segunda-feira, 22 de março de 2021

A África começa nos Pirinéus (5)

Normalmente era habitual os reinos colocarem nas suas moedas os seus símbolos distintivos.
Foi isso que se passou com as moedas cartaginesas, fenícias, mas então e as moedas judaicas?
Recupero um pouco a linha aqui interrompida sobre moedas.

Moedas fenícias

As moedas fenícias, os xequel, diferem segundo a cidade, relembrando que a Fenícia não era apenas Tiro, havia uma rivalidade com Sídon e também não seria desconsiderada a importância de Biblos. 

(1) Biblos

Começamos com Biblos, a cidade mais a norte. A típica aparência das moedas que encontramos é esta:
- uma embarcação com 3 guerreiros (ditos hoplitas gregos) sobre um cavalo-marinho alado; 
- no verso, um leão abocanhando um touro:

Séc. IV a. C.
Coin Archive: PHOENICIA. Byblos. Uzzibaal, circa 400-365 BC. Shekel (Silver, 23 mm, 13.22 g, 11 h).
Galley, with an eyed prow ending in a ram and a lion's head figure head, and with three armored
Greek hoplites standing left on deck, moving to left above waves;
below, Phoenician letters 'z above a hippocamp swiming to left with a murex shell below.
Rev. zb'l mlk gbl (in Phoenician) Lion attacking a bull to left.

(2) Sidon
Neste caso de Sídon, cidade no meio, há dois tipos de moedas comuns, um que invoca uma fortaleza com 4 torres, que depois deixa de aparecer, talvez consequência de uma destruição persa. Em substituição aparece um navio multirreme. No verso, umas vezes aparece um rei dominando um leão, noutros uma quadriga (associada ao domínio persa).

Séc. IV a. C.
Coin Archives: PHOENICIA. Sidon. Baalshallim II, circa 401-366 BC. Double Shekel (Silver, 32 mm, 27.93 g, 12 h).
Phoenician galley to left over double row of waves; above, 'Beth' (Phoenician).
Rev. Persian king and driver in chariot to left; behind, king of Sidon walking left, holding scepter.

Séc. V a. C.

Coin ArchivesPhoenicia, Sidon AR Half-Shekel. Time of Ba'alšillem I - Ba'ana, circa 425-402 BC. City walls with four towers, before which a Phoenician galley to left; below, two lions leaping in opposite directions / Persian Great King or hero standing to right, holding dagger and grasping mane of lion held before him; all within incuse square.


(3) Tiro
No caso de Tiro, parecem ser claros dois períodos. Um anterior à invasão de Alexandre Magno, com o cerco de Tiro, que levou à conquista da cidade, e um posterior em que aparece uma águia/fénix.
No caso anterior a 332 a.C., as moedas tinham tipicamente um cavalo marinho alado (como em Biblos, mas aqui na parte superior), e no verso estava uma coruja. Após a conquista helénica, e sob o império seleucida, passou a estar uma cabeça de rei ou Melkart, e no lado oposto uma águia, com letras gregas.

Séc. V a. C.
Coin ArchivesPHOENICIA. Tyre. Ca. 425-394 BC. AR shekel (25mm, 13.18 gm, 8h). NGC Choice XF 2/5 - 3/5.
Uncertain king. Bearded deity (Melqart?), bow and arrow in left hand, reins in right, riding winged hippocamp right above waves; dolphin swimming right below, all in guilloche border /
Owl standing right, head facing, flail and crook over shoulder; guilloche border

Séc. II a. C.
Coin ArchivesPhoenicia, Tyre AR Shekel. Dated CY 10 = 117 BC. Laureate bust of Melkart to right /
ΤΥPΟΥ Ι[ΕΡΑΣ] ΚΑΙ ΑΣΥΛΟΥ, eagle standing to left on prow, palm behind;
LI (date) above club to left; ZB monogram to right, Phoenician letter beth between legs.

No entanto, convém referir que esta é já uma moeda típica do período helénico, após Alexandre Magno, que se encontra não apenas na parte seleucida, mas igualmente com o mesmo aspecto na parte ptolomaica. Não é assim uma moeda de Tiro, será mais uma moeda macedónica cunhada em Tiro.


(4) Cartago
Há várias inscrições típicas. Começamos por um estáter de ouro, com a deusa Tanit e o cavalo.

Séc. IV a. C.
Coin ArchivesCARTHAGE. Circa 350-320 BC. Stater (Gold, 20 mm, 9.19 g, 4 h).
Head of Tanit to left, wearing triple pendant earring, necklace, ... with seven pendants, and a wreath of grain leaves.
Rev. Horse standing to left; in field to right, before horse's fore legs, three pellets arranged as an inverted triangle.

