segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Casanova e as velhas causas

A propósito da tenebrosa execução de Robert Damiens em 1757, que mencionei num comentário, e recuperando a descrição do famoso Casanova
... "tentou assassinar Louis XV; mas apesar do falhanço, tendo o rei apenas sofrido uma pequena ferida, [Damiens] foi feito em pedaços, como se o crime tivesse sido consumado ... Fui forçado várias vezes a virar a cara e a tapar os meus ouvidos pelos seus gritos agonizantes, quando metade do corpo lhe era arrancada, mas os Lambertini e a Mme XXX nem se mexeram."
... percebemos como uma sociedade pode ser maquinizada, desprovendo os indivíduos de qualquer visão reflexiva. A desproporcionalidade pensada pelos carrascos reais fora tal, que dificilmente haveria imaginação suficiente para pensar em penalizá-los em sofrimento com o mesmo nível de perversidade exagerada que ali cometiam. 

Ao contrário do que é vulgar pensar, os aspectos de crueldade, a frieza ou requintes de malvadez, não são propriamente novidade trazida com a espécie humana. Estiveram presentes na natureza de forma banal, a partir do instante em que uns serviram como alimentação de outros, de uma forma que podemos entender como mais, ou menos, perversa ou brutal. Nem a natureza foi propriamente condescendente na necessidade alimentar dos seres vivos. O tempo exigido às necessidades de sobrevivência foi sempre exigente, e praticamente, assim que o animal digeria a sua refeição, já deveria começar a procurar a próxima, numa labuta diária incessante. Aliás, apesar das diferentes fontes de recursos energéticos, houve o "cuidado" de criar estômagos dedicados a um tipo de alimentação específica, sendo raros os casos de animais omnívoros.
As situações em que animais se podem encontrar em situações particularmente funestas e perversas, são tão variadas como o caricato caso das tartarugas, que incapazes de se voltarem, perecem implacavelmente ao sol.
Para além das ameaças de grande dimensão, a natureza não descurou trazer ainda grandes ameaças de pequena dimensão, na forma de infestações, doenças por vírus, bactérias, ou até por simples rebelião interna das próprias células. O panorama natural teve uma inconstância tão grande, que os ocasionais momentos de paz, de alguma normalidade, seriam o maior factor positivo.

Assim, por muito criativas que sejam as mentes perversas, não serão propriamente originais nas suas formas de perversidade. O embrutecimento está na natureza, é natural, e do ponto de vista objectivo não há grande diferença entre uma devastação nuclear de uma cidade, ou a sua destruição completa por algum fenómeno natural. A maior diferença é que num caso podemos apontar responsáveis, e no outro não... pelo menos até ao momento em que haja responsabilidades humanas na manipulação de fenómenos aparentemente naturais, sendo por exemplo antigas as técnicas de infestações em cidades sitiadas.

O ponto principal na observação de Casanova não era propriamente a crueldade da execução de Damiens, seria muito mais o aplauso ou indiferença dos que assistiam. Aliás, o aspecto perverso da execução reside apenas em considerar-se que era realizada por humanos e não por bestas.
É perfeitamente inútil esperar racionalidade ou compaixão de bestas, tal como é perfeitamente inútil esperar racionalidade ou compaixão da violência de um fenómeno natural, ou da acção de uma máquina descontrolada. Um sujeito que seja vítima de violência gratuita só sofre mais se atribuir ao executor alguma humanidade... uma vítima de ataque de um lobo não tem grandes esperanças sobre as intenções do animal, e a coisa só poderá piorar se afinal estiver rodeado por uma matilha. Como se terá vindo a constatar posteriormente, no decurso do Regime de Terror, na sociedade francesa tinham-se criado todos os mecanismos educacionais propícios a matilhas sanguinárias.


