Portugal (1900-58), constante da Câmara Municipal de Lisboa.
Pode-se ler que os cenógrafos italianos do São Carlos, vão propor "demolir a galilé e a sala dos reis, construir os torreões do lado nascente do dormitório, a rosácea do coro alto, e substituir a cobertura piramidal da torre sineira por uma cobertura mitrada".
O problema foi que em 1878 dá-se a derrocada do corpo central do dormitório, que tinha o relógio, a reconstrução só é finalizada pouco antes das comemorações dos 400 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia, ou seja, em 1894-98.

O projecto de reconstrução fez alterações consideráveis, e tinha outra ambições:
digamos, que não foi só desaparecer o relógio...

Vemos aqui outra foto em que é possível ver o relógio, e as obras na parte superior, que levaram à subsequente derrocada:


Note-se que antes disto, a torre da igreja tinha a tal cobertura piramidal, conforme vemos na figura seguinte, e que foi substituída por um torreão mais alto, dita mitrada. Vemos ainda os alicerces para fazer os torreões do dormitório, junto à igreja (conforme os temos hoje):


Note-se ainda, aqui num esboço mais antigo, como os barcos chegavam praticamente até ao mosteiro (numa altura em que estes barcos à vela poluíam muito, e faziam aumentar o nível do mar... imagine-se o raspanete que a Greta não lhes teria dado).

O que se sabe disto?
Pois, o que é conhecimento público geral é que derrocou a parte central do Mosteiro, conforme está atestado em diversas outras fotografias.
Digamos que não será um assunto secreto... talvez sirva para surpreender uns iniciados na maçonaria, mas pouco mais que isso. 

Conhecendo os bichos que temos, não é nenhuma informação de espantar!
Tão facilmente alterariam o Mosteiro dos Jerónimos, quanto esconderiam os coches antigos de D. Afonso Henriques e de D. Dinis... e foi praticamente na mesma altura.
As fotos terem por vezes escrito "reservado", reportar-se-ia certamente a uma mesa na Trindade.

Agora, se o relógio dos Jerónimos estava lá desde o início, pois isso já é mais complicado saber... até porque houve ainda o Sismo de 1755. Sendo que como se sabe que caiu o Carmo e a Trindade, e não propriamente a Sé e os Jerónimos, é natural que aí o Marquês se tenha dedicado ao espectáculo dos seus horrores no campo ao lado, o chamado Chão Salgado.
Pelo menos, o autor da peça, António Aragão, acreditava que em 1640 estava lá o relógio.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

As colunas arqueadas do triunfo no açougue

O templo de Diana em Évora, não nos chegou com este aspecto:

Com efeito, ao que consta funcionava como açougue, desde o tempo de D. Manuel, e há cerca de 150 anos atrás, antes de ser intervencionado, o aspecto seria este:


Esta fotografia do Séc. XIX não conhecia e encontrei-a no blog:

Deverá ter sido tirada antes de 1870, pois foi nessa altura que começaram a ser demolidas as paredes e restantes estruturas superiores. Este tema será conhecido de alguns, mas a esmagadora maioria dos portugueses desconhece que o templo teria funcionado como açougue. E, de facto, era já um embaraço em 1836, quando o açougue passou para outro lugar, pois o assunto era mencionado pela "imprensa internacional". Por exemplo, os ingleses criticavam o desprezo ibérico pelas antiguidades, e não restar uma placa romana, ou qualquer coisa anterior aos árabes em Lisboa. Não podemos dizer que restasse também alguma coisa de Londinium, mas enfim, a crítica fazia sentido.

Quer a página do blog, quer a da wikipédia, dão extensas informações sobre o assunto, que me abstenho de repetir. 
Gostaria apenas de frisar o seguinte:
- Vendo a fotografia, e pensando na largura de paredes de castelos, igrejas, e outras, quantos monumentos mais antigos não poderiam ter ficado emparedados, desta forma?

A ligação do templo à deusa Diana tem sido questionada mais recentemente, porque a fachada com 6 colunas coríntias seria dos templos imperiais. Acresce que se teria encontrado nas redondezas um dedo enorme (aproximadamente de meio metro), que segundo recentes interpretações seria de um imperador.
Deixo ao lado a imagem do dedo, no Museu de Évora, para ficar ao critério de cada um perceber se é dedo de imperador ou de deusa.
Encontrou-se também uma pátera, e no caso de ser deusa, seria mais normalmente de Vesta do que de Diana. Se bem que esta nossa Diana seria muito mais "de Ana", do rio Ana, agora Guadiana, uma deusa que se ligaria melhor ao culto Vestal.

Sertório e o Arco
Alguns eborenses, e outros escritores antigos (p.ex. Lavanha), teriam optado por indicar o Templo como construção de Sertório, já que Évora chegou a ser o principal aquartelamento do general romano, quando se juntou aos lusitanos para enfrentar os romanos. É dito que não, que nessa altura os romanos não conseguiriam fazer um templo daquela qualidade, etc... mas não vou perder tempo com argumentos aniquiladores de possibilidades, sem nexo. 

