quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A Lava de Mistérios

"Mistério" é uma palavra açoriana associada a formações de lava, que incluem os "biscoitos".

Embora os mistérios sejam formações de lava de vária ordem, num inventário do Concelho de S. Roque, na ilha do Pico, encontrámos de novo os carris, ou valetas sobre a lava:
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SANTO ANTÓNIO • AO LONGO DA COSTA, SANTANA, CABRITO, ARCOS E LAJIDO
PAISAGEM PROTEGIDA DE INTERESSE REGIONAL (Decreto Legislativo Regional nº12/96/A, de 27 de Junho)
ÉPOCA DE CONSTRUÇÃO INICIAL: SÉC.XV/SÉC.XVII
DESCRIÇÃO: Antiga via de comunicação que, junto à costa, ligava a Vila da Madalena e outras localidades deste concelho ao Lajido (Santa Luzia), Arcos (Santa Luzia), Cabrito (Santa Luzia) e Santana (Santo António), onde terminava.
Em alguns locais existem vestígios de calçada, enquanto noutros está à vista a utilização de lajes de pedra. Ainda em outros locais desta via, onde a estrada actual não os cobriu, são visíveis trilhos vincados nas lajes, alguns com considerável profundidade (Lajido), resultantes da passagem intensa de carros de bois.
Ao longo desta via, em alguns pontos, existem ainda os muros, em alvenaria de pedra, que a ladeavam.
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Lava que lava
A lava que lava é algo que parece ter tido significado literal, já que ainda em S. Roque são visíveis os tanques esculpidos em basalto:
São Roque - tanques de lava...

Por toda parte nos Açores se celebra o culto do Espírito Santo.
As ilhas que serviam de base para a exploração atlântica foram armazém dos mistérios que já tinham, antes da colonização oficial portuguesa, e que continuaram a alimentar em secretismo nos séculos seguintes, do XV ao XVII. 

O meu conhecimento do hermetismo nacional é quase nulo.
Num dos blogs que mais se esforça por divulgar as múltiplas facetas desse hermetismo literário:

podemos encontrar dois excertos de uma obra de Paulo Loução: A Alma Secreta de Portugal, que tem entrevistas com José Manuel Anes (Grão Mestre da Grande Loja Regular de Portugal) e António Cândido Franco, que referem justamente esse antigo culto do Espírito Santo:
Esculpidos na entrelinhas de uma literatura surgem assim detalhes que nos levam aos mistérios da entidade nacional... como se o legado greco-romano invocasse um outro legado. Como é referido nesses excertos, um ponto que parece fundamental é a característica desse legado ter sido transportado na essência pela tradição popular, já que na tradição erudita tudo aparece mais confuso pela exigida ligação clássica ao legado greco-romano.

No texto Quinotauro de Chauvet, falámos da representação do mito do Minotauro que parecia ser sugerido numa gravura rupestre da Gruta de Chauvet. No entanto, pudemos depois ver que a imagem era parcial, e haveria uma continuação que levava a um desenho de uma leoa (consorte de um rei leão ou rei Minos?)...
A leoa e o mito do Minotauro na Gruta de Chauvet.

Portanto, até pela própria mistura de desenhos, que já ocorria nas antigas pinturas, o legado ficou sobreposto, deixado a uma confusão cuja intenção, ou se perdeu na noite dos tempos, ou ficou guardada sigilosamente em organizações ancestrais. Porém, à distância de milénios todo o legado pouco mais é que uma crença de continuidade. É fácil em poucas gerações iludir ligações milenares, a ponto de que as confirmações pouco mais sejam do que um reforçado querer acreditar. 

Quando vemos os cavalos nas imagens de Chauvet, podemos também descobrir outros desenhos, fazendo notar um retoque, uma sobreposição conveniente, adaptada a novo desenho:
Será que os cavalos foram imagem original, ou foram mera alteração de desenhos anteriores, que representavam cervos? (note-se a presença dos chifres) 
Coloco aqui um excerto de um comentário de José Manuel, que faz notar a melhor qualidade de desenho existente em tempos remotos, e que parece até sugerir uma capacidade fotográfica de grande resolução. De acordo com um artigo em LaPresse.ca
LES HOMMES DES CAVERNES DESSINAIENT MIEUX
Les hommes des cavernes dessinaient mieux que les artistes modernes selon une étude publiée dans une revue scientifique américaine.

