A Guerra da Crimeia (1853-56) foi o primeiro grande conflito a ter documentação fotográfica, uma boa parte pelo fotógrafo inglês Roger Fenton, e sendo particularmente célebre a fotografia que ficou conhecida como "Valley of the Shadow of Death" (invocando o Salmo 23 do Velho Testamento):
Guerra da Crimeia - Valley of the Shadow of Death, por Roger Fenton
O único factor que identifica tratar-se de uma foto de guerra são as balas de canhão dispersas, acumuladas numa estrada, num vale da Crimeia, onde se deu a desastrosa "carga de cavalaria ligeira".
Num conflito que consta com centenas de milhares de mortos, nas fotografias de Fenton não se vê um único... e esse é um ponto interessante, não se conhecerem fotografias das vítimas. Fenton regista poses em campo de comandantes, de soldados, a disposição de navios, e até ilustra mesmo a sua caravana fotográfica, mas o mais que se lhe conhece é a foto de um ferido a ser assistido:
Roger Fenton: Um zuavo (francês argelino) ferido é assistido, pose das tropas,
caravana fotográfica de Fenton, e inúmeros navios no porto de Balaclava
Certamente que não seria muito conveniente ver a parte desgraçada, onde do heroísmo restavam apenas um empilhar de mortos em poses tenebrosas. A questão seria mais de saber se se tinha tratado de uma opção circunstancial, ou generalizada...
Na década de 1850 as fotografias davam os seus primeiros passos, após os primeiros daguerreotipos, inventados duas décadas antes, e eram já vários os fotógrafos que se aventuravam pelo mundo, como o caso de Felice Beato, que divulgou as primeiras fotos da China e Japão.
Em 1860, aquando da 2ª Guerra do Ópio, Felice Beato mostra a incursão anglo-francesa nos Fortes Taku, com toda a crueza do resultado em morte dos defensores chineses:
Felice Beato (1860) - tomada dos Fortes Taku na 2ª Guerra do Ópio.
Portanto, ainda que houvesse alguma tentativa de contenção, Felice Beato terá arranjado forma de fazer chegar e divulgar as suas fotografias na Europa.
Já antes, em 1859, no decurso da 2ª Guerra de Independência Italiana, na batalha de Melegnano, aparecera uma fotografia dos corpos mortos em combate.
Cemitério de Melegnano após a batalha (1859) - imagem da foto estereoscópica
É significativa a abundância de fotos estereoscópicas, visíveis em perspectiva a 3 dimensões, logo no início das próprias imagens fotográficas. A técnica não sendo complicada, acabou por ser progressivamente abandonada, nas décadas seguintes - mas ainda hoje poderia ser facilmente retomada (como uma novidade com mais de 150 anos...)
Outro aspecto curioso, que se pode ver nas fotografias de Felice Beato, era a sua pintura posterior, como neste exemplo, das suas muitas fotografias do Japão:
Felice Beato - Samurais japoneses - fotografia pintada (imagem).
Finalmente, o aspecto menos glorioso da guerra acabou por ser espelhado nos fotógrafos da Guerra Civil Americana, nomeadamente Mathew Brady, Alexander Gardner ou Timothy O'Sullivan, que focam particularmente a carnificina ocorrida, nos momentos históricos mais significativos - como no caso da Batalha de Gettysburg (1863):
Timothy O'Sullivan (1863) Batalha de Gettysburg - corpos de soldados unionistas (imagem)
Há uma diferença significativa entre o que se passa nos últimos 150 anos, e antes disso...
A partir de 1850 as técnicas fotográficas generalizam-se muito rapidamente, e desde aí todos os acontecimentos relevantes, que não foram apenas episódios muito pontuais, em sítios remotos, foram fotografados. Se as fotografias foram tornadas acessíveis ou não... pois isso já é um assunto diferente, dado que continua a haver um profundo secretismo histórico que compromete heranças de estados e nações. Mas é claro que há uma diferença muito significativa entre os quadros encomendados, com um certo cariz heróico na guerra, e a crueza da realidade que é captada por uma máquina fotográfica, como se vê bem neste último exemplo de Gettysburg, que fotografa os vencedores... mortos no campo de batalha.
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