terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Taybencos, a que agora chamamos Chins

Já houve tempos de censura... e hoje estamos a ser conduzidos para tempos de auto-censura.
O exemplo do wikileaks não é tanto um caso de censura, é uma indicação para auto-censura. O que é difundido pelos meios de comunicação tem um propósito. Neste caso, os jornalistas são avisados que devem ser contidos na liberdade de expressão... ou arriscam-se às consequências.
Se os agentes secretos devem estar reservados ao sigilo, pelo seu compromisso profissional, os jornalistas que sabem dessa informação não fizeram nenhum voto de sigilo, para estarem comprometidos a uma efectiva limitação da sua liberdade de expressão.

António Galvão, que é uma nossa fonte preferida, dizia algo bastante instrutivo:
 (,,,)  não podia ser a Terra toda sabida, e a gente comunicada, uma com a outra, porque quando assim fosse se perderia pela malícia e sem justiça, dos habitantes dela.

É um efectivo aviso ao mundo onde começava a viver... um mundo global, sem qualquer alternativa, nunca se livraria da malícia e da injustiça dos homens, seus governantes. 
Mais do que um mundo global, avizinhava-se uma prisão global.
Como é claro, a prisão só é percepcionada por aqueles que viram a altura das paredes que os cercam... todos os outros, que não vislumbram restrições, esses consideram-se livres. Afinal, nunca nenhuma ditadura suprimiu a liberdade de expressão para receitas de culinária e casos de futebol. 
Os limites da liberdade de expressão só são perceptíveis por quem tem algo inconveniente para revelar.

Feita esta pequena introdução conjuntural, continuamos com António Galvão, acerca dos descobrimentos chineses:
E porque os maiores descobrimentos e mais compridos foram por mar feitos, principalmente em nossos tempos, desejei saber quais foram os primeiros inventores disto, depois do Dilúvio. 
Uns escrevem que foram os Gregos, outros dizem que os Fenícios, outros querem que os Egípcios... Os Índios não consentem nisso, dizendo que eles foram os primeiros que navegaram, principalmente os Taybencos, a que agora chamamos Chins... e alegam para isso serem já senhores da Índia até ao Cabo de Boa Esperança, e a Ilha de São Lourenço por ser povoada deles ao longo da praia (...)
O nome Taybencos (Taibencos, ou Tabencos) associado aos Chineses encontro-o exclusivamente na obra de Galvão e nas citações que lhe foram feitas. Seria mais associável à Tailândia, mas Galvão é claro, e as traduções seguem-no.
Há ainda que notar que Galvão usa uma expressão geral de Índios... talvez a única adequada à época. Os índios não seriam mais do que todos os povos de feição oriental. Por isso, haveria as Índias Ocidentais e as Orientais... as feições do povo eram consideradas semelhantes, em partes geográficas distintas.
Também não havia notícia de chineses em Madagáscar (Ilha de São Lourenço)... e porém aqui está o registo do seu povoamento ao longo das praias da ilha.

É sempre preciso colocar António Galvão no seu devido lugar, e para isso é preciso recorrer a autores estrangeiros. Quando o Almirante Charles Bethune reedita a obra de Galvão em 1862, traduzida por Hayklut em 1601, diz claramente que: 
But his deeds were not limited to earthly conquest. Galvano, so intrepid at the head of this troops, might also be seen, with a crucifix in this hand, preaching the Gospel publicly, whereby he became known as the "Apostle" of the Mollucas. (...)
Faria e Sousa sums up his high qualities in these words: "His fame will never perish so long as the world endures; for  neither weak kings, nor wicked ministers, nor blind fortune, nor ages of ignorance, can damage a reputation so justly merited
He spent the latter part of his life in compiling an account of all known voyages, and thus he may be styled the father of historical geography.
Para o Almirante Bethune, Galvão é o Pai da Geografia Histórica, para os portugueses será um completo desconhecido, ausente de qualquer referência condicente na História de Portugal. 
O último registo é a reedição de Miguel Lopes Ferreira, em 1731, dedicada ao Conde da Ericeira, D. Luiz Meneses. O tempo de D. João V irá terminar, e com o Marquês de Pombal, todos os registos vão cair na destruição do Terramoto. 
O livro ficará com o epíteto de "raríssimo" até aos dias de hoje... tão somente porque as mesmas forças que condenaram a figura ímpar de Galvão à mendicidade, nunca deixaram de estar presentes e a comandar os nossos destinos.