Introduzo Sertório, porque também existiria um "arco de triunfo" em Évora, ao que consta, na Praça do Geraldo, que teria sido feito na época de Sertório. 
No entanto, este teria sido demolido em 1570 por vontade do Cardeal D. Henrique, com o consentimento de D. Sebastião, seu sobrinho. Podemos ler no Archivo Pittoresco Vol.6, (1863), pág. 286, um pequeno artigo sobre o "Arco Triumphal Romano da Praça de Évora", onde se dá grande destaque a esse arco triunfal ou pórtico, em conjunto com um chafariz com leões, etc.

Mais recentemente, F. Bilou apresenta o texto:
em que dá a opinião de que o pórtico não seria nada de monumental, sendo uma principal razão (e já sabida) a ausência de referência pelo ilustre eborense André de Resende, dominicano e talvez o primeiro arqueólogo português, que dedica um livro a Évora (1553). Bilou cita a despropósito Gaspar Barreiros, acerca da sua desvalorização de um "arco do triunfo" em Mérida, e não dá crédito à opinião do padre Manuel Fialho:
«do portico so agora ouvimos falar, e supomos que era couza magnifica, como frontespicio de algum templo, ou couza semilhante, e era todo de marmores que tomava a largura da praça que tinha três serventias ou portoens por bacho(…)»
Ao que parece daquele pequeno nada, que atrapalhara o Cardeal D. Henrique, ficaram 8 colunas de mármore do refeitório de Colégio do Espírito Santo:
e três dos quatro leões que estavam no chafariz. É muito nada para não merecer menção, até pelo dominicano André de Resende.

Dois desses leões estão a definhar à beira estrada, num outro chafariz público (Chafariz dos Leões):

enquanto um terceiro está no museu de Évora (creio que o outro andará fugido...) [ver Nota]

Poderá dizer-se que o leão do museu ficou melhor, mas do bicho só encontrei esta foto com quase 100 anos... se alguém o vir no Museu de Évora, pois envie-nos uma foto para saber se ele está bem. 
Quanto aos outros dois, estão aparentemente à mão de semear, mas o povo deixou-os ficar, ninguém chegou com um monta-cargas e uma pick-up para os levar... o tempo não tem sido meigo para eles, e parece que o chafariz estar classificado como monumento público não os protege da chuva. 
É apenas dito que estavam na Praça do Geraldo, mas pode-se suspeitar pela sua forma, que respeitem a tempos muito mais antigos, até talvez mais antigos que Sertório.

Sebastião e o Arco
Gostaria de terminar o texto, mas quando se abre o livro, o novelo desenrola-se...
Acontece que, ao mesmo tempo que D. Sebastião autorizava o tio a destruir a memória do passado, queixava-se de não haver nenhum monumento a comemorar a Batalha de Ourique!

Em visita a Évora em 1573, D. Sebastião arrancou com um projecto de fazer um templo e monumental arco nos campos de Ourique. Diz-se que terá contado com a colaboração de André de Resende, no seu último ano de vida, na inscrição que deveria aparecer no arco:
Heic contra Ismarium, quatorque alios Saracenorum Reges, innumeramque barbarorum multitudinem, pugnaturus felix Alphonsus Henricus , ab exercitu primus Lusitaniae Rex adpellatus est: et a Christo, qui ei crucifixus adaparuit, ad fortiter agendum commonitus, copiis exiguis tantam hostium stragem edidit, ut Cobris ac Tergis fluovirum confluentes cruore inundarit. Ingentis ac stupendae rei, ne in loco ubi gesta est, per infrequentiam, obsolesceret, Sebastianus I Lusitaniae Rex, bellicae virtutis admirator, et majorum suorum gloriae propagator, erecto titulo memoriam renovavit
O templo é a Igreja Matriz de Castro Verde, e segundo António Castilho (Quadros Históricos de Portugal, 1847) deveria ainda constar o arco... o Arco de Ourique, que desapareceu. 
Castilho critica aqueles que procuram encontrar esse arco nos arcos da igreja, comentando que nesses arcos faltava a inscrição pedida a Resende.

Interior da Igreja Matriz de Castro Verde

A igreja sofreu um restauro por D. João V, que terá adicionado os azulejos, e é especialmente curioso ver-se que ao centro está Nª Senhora e não a imagem de Cristo crucificado. Há de facto, arcos, mas não parece que se possam ajustar a um arco com uma inscrição... que não têm.

Bom, e que tem o assunto a ver com Évora?
Com a morte de D. Sebastião e do seu tio, Portugal perde a independência para Madrid, e conforme já tivemos oportunidade de escrever, a propósito da visita de Filipe III de Espanha, em Lisboa ergueram-se dezenas de arcos triunfais. Quando se trata de sabujice, em Portugal temos dos melhores exemplares, e esta visita do rei foi um bom exemplo disso. 

