terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Véus (7)

Terminarei aqui a transcrição do 1º capítulo do livro do Abade Le Franc. Duvido que tenha paciência e tempo para os restantes, pelo menos para já, e por isso este divertimento terá que ficar adiado.

Creio que a questão da desmistificação da origem da Maçonaria, reduzindo-a a um espasmo de um aproveitamento circunstancial de velhas mistificações antigas, feita no 1º capítulo, era o aspecto mais importante. Não estou convencido das razões do Abade Le Franc, que negligencia demasiadas coisas, para se concentrar apenas no movimento de Fausto Socino. Por outro lado, convém notar que se o seu discurso é muito crítico contra os mações, também se notaram sempre palavras muito elogiosas para com a franco-maçonaria em geral.

O único valor destas organizações, que se tornam em "monstros sociais", é a sua cola agregadora de obediências e vontades. Nos mitos antigos, consoante o aspecto que estes monstros tomavam, assim eram pintados como verdadeiros animais. Uma Hidra teria várias cabeças, e ainda que se cortasse uma, outra aparecia, sendo de muito difícil eliminação. Usa-se também o Polvo para ilustrar o modo de actuação da Máfia siciliana, com os seus vários braços.

O que não é assumido, ou entendido, é que estes monstros sociais existem de facto, e são formados pela nossa vontade em pertencer aos seus corpos, retirando daí vantagens individuais. Cada emprego serve ao funcionamento de uma parte do corpo, e em troca recebemos dinheiro que se tornou num sangue que flui como alimento de todas células, numa sociedade capitalista.

Ou seja, o que não foi entendido, ou não é assumido, pelos evolucionistas, é que a evolução não parou no indivíduo, tal como antes não tinha parado na célula. Um ser multicelular não perdeu individualidade, mas cada célula perdeu-a nesse projecto. Quando no caso humano, as ideias abstractas ganharam espaço de expressão, que antes não tinham, constituiram-se agrupamentos humanos que nada tinham a ver com a partilha do mesmo material genético.
A evolução reprodutiva era afinal apenas um aspecto da evolução. Seria "natural", mas consistia em agrupar espécies num projecto competitivo, onde a eternidade seria dada ao material genético sobrevivente. 
Quando se formaram sociedades humanas, de funcionamento cada vez mais complexo, onde havia cabeça mandante no poder, órgãos sociais que efectuavam funções específicas, a evolução tendeu para competição entre monstros, que pouco mais eram do que agrupamentos de indivíduos movidos por uma vontade comum, por ideias comuns, que quanto mais não fosse, reflectiam a ideia de ligação familiar enquanto povo. Essa seria sempre uma ideia forte, resultante da evolução natural, na semelhança que uma abelha se sacrifica pela colmeia, com quem partilha material genético.
Só que a grande, enorme diferença, face a abelhinhas ou formiguinhas, é que as associações humanas não se resumiram à ideia de preservar ADN. Outras ideias entraram em jogo... ideias abstractas nunca antes manifestadas noutros seres vivos conhecidos.

Quando seres humanos formam uma organização social com propósitos de justiça, equidade, partilha, verdade, etc... toda uma série de conceitos abstractos, não estão a procurar preservar nenhum material genético. No entanto, podem estar a levar a um processo de anulação da célula, com vista à formação de um monstro multicelular, se esse processo visar um mecanismo onde os indivíduos se anulariam tendo em vista a preservação da organização superior que os unia.
Tal como uma certa combinação de palavras no ADN pode dar uma genética com maior sucesso que outra, também uma certa combinação de palavras pode levar à constituição de uma associação humana com maior sucesso que outra. Basta ver que as religiões preservaram as "palavras dos profetas", quase como seu código genético identificador. Em alguma delas esperaram um messias capaz de ser a plena cabeça para aquele corpo que transportavam, ligado pela fé. E o que era a fé? A fé era a ideia de que a plena realização desse organismo seria a eternidade dos seus constituintes. A fé seria o componente agregador para além de qualquer razão, ou seja, por razão de nenhuma espécie.

Da mesma forma, a cola com mais sucesso, para unir indivíduos num corpo, é a fidelidade. A fidelidade não precisa de nenhum racional, o indivíduo apenas manifesta a sua adesão a um corpo, porque sim, porque fez uma escolha em certa altura, e dela não pode abdicar. Se a fidelidade fosse suficiente, teria havido imenso sucesso para a experimentação das ideias mais cretinas, absurdas, perversas. Isso seria o paraíso para novos organismos sociais, que colariam a si indivíduos, como colam adeptos a clubes de futebol, e à conta da fidelidade poderiam beneficiar do engenho humano para palco de maiores chacinas.
Porque convém perceber que, para um corpo social, os indivíduos são meras células, dispensáveis, face ao ideal que subscrevem. Tal como nós, quando lutamos, podemos não nos importar de ser feridos, perder sangue, carne, sem pensar nas milhares de células nossas perdidas, também um general em campo de batalha usa os seus soldados como células, sabendo que um corte das tropas é apenas uma perda de sangue, de células dispensáveis, e substituíveis. 
Assim, temos estado a dar palco para a corporização de lutas de ideias, colando por fidelidade a organismos que vivem numa dimensão superior à nossa.
E que organismos são esses? - São universos onde essas ideias seriam "vencedoras", anulando quem pensasse de forma diferente. Esses universos oferecem ao indivíduo a ilusão do protagonismo intemporal, oferecendo-lhe a lembrança eterna do seu nome... ou seja, de uma meia dúzia de caracteres. Esses universos vivem na cabeça de cada um de nós, e não são mais do que modelos errados, condenados a um fim precoce. Tal como qualquer artista na arte da sedução, oferecem a ideia contrária, arranjando adaptações de estórias da História, para mostrar alguma prevalência lógica, a quem conseguem convencer. Mas, no fundo, o indivíduo é apenas aliciado pelo desejo de protagonismo no organismo social. O indivíduo detesta ser apenas "mais um" e quer ser o "um", mas esquece que ao servir um grupo está a hipotecar a sua individualidade a um universo que não é de nenhum dos que julgam ser seus inventores e controladores.
As ideias dos profetas, dos filósofos, etc... independentemente do seu valor, chegaram-nos apenas por palavras, e só uma completa cegueira racional permitiria pensar que uma pessoa se identifica a um conjunto de caracteres. O que é certo é que a pessoa não está presente, só as palavras ficaram, e essas são de facto eternas... mas só determinariam o universo se anulássemos as pessoas que as questionam. E isso, já se sabe no que teria dado - levaria a um fim prematuro, porque o Universo (com U grande) não admite versões com censuras eternas, que levariam a uma contradição existencial.
Aliás, é especialmente caricato, e revelador, ver pessoas que, aceitando a morte como fim definitivo, continuam a ter acções em vida como se estivessem movidas por uma crença oposta. Mesmo dispensadas de qualquer presença para o seu legado futuro, após a sua morte, continuam a trabalhar em prole das suas ideias, porque é nelas que projectam o significado da sua efémera existência.

Já me alonguei, e não terei dito tudo o que haveria para dizer, porque o assunto parece mais difícil de transmitir, do que eu pensava. 
A motivação foi apenas o sustentar a posição do Abade Le Franc sobre a prevalência do aspecto individual, ainda que os monstros organizacionais gostem de incutir nas suas células a ideia de que o indivíduo é uma mera formiga no aparelho social, e que esse corpo comum é que interessa. 
Não é. A maior luta que teremos será em não sermos escravos de disputas de ideias, disfarçados de senhores da sua posse, mas sim em domesticá-las para benefício comum. Não é uma afirmação anárquica, porque toda a forma de anarquia é um mero convite à prevalência do caos, e da ausência de racionalidade. É sim uma afirmação racional, mas que não dá mais valor à racionalidade do que ser a nossa capacidade de entendimento temporária, dadas as circunstâncias.

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O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação dos textos anteriores: 6 5 4 3 2 1 )

Em 1784 ninguém ousava ainda declarar-se abertamente contra a Realeza, nem contra a Divindade. Contentaram-se então de se envolver em um véu misterioso; e de se cobrir com a capa dos sábios antigos, e de afectar quererem renovar os benefícios de que tinham enchido o género humano. Se dermos ouvidos e atenção a nossos filósofos mações, iríamos ver entre eles Tot, Mercúrio, Hermes, Platão, Pitágoras, e tudo o melhor que tinha produzido a Antiguidade: eles se julgavam capazes de fazerem reviver a doutrina de Zoroastro, a beneficência do imperador Tito, a sabedoria de Platão, os mistérios dos Magos, e a ciência da Natureza tal como a possuíam os Filósofos da Grécia. É de notar que nos projectos dos filósofos mações nunca se trata de ensinar aos homens, que sejam mais religiosos para com a Divindade, mais piedosos para com os pais, mais respeitosos para com os príncipes, mais ligados à sua pátria, mais zelosos pelas virtudes morais, civis, e Cristãs. É fácil julgar por seus princípios, que eles nunca chegarão a fazer os homens melhores do que são. 
Depois do discurso de Mr. Salinet, o irmão Walterstorff tomou a palavra, e voltou a atenção de seu auditório, cujo governo ele caracterizou. 
« Há, diz ele, um objecto, que ao principio me tinha seduzido por sua utilidade, a saber, a policia interior de uma Loja, ou, se assim me posso exprimir, a melhor forma de governo em nossas pequenas Repúblicas, que todas juntamente formam o imenso império da Maçonaria. »
Esta confissão explica a razão porque nossos filósofos mações fazem tantos esforços para estabelecerem em toda a parte seu regime republicano, a fim de que todas as províncias formem partes do grande todo, cujas dimensões eles tem traçado. 