Galvão prossegue na descrição:
... e os Jaos [Java], Timores, Selebres [Celebes], Macasares [?], Malucos [Molucas], Borneos, Mindanaos, Luções, Léquios, Japões e outras ilhas, que há muitas, e as terras firmes de Cauchenchinas [Conchinchina, Vietname], Laos, Siamis [Sião, Tailândia], Bremas [Birmânia], Pegus [Birmânia], Arracões [?], até Bengala & além disto, a Nova Espanha, Perú, Brasil, Antilhas e outras conjuntas a elas, como se parece nas feições dos homens, mulheres & seus costumes, olhos pequenos, narizes rombos, & outras proporções que lhe vemos. E chamarem ainda agora a muitas destas ilhas & terras Batochinas, Bocochinas, que quer dizer Terras da China.
Ou seja, Galvão aparenta deduzir pela semelhança fisionómica que todos estes povos [basicamente   a maioria das ilhas do Pacífico, Indico, e toda a América] estavam ligados aos chineses, e eram seus descendentes, por colonização... invocando a designação Batochinas com possessões chinesas.

Mas Galvão acrescenta ainda mais razões para serem os Chineses os primeiros navegadores:
Além disto os nossos escritores deixaram escrito que a Arca de Noé, se assentara da parte norte dos montes da Arménia, que está de 40º para cima [o monte Ararat está a 39º42'], e que logo dali fora a Schytia povoada por ser terra alta e a primeira das águas a ser descoberta. E como a província dos Thaibencos seja uma das principais da Tartaria (se assim é como dizem) bem se mostra serem eles dos mais antigos povoadores e navegadores. Pois neles se acaba aquela terra do levante & os mares são tão bons de navegar como os rios destas partes, por jazerem entre os trópicos onde dias e noites não fazem muita diferença, assim nas horas como na quentura, por onde não há ventos tão destemperados que alevantem as águas, nem as façam soberbas. 
E por experiência o vemos nos pequenos barcos em que navegavam, com um ramo por mastro, & vela, & um remo na mão com que governam, correm muito mar e costa. E assim, nuns paus a que chamam Catamarões, em que se escancham ou assentam & vão com o outro remando. E querem ainda que estes Chins fossem senhores da maior parte da Scithia & que navegassem toda a sua costa, que parece estar até 70º da parte norte. 
Cornélio Nepote referido, assim o aprova, onde diz, que Metelo, colega de Afranio, estando por consul em França, el rey da Suévia lhe mandara certos índios, que vieram pela parte do norte, às praias da Alemanha, & segundo isto devia ser da China, por estar de 20º, 30º, 40º para cima, e tem naus fortes e de pregadura que podeiam sofrer mares e terras tão frias e destemperadas como aquela. 
Se o primeiro argumento está envolto naquilo a que nos habituámos a ver como mito do Dilúvio, os outros argumentos já são de mais difícil contra-argumentação. Por um lado encontramos o primeiro registo aos Catamarãs... designados por Catamarões, e de facto a navegação naquelas partes nada tem a ver com as dificuldades atlânticas. 
Por outro lado, o registo romano de Cornélio Nepote (100-30 a.C), mostra um argumento de navegação organizada, exploratória, que contactou a Alemanha - os Suevos, Suevos que depois se iriam instalar em Portugal e Galiza. Ou seja, esse registo pode não ter sido esquecido dos reis Suevos, ao focarem a sua migração ibérica. Esse registo é tanto mais notável quanto mostraria uma eventual travessia da Passagem Nordeste.