Ao que parece Évora quis seguir o exemplo, e construir apressadamente um arco triunfal, segundo o que reporta Lavanha, porque o rei só posteriormente considerou passar por Évora.
No entanto, F. Bilou comenta que a cidade estava preparada, tinha outros arcos preparados, apenas não estava à espera de uma chegada pela Porta da Lagoa.
Ao que se sabe, todos esses arcos triunfais erigidos, a quem poucos ou nenhuns triunfos teve, desapareceram rapidamente da vista, especialmente após a Restauração.

Interessa assim ao assunto ponderar a sequência de acontecimentos:
- Existiria um arco antigo, atribuído a Sertório, em Évora.
- Esse arco foi mandado abaixo por D. Sebastião a pedido do Cardeal D. Henrique em 1570
- D. Sebastião decide mandar construir em 1573 em Castro Verde um arco monumental
- Esse arco monumental desapareceu (... ou estará incluso na Igreja de Castro Verde?)
- Évora manda construir apressadamente um arco triunfal para a entrada de Filipe III em 1619
- Não restam sinais desses arcos...

Poderá em todos estes casos se ter tratado de desmontar e voltar a montar?
Tendo as pedras do arco original sido retiradas, a questão também seria o que fazer com elas, e por que não haveria D. Sebastião de aproveitá-las, e refazer o monumento no sítio que lhe parecia mais adequado? - Fica apenas como hipótese em aberto... 

Termino, referindo ainda que o tamanho das paredes da Igreja Matriz de Castro Verde são, segundo Castilho, de 16 palmos e meio! Ou seja, estamos a falar de mais de 3 metros de largura nas paredes.
Pode ver-se que as janelas têm de facto uma grande profundidade (mas não me parece chegarem aos 2 metros):

Voltando à pergunta inicial:
- Vendo esta fotografia, será ou não possível que, em vez de uma parede maciça tenhamos uma parede oca, com dimensões suficientes para conter quartos, ou múltiplas divisões, dentro de si?


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Notas adicionais: (04.06.2020)
Em comentário a este postal, Carlos Figueiredo teve a amabilidade de fornecer imagens tiradas por si, dos dois leões que estão no Museu de Évora:

Portanto, o conjunto de 4 está presente, dois no museu, e dois no chafariz, na estrada.
Repare-se que, o museu não teve problemas em juntar os leões a outras antiguidades "romanas".
E coloco "romanas", entre aspas, porque o friso superior tem um conjunto de escudos e cabeças bovinas, que não me parecem se enquadrarem no contexto romano conhecido.

Ao mesmo tempo, é habitual dizer-se que os leões faziam parte do chafariz da Praça do Geraldo. Veja-se que não há qualquer referência ao tempo "romano" quando se fala do Chafariz dos Leões:
Arquitectura infraestrutural, quatrocentista. Chafariz quatrocentista de tipologia semelhante à do Chafariz d’el Rei, do Chafariz das Bravas e do Chafariz de São Bartolomeu. As gárgulas de mármore em forma de cabeça de leão são provávelmente originárias do antigo Chafariz da Praça do Geraldo. 
Ver os leões como gárgulas, apenas porque lhes abriram um buraco para escoar água, é outra coisa frequente. Mas se é mais ou menos claro que o leão da esquerda era o que se encontrava na foto antiga do museu, o que aconteceu ao leão da direita?
 
Na placa do leão à direita, que se consegue ler na foto de Carlos Figueiredo, está escrito "Convento de S. Bento de Castris". Numa descrição desse convento (neste link) lê-se:
No mencionado quintal da Lavagem subsistem, além deste tanque, com velha gárgula constituída por leão de mármore, quinhentista, mais dois poços, a saber: (...)
Como a descrição não parece ter origem no blog, não consigo saber a data, e assim saber se este mencionado leão poderá coincidir com o que foi parar ao museu.
Caso contrário, há bastantes leões em redor de Évora, e não serão propriamente "quinhentistas"... existindo uma probabilidade razoável de nem sequer serem romanos. Com efeito, se repararmos nos traços capilares do leão, uns traços que decoram o dorso, esse padrão está ausente de outras representações romanas ou gregas, que normalmente os viam com juba mais encaracolada, ainda que o leão grego de Knidos (Sec. II a.C) tenha certas semelhanças (na posição e cauda).

Como se não bastasse o destino mais degradado dos leões do chafariz na estrada, alguém da câmara, ou da junta, terá tido a bizarra ideia de caiar os leões, conforme Carlos Figueiredo fez notar:

Tratando-se de problemas que acumulam mais de 400 anos, é de esperar que 400 minutos não cheguem para o resolver, nem tão pouco 400 dias.

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Nota Adicional (05.06.2020)
Ainda num outro comentário, foi apontada a existência de uma fotografia do Séc.XIX da parte anterior do Açougue, antes da sua demolição, que encontrei num artigo brasileiro (An. mus. paul. vol.26, Epub Nov 23, 2018) sobre Évora e a missão jesuíta de São Miguel:
Parte anterior do Templo de Diana, que serviu de açougue, antes de ser destruído.
Conforme apontado no comentário é possível ver na parede anterior um brasão de armas, que aparenta ser real.