Pedro Deniz, Abade-Prior de Talizieux, Mestre Mação, falou depois do patriotismo dos Pedreiros-Livres, de seus ilustres protectores, o Rei de Prússia, o de Suécia, e muitos Príncipes estrangeiros, ou nacionais [franceses]; dos estabelecimentos, que têm feito em diversos lugares, para consolarem os órfãos, e os velhos; mas todos eles têm feito mais do que fez por si só Vicente de Paulo, que povoou a Europa de religiosas da caridade, as quais administram em todos os lugares os socorros, que seu zelo e caridade as põe ao alcance de distribuírem a todas as classes de infelizes? 
A beneficência maçónica igualou jamais a industriosa actividade destas heróicas religiosas, que sabem multiplicar-se, para se fazerem úteis a todos? A beneficência entre elas é tanto uma precisão como um dever; e é superior a todos os elogios. Os trabalhos maçónicos não acrescentam pois nada aos estabelecimentos que a caridade cristã tinha fundado; se os tivessem mantido no estado em que estavam, os pobres não seriam obrigados a espalharem-se ao longo das ruas da Capital, para enternecerem as almas sensíveis sobre a sua sorte, enquanto os Mações delapidam os bens que eram consagrados para aqueles miseráveis. 

João Luiz Miguel Basset, advogado e Mestre Mação, fez depois um discurso mui longo sobre as vantagens da Maçonaria, todo cheio unicamente de lugares comuns. Depois dele o Sr. Beguillet, Secretário Geral, se cingiu a provar, em um discurso composto de três pontos, que a Franc-Maçonaria incluía a Filadelfia, ou o amor dos irmãos; a Filantropia, ou o amor dos homens; e a Filosofia, ou o amor da sabedoria; e que o seu fim geral era reunir todos os homens para formarem huma só família , cujos indivíduos se olhassem entre si como iguais, e filhos da mesma mãe, unidos pelo mesmos laços. Desta ideia é que dimana a divisão igual de todos os bens entre todos os homens, a abolição de todos os títulos, de todas as honras, e de todas as distinções, que a consanguinidade não dá direito de terem partilha. A filantropia nasce naturalmente da fraternidade; mas os filósofos mações acrescentam à sua moral, que não há virtudes na Terra, senão aquelas que são úteis aos humanos, e põe fora da Ordem a virtude dos solitários, que imitam, quanto está da sua parte, a pobreza, a humildade, e a mortificação de Jesus Cristo, e que se exercitam em agradar a Deus por meio de seus actos de fé, de caridade, e de esperança, e pela frequência dos Sacramentos; porque estas virtudes não fazem parte da filantropia; como se os que honram a Deus e o servem, não merecessem por isso conseguir dele os bens da vida presente, e futura. Mas os Pedreiros-Livres filósofos não crêem em Deus, nem em Jesus Cristo, seu Filho, nem na vida eterna , que ele nos tem prometido. Todas as suas esperanças se limitam à vida presente, em cujo circulo bem quereriam eles que nós encerrássemos todos os nossos desejos. Eis-aqui em última análise o compêndio da Franc-maçonaria. Ela começou com Socino, aumentou-se com a falange dos filósofos, e dos deístas, ou ateus, e trabalha em reunir todos os homens na crença de seus falsos princípios. 

(fim do Capítulo I)

Capítulos seguintes:
II - Das Lojas Maçónicas e seu Regimento (pag. 62)
III - O que a Assembleia Nacional de França deve à Franc-Maçonaria (pág. 74)
IV - A Sociedade dos pedreiros-livres tem mudado os costumes em França (pág. 89)
V - A iniciação na Franc-maçonaria é uma abjuração da Fé Cristã (pág. 100)
VI - A Franc-maçonaria quer restabelecer a religião natural (pág. 116)
VII - Os Pedreiros-Livres querem abolir a hierarquia Eclesiástica na Igreja Católica (pág. 156)
VIII - A Franc-maçonaria quer destruir o Trono, assim como tem destruído o Altar. (pág. 200)

Apêndice - Constituição da Maçonaria em Portugal (pág. 215)
Cap.1 - Do Grande Oriente Lusitano
Cap.2 - Da divisão de poderes do G.O.L.
Cap.3 - Das qualificações necessárias aos Oficiais e membros do GOL.
Cap.4 - Da eleição dos Oficiais e Membros do GOL
Cap.5 - Do tempo que há de dura, de cada legislatura
Cap.6 - Do tempo em que se hão de fazer as eleições para Oficiais e Membros do GOL
Cap.7 - Da sucessão dos Oficiais do GOL, nos seus impedimentos interinos
Cap.8 - Das insíginias dos Oficiais e Membros do GOL
Cap.9 - Das honras devidas aos Oficiais e Membros do GOL
Cap.10 - Dos fundos do GOL, sua aplicação e guarda
Cap.11 - Das deliberações do GOL e suas câmaras
Cap.12 - Das Lojas da Correspondência do GOL
Cap.13 - Da organização dos Capítulos
Cap.14 - Das Grandes Lojas Provinciais


segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Véus (6)

Continuamos a transcrição da obra do Abade Le Franc sobre a Maçonaria. Nesta parte continua a remeter uma origem da maçonaria associada ao movimento de Fausto Socino, um personagem de que nem tinha tido notícia anterior, e que de outra forma, sem esta importância que Le Franc lhe dá, teria uma influência menor no curso histórico.

Fausto Socino (1539-1604)
Esta importância, de acordo com o Abade Le Franc, seria a da capacidade de agregar diversos pequenos movimentos "hereges" numa comunidade com pontos comuns, alicerçando numa crítica ao carácter divino de Jesus Cristo, a sua principal cola. 
Comparando isto com movimentos anteriores, como o dos Cátaros, ou do próprio Arianismo, a heresia era agora muito maior, colocando Cristo ao nível de profeta islâmico, com a única diferença do Socianismo não referir Maomé como profeta. 
O que não é referido pelo Abade Le Franc, mas que me parece ter sido crucial no desfecho deste movimentos anti-Roma, é toda a envolvente de política nacionalista apoiada pelos príncipes europeus, órfãos da partilha do Mundo feita nas Tordesilhas. 
Assim, se os descobrimentos tinham tido os Templários como motor principal para a abertura da Europa medieval, Tordesilhas tinha correspondido a um fecho desse projecto no domínio de dois reinos ibéricos. Se os Cátaros tinham tido apenas um apoio local, como o do Conde de Toulouse, os movimentos luteranos, protestantes, arianos, hereges, judeus ou ateus, teriam um largo registo histórico de perseguição católica, com que se precaver, mas sobretudo o apoio dos reis e príncipes descontentes com a partilha do Mundo feita em Roma. A cada remessa de ouro trazida pelos galeões espanhóis, ou a cada remessa de especiarias trazida pelas naus portuguesas, o papel desses reinos andava resumido ao da compra, ou do roubo, apoiando corsários que actuavam a seu serviço, como foi o caso do famoso Drake.

Portanto, para além de outras razões concorrentes, onde certamente se incluía o luxo da Igreja, criticado por Lutero, ou a simples questão filosófica insolente da Trinitá, criticada por Socino, ou até a simples exploração servil dos camponeses, e secundarização dos burgueses e do comércio, no regime feudal... tudo isso permitiria o crescimento em bastidores de um monstro pronto a erguer-se contra o monstro do poder instalado, simbolizado por Roma. 

Normalmente um monstro, que é uma grande organização social humana, tende a cindir-se se não tiver um inimigo identificado... porque o próprio inimigo passa a ser a fragilidade dessa ligação de conveniência. Ao cristianismo medieval foram os maometanos que fizeram o favor de se erguer para inspirar a consistência da sociedade cristã perante um poderoso inimigo invasor. Depois, aquando da ascensão e transferência do império para os Habsburgos, foi alimentado o poder otomano, que ameaçara o lado Habsburgo espanhol em Lepanto, e o lado Habsburgo austríaco em Viena. Enfraquecendo esse império, os reinos do norte da Europa, puderam vencer a crucial Guerra dos Trinta Anos, e acabar com Roma como centro de poder. Ganharam a sua consistência nessa luta contra o catolocismo, mas não o fizeram desaparecer... mantiveram a sul todos os aspectos do poder que combateram, e dessa forma não precisaram de encontrar em si, até ao Séc. XIX, novas razões de divisões. Mantendo-se este movimento maçónico nos bastidores, não sendo fonte de poder visível, e tendo ainda várias sociedades a transformar com revoluções internas, não atingiu o grau de saturação que normalmente leva às cisões e à precipitação do fim de um poder concentrado.
No Séc. XX, apareceu o primeiro foco de tensão, produto das próprias sociedades transformadas pelos ideais maçónicos. Foi nas repúblicas que surgiram os movimentos nacionalistas, fascistas, que procuraram erguer-se contra o abraço desse monstro, e muitas vezes apoiados inicialmente por vertentes internas. Assim, as guerras mundiais muito tiveram de luta contra um equilíbrio do mundo estabelecido no desenho do Séc. XIX, desequilibrado aos olhos das nações do início do Séc. XX.
Já a segunda parte do Séc. XX, na disputa entre os dois hemisférios de influência - americano e russo, foi muito mais uma guerra supervisionada pela própria super-estrutura que desenvolvera os ideais de ambas as sociedades. Quer o capitalismo, quer o marxismo, podem ser vistos como filhos de tendências internas da maçonaria (ou, na visão conspirativa do início do Séc. XX, da judiaria).