Galvão tem o relato vivido da época. Se os portugueses conquistam o Indico e atingem a China em menos de 20 anos, com D. Manuel, isso mostra um enfraquecimento de qualquer poderio naval, seja dos muçulmanos, seja dos chineses. No entanto, Galvão procura ter o distanciamento suficiente para aceitar que os relatos chineses corresponderiam a efectivas navegações... e essa verdade contrariaria toda a História que se estava a preparar para ser contada durante séculos até hoje!

[Este post surge na sequência do contacto com http://www.redescobrindoobrasil.com.br/   que agradecemos]
.

15 comentários:

  1. Giro este documentário para quem tiver interesse na matéria da descoberta da América.

    Meto-o aqui porque fala da suposta descoberta da América pelos Chineses mas... Além deles muito mais terão "descoberto" o dito continente.

    https://www.youtube.com/watch?v=SgwNlyspDpY

    Ab

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    1. O mais engraçado nesses documentários é esquecerem-se sempre dos portugueses... o processo de desconstrução do papel dos portugueses nos descobrimentos já está tão avançado, teve e tem tanto apoio interno, que praticamente vai-se concluir que o pessoal nem ao Brasil foi.

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  2. Re: "praticamente vai-se concluir que o pessoal nem ao Brasil foi"

    Já esteve menos longe, dos descobrimentos portugueses virarem história morta tipo fenícios... no currículo do 11° aqui sobre impérios ao holandês dão uma página inteira o português ficasse por umas poucas linhas, noutros países não sei, mas deve ser a mesma coisa, há que ter a coragem de abanar as torre de marfim dos catedráticos portugueses são eles os grandes culpados do apagão da história portuguesa, recomendo a leitura deste livro podem comprar a versão digital online (em português ou inglês):

    http://portugalliae.blogspot.ch/2009/12/os-portugueses-na-formacao-da-america.html

    Cpts.
    José Manuel CH-GE

    P.S.
    Visionei integralmente o vídeo proposto por João Ribeiro, lembrei-me dum que comprei pela net da BBC earth ; "South Pacific, one Ocean, 20,000 Islands", uma imagem valeu tudo para mim pois numa das ilhas uma indígena toca o cavaquinho, se lerem Os Portugueses na Formação da América compreenderão porquê...
    Mas já não está à venda em ebook, vou digitalizar em pdf e disponibilizo pour mail se quiserem.

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    1. Melungo significava "homem branco", e haver Melungos nos EUA que se digam Portugueses, sendo atestada essa conexão do DNA com a região de Goa, parece-me evidência suficientemente clara, que o José Manuel abordou relembrou muito bem... e que já tinha colocado há 6 anos, tendo em vista o livro de Manuel Mira.

      Que Melungo significava "homem branco" no Transvaal, Sul Africano, encontrei eu escrito aqui:

      https://books.google.pt/books?id=5YXVAAAAMAAJ&q=%22Melungo%22&dq=%22Melungo%22

      que é uma tradução de uma obra de Diocleciano Fernandes das Neves - 1878, "Itinerario de uma viagem á caça dos elephantes" que diz a certa altura:

      Em presença das explicações que o melungo (branco), acaba de dar-me, respondeu elle, está terminada esta contenda. São más, na verdade, as palavras que o rapaz lhe dirigiu. Continue, pois, o melungo a sua viagem e seja feliz. (pag. 33)

      Portanto, e conforme parece atestar o ADN dos Melungos há ali uma mistura de portugueses com indianos e africanos.
      E, conforme o José Manuel sugere, mesmo que eles atestem essa origem teimosamente, o registo de ADN lhes dê sentido, e tudo mais... apesar de tudo isso, continuamos a tudo ignorar, no paraíso dos negacionistas.