Alternativamente, começa a aparecer a palmeira (tamareira), por exemplo, atrás do cavalo, na primeira moeda, e depois na face da moeda seguinte, com cachos de tâmaras.

Séc. IV a. C.
Coin ArchivesCARTHAGE. Circa 400-350 BC. Æ Unit (16.5mm, 3.50 g, 6h).
Carthage mint. Wreathed head of Tanit left / Horse standing right; palm tree in background.


Séc. IV a. C.
Coin ArchivesZEUGITANIA. KARTHAGO.1/10 Stater. ca. 350 - 320 v. Chr. Vs.: Palme. Rs.: Pferdekopf

(5) Cádis

Há ainda moedas com inscrições fenícias/cartaginesas em Cádis, onde tipicamente nesta Andaluzia sob influência cartaginesa um dos símbolos usados eram um ou dois atuns... do outro lado, a cabeça deixa de ser entendida como Melkart, e passa a associar-se ao equivalente Hércules. 

Séc. II a. C.
Coin ArchivesGades. Hemidrachm. 120-20 BC. Cadiz. (Abh-1308). (Acip-634).
Anv.: Head of Melkart on left, wearing a lion's skin. Rev.: Tuna right with Phoenician legend type B.

(6) Judeia
Há um registo de evolução de moedas judaicas aqui:


que começa com umas pseudo-variações de moedas de Tiro, que tal como as de Atenas tinham uma coruja (símbolo de Atena), dizendo que a inscrição com 3 letras num "paleo-" (paleio) qualquer, quer dizer "Yehud". Esqueceram o detalhe que a coruja tem cauda, como as de Tiro, e não tem olhos grandes como as de Atenas. Têm mais duas moedas, tipicamente uma helénica e outra cartaginesa, e um paleo-paleio para tentar argumentar que havia moedas judaicas anteriores à queda de Cartago. 
As que mostram seguidamente são posteriores, e são simples variações de moedas seleucidas, que até têm o símbolo do império que ali dominou de 332 a.C. até à chegada romana, com uma concessão breve aos macabeus e a Herodes.

Portanto, não há vestígios de moedas judaicas antes do Séc. I a.C.
Depois será discutível... mas já estamos no tempo de Jesus, com 30 dinheiros em "shekels de Tiro".
Quando se começa a ver uma produção minimamente significativa, é quando se dá a primeira revolta Judaica que termina numa Massada e no transporte da menorá (candelabro judeu) para Roma, como se vê no Arco de Tito (onde é praticamente a única coisa não vandalizada):

Curiosamente desse minúsculo período, os judeus vão fazer moedas que sobreviveram em boa quantidade, invocando outros símbolos judaicos... ou nem tanto quanto isso:

Séc. I
Coin ArchivesJewish War. 60-70 CE. AE Half Shekel (26 mm, 15.22g). Jerusalem mint.
Dated year 4 (69/70 CE). 'Year four, half' (Shekel) in Hebrew, two lulav branches flanking ethrog.
Reverse: ''To the redemption of Zion' (in Hebrew), palm tree with two bunches of dates, flanked by baskets with dates.
Séc. I
Coin ArchivesJudaea, The Jewish War. Bronze Prutah; Judaea, The Jewish War; 66-70 CE, Year 3=68/69 CE, Prutah, 2.53g. Hendin-1363, Meshorer-204. Obv: Amphora with broad rim, two handles, and conical lid decorated with tiny globes hanging around edge; "Year 3" around in Paleo-Hebrew. Rx: Vine leaf on small branch with tendril; "the Freedom of Zion" around in Paleo-Hebrew.

Séc. I
Coin ArchivesJewish War. The Jewish War. Year 3, Silver Shekel (14.02 g) 66-70 CE. Jerusalem, Year 3 (68/9 CE). 
'Shekel of Israel' (Paleo-Hebrew), ritual chalice with pearled rim, the base raised by projections on both ends; above, 'Year 3'. Reverse: 'Jerusalem the holy' (Paleo-Hebrew), staff with three pomegranate buds, rounded base.


Não encontrei nada com a menorá, aliás não se conhece que o símbolo apareça muito antes deste transporte registado no Arco de Tito. Diz-se que um sarcófago em Magdala (descoberto há dez anos) que tem uma menorá, pode ser algumas décadas anterior a Tito.

Faço notar a presença da Palmeira (Tamareira) na primeira moeda destas três.
- Por que razão é importante? 
Porque era um símbolo de Cartago. Aparecia também nas moedas de Cartago.
Ora se as tâmaras se associavam a Cartago, também a parreira (2ª moeda) se pode associar à vinha, ou as granadas (3ª moeda)... a Granada. Para não se dizer que as inscrições são variantes fenícias, diz-se que são paleo-hebraicas. 
Ora este paleio hebraico significa que na prática não existia língua hebraica consolidada, fala-se num "aramaico" para evitar uma relação directa com o fenício. Praticamente o que se falava na região eram apenas variantes, e seria natural que o fenício de Tiro tivesse variação em Biblos, etc.