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O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação dos anteriores: 5 4 3 2 1 )

Socino tirou grande vantagem da reunião de todas as seitas dos Anabaptistas, dos Unitários, e dos Trinitários que soube destramente aliciar. Ele se viu senhor de todos os estabelecimentos, que pertenciam a estes sectários; teve permissão de pregar, e de escrever sua doutrina, fez catecismosLivros, e chegaria ao fim de perverter em pouco tempo todos os Católicos da Polónia, se a Dieta de Varsóvia lhe não tivesse posto obstáculo. Com efeito nunca houve doutrina mais oposta ao dogma Católico, que a de Socino
Como os Unitários, ele rejeitava da Religião tudo o que tinha o ar de mistério; segundo ele, Jesus Cristo não era filho de Deus senão por adopção, e pelas prerrogativas que Deus lhe tinha concedido, como são: a de ser nosso Mediador, nosso Sacerdote, nosso Pontífice, ainda ele não foi mais que um puro homem. Segundo Socino e os Unitários, o Espirito Santo não é Deus; e bem longe de admitir três pessoas em Deus, Socino não queria que fosse Deus, senão uma só. 
Ele olhava como extravagâncias, o mistério da Encarnação, a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, a existência do pecado original, a necessidade de uma graça santificante. Os sacramentos, a seu ver, não eram senão umas puras ceremónias, estabelecidas para sustentar a religião do povo. 
A Tradição Apostólica, segundo ele, não era uma regra de fé, não reconhecia a autoridade da Igreja para interpretar as Escripturas Santas. Em uma palavra, a doutrina de Socino está encerrada em duzentos vinte e nove artigos, os quais todos têm por objecto destruir a doutrina de Jesus Cristo

Quando Socino morreu em 1604, a sua seita estava tão bem estabelecida na Polónia que obteve nas dietas, a liberdade de consciência. Mas experimentou revezes na Hungria, em Holanda, e na Inglaterra, onde sua doutrina foi julgada abominável, e se recusou admiti-la. Com tudo as perturbações, que sobrevieram à Inglaterra no tempo de Carlos I, e Cromwel deram ocasião aos Deistas, aos Socinianos; e a todas as sortes de hereges, de pregarem publicamente sua doutrina.
Foi isto um grande recurso para os Socinianos, que tinham perdido seu favor na Polónia, e que tiveram grande felicidade em se poderem associar aos independentes, que formavam então um grande partido em Inglaterra. A semelhança, que os princípios dos Quakers tinham com os dos Socinianos, os uniu de uma maneira particular, sem que os Episcopais, ou os Presbiterianos pudessem impedir aquela união. 
Em 1690, quando Guilherme de Nassau desceu à Inglaterra; os Socinianos se reuniram também aos Não-conformistas para conservarem sua existência debaixo do novo governo; porque é de notar que esta sociedade nunca foi sofrida em Inglaterra , senão por meio de associações; nem pôde nunca conseguir ter um ensino público, nem um culto particular: tão revoltantes têm sido sempre seus princípios! 

É fácil de compreender o porque os Pedreiros-Livres não ousaram nunca reconhecer em público sua verdadeira origem, ou professar suas máximas à face das sociedades civis. Se se tivessem mostrado descobertos, como na realidade são, nenhum Estado Católico teria podido sofrê-los em seu seio. Eis-aqui porque eles se envolvem com o véu dos mistérios, e dos símbolos, e só se dão a conhecer a homens que têm ligado a seus sistemas por meio de juramentos ímpios e horríveis, antes de lhes revelarem alguma coisa essencial da sua tenebrosa seita. 

Para os Pedreiros-Livres se darem um ar religioso, têm adoptado símbolos de uma religião figurativa, e deste modo têm procurado impor a gente de pouca reflexão. Trata-se hoje de revelar e descobrir seu grande segredo, e de os fazer conhecer por aquilo que são. Então se verá, se há ou não segredo na Franc-Maçonaria, como muitos pretendem espalhar pela parte negativa; então se verá se não é mais que uma sociedade de pessoas que se reúnem para se divertirem, ou se esta sociedade deve vir a ser universal, e o modelo de todas as que se acham autorizadas pelos governos da Europa. Eu bem sei que os nossos filósofos há muitos tempos se ocupam em dar às sociedades Moçónicas toda a perfeição, de que a Filosofia é capaz. 
Mr. de Condorcet fez hum projecto de código, composto em parte sobre os códigos ordenados em 1779 pela assembleia dos Pedreiros-Livres que seguem o sistema da Maçonaria rectificada. 
Mr. Beguillet, advogado, compôs seis discursos sobre a alta Maçonaria, para iniciar os Mações nos princípios da alta filosofia, da qual se davam lições nos mistérios de Eleusis e d'Isis
O primeiro discurso rola sobre as obras do Grande Arquitecto na criação do Universo; e o segundo sobre a harmonia das esferas, e a grande cadeia dos entes. 
Ele é um compêndio das ideias de Platão sobre a harmonia, e das dos Gnósticos, dos Valentinianos e dos primeiros hereges, que misturavam ideias religiosas com os princípios da filosofia Oriental. O terceiro discurso trata da história maçónica: nos últimos três ele se ocupa dos graus, dos símbolos, dos regulamentos, dos deveres, e dos prazeres dos Pedreiros-Livres. Em fim, o Autor do Ensaio sobre a Franc-maçonaria deu o plano, pelo qual se poderiam organizar todas as Lojas, e o julgava capaz de reunir todas as seitas de Pedreiros-Livres e fazer cessar as divisões das Lojas. 

Em 1784 é que a Franc-maçonaria Francesa tomou uma nova elevação. Até então só se tinha ocupado de emblemas, e cerimónias praticadas nos primeiros graus; ela quis enriquecer-se dos conhecimentos adquiridos e desenvolvidos nos Orientes estrangeiros. Para este efeito recorreu a Mr. Ernesto Frederico de Walters, Camarista d'El Rei de Dinamarca, grande Escocês, a quem pediu que viesse ser fundador de uma nova Loja, que se estabelecia em Paris, com o título de Loja de S. João da reunião dos estrangeiros. Nela devia empregar-se não só nos trabalhos relativos aos três primeiros graus; que são as colunas fundamentais de todo o edifício da fraternidade maçónica, mas também nos que conduzem aos conhecimentos sublimes da Maçonaria filosófica, de que a simbólica não é mais que a casca e o emblema; isto é, da irreligião prática, a que conduz a religião enigmática. 
Depois de ter desviado as vistas de seus iniciados, de toda a ideia de providência, e de divindade, a filosofia maçónica devia convidá-los a abraçarem em suas indagações a universalidade das ciências, que os verdadeiros filósofos olham como o único depósito dos conhecimentos do mundo primitivo, os quais de idade em idade têm sido transmitidos debaixo de emblemas, e de hieroglíficos, de que só os verdadeiros Mações têm a inteligência. Segundo este projecto, não se devia fazer menção alguma do estudo da Religião, porque os nossos filósofos não reconhecem Deus: não se deviam dar lições, senão de história natural de física, de química, de astronomia, e das ciências abstractas, que concordam bem com o sistema de filosofia maçónica
Deviam estabelecer-se cursos regulares de estudos maçónicos, em que cada irmão pudesse receber as instruções relativas ao seu grau, a fim de se dispor por meio destes estudos preparatórios para correr todos os graus da escala da sabedoria. Esta Loja devia corresponder-se com todas as Lojas estrangeiras, e aproveitar-se das luzes dos sábios de todas as nações. Todas as Lojas estrangeiras deveriam ter o direito de ter nela um Deputado, que tivesse a seu cuidado manter a uniformidade, e comunicar à sua Loja as luzes e os conhecimentos, que se tivessem adquirido nas Lojas de reunião. 

Aos 17 de Novembro de 1773, o Duque de Brissac foi deputado pelo Grande Oriente para visitar os trabalhos da Loja da reunião dos estrangeiros, todos os graus foram conferidos segundo as regras estrita observância, pelo venerável irmão de Walterstorff; e sobre a informação do inspector esta Loja recebeu suas Constituições no primeiro de Março de 1784. Este dia foi brilhante pelo grande número de Visitadores mações que assistiam à cerimónia, pelos discursos que nele se pronunciaram, e pelo esplêndido banquete, que terminou a Festa. 
Mr. o Duque de Gesvres, Conservador Mor da Maçonaria chegou àquela Loja, e foi introduzido e anunciado ao som de macetes com que batiam, precedendo sua marcha muitas estrelas, e formando sete irmãos a abóbada de aço, o que se pratica cruzando as pontas das espadas. 

Mr. o Duque de Rochefucault, Grão Mestre dos Oficiais d'honra do Grande Oriente de França, foi introduzido do mesmo modo, debaixo da abóbada d'aço, batendo macetes ao som de instrumentos, e no meio de aplausos. Os Irmãos deputados do Grande Oriente, portadores das Constituições, apresentaram seus poderes ao Irmão Experto, e foram depois introduzidos ao som da música, batendo macetes, e formando nove Irmãos a abóbada d'aço. O Sr. Salivet, advogado no Parlamento, Oficial do Grande Oriente, e Chefe da Deputação, estava acompanhado dos Irmãos Guyenot e Brissac. Em qualidade de Chefe, fez hum discurso sobre a origem da Franc-maçonaria, em que falou da maneira seguinte:
« Cada Século tem seus Sábios. A Índia os tem respeitado debaixo do título de Gimnosofistas, o Egipto debaixo do nome de iniciados, os Povos do Oriente debaixo do de Pedreiros-Livres, que conservam ainda entre nós. Estes Sábios, que escaparam à corrupção universal, dotados de uma alma sensível, entregues à vida contemplativa, faziam profissão de serem amigos dos homens, e inimigos dos vícios unidos à humanidade. Por toda parte se viam reunir para fazerem o bem, socorrerem o pobre, e protegerem o fraco! » 
« Sempre perseguidos pelo fanatismo, que não raciocina, e pela inveja, que envenena aquilo mesmo, que não pode conhecer, eles nunca lhes opuseram senão a constância e o desprezo. Contentes de serem úteis estimando-se assaz para não temerem nada, eles têm continuado a oferecer ao Ser Supremo um incenso digno da sua Grandeza, o tributo de um coração puro, de um espírito esclarecido, e de uma alma reconhecida. Tal é, meus Irmãos, a origem tão antiga, como gloriosa da Maçonaria. » 
Este extracto, em termo de maçonaria, se chama um pedaço d'arquitectura. Basta para dar uma ideia do delírio aos Pedreiros-Livres os quais contra a verdade da história pretendem descender da mais alta antiguidade, e pôr em voga a Religião natural com exclusão total da que Jesus Cristo nos revelou. Os Filósofos não ambicionam hoje outro titulo senão o de Mação: este se identifica com o de Clubista, e de Jacobino, debaixo do qual se encerra o do propagandista, e de inimigos dos Reis, e de Deus. 

(continua)



domingo, 27 de dezembro de 2015

Redeunt Saturnia Regna

A questão da descoberta da Austrália é importante, menos pela evidência óbvia de que o território foi logo descoberto pelos portugueses, talvez até antes de aportarem a Timor, nem pelo caso de terem propositadamente descurado o espaço que levaria a disputas de marcação de anti-meridiano com Espanha, mas muito mais por todo o esforço que foi conduzido nos 250 anos seguintes para manter a ilha Australiana fora do conhecimento mundial.