      A qualquer um, sugiro a seguinte escolha de navegação:

      a) Dar com a América, partindo dos Açores;

      b) Dar com os Açores, partindo de Portugal.

      Se alguém responder que b) é mais fácil que a), é porque ou está a gozar, ou não faz a mais pálida ideia do que é navegação e orientação.
      A um artista desses, convidaria-o a experimentar...

      A ideia de que os Portugueses acertaram nos Açores por acaso, mas não seguiram mais para Ocidente, tem o contraponto engraçado que é os Espanhóis terem feito a travessia do Pacífico, durante séculos, sem nunca darem com o Havai. É azar, hem?

      Estes historiadores são um caso notável de inteligência inata...

      Abraço.

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    2. Bom dia,

      Obrigado pela sugestão do livro.

      É realmente frustrante o desprestígio que nos atribuem. Em todo o caso, talvez não eles não o soubessem mas o documentário acaba por ser em redor do nosso conterrâneo Cristóvão Colombo. Por falar nisso, não sei se já conhecem esta carta de Barack Obama em 1995 quando ainda era advogado em que se refere ao Cristóvão Colombo Português. Em todo o caso aqui fica:

      http://www.silvinopotencio.net/visualizar.php?idt=3007159

      E já agora, por falar em Cavaquinho aqui deixo o link sobre a excelente iniciativa e projecto da História e Diáspora do nosso Cavaquinho. Pessoas como Júlio Pereira estão na origem do projecto.

      http://www.cavaquinhos.pt/pt/index.htm

      Ab

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    3. Caro João Ribeiro,

      Pergunto, e o original, em inglês?
      - Eu não conheço.

      Acho espantoso que tanta gente (muita, e mui "respeitável") tenha comido isso como bom.

      Será uma típica invenção portuguesinha, sacada de americana, de um documento de pedido de empréstimo nesses termos...

      Vejamos o "original":

      http://www.snopes.com/humor/letters/landgrab.asp

      Your letter regarding title in Case No. 189156 has been received. I note that you wish to have title extended further than the 194 years covered by the present application. I was unaware that any educated person in this country, particularly those working in the property area, would not know that Louisiana was purchased by the U.S. from France in 1803, the year of origin identified in our application. For the edification of uninformed FHA bureaucrats, the title to the land prior to U.S. ownership was obtained from France, which had acquired it by Right of Conquest from Spain. The land came into possession of Spain by Right of Discovery made in the year 1492 by a sea captain named Christopher Columbus, who had been granted the privilege of seeking a new route to India by the then reigning monarch, Isabelle. The good queen, being a pious woman and careful about titles, almost as much as the FHA, took the precaution of securing the blessing of the Pope before she sold her jewels to fund Columbus' expedition. Now the Pope, as I'm sure you know, is the emissary of Jesus Christ, the Son of God. And God, it is commonly accepted, created this world. Therefore, I believe it is safe to presume that He also made that part of the world called Louisiana. He, therefore, would be the owner of origin. I hope to hell you find His original claim to be satisfactory. Now, may we have our damn loan?

      Origins: The tale recounted above is an embellished version of a piece of legal humor that is periodically dusted off and circulated anew, always as a "true story." In 2006 it was updated with references to Hurricane Katrina and set loose again, and since 2008 it has been circulated as an account of a case supposedly handled by Barack Obama.


      Ou seja:

      1) A história "original" anda na internet desde 1999.

      2) Só em 2008 foi atribuída a Obama...

      3) Como falava de Colombo, algum comediante luso achou engraçado juntar a versão do Colombo português...

      4) Os boatos são fáceis de criar, e mais difíceis de desmanchar. Isso é FALSO, mas continuará a andar por aí, para quem quiser acreditar.

      5) Para inventar alguma coisa, ao menos dissessem que Obama garantira assim o apoio de Cuba (alentejana), no caminho a Presidente dos EUA.