Les chercheurs ont notamment observé les dessins des grottes de Lascaux.
Les hommes des cavernes dessinaient mieux la démarche des animaux que les artistes modernes, selon des comparaisons effectuées par des chercheurs dont les résultats sont publiés mercredi dans une revue scientifique américaine.
La plupart des quadrupèdes ont une séquence similaire dans le déplacement de leurs pattes, qu'ils marchent, trottent ou courent.
Ces mouvements ont été étudiés scientifiquement à partir du début des années 1880 par Eadweard Muybridge, un photographe britannique célèbre pour ses décompositions photographiques du mouvement dont se sont ensuite inspirés de nombreux artistes.
Les auteurs de cette recherche ont examiné les peintures préhistoriques de boeufs et d'éléphants dans plusieurs grottes comme celle de Lascaux en France ainsi que des tableaux et des statues modernes représentant aussi des quadrupèdes en mouvement.
Ils ont évalué l'exactitude de la reproduction du mouvement dans ces peintures et sculptures par rapport aux observations scientifiques des démarches de ces animaux.
Taux d'erreur plus faible
Ils ont découvert que souvent les animaux représentés marchant ou trottant avaient leurs pattes dans des positions erronées.
Les peintures préhistoriques, elles, avaient un taux d'erreur nettement plus faible (46,2%) que les oeuvres modernes (83,5%) datant d'avant 1887, année à laquelle remontent les travaux de Muybridge. Ce taux d'erreur est tombé après cette date à 57,9%.
Cette étude effectuée par Gabor Horvath de l'Université Eotvos à Budapest en Hongrie, paraît dans la revue scientifique américaine PLOS ONE datée du 5 décembre.
Acresce que na Gruta de Chauvet vemos mesmo uma sequência de desenhos, que parece pretender dar a ideia de movimento, como é o caso de uma sobreposição de imagens de rinoceronte:

Porém, a questão principal não é colocada sobre as imagens que existem...
... a questão principal é colocada sobre as imagens que desapareceram!

O aparecimento de pinturas, que foi recuperado em grutas perdidas, inacessíveis por milénios, deixa como questão principal o destino que tiveram todas as outras pinturas, que certamente haveria em muitas outras cavernas acessíveis.
O que se passou com essas pinturas?
Houve uma lava, uma lavagem de paredes?
Foram aqueles registos passados vistos como "graffitis" incómodos por gregos e romanos?

Na Índia, Ajanta junta uma série de pinturas, que podem sugerir uma sobreposição sucessiva:

... portanto aqui a questão não foi uma "lava" de lavagem, mas sim uma provável "lavagem" com sobreposição sucessiva de novas pinturas. O registo das várias cavernas de Ajanta indica pinturas que vão desde o Séc. II a.C. ao Séc. VII d.C., num período de quase mil anos, em que o local serviu de registo icónico.

No entanto, será que podemos reduzir o registo de cavernas indiano a esse período "recente"?
Já vimos que não... falámos sobre Bhimbetka, mas há ainda outros registos, que eram conhecidos no início do Séc. XX e que parece que desapareceram de menção recente.

Um caso notável seriam as pinturas de Singanpur, que se encontram mencionadas num livro de 1927:
Cena de caça em Gruta de Singanpur

Hoje parece dificil reencontrar os lugares mencionados por Panchanan Mitra há um século atrás... as cavernas parecem ter voltado a ficar esquecidas, o caso de Singanpur é apenas um dos exemplos aí referido. 
Portanto, a lava continua a escorrer de um vulcão de esquecimento programado.

A questão muito simples, mas tortuosa é a seguinte:
- O que sabe a geração seguinte se a geração anterior se empenhar na ocultação?
- Que língua falariam os filhos se os pais se recusassem a ensiná-los a falar?

Os filhos a quem os pais decidissem "não ensinar a falar" seriam assumidamente condenados a um "estatuto quase animalesco"... e que pais seriam capazes de tal discriminação?
Pois bem, foi quase a esse nível que as coisas foram colocadas pela nossa herança humana... onde a escolha dos eleitos para a herança, condenaria os restantes a um nível bastante inferior de desenvolvimento, numa perspectiva que chegou a ver esses excluídos como "animais" destinados ao serviço dos restantes.

Pois bem, essa atitude tem um reverso complicado... pois o desenvolvimento é uma questão subtil.

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