Num artigo de ontem (26 de Dezembro), os espanhóis voltam ao assunto:


e o foco vai para uma figura importante do Império Britânico - Alexander Dalrymple, que é aí acusado de ter sido o principal responsável pela divulgação de documentos de navegação espanhóis, "roubados" por si de Manila, durante o período de 1762-64, quando a cidade foi ocupada pelos ingleses durante a Guerra dos Sete Anos (da qual fez parte a Guerra Fantástica em território nacional).

No artigo, que muito remete para a descoberta por Pedro Fernandes Queirós, pode ler-se
El cardenal Francis Moran denunció en 1905 el uso manipulado de la historia para justificar la discriminación de los católicos en el imperio Británico y argumentaba que fue el católico Quirós el primer europeo que descubre Australia y era injusta esa postergación.
... a referência destacada ao "uso manipulado da história" é do próprio artigo, assim como no final se lamenta da desconsideração sobre as navegações espanholas, por contraponto a portuguesas ou holandesas:
He aquí un resumen de las bases que demuestran la persistencia del prejuicio, y de que este es parte de un discurso oficial que oculta uno de los viajes más planificados y secretos de la historia. Podríamos sumar las acusaciones de alteraciones de yacimientos arqueológicos, la sustitución –por defecto– de exploraciones españolas por portuguesas u holandesas. Una guerra cultural que debe superarse.
A "guerra cultural" que deverá superar-se, é mais uma esperança vaga a que este artigo só traz uma visão parcial, a juntar às milhares de referências que se perderam sem grande eco nos tempos. No entanto, não deixou de ter algum impacto (serviu para os espanhóis mudarem imediatamente páginas da Wikipedia, p.ex. sobre Dalrymple).

Quando trazemos aqui o livro sobre a maçonaria, é porque esse é uma das face do "estado" que foi instituído a nível global, imperial, onde cada térmita maçónica se vê como obreira de um grande edifício de controlo mundial. Não é difícil perceber que Dalrymple foi uma dessas térmitas, lendo um dos seus textos de 1790:

onde cita claramente a passagem em latim Redeunt Saturnia Regna, que se encontra na quarta écloga de Virgílio, também invocada para o lema Novus Ordo Seclorum. 
Aliás, outra frase latina "Mens inimica Tyrannis", tinha sido usada pelos revolucionários americanos de Boston, e portanto denotava que Dalrymple estava mais ao serviço da Companhia das Índias inglesa (um braço comercial da maçonaria), do que ao serviço do rei britânico. Ainda que use essa expressão mais como antevisão do movimento independista que esperava ver nascer em todo o Novo Mundo, e que de facto levou à independência das posses espanholas na América no espaço de trinta anos.
Dalrymple é bastante claro no pensamento que invoca, e que serve para ilustrar o pensamento iluminista (ou illuminati) que se operou no Séc. XVIII. 
Redeunt Saturnia Regna; When Universal Commerce shall vigorate the hand of Industry, by supplying the mutual Wants, and maintaining the Common-Rights of ALL MANKIND; instead of the Lives and Property of the People being sported away; at the caprice of a Fool! or a Tyrant!
Dificilmente podemos discordar desta, ou doutras frases que Dalrymple usa no seu texto, em que ataca as pretensões do Rei Espanhol... que eram grandes:
- todas as regiões "Magalhânicas" e o Noroeste da América.

Todo o texto merece leitura, mas destacamos a filosofia que já refere um "direito dos nativos":
How far the Right of Discovery, without occupancy, can be constructed to extend over uninhabited Countries, I shall not at present enquire; but Common Sense must evince that Europeans, visiting Countries already inhabited, can acquire no right in such Countries but from the good will of the Friendly Inhabitants, or by Conquest of Those who are Agressoes in Acts of Injury; (...) the European is not sufficiently explaining his peaceable intentions, and the Native is not readily apprehending those intentions.
Claro que esta conversa era muito bonita, mas na prática a ideia era atacar espanhóis como agressores dos nativos, enquanto que os ingleses estariam cheios de boas intenções... mesmo que os nativos assim não o entendessem.  
Procurando atacar pretensões espanholas mesmo ao Sul da América, na Terra do Fogo, invoca uma reprodução de um mapa de Ptolomeu de 1508, dizendo: 
(...) and the Map of the discovered parts of the New World, in the Rome Edition of Ptolemy 1508, expressly says, The Portuguese had then traced the Coast to 50º South without reaching Its Southern Extremity; and this Book, coming into the World with License of Pope Julius II, under date 28th July 1506, must be admitted, by His Catholic Majesty, as infallible Authority (...)
Os tempos eram outros, e hoje ninguém está disposto a secundar Dalrymple, mas o que é dito, com chancela de publicação papal, é que os portugueses tinham chegado pelo menos às portas do Estreito de Magalhães (a 52º Sul), pelo menos uns 15 anos antes da viagem de Fernão de Magalhães. A intenção de Dalrymple é marcar a passagem do Cabo Horn por Drake em 1578, para eventual posse inglesa da Terra do Fogo... mas de caminho, deu mais um "Abre Los Ojos" para esta documentação papal.
Depois, é bastante engraçado a recusar a descoberta das partes americanas acima da Califórnia, dizendo que não era correctas as representações acima de 40º Norte, e que os relatos de Juan de Fuca em 1592, ou de Bartolomeu de Fonta em 1640, não tinham sido reconhecidos pelos próprios espanhóis... (um pouco consequência do estilo de haver idiotas nacionais a recusar proezas próprias, como a autoria portuguesa do Adeste Fideles). Deveriam ser pois consideradas como descobertas desdenhadas e abandonadas por Espanha.

Como nota final, todo o argumento de Dalrymple passa pela lógica de Hugo Grotius, da Lei das Nações, que faz prevalecer os acordos entre Nações, sem benção papal... porque, conforme invoca, só "nesses tempos de Ignorância" estariam os cristãos forçados a manter guerra perpétua com os maometanos... já que seria impossível haver aí "benção papal". No entanto, como sabemos, o problema era outro - o Tratado de Tordesilhas tinha benção papal, mas excluía todas os restantes Nações Europeias da partilha das descobertas.

Neste texto de Dalrymple não é falada de nenhuma pretensão espanhola sobre a Austrália (a menos que se incluísse nas "Terras Magalhânicas"), nem ele a procura rebater. No entanto, a esse propósito, voltamos a referir a obra

Being The Narrative of Portuguese and Spanish Discoveries in the Australasian Regions, between the
Years 1492-1606, with Descriptions of their Old Charts.
George Collingridge (1895)

sendo certo que não lhe dedicámos a atenção e tempo devido, deixamos aqui um mapa incluso, atribuído a Desliens (1560), que é bastante claro sobre a posição da Austrália, aliás Java Grande, e sobre a sua posse, com três bandeiras de quinas. Acresce a isso, a própria representação da Terra Nova (Canadá) ser feita com 4 bandeiras nacionais.
Mapa de Desliens (1560), onde a Austrália, chamada Java Grande, tem bandeiras portuguesas.
Acrescem 4 bandeiras na zona do Canadá, e uma possível representação da ponta da Antárctida ao sul.
Portanto, para além de simples reconhecimento da Austrália, devem ter existido cidades fortaleza, habitadas durante algum tempo pelos portugueses, e que depois foram completamente arrasadas, para encobrir definitivamente o seu rasto na História. Isso não se fez sem colaboração e acordo nacional, ao longo dos tempos... agora se serviu como moeda de troca em tratados de paz, ou se foi prática devota de fiéis mações, interessados em manter este lado obscuro, pois isso resta como incógnita.


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Tolomeu a eito

Ao transcrever uma parte do manuscrito de João de Barros, sobre as "Antiguidades de Antre Douro e Minho", não pude deixar de sorrir quando ele, por uma ou mais vezes, escreveu:

Tolomeu em vez de Ptolomeu.

Se escreveu Tolomeu é porque provavelmente não pronunciava o "p", como nós o fazemos com tantas outras palavras. No entanto, e até tê-lo visto escrito por Barros, não tinha reparado no significado de "tolo meu" em Ptolomeu. Certamente que Barros não o fez com o propósito jocoso, mas aquele erro perdido num manuscrito não publicado, valeu um sorriso, a quinhentos anos de distância.
O que mais me surpreende em Barros, e noutros escritores antigos, era a sua coloquialidade e o seu à vontade com o erro. Tão depressa escreviam um nome de uma forma, como de outra. Interessava muito mais o som do que a escrita. Talvez soubessem que era mais natural manter-se a correcção na língua falada, do que na língua escrita. Esses manuscritos antigos têm habitualmente várias incorrecções, que não pareciam causar o mínimo embaraço aos autores. Curiosamente, somos hoje muito mais ortodoxos e intolerantes com pequenos erros de escrita, do que fomos no passado. 

O som pt é raro na nossa língua, sendo normalmente remetido a origem grega... ou até egípcia.
A vontade de suprimir consoantes, como ocorreu nas últimas revisões ortográficas, tratou de acabar com algumas das últimas ocorrências do som "pt".
Não desapareceu em "optar", porque ninguém diz "otar"; não desapareceu em "apto", porque se confundiria com "ato"... já de si confundido com "acto"; também não desapareceu em "rapto", sob pena de ficar "rato"; nem em "captar", sob pena de ficar "catar"; nem em "inapto" que se confundiria com "inato", etc.

Curioso é o caso de "concepção" que, por via do aborto ortográfico, passou a escrever-se "conceção", confundindo-se desnecessariamente com "concessão", já que a primeira vem de conceber e a outra de conceder. Este caso é curioso, porque "concepção" já tinha sofrido antes um tratamento para se ver livre do "p", escrevendo-se "conceição".
A designação "Nossa Senhora da Conceição" era antes "Nossa Senhora da Concepção", invocando a concepção "sem pecado" de Jesus Cristo. Portanto, se a ideia era verem-se livres da consoante muda, poderiam ter usado o que já existia... assim, ficamos com três grafias diferentes para a mesma palavra: concepção, conceção, e conceição. 
Seria pelo menos assim coerente com a palavra "conceito", que antes se escreveu "concepto" (como em inglês, "concept").