      Reconhecido, Obama decidiu então finalizar o seu mandato com o gesto inédito de reatar as relações com Cuba... lembrando o Colombo cubano, sem perceber que a outra Cuba é no Alentejo.

      Como último esforço o exército americano planeou as operações de desembarque da NATO no areal alentejano:

      http://odemaia.blogspot.pt/2015/10/grandola-vs-nato.html

      ... no entanto, o desembarque foi agendado à pressa, para Outubro, fora de tempo, porque a embaixada abrira em Agosto. Depois, foi calendário.

      Toda a história deve ser ainda ouvida ao som de Guantanamera

      https://www.youtube.com/watch?v=Wg5-m0tNeoY

      ... que era o nome dado às moças da região de Guantanamo, antes da zona se tornar mais conhecida por acolher outros moços, vindos de todo o mundo.

      E para quem acha que Guantanamo é um pesadelo dos direitos humanos, pois não leu a Miss Universo, Dayana Mendonza, que visitou as instalações prisionais em 2009:

      http://www.reuters.com/article/us-guantanamo-missuniverse-idUSTRE52U5HS20090331

      "We visited the Detainees camps and we saw the jails, where they shower, how the(y) recreate themselves with movies, classes of art, books. It was very interesting," she wrote.

      "I didn't want to leave, it was such a relaxing place, so calm and beautiful," she added.


      Barack Obama ficou assim relutante em fechar tal paraíso terrestre.

      Esclarecidos?
      ;)

      Um abraço!

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    1. Em Pessoa! Ahaha É de Pessoa sim, mas a frase tem estatuto próprio e não deve ser entendida apenas no universo Pessoano,como obviamente sabe. A frase diz tanto com tão pouco que ganhou alma própria e tornou-se universal. São aquelas frases que sobressaem pelo seu sentido. Sobressaindo com particularidade própria mesmo inserida em escrita tão grandiosa como é a de Pessoa. Assim caro Da Maia, lamento mas não se pode cingir a frase e todo o seu sentido apenas a Pessoa. É daquelas frases tão grandes que se tornam motes, verdades universais, lemas. Afirmar o que afirmou é como dizer que "eu penso logo existo" (Agostinho Da Silva, afirmou que afinal não é bem assim :)) só serve para a escrita de Descártes, quanto toda a Humanidade a usa mesmo que sem conhecer o texto onde se inseria e quem a inventou. Assim se Pessoa se destaca dos demais pela sua escrita, se A Mensagem se destaca da sua obra, a frase "O mito é o nada que é tudo", destaca-se da Mensagem. Penso que respondeu o que respondeu só para ter a última palavra e acho que fez muito bem, tem todo o direito, o blog é seu. Também só respondi a frase porque não me queria ficar atrás e até penso que provavelmente tem razão. Reminiscências de infantilidade... Não se pode perder a criança dentro de nós certo? A bem da verdade nem acho que a suposta carta de Obama tenha o estatuto de mito, quanto muito de boato. Mas... mito ou não, por vezes pensamos que apanhámos o fio à meada e descobrimos a pólvora e afinal não, vai-se a ver e afinal apesar da fraca cultura geral americana, o homem sabia mesmo da vida de Cristóvão Colombo. Ou então, não!

      Tenho andado doente, tenho passado por cá muito por alto. Já vi que postou coisas bem mais interessantes que isto, vou tentar acompanhar. Hoje apetecia-me escrever.

      Ab

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    2. Caro João,
      há muitas frases que sem nada dizerem, pretendem dizer tudo. Mas, antes de continuar, deixe-me fazer votos das suas melhoras.
      Se as pessoas fazem a gentileza de deixar um comentário, normalmente eu respondo... a menos que não veja nada a acrescentar, ou não tenha tempo - o que acontece mais vezes.
      Não se trata de querer ficar com a última palavra!