Ora, as típicas representações em moeda das palmeiras/tamareiras usavam 3 ou 4 ramos para cada lado.
Isso é engraçado porque se o topo da menorá for destacável, basta inverter, para obter o símbolo da tamareira. Três ramos são usados para o templo, e quatro para o Hannukah.
... além disso, não esquecer que apareciam dois cachos de tâmaras, um de cada lado:
A essas coisas os judeus chamam etrog (uma das 4 espécies, sendo outra folhas de palmeira - lulav).

Tal como a Fénix é um bicho mitológico que renasce das cinzas após a sua morte, e que corresponderia a um renascer da Fenícia, depois dos habitantes de Tiro se verem sujeitos a manusear moedas com a águia imperial dos gregos seleucidas/ptolomaicos, também haveria a memória de fazer renascer as tamareiras de Cartago, arrasada pela águia imperial romana, virando a menorá, para matar saudades...

Quanto à destruição do Templo de Herodes, os judeus voltaram a revoltar-se, já no Séc. II, ainda não tinha passado um século da primeira revolta. Aí já encontramos os símbolos judaicos mais típicos, para além do lulav no verso, vemos o templo com a Arca da Aliança (notando que isto já seria uma visão de quem pouco ou nada tinha visto, pois eram já passados 65 anos):

Séc. II
Coin ArchivesBar Kokhba Revolt. Year One, 132-135 CE, Silver Sela (13.95 g). Jerusalem (132/3 CE). 
In Paleo-Hebrew 'Jerusalem' on three sides of the facade of the Jerusalem Temple; show bread table or Ark of the Covenant inside with semicircular lid seen from its end at center of entrance.
Reverse: 'Year one of the redemption of Israel' (Paleo-Hebrew), lulav with etrog at left. 

O que resta do Templo - o "Muro das Lamentações", acaba por ser outro lamento, já que claramente resulta de um empilhar de grandes pedras que pertenceriam... sabe-se lá a quê!


O muro das lamentações é essencialmente uma manta de retalhos, provavelmente
reconstruído empilhando grandes pedras (não tão grandes quanto Baalbek) de um ou mais templos.

Em conclusão...
Apesar de ser cultura popular, religiosa e não só, que os judeus têm uma tradição milenar que remontaria a tempos egípcios com Moisés, e depois com Salomão, a situação objectivamente traçada por confrontação com outros registos históricos, tem tantas pernas para andar quanto acreditar na sucessão da Monarquia Lusitana feita por Bernardo de Brito... ou talvez ainda muito menos.

Símbolos judaicos como a menorá, ou outros, não se encontraram antes dos tempos romanos.
Com o registo de moedas, língua, inscrições escritas, etc, tudo vai parar à altura de Herodes, na melhor das hipóteses... ou seja, já sob domínio imperial romano.

Os historiadores gregos não deram que existissem judeus, sendo certo que haveria por ali alguém, mas não com importância de ser mencionado. Alexandre Magno passou por ali como se não existissem, e só foi parado em Gaza, onde teve de fazer mais um cerco complicado, e exibir a sua gloriosa misericórdia com o valoroso general persa inimigo, arrastando-o pelo chão no seu carro de combate até morrer.

Ora, quem ali existia digno de referência pelos gregos e restantes, eram os fenícios.
Com a queda de Tiro por Alexandre no Séc. IV a.C., com a terraplanagem de Cartago no Séc. II a.C., e já sem Cartagena ou Cádis, pela mesma altura, aos fenícios só restava sucumbirem.
Segundo o consenso histórico, teria sido isso que aconteceu... depois de um brilhante período, desapareceram da História, no fim da última Guerra Púnica.

Não me parece...
Como uma Fénix, creio que o que os fenícios acabaram por fazer foi reinventar-se.
Absorveram diversas dissidências que foram convergindo para um mesmo objectivo:
- Não desaparecer da história...
No Séc. II a.C. já contariam com vários aliados no mesmo propósito... afinal até os egípcios começavam a perder a sua relevância e cultura, ficando definitivamente greco-romanos. 
Os fenícios ligavam os deuses a homens, os sacerdotes egípcios herdeiros do monoteísmo de Akenaton, seriam os mais interessados em fazer reavivar as ideias de um monoteísmo perdido.
Nada mais natural do que lavrarem uma sagrada aliança no monte Sinai.

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