Mas não é apenas neste conceito que vemos que temos uma velha mania de substituir o "i", onde outros usaram consoantes. Comparando com a língua inglesa, mais respeitadora da assinatura latina, vemos como foi tudo a "eito":

- conceito - concept
- respeito - respect
- defeito - defect
- eleito - elect
- seita - sect
- aceita - accept
- efeito - effect
- perfeito - perfect
- colheita - collect
- suspeito - suspect
- rejeito - reject
- sujeito - subject
- direito - direct
- peitoral - pectoral
- leitura - lecture

... e a lista continuaria, mostrando como a forma tradicional das nossas consoantes mudas não foi uma simples omissão, tendo-se optado pelo uso sistemático de um "i" alternativo, em formas assim escritas há mais de 500 anos atrás.  
Se foi a eito, nem sempre ficou feito num oito
Repare-se que mantivemos o octógono, não lhe chamando oitógono. Porém, para octava dissémos oitava, e agora em vez de Octávio, escreveremos Otávio em vez de Oitávio. Também não optámos por seguir a tradição antiga, escrevendo direitor em vez de diretor, ou escrevendo reito em vez de reto (mas dizemos escorreito...).
Portanto, o que mais entristece é esta completa falta de consistência, de coerência, sendo certo que, com mudanças em cima de mudanças, as coisas podem tender a voltar ao original. Não se pense que é culpa moderna, pois já antes ninguém escrevia seite em vez de sete. Nem se pense que isto favorece a origem latina do português, porque as coisas não são assim tão simples. O que se nota é que a população foi cumprindo obedientemente directivas, ou direitivas, vindas do topo.

Regressando ao Tolomeu... para finalizar. O caso do Egipto poderia levar-nos a um Ejeito forçado, mas indo ao grego, vemos que se deveria ler Αίγυπτος, ou seja Aíguptos, já que a transliteração latina modificou os "u" upsilon em "y" ipsilon, passando o som "u" a valer como "i" (os franceses conseguem fazer uma mistura entre "u" e "i" que seria adequada). 
Ora, ocorre que o som "Guptos" é também remetido ao Império Gupta, que floresceu na Índia entre os séculos IV e VI, ou seja, na mesma altura em que a religião católica se iria impor como religião oficial e única do Império Romano. Aliás, a parte católica do Egipto ficou conhecida como "Copta", o que é de forma muito natural a mesma variante do nome, com a habitual alteração do "g" em "c".

O Império Gupta é considerado um período particularmente brilhante na Índia, do ponto de vista científico e literário, sendo neste reino que se considera ter aparecido a numeração (árabe) posicional, depois trazida pelos árabes para a Europa. Curiosamente, também os Guptas apreciaram templos em forma piramidal, ainda que este seja escavado na rocha de Ellora, e não composto de múltiplas pedras-tijolo empilhadas.
Ellora - Kadesh - um templo Gupta
Isto principalmente para fazer uma observação...
Se temos uma ideia do que aconteceu aos judeus com o crescimento do cristianismo e islamismo, no Médio Oriente, é muito mais nebuloso todo o registo do que se terá passado no Egipto. 
Até ao tempo de Cleópatra, sabemos que o legado antigo era preservado pela dinastia Ptolomaica (ou melhor, Tolominha), mas a partir daí, e especialmente com o crescimento do cristianismo, só passamos a ouvir falar dos Coptas cristãos. 
Quando Constantino declarou o cristianismo oficialmente, já tinha desaparecido, ou desapareceu por completo a velha religião egípcia no meio desse processo. Porque quando no Séc. VII o Egipto é invadido pelos árabes, parece que não se registou nenhum êxodo para as paragens ocidentais.
Tal como os registos de Axum e Lalibela, talvez Ellora e outros pontos na Índia, fossem resultado duma diáspora egípcia, levada para outras paragens, e manifestando-se de forma diferente.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Outros Quinhentos - Afonso de Albuquerque

Os protagonistas da expansão portuguesa no Índico tiveram o arrojo de transformar o Índico num enorme lago dominado pelas naus portuguesas, conquistando ou colocando sob vassalagem diversos portos africanos, árabes, persas, indianos, e uma quantidade dificilmente mensurável de ilhas, que iam de Malaca até à Nova Guiné. 
Tudo isto não foi obra de Afonso de Albuquerque, mas ocorreu, ou consolidou-se, durante o curto período em que foi Vice-Rei da Índia, ou seja entre 1509 e 1515.
Afonso de Albuquerque
Vice-Rei da Índia, Duque de Goa
Panorama das possessões portuguesas em 1515, à data da morte de Albuquerque,
e comparação com as possessões espanholas à mesma data.

Nesta semana, a 16 de Dezembro, passaram 500 anos sobre a sua morte, ou seja, foram outros quinhentos, que mereceram um pequeno espaço em jornais, mas onde se nota de sobremaneira o esforço existente em esquecer os feitos do "César do Oriente".

A chegada a Timor, ocorrida durante este período, será até invocada pelos timorenses, mas sem qualquer presença assinalável da parte de representantes nacionais.
Estas comemorações ocorreram, sem praticamente serem notadas na imprensa jornalística nacional, um bichinho sempre muito bem amestrado, às ordens de quem manda.
Os petizes são obrigados a ler os Lusíadas, mas a esquecer a ausência oficial de memória nacional, no que diz respeito à passagem de meio milénio sobre as glórias e heróis aí mencionados.
Essas proezas já só têm espaço no contexto da poesia, e nunca esta nação se amesquinhou tanto para se identificar a tão pouco, independentemente do lacaio partidário que ocupe o palácio de S. Bento, ou da fraude que vegete em Belém, ou até de qualquer pretenso candidato ao cargo.

Se este país ainda lembra o seu passado, não é certamente nas suas instituições oficiais de governo ou militares, que não são mais do que uma anedota presente, vista a sua grandeza passada. E todos os rostos que ocupam cargos de destaque neste país, sejam eles cargos de governo, de presidência, ou militares, deveriam cobrir-se de vergonha por com isto pactuarem, sem uma frase pronunciarem, sem um movimento terem no sentido de relembrar a história da nação que representam. Se em 1998 foi diferente, se em 1999 ainda havia força para falar em nome de Timor, pois parece que alguns anos de integração europeia nos condenaram depois a uma auto-censura comemorativa. 
Quantos de nós suspeitariam que após a Expo 98, o país se anularia em comemorações de posteriores datas, igualmente importantes?

A hegemonia de Albuquerque não será consensual, nem o foi à época. Não tanto por via do pequeno conflito que teve na substituição de D. Francisco de Almeida, tendo acedido a que este vingasse o filho, Lourenço de Almeida, morto em Chaúl, na Batalha de Diu. 
Afonso de Albuquerque afastou-se, para que na Batalha de Diu, Francisco de Almeida fosse o único comandante vitorioso de uma coligação que envolvia não apenas os mamelucos árabes, mas também turcos e até as repúblicas cristãs de Veneza e Ragusa (Dubrovnik). 
Esse afastamento consentido, contribuiu para que acabasse preso, tendo sido só libertado quando o marechal do reino, forçou D. Francisco de Almeida a libertá-lo.

Se a sua chegada foi atribulada na substituição do vice-rei, também o foi pouco menos a sua própria substituição, algo inesperada, na chegada de Lopo Soares de Albergaria. Ainda em 1515 escrevera ao rei no sentido de tomar Meca, quando já tinha todo o Mar Vermelho sob seu poder, após ter conquistado a cidade do Suez. A sua morte no navio, quando acabava de ser substituído, e regressava a Lisboa, fez com que ainda fosse enterrado em Goa, só mais tarde sendo transladado para a Igreja de Nª Srª da Graça, onde estava sua mulher.

Após Albuquerque, só é digno de registo especial a chegada portuguesa ao Japão, pelo que é com Albuquerque que praticamente começa e acaba a grande extensão do império português no Oriente. 

Após 1511, a conquista de Malaca, permitiu passagem à navegação portuguesa, e o que não foi logo descoberto, foi simplesmente porque foi encoberto em Lisboa. Com a mesma facilidade que as naus chegaram às minúsculas ilhas de especiarias das Molucas, e até à Papua-Nova Guiné, também traçaram pelo menos os grandes contornos orientais. Albuquerque tanto saberia de Timor em 1512-1514, como saberia da Austrália, ainda antes disso. Tanto saberia da China em 1513, como saberia da Coreia e do Japão nos anos seguintes. Aqueles que pensarem doutra forma, limitam-se a papaguear as estórias de carochinha que lhes dão jeito.


sábado, 19 de dezembro de 2015

Véus (5)


Abade LeFranc
O versão portuguesa, do texto que tenho vindo a transcrever, não mencionava o autor, tal como o original, mas tendo encontrado uma reedição francesa, penso que se esclarece melhor o contexto.

Le voile levé pour les curieux (original de 1792)
ou 
Le secret de la Révolution de France. Revelé, à l'aide de la Franc-Maçonnerie
pelo 
Abade Jacques François Le Franc  (cf. versão de 1828)

O Abade LeFranc, era um eudista da Congregação de Jesus e Maria, e não durou mais de um ano à publicação da sua obra. Foi uma das 180 vítimas chacinadas na prisão do Oratoire des Carmes, no contexto de milhares de mortos no grande Massacre de 2 de Setembro de 1792, em pleno Reino do Terror, durante a Revolução Francesa.
Massacre de 180 padres na Prisão dos Carmelitas, em 2 de Setembro de 1792
(ilustração no jornal Les Révolutions de Paris, em 8 de Setembro)
Dificilmente fará sentido relacionar a sua morte com a publicação da sua obra, quando nem é o elemento mais referenciado nesse massacre... no entanto, convém não esquecer que uma forma bastante monstruosa de disfarçar assassinatos selectivos é alargar o público-alvo, quando as restantes vítimas passam por danos colaterais, para iludir a selecção visada. No entanto, no caos do Reino do Terror, era maior proeza sobreviver, e muito mais para quem arriscasse a publicar obras, mesmo sem as assinar, como foi o caso do Abade LeFranc.


Vicenza em 1546
Basílica Palladiana, em Vicenza 
Relativamente à origem recente da maçonaria, o Abade LeFranc mencionava um acontecimento hoje pouco conhecido, ocorrido na cidade italiana de Vicenza, perto de Veneza.