      No caso, achei que o seu remate era um bom sarcasmo, mas também me pareceu engraçado fazer notar que a frase foi usada por Pessoa, no sentido:
      - O mito é o nada que é tudo... em pessoa(s).

      Porque, sejamos claros:
      - frases que "de nada fazem tudo" são muito mais frases que "de tudo fazem nada".
      Podem ser usadas no contexto da retórica, onde tudo é possível, onde as contradições imperam sobre a racionalidade, por falta de escrutínio... mas esse é o reino da demagogia, que políticos e advogados tanto apreciam.
      Com o bom domínio da retórica, pode tornar um argumento fraco num argumento forte, mas para isso precisa de uma matéria que dê corpo ao vazio... ou seja, normalmente, os sonhos e fantasias da assistência.
      Também uma bolha de ar, pode ganhar grande dimensão no fundo do mar, mas se a deixar subir ao seu elemento, ela redunda em nada. Era só uma forma grande num elemento que não era o seu.

      Da mesma forma, frases como essa, podem parecer tomar dimensão sem outro escrutínio, mas se as deixar subir, ao campo de ideias que realmente interessam, verá que ela se reduz a nada... ou então que se reduz a algo equivalente, que é dizer que "os mitos foram e são importantes no pensamento humano". Mas, dizer-se que "são tudo" é um exagero despropositado, que tem desculpa literária, mas que não tem qualquer substância.

      Do que entendi, o João está a querer encher mais essa bolha de ar, e é por tê-la feito subir, que a puxo, para mostrar que mais acima só verá nela o ar rarefeito da contradição. Levada mais acima, é uma frase que se ajusta à posição nihilista, de que tudo são ideias, com direito igual à vida, sejam verdadeiras ou falsas, sejam sonhos ou realidade, sejam mentiras ou verdades.
      Não é assim. Podemos desconhecer a verdade, mas temos um meio de identificar a mentira, que é expô-la por contradição. Quem quiser aceitar contradições, só está em acordo consigo mesmo, e mesmo assim só temporariamente, até ser confrontado em si.
      Há até quem desenvolva essa dupla personalidade, uma que responde à versão A, e outra que responde à versão B... simplesmente como o universo em que estamos só aceita uma dessas possibilidades, não aceita duas verdades, você não conseguirá viver sempre com uma versão de si que diz que "não viu", e com outra que diz que "viu".
      O problema nunca são os outros... esses podem tomar patranhas como verdades, mas a quem o falsário não consegue mentir é a si mesmo.
      Aí, o engenhoso falsário pode tentar o caminho em frente, que é aumentar o grau da mentira, e construir um completo mito, dando-lhe um sentido figurado e educador. Mas se esse mito pode até servir os outros, na educação e alerta do engano, não resolve o problema do próprio. Só resolve o problema do próprio, quando ele revelar a verdade, e sujeitar-se aos outros. A natureza pode ser tolerante e deixar que se esqueça, e se convença do contrário, mas nem sempre é assim, e em casos mais retorcidos voltará a assombrá-lo com a dúvida.

      Sobre Descartes, o principal é o princípio da dúvida. A dúvida seria o tudo, porque poderia aplicar-se a tudo, e essa frase só mostra que não é assim... que não pode duvidar que existe - porque a dúvida só existe se houver alguém que a pense.

      Neste blog, no topo do lado direito, tem o equivalente disso: "Existimos enquanto pensarmos". É exactamente a mesma coisa, dito de outra forma. E interessou-me dizer de outra forma, porque apesar de ser a mesma coisa do ponto de vista lógico, sugere outra coisa à interpretação. Sugere que afirmarmos a nossa existência basta pensar pela nossa cabeça, e não pela cabeça dos outros.
      Esteja sempre à vontade de escrever o que pensa!

      Um abraço, e votos de melhoras.

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  4. Olá

    Obrigado, estive com gripe mas já estou bem.

    Pois bem, não existe nada que seja realmente “nada” pois ao ser nada já é alguma coisa, nem existe um “tudo” que seja realmente um tudo pois ao ser tudo, seria nada por não existir matéria de comparação, isso é certo. Tudo é susceptível de multi e extremas interpretações, tudo poderá ser posto em causa, simplesmente o bom senso diz-nos que não devemos dificultar o contacto a esse ponto. Assim sendo só nos resta a sensatez de interpretar as coisas sem o extremo filosófico. Se assim fosse, se déssemos a tudo o que é dito (ou lido) uma análise ultra racional sem usarmos o bom senso, se não tentássemos compreendendo o que nos foi dito e o que o comunicador nos tenta verdadeiramente dizer, então o diálogo e o contacto seriam impossíveis. É que o exagero da racionalidade acaba por ser como qualquer outro exagero e a demagogia é precisamente distorcer as coisas ao ponto de melhor servirem os nosso intuitos. Agora Acreditar é outro aspecto. Quando se acredita a questão da verdadeiro ou falso, não se mete, porque simplesmente, acredita-se e dorme-se descansado ;)

    Além disso, o que aparentemente poderia ser uma bolha de ar normal vinda do fundo do mar poderá na verdade conter um gás, um vírus, qualquer coisa aprisionada durante milénios na crosta oceânica que uma brecha soltou e que ao contacto com a atmosfera altere o universo em seu redor. Nunca se sabe....

    Abraço e mais uma vez obrigado.

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    1. Bom, as noções existem, o que pode acontecer é que não tenham espaço de aplicação.
      Há uma diferença entre o conceito abstracto e a sua concretização.
      Também nunca tem "duas" coisas iguais, se são completamente iguais são a mesma coisa... e por aí nunca teríamos chegado à noção de número.
      Se se der ao trabalho de seguir a parte mais filosófica que escrevi, perceberá que foi por aí que mais me interessou trilhar, porque depois de ser bastante surpreendido com a fantochada histórica, precisei de encontrar um fundo onde assentar alicerces. E até que essa parte fosse fechada, gastei dois ou três anos... "intensos"! Não porque estivesse intensamente a pensar no assunto, mas sim porque "a coisa" caía intensamente em cima.

      Quanto ao gás da bolha... por isso é que se usavam canários nas minas. Se o canário continuava a cantar, é porque não havia problema com intoxicações. Coisa diferente é nunca explorar a mina, com o pretexto do "nunca se sabe"... esse é um tipo de bloqueio diferente, é um bloqueio à novidade, que teve adeptos fervorosos na época medieval.
      Aliás, foi à conta disso que as invenções da Antiguidade foram remetidas para o esquecimento, e o génio humano ficou preso numa lâmpada. Luzes mesmo, só a partir do Séc. XIX, e graças à ascensão da maçonaria... de quem eu costumo falar mal, mas onde neste aspecto nos tirou dessas trevas.

      O bom senso é uma boa medida, mas serve apenas temporariamente. Entre o falso e verdadeiro não há meio caminho... ou se está num trilho, ou noutro... e se falsidades há muitas, verdade só há uma. E como disse antes, não precisamos de saber qual é, basta ir recusando os trilhos falsos, que vamos lá parar.
      É claro que a falsidade não é uma aberração, faz parte do processo como distracção necessária. Como também referiu, e aqui também se aplica, sem falsidade não havia noção de verdade.
      "Errar é humano", mas Seneca continua e bem, dizendo "mas insistir no erro é diabólico".

      Porque, o senso comum, ou o bom senso, resvala para a opinião da maioria, ou para um certo comodismo, que só é útil quando não há caminho certo. Mas se há caminho certo, invocar variantes, serve apenas os que querem prosseguir no caminho errado.