Em 1546 teria aí tido lugar uma reunião de ateus e deístas. A República de Veneza, prendeu e condenou dois dos participantes à morte pelo garrote, executada em 1548. 

Fui à procura de mais referências sobre este episódio e só encontrámos nomes afrancesados - Jules Trevisan e François de Rugo, numa versão francesa do texto que nos levou ao Abade LeFranc. Tratando-se de italianos, também não adiantou procurar Giulio ou Francesco, estes nomes só os encontramos em pseudónimos, tipicamente da maçonaria.

Mesmo que se tratasse de um período crítico, na reforma e contra-reforma, e notando que Martinho Lutero morre nesse mesmo ano de 1546, a situação parece ainda estranha, por caber a Veneza a condenação religiosa.

Segundo o Abade LeFranc, seriam os outros, que escaparam a essa perseguição, procurando refúgio noutros países, que dariam um carácter fundacional à maçonaria. Dava aí especial destaque aos Socinos, colocando mesmo Fausto Socino, o sobrinho de Lélio, como o fundador da maçonaria.

Ao mesmo tempo que critica, LeFranc despende uma significativa parte deste texto ao elogio de uma franco-maçonaria "pura", que deveria ter em consideração o papel crucial de Jesus, algo que a nova maçonaria francesa se propunha destruir. Nesse âmbito, ao querer definir uma franco-maçonaria como disciplina global, que incluiria todos os mistérios, inclusive os científicos, parece ter sido um simples franco-atirador, alinhando num certo ridículo dos próprios.
Assim, a conclusão de que a nova Maçonaria visava apenas um ataque a Cristo, não era propriamente novidade, já que desde a época de Templários que se notava que havia movimentos que visavam o protagonismo do rei Salomão e da sua herança. O estranho é não se mencionar a associação directa entre estas organizações salomónicas e o seu patrocínio óbvio pela judiaria. Todas as organizações que se opusessem ao catolicismo teriam apoio judaico. Desde os movimentos luteranos, calvinistas, anglicanos, ateus, deístas, até às suas congregações, em especial na maçonaria, tudo serviria o propósito de atacar o poder centralizado em Roma. 

Quanto aos príncipes europeus, a única filosofia que os levou a abraçar o cristianismo de Lutero, foi a contestação ao papado que servia as pretensões do Império Habsburgo, nas vertentes espanhola e austríaca. A chancela papal ao Tratado de Tordesilhas, era intolerável numa nova época de descobrimentos, e seriam as Companhias das Índias a regularem o comércio global, especialmente depois da Guerra dos Trinta Anos. Estes movimentos de contestação religiosa não eram novos - basta lembrar os casos arianos ou cátaros, e teriam tido efeito reduzido ou praticamente nulo, se não houvesse um interesse material em terminar com o poder centrado em Roma, quando se tornavam evidentes as vantagens das navegações e do comércio global.

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O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação)

Eis-aqui uma origem diferente da que lhe dá o Autor do "Ensaio sobre Franc-Maçonaria", (tomo 1. pag. 76). 

É sem duvida, quando o sacerdócio e a magistratura se achavam reunidos na mesma pessoa, que a Franc-Maçonaria deve ter seu nascimento. 
As ciências e os princípios das artes só eram conhecidos do sacerdote-magistrado. A mecânica das artes estava nas mãos de homens ordinários. Era necessário para felicidade dos homens, e sua unidade, regular seus costumes, e se lhe davam preceitos, ordens , e leis; infligiam-se-lhes penas; a religião, que se lhes ensinava , era do seu alcance. Quando o Ser supremo criou o homem , já tinha criado tudo o que existe; e nesse momento brilhou para o mesmo homem a verdadeira luz, a luz da sabedoria Divina. A Franc-maçonaria tem por Era a da criação do Universo, a Era da verdadeira Loja. 
O estudo das ciências, e dos conhecimentos intelectuais por meio das quais se lê nas fibras das plantas, nas entranhas da terra, no abismo dos mares, no fogo dos astros e dos planetas, na alma do homem, e na do Universo; este estudo era a ocupação do sacerdote-magistrado, e o fruto deste estudo era colhido pelos outros homens, para cuja felicidade ele era destinado. Daqui nascem duas doutrinas, uma que por sua sublimidade, ou por sua complicação, não podia ser compreendida pelo comum dos homens, e outra que, por sua simplicidade, se achava ao alcance deles; estando a magistratura separada do sacerdócio, os conhecimentos intelectuais e os das ciências se viram divididos: um e outro sofreram a cisão ou rotura da unidade; a árvore ficou estéril e não produziu mais fruto; ela esmoreceu, e tocou o último ponto da sua corrupção. O livro do conhecimento estava escrito em caracteres, e hieroglíficos, em emblemas; perdeu-se o segredo destes caracteres, e a imaginação, trabalhando sobre os hieroglíficos, se esquentou, se exaltou, e viu o que neles não havia, e não o que ali se achava. 
À força de estudos e de indagações, se descobriram alguns vestígios de conhecimentos; mas os que procuravam a luz e a verdade eram uns homens isolados, que trabalhavam sós. Eles não comunicavam suas descobertas, e os progressos foram sumamente vagarosos. A Franc-maçonaria saiu do túmulo, viu-se renascer de suas cinzas, como a Phenix, tudo o que era misterioso julgou que pertencia à Franc-maçonaria; e isto era verdade. Todas as ciências abstractas, e os conhecimentos sobrenaturais foram enxertados na árvore maçónica. Eram estes uns ramos separados, que se reuniam outra vez ao tronco. Os ramos se tomavam pelo tronco da árvore: o homem não via sempre o que devia ver. Nasceram os sistemas, e viram-se muitos. Os partidistas deles tomaram para si a Franc-maçonaria e pretenderam ter a ela um direito exclusivo. Eles não viam que o seu sistema é que pertencia à Franc-maçonaria. Eu o repito, e eu o digo como o creio, tudo quanto é misterioso é da competência da Franc-maçonaria, tudo o que se chama conhecimento em Física, em Moral, em espiritual ou intelectual é próprio da Franc-maçonaria. Tudo o que pode tender para felicidade física, moral, ou intelectual do homem , pertence à Franc-maçonaria (veja-se o "Ensaio sobre a Franc-maçonaria, ou o fim essencial e fundamental da Maçonaria; da possibilidade, da reunião dos diferentes sistemas da Maçonaria, do regime conveniente a estes sistemas". 
Mas os que pertendem elevar um novo Templo ao Senhor reconhecem no Rei Salomão o chefe de todos os obreiros mações, e lhe referem todas as ceremónias, e instituições maçónicas. 
Pouco curiosos de acharem a verdadeira origem de uma Ordem tão célebre, os Mações deixam voluntariamente a seus membros a liberdade de escolherem a origem, que quiserem adoptar; com tanto que um espesso véu cubra os verdadeiros princípios da arte real da Maçonaria. Mas para não deixar por mais tempo suspenso o Leitor, nós vamos começar a revelar o grande, o verdadeiro, e o único segredo da Franc-maçonaria, sobre o qual os Mações tem transtornado os projectos a todos aqueles, que o tem pretendido conhecer. 

A Franc-maçonaria é a quinta essência de todas as heresias, que dividiram a Alemanha no século décimo sexto. Os Luteranos, os Calvinistas, os Zuinglianos, os Anabatistas, os Novos Arianos, em uma palavra, todos aqueles que atacam os mistérios da Religião revelada; todos aqueles que disputam a Jesus Cristo sua divindade, e à Santíssima Virgem Maria sua maternidade divina; todos aqueles que não reconhecem a autoridade da Igreja Católica, ou que rejeitam os Sacramentos; os que não esperam outra vida depois desta, os que não crêm em Deus ou porque se persuadem que ele não tem cuidado, nem providencia sobre as cousas deste mundo , ou porque desejam que Ele não exista; eis-aqui a nobre origem da Franc-maçonaria, ou com quem os Franc-mações (Pedreiros-Livres) se têm associado, e de quem actualmente se vê formada a sua Ordem real. A prova disto será facilmente conhecida de todos aqueles que têm noticia dos últimos acontecimentos, que desolaram a França, e Península. Vamos pois fazer algumas aproximações, que ajudarão aos que não tem à mão os livros da história, a achar o fio que lhes será suficiente para saírem do labirinto, em que destramente têm sido enredados. 

Os Pedreiros-livres da França pretendem tirar sua origem da Inglaterra: é pois entre os nossos aliados que se devem examinar os progressos da Maçonaria. No principio do penúltimo século não se falava entre eles de Pedreiros-Livres. Estes só foram sofridos em Inglaterra no reinado de Cromwel, porque se incorporaram com os independentes, cujo partido então prevalecia. Depois da morte do grande protector, diminuíram de crédito, e só no fim do século décimo sétimo é que chegaram a formar assembleia à parte debaixo do nome de Freis-Mações, de homens-livres, ou de Pedreiros-Livres; e não foram conhecidos em França, nem tiveram bom sucesso em fazer nela prosélitos senão por meio dos Ingleses, e irlandeses, que passaram àquele reino com o Rei Jacob, e o pretendente. Entre as tropas é que eles foram primeiro conhecidos, e por meio delas é que começaram a fazer prosélitos, e se fizeram temíveis desde 1760, em que tiveram à sua testa Mr. de Clermont, Abade de S. Germano dos Prados

Mas é preciso remontar mais alto, para termos a primeira, e a verdadeira origem da Franc-Maçonaria
A Cidade de Vicença foi o berço da Maçonaria em 1546. Na sociedade dos Ateus e dos Deístas, que nela se congregaram para conferenciarem uns com outros sobre as matérias de religião, que dividiam a Alemanha em um grande numero de seitas, e de partidos, é que foram lançados os primeiros fundamentos da Maçonaria. Foi nesta academia célebre que as dificuldades relativas aos mistérios da Religião Cristã foram olhados como pontos de doutrina pertencentes à filosofia dos Gregos, e não à Fé. 