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    2. Há duas coisas completamente diferentes, e que se misturam.
      Uma coisa é a verdade dos outros, outra coisa é a sua verdade. Sobre a sua verdade, não deve ter dúvidas, e deve colocá-la a teste - os outros servem para isso mesmo, para mostrar que estamos errados. Essa é a grande utilidade alheia. Se não fizerem isso, ou não servem para nada, ou simplesmente você está mesmo certo, e são os outros que não o querem admitir.
      Sobre a verdade dos outros, há de facto muita confusão na transmissão de informação, que pode ser erro de vários tipos. O significado vulgar das palavras está num dicionário, mas não pode ler um dicionário sem conhecer o significado delas.
      Assim, os dicionários têm aquele exercício engraçado de circularidade, que é procurarem definir palavras básicas com palavras básicas.
      Por isso "a verdade dos outros" é algo para ingerir com cuidado, e sobretudo para não levar demasiado a sério, numa sociedade tão obcecada pelo uso da mentira. Na maioria das vezes, vão-lhe dizer que você é que ouviu mal, leu mal, que estavam a brincar, etc... e é cada vez mais raro alguém reconhecer que simplesmente errou.
      A "verdade dos outros" é fundamental, isso sim, se a reconhecer também como sua verdade. Mas isso serve pouco na base do "a-creditar", ou seja tomar como crédito, ou na base do "confiar", porque "com-fio" só liga duas coisas. É na base do concordar, porque "com-corda" é que se entrelaçam as diferentes perspectivas.
      Você pode sonhar todas as noites, mas ninguém pode concordar consigo no relato dos sonhos, é apenas uma verdade sua. É chamado à verdade de todos no "acordo" da manhã, porque quem está nesta realidade está "acordado" para uma base comum, as perspectivas é que são diferentes. E nesse "acordo" há uma verdade comum, única, que é aquela que evita o completo isolamento - onde cada um tem a sua verdade, e os outros não interessam.
      Com este simples uso de palavras, pode ainda entender que a filosofia portuguesa tem muitos milénios, está escrita na língua, e não foi nenhum Pessoa que a inventou.

      Nem eu "confio" no que escrevo aqui, mas quando releio e "concordo" de novo, então estou de "acordo". Por isso, eu procuro deixar as coisas claras a uma releitura, para perceber onde me baseei, e se houve alguma falha que não vi.
      Se há coisas que precisam de base alheia - acreditar na documentação, acreditar em algumas informações científicas, etc... há muitas outras que não precisam de nada mais que o nexo lógico (ou a verdade da sua experiência). Ora, sobre essas não precisa da verificação dos outros para coisíssima nenhuma. São verdades por si, esteja quem estiver no "acordo"... e quem quiser dormir, pois bons sonhos! Vêmo-nos no próximo acordar... não é claro é que esteja lá, pois "sonos" do "só nós", não me incluem, devido ao que "pesa de elos", ou ao que "pesadelos".

      Abraço.

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  5. Olá,

    Por falar em uso de retórica do reino da demagogia...

    Imagine,
    Disse que "Verdade há só uma". Frase bem ao género da que discutimos. É que eu agora podia-lhe dizer que não senhor, verdades não há só uma, pois uma árvore é na verdade uma planta mas também é na verdade um ser vivo. A Mia é uma cantora mas também é na verdade um gato e também é na verdade o meu animal de estimação e é na verdade um carnívoro e etc. Depende da perspectiva por onde olha a questão. Mas porque eu percebi onde queria chegar, não lhe ia meter a frase em causa, até porque saía do contexto da discussão. Eu percebi a ideia, logo a frase foi só um meio de transmitir o sentido e não o sentido em si. Certo? É assim que as pessoas interagem em prol de um discurso coerente entre ambas as partes. Isso e obviamente de "óbvia mente" sem devaneios hífanizados.
    Ah.. pobre canário. Precisamente para se pesquisar o interior da gruta não se perca tempo a esgravatar a superfície.

    Abraço

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    1. Exacto, meu caro,
      e por isso há respostas mais longas, e respostas menos longas.
      Um abraço.

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