Logo que estas decisões chegaram à Republica de Veneza, ela mandou perseguir seus Autores com a maior severidade. Júlio Trevisan, e Francisco de Rugo forão presos, e garrotados. Bernardino Okin, Lélio Socino, Peruta, Gentilis, Jacques Chiare, Francisco o Negro, Dario, Socino, Alciás, Abade Leonardo, se dispersaram por onde puderam; e esta dispersão foi uma das causas, que contribuíram para espalharem sua detestável doutrina em diferentes partes da Europa. Lélio Socino depois de ter adquirido um nome famoso entre os principais chefes dos hereges, que punham a Alemanha em fogo, morreu em Zuriche com a reputação de ter atacado com maior força a verdade dos mistérios da Santíssima Trindade, e do da Encarnação, a existência do pecado original, e a necessidade da graça de Jesus Cristo

Lélio Socino deixou em Fausto Socino, seu sobrinho, um hábil defensor de suas opiniões; a seus talentos, à sua ciência, à sua actividade infatigável, e à protecção dos príncipes, que ele soube atrair a seu partido, é que a Franc-maçonaria deve sua origem, seus primeiros estabelecimentos, e a colecção dos princípios, que são a base de sua doutrina. 

Fausto Socino teve a vencer muitas oposições para fazer adoptar sua doutrina entre os sectários da Alemanha; mas o seu carácter flexível, sua eloquência, a fecundidade de suas ideias e sobretudo o fim, que manifestava, de declarar guerra à Igreja Romana, e de a destruir, lhe adquiriu muitos partidistas. Os seus sucessos foram tão rápidos, que, ainda que Lutero e Calvino tenham atacado a Igreja Romana com a mais desmedida e escandalosa violência, Socino os excedeu muito. No seu túmulo em Luclavia se gravou o seguinte epitáfio. 

Tota licet Babylon destruxit tecta Lutherus, 
Muros Calvinus, sed fundamenta Socinus. 

Quer dizer, que se Lutero tinha destruído o tecto da Igreja Católica, designada pelo nome de Babilónia, se Calvino tinha derrubado seus muros, Socino podia gloriar-se de ter arrancado até mesmo seus fundamentos. As proezas dos Sectários contra a Igreja Romana, eram representadas em caricaturas tão indecentes, como gloriosas a cada partido; porque é de notar que a Alemanha estava cheia de gravaduras de todas as espécies, nas quais cada partido se disputava a glória de ter feito à Igreja o maior mal que podia. 

Mas é certo que nenhum chefe dos Sectários concebeu um plano tão vasto, nem tão ímpio como o que formou Socino contra a Igreja. Ele não pretendeu somente abatê-la, e destruí-la, empreendeu além disso elevar um novo templo no qual propôs fazer entrar todos os Sectários, reunindo todos os partidos, admitindo todos os erros fazendo um todo monstruoso de princípios contraditórios; porque ele sacrificou tudo à gloria de reunir todas as Seitas, para fundar uma nova Igreja em lugar de Jesus Cristo que ele fazia pundonor de destruir, a fim de arrancar a fé dos mistérios, o uso dos sacramentos, os terrores da outra vida, que tanto afligem aos maus. 

Este grande projecto de edificar um novo templo, e de fundar uma nova religião, deu lugar aos discípulos de Socino para se armarem de aventais, de martelos, de esquadrias, de prumos, de trolhas, de pranchas de desenho, como se tivessem de fazer uso de tudo isto na edificação do novo templo, que seu chefe tinha projectado; mas na verdade aquelas coisas não eram senão uns adereços, uns ornatos curiosos, que servem mais para enfeite, do que para instrumentos úteis para edificar. 

Debaixo da ideia de um novo templo deve entender-se um novo sistema de religião, concebido por Socino e para cuja execução todos os seus sectários prometem concorrer e empregar-se. Este sistema não se assemelha em nada ao plano da Religião Católica, estabelecido por Jesus Cristo; antes lhe é diametralmente oposto: e todas as partes tendem só a lançar o ridículo sobre os dogmas e verdades professadas na Igreja, as quais não concordam com o orgulho da razão, nem com a corrupção do coração. Foi este o único meio que descobriu Socino para reunir todas as seitas, que se tinham formado na Alemanha: e é este o segredo, que empregam hoje os Pedreiros-Livres para povoarem suas Lojas de homens de todas as religiões, de todos os partidos, e de todos os sistemas. 

Eles seguem exactamente o plano, que Socino se tinha prescrito, que era associar os sábios, os filósofos, os deístas, os ricos, em uma palavra, os homens capazes de sustentarem sua sociedade por meio de todos os recursos, que estão ao alcance de todos eles; os membros desta sociedade guardam fora dela o mais profundo segredo acerca de seus mistérios: semelhantes a Socino, que por experiência soube quanta circunspecção devia empregar para o bom sucesso de sua empresa. O estrondo de suas opiniões o obrigou a deixar a Suiça em 1579, para passar à Transilvânia, e daqui à Polónia. 
Foi neste reino que ele achou os segredos dos Unitários, e dos Anti-trinitários, divididos entre si. Como hábil chefe começou insinuando-se destramente no espírito de todos aqueles que queria ganhar, afectou uma estima igual a todas as seitas; aprovou altamente as empresas de Lutero e de Calvino contra a Corte de Roma; e acrescentou mais, que eles não tinham posto o último remate à destruição de Babilónia; que era necessário arrancar seus fundamentos para edificar sobre suas ruínas o verdadeiro templo. 

A sua conduta correspondeu a seus projectos. A fim de que a sua obra avançasse sem obstáculos, prescreveu um profundo silêncio sobre sua empresa, como o prescrevem os Pedreiros Livres em suas Lojas, em matéria de Religião, a fim de não experimentarem alguma contradição sobre a explicação dos símbolos religiosos, de que estão cheias suas Lojas e fazem prestar juramentos aos Adeptos de não falarem nunca diante aos profanos sobre o que nelas se passa, a fim do não divulgarem uma doutrina, que só pode perpetuar-se debaixo de um véu misterioso. Para ligar mais estreitamente seus sectários entre si, Socino quis que se tratassem de irmãos, e que tivessem sentimentos de fraternidade. Daqui vieram os nomes, que os Socinianos têm tomado sucessivamente de Irmãos-polacos; de Irmãos-morávios, de Irmãos da congregação, etc. etc. Entre si se tratam sempre de irmãos e tem uns para com os outros a mais demonstrativa amizade. 

(continua)

domingo, 13 de dezembro de 2015

Véus (4)

No extracto seguinte somos levados a uma certa descrição, ou confissão, da mise-en-scène de um certo espectáculo, não apenas destinado aos iniciados, mas especialmente à população. O reforço da ideia de que os deuses da antiguidade tinham sido ídolos de carne e osso, dificilmente serve qualquer argumento de remeter o povo à ignorância. Simplesmente nos remeteria mais à ideia de magos entretidos na encenação de um espectáculo de magia, aproveitando-se da credulidade de uma plateia infantilizada.

A tentativa da procura de prestígio nas heranças da Antiguidade, está muito bem descrita na crítica, fazendo a Maçonaria passar por uma mera esponja que procurava absorver tudo o que lhe pudesse trazer alguma liquidez. Uma organização iniciada no final da Idade Média, seria tão herdeira da Antiguidade, como qualquer grupo pretensioso que o reclamasse sem outra razão.
A situação só seria diferente se tivessem tido o patrocínio de heranças contínuas, legadas sem interrupção... e mesmo assim, se o legado apenas desse para chegar ao Egipto, seria muito pouco. Não seria muito diferente do legado judaico, ou doutros legados mantidos por grupos ou populações ao longo de milénios.  

Também os nazis procuraram uma legitimação por via de uma herança ariana, mas a sua falta de ligação histórica a esse passado, apenas os deixava no papel de adivinhos, encenadores de teatro duma cultura Teutónica inventada, e até crentes em médiuns, que reclamavam ter visões de encarnações no passado. 
Portanto, a qualquer momento na história, um grupo pode deitar-se a adivinhar o passado, e a tirar conclusões sobre ele. Tanto seria assim com os nazis que poderiam iniciar o seu legado no Séc. XX, como com uma maçonaria que o poderia ter definido no Séc. XVII, como com os judeus, afinal a obediência mais obediente, e uma das que reclama maior antiguidade em legado, sem interrupções desde o cativeiro babilónico. O legado feito a partir de um momento ganha o estatuto de verdade para esse grupo, e vive da fé dos crentes... mesmo sendo ridicularizado nos seus relatos contraditórios, impossíveis, ou grotescos. E é normalmente para evitar esse ridículo interno que essas impossibilidades passam do estatuto ridículo, ao estatuto de mistério a desvendar.

Sejamos claros, se alguém se afirmava herdeiro dos Egípcios dificilmente faria grande alarido com a descoberta da Pedra da Roseta, já que não estaria à espera de Champollion para decifrar hieróglifos. Seria quase semelhante a termos a cultura judaica incapaz de ler hebraico. Por outro lado, também parece algo estranho que o Império Bizantino tenha deixado cair no esquecimento as línguas orientais que existiam no seu espaço... e por isso toda esta história tem bizarrias próprias.

A herança natural de toda a Antiguidade mediterrânica deveria ter sido assegurada pela Cúria romana, através da Igreja Católica, que herdou esse poder, substituindo-se a todas as religiões pagãs, e praticamente concentrando os poderes seculares e temporais no Ocidente. No entanto, como os "métodos católicos" visaram a certa altura uma destruição desse passado, é natural que outros espectadores mais silenciosos tenham assumido o papel de assegurar legados. 

Não se vislumbra é nenhuma evidência de que qualquer dos mistérios iniciáticos, seja da maçonaria, seja das religiões mais antigas, gregas ou egípcias, incluísse qualquer informação fidedigna sobre a história antiga da humanidade... Afinal em 1822, quando o texto é escrito, ainda não havia propriamente a ideia de um período Paleolítico, com pinturas rupestres. Nem a Bíblia, nem nenhum dos outros textos antigos, nenhum deles não menciona rigorosamente nada sobre os mistérios das cavernas, algo praticamente suficiente para entendermos que esses registos são apenas versões recentes, ignorantes de coisas muito mais antigas, e completamente submersas à época.

Finalmente, pode parecer algo macabro o costume de beber por caveiras, que é apontado aqui como tradição maçónica, mas talvez por esse lado seja mais fácil estabelecer o elo com o passado, que alguns Druidas ainda conheceriam como legado antigo.
Mas, a situação é mais ridícula. A pretensão de esconder o conhecimento ou ignorância do passado, que pode ser estratégia conveniente a este tipo de grupos, apenas tem uma clara consequência futura - esses registos serão tanto mais irrelevantes, já que o passado só se fecha no cumprimento do futuro.

Os grupos que julgam guardar para si o passado, não guardam rigorosamente nada. Porque, a partir do momento em que a falsidade ganhou corpo, acreditar em legados do passado vive apenas duma fé frágil, que se construiu em cima de mentiras. Assim, o que podemos saber do passado está apenas reservado à objectividade do futuro. Se abrirmos o futuro a uma objectividade racional, cada vez poderemos saber mais do passado... mas sobre o passado contado, guardado em documentos e copiado criteriosamente, esse apenas serve como estória privada temporária, até que a História se imponha. 
Figurativamente, não foi por não existirem referências a pinturas rupestres nos textos antigos, fossem eles gregos, romanos, hebraicos, chineses, etc... que o nosso passado cavernoso não deixou de aparecer aos nossos olhos.

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O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I. 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação)

Sem dúvida era bem necessário que o banquete, que se segue à recepção de um Pedreiro-Livre, fosse também recomendado por uso antigo, a fim de fazer mais verosímil a conformidade, que pretendem estabelecer entre os mistérios do Paganismo e os das Lojas maçónicas. Mas como os banquetes que se fazem na Loja, são alegres e acompanhados de farsas divertidas, há o maior cuidado de os justificar com o que se praticava nas iniciações de Atenas. Continuemos a recitação de Apuleio
«Depois disto o iniciado era conduzido a uma câmara, onde se lhe faziam perguntas simbólicas, a que ele respondia, segundo o que lhe tinham ensinado. O Recipiendario era depois introduzido no santuário do templo, no meio da profunda obscuridade; o horror desta escuridade era aumentada com tudo aquilo, que a industria humana pode imaginar de mais terrível. O trovão rebenta de todas as partes, os relâmpagos brilham, o raio cai, o ar está cheio de figuras monstruosas, o santuário treme, e a terra parece abrir-se em bocas. Mas bem depressa a calma sucede à tempestade, e à desordem dos elementos desencadeados; a cena se desenvolve, e se estende ao longe; o fundo do santuário se abre, e se descobre um prado agradável, onde vão deleitar-se. »
Prazeres puros, e inocentes são as únicas esperanças de que um Pedreiro-Livre deve lisonjear-se de gozar. É isto o que lhe querem fazer entender pelo que se segue: 
«Um templo descoberto e cómodo, construído em um jardim agradável e campestre, cercado e assombrado por árvores, cujos ramos parece perderem-se nas nuvens, era o lugar onde se introduzia o iniciado.» 
Eis-aqui o dogma que os ministros da religião devem contentar-se de ensinar com modéstia, com o receio de se enganarem. Este pedaço é de Mr. Guillemain e descobre todos os seus sentimentos. 
«Os olhos do novo prosélito não eram feridos pelas representações materiais e ridículas dos deuses, que os homens se imaginaram. O brilhante astro que esclarece todos os mortais, o céu de um dia puro e tranquilo, era o que se oferecia a suas vistas, quando as levantava. Os Magos vestidos uniformemente , dispostos em semicírculo (como se está na Loja), tendo seus discípulos no meio, pareciam envergonhar-se do orgulho e da presunção, que até então tinham mostrado. Em sua postura, e em seu olhar se lia, que eles não procuravam senão falar como sábios modestos, que tremem de se enganar, desejando instruir. » 
«Aquele, a quem todos os mais olhavam como sábio, começava por dar provas de que há um Deus único e supremo, motor e conservador do Universo. Demonstrava com raciocínios profundos que a matéria por si mesma não poderia adquirir nem movimento, nem inteligência. Confessava, que aqueles que eram olhados como semi-deuses, não tinham sido senão uns homens célebres por sua sabedoria e conhecimentos, que a série dos tempos tinha deificado no espírito do povo; mas que os sacerdotes , e os iniciados se limitavam a honrar sua memória, e a imitar suas virtudes; que em fim o respeito que lhes tinham não era senão o que se deve a legisladores esclarecidos, tais como aqueles, que eram os fundadores da glória do Egipto.»
«Segundo estas verdades, dizia o Orador, ser-te-ia talvez difícil compreender o motivo que nos faz obrar tão contraditoriamente na sociedade civil. Nós gememos em segredo de profanar a divindade por meio de ilusões, e mentiras; mas temos a fraqueza de querer, que o povo, que vive na ignorância, precisa de imagens sensíveis. Nós o supômos incapaz de adorar um ser impassível, que ele não pode compreender.» 
Se os magos e os ministros da religião que possuíam o segredo dos mistérios dos Egípcios, tinham realmente dado estas instruções aos que se faziam iniciar em seus mistérios, diga Mr. Guillemain a razão por que os Egípcios passavam entre todos os povos pelos homens mais supersticiosos do mundo? Por que razão no tempo de Plutarco havia entre os Egípcios instruções religiosas feitas para a gente arrasoada, e outra para o povo ignorante e grosseiro? Por que, no juízo deste Autor contemporâneo, os Egípcios adoravam, não só a Ibis, e o Ichneumon, que eram animais úteis; mas também o Crocodilo, que comia os homens; prática esta que os fazia ridículos aos estrangeiros? 
«E expunha, diz Plutarco, o culto e as cerimónias da religião ao desprezo e zombaria das gentes sensatas; dava ocasião às ideias mais absurdas, e às acções mais detestáveis; produzia, nos espíritos fracos, a superstição mais extravagante; precipitava os espíritos fortes nos horrores ao Ateísmo, ou ao menos os levava a opiniões, que degradavam ao mesmo tempo a humanidade, e a mesma Divindade, que se achava aviltada pelo culto dos animais. ( Demonstração Evangélica de Leland, ) » 

Eis-aqui, segundo Mr, Guillemain, o que os Pedreiros- Livres devem tomar por modelo: quereria ele trazer-nos à memória o ateísmo ou a idolatria; fazer-nos ridículos aos estrangeiros; e fazer-nos cair nos absurdos, que com razão se repreendem aos antigos filósofos? O certo é, que querendo ele descrever-nos as cerimónias praticadas nos mistérios de Isis ou de Ceres, não nos deu seguramente a origem da Franc-Maçonaria; e se era necessário acreditá-lo sobre sua palavra, nada haveria que fosse muito lisonjeiro para a grande obra que ele quer celebrar; pois que se seguiria de suas descobertas, que a Franc-Maçonaria teve a sua origem no centro da idolatria e a ela chama ou convida aos que se fazem iniciar em seus mistérios. Se nisto é que terminam todos os esforços da nova filosofia, se os que não admitirem os mistério da Religião revelada, são obrigados a adoptar todas as loucuras do paganismo é preciso convir, que o espírito humano, abandonando a suas próprias luzes, é bem fraco, e bem para lastimar. 

Mas convenhamos nisso sinceramente: os Pedreiros-Livres não são todos do voto de Mr.Guillemain, Alguns há, que fazem remontar a origem da Franc-Maçonaria à aparição de Jesus Cristo nas margens do Jordão quando as três Pessoas da Santíssima Trindade renderam testemunho à sua missão divina: é por esta razão que a festa de São João Baptista é tão célebre em toda a Ordem maçónica
Alguns entusiastas se persuadem que a primeira Loja se estabeleceu no Paraíso terrestre, quando Deus apareceu a Adão e a Eva. Os que pertencem à alta maçonaria, e que fazem profissão de cultivar as ciências abstractas , de descobrir os conhecimentos misteriosos, escondidos debaixo das alegorias, e dos emblemas, fazem remontar a origem da Maçonaria a Mézaim ou Menes, a Thot, Hermes, ou Mercúrio Trismegisto; outros aos Druídas ou a Gomer. Pode dizer-se, que os filósofos de nossos dias, tomando emprestado das escolas da filosofia antiga muitos usos, que introduziram nas Lojas maçónicas, a Maçonaria se assemelha, a alguns respeitos, a tudo quanto ela quer, e que é como impossível achar sua verdadeira origem. 

Os Pedreiros-Livres dizem que descendem dos Druidas; porque, como eles, reconhecem o Ser supremo e o honram; porque proíbem, como eles, discutir as matérias de religião e de politica; porque impõem segredo sobre os dogmas, que querem ocultar aos estrangeiros, porque respeitam como eles . os mortos conservando seus crânios, para beberem por eles; prática esta, que os Pedreiros-Livres observam, principalmente a respeito do crânio de Adoniram, seu Grão-Mestre; porque não escrevem nada do que diz respeito à sua doutrina; porque tomam alvas nos dias de cerimónia, como os Druidas que se vestiam de branco para recolherem o visgo; porque têm plumas no chapéu, como as que trazia no seu barrete o sumo Sacerdote Druida

Os Pedreiros-Livres dizem que descendem dos Sacerdotes Egípcios; porque têm, como eles, duas doutrinas, uma exterior, e outra interior. Em suas Lojas imitam o silêncio, que Pitágoras exigia de seus discípulos; e nos seus graus, as provas que este Filósofo requeria dos mesmos antes de lhes permitir que falassem. O mistério de suas cerimónias, e de seus sentimentos figuravam-se no Esphinge que os Sacerdotes de Isis costumavam pôr à porta de seus Templos. Imitando os usos de toda a antiguidade e copiando os sentimentos de todos os filósofos os Pedreiros-Livres poderão chamar-se verdadeiramente cosmopolitas e fazer remontar sua origem até onde quiserem. 

O que se pode notar em todas as suas indagações é que afectam não falarem nunca da Religião Cristã,
nem da sua moral, nem de seus dogmas, nem das virtudes heróicas, que ela ordena, ou aconselha, ainda que por si só ela tem produzido mais virtudes, mais luzes e felicidades, que todas as instituições humanas juntamente. Mas o objecto da Franc-maçonaria não é propor a Jesus Cristo por modelo nem tomar alguma de suas lições. É justo, que marchando sobre os vestígios de Socino, seu fundador trabalhe em apagar, se é possível, o nome de Jesus Cristo no coração de todos os Cristãos. 

(continua)