Casanova na Maçonaria
Na vida de Giacomo Casanova, plena de negócios e viagens aventurosas, para além dos mais conhecidos registos amorosos, terá tomado parte integrante a Maçonaria.
Nas suas memórias, deixa alguns apontamentos sobre uma sociedade secreta que começava então a impor-se no panorama europeu (excertos daqui)
It was in Lyon that a respectable individual, whose acquaintance I made at the house of M. de Rochebaron, obtained for me the favour of being initiated in the sublime trifles of Freemasonry. I arrived in Paris a simple apprentice; a few months after my arrival I became companion and master; the last is certainly the highest degree in Freemasonry, for all the other degrees which I took afterwards are only pleasing inventions, which, although symbolical, add nothing to the dignity of master.
É especialmente interessante a sua constatação pragmática de que apenas os 3 primeiros graus, conducentes ao título de "Mestre", seriam efectivas novidades, remetendo os restantes títulos a meras invenções aprazíveis. Sendo certo que não terá chegado aos famosos 33, talvez não visse mais no segundo 3 do que uma repetição do primeiro. Não é propriamente uma novidade que os 3 primeiros graus são os mais importantes, mas não tinha ainda encontrado uma afirmação tão contundente sobre a aparente frivolidade dos restantes.
No one in this world can obtain a knowledge of everything, but every man who feels himself endowed with faculties, and can realize the extent of his moral strength, should endeavour to obtain the greatest possible amount of knowledge. A well-born young man who wishes to travel and know not only the world, but also what is called good society, who does not want to find himself, under certain circumstances, inferior to his equals, and excluded from participating in all their pleasures, must get himself initiated in what is called Freemasonry, even if it is only to know superficially what Freemasonry is. It is a charitable institution, which, at certain times and in certain places, may have been a pretext for criminal underplots got up for the overthrow of public order, but is there anything under heaven that has not been abused? Have we not seen the Jesuits, under the cloak of our holy religion, thrust into the parricidal hand of blind enthusiasts the dagger with which kings were to be assassinated! 
Casanova continua, dizendo claramente que quem não quiser "sentir-se inferior aos seus iguais", não pode deixar de procurar a Maçonaria. E se a reputa como instituição benemérita, não deixa de afirmar o seu uso para conspirações na alteração da ordem pública, ao mesmo tempo que remetia também aos jesuítas outras conspirações regicidas.
All men of importance, I mean those whose social existence is marked by intelligence and merit, by learning or by wealth, can be (and many of them are) Freemasons: is it possible to suppose that such meetings, in which the initiated, making it a law never to speak, 'intra muros', either of politics, or of religions, or of governments, converse only concerning emblems which are either moral or trifling; is it possible to suppose, I repeat, that those meetings, in which the governments may have their own creatures, can offer dangers sufficiently serious to warrant the proscriptions of kings or the excommunications of Popes?
In reality such proceedings miss the end for which they are undertaken, and the Pope, in spite of his infallibility, will not prevent his persecutions from giving Freemasonry an importance which it would perhaps have never obtained if it had been left alone. Mystery is the essence of man's nature, and whatever presents itself to mankind under a mysterious appearance will always excite curiosity and be sought, even when men are satisfied that the veil covers nothing but a cypher.
Esta última constatação, sobre o crescimento da maçonaria por via do mistério que a envolvera, e também por resultado da perseguição papal - "que lhe dera uma importância que antes não teria", acaba de forma bastante reveladora sobre o efeito do véu não esconder nada mais que uma simples cifra. Ou seja, de certa forma Casanova acaba por sugerir que a sociedade, que cativara os membros pela revelação de ocultações significativas, encontrara formas de os manter entretidos noutras ocultações, que pouco mais seriam que simples codificações.
Upon the whole, I would advise all well-born young men, who intend to travel, to become Freemasons; but I would likewise advise them to be careful in selecting a lodge, because, although bad company cannot have any influence while inside of the lodge, the candidate must guard against bad acquaintances.
Those who become Freemasons only for the sake of finding out the secret of the order, run a very great risk of growing old under the trowel without ever realizing their purpose. Yet there is a secret, but it is so inviolable that it has never been confided or whispered to anyone. Those who stop at the outward crust of things imagine that the secret consists in words, in signs, or that the main point of it is to be found only in reaching the highest degree. This is a mistaken view: the man who guesses the secret of Freemasonry, and to know it you must guess it, reaches that point only through long attendance in the lodges, through deep thinking, comparison, and deduction. He would not trust that secret to his best friend in Freemasonry, because he is aware that if his friend has not found it out, he could not make any use of it after it had been whispered in his ear. No, he keeps his peace, and the secret remains a secret.
Este parágrafo de Casanova é ainda mais pragmático, e continua a sua visão anterior. A ideia de que os membros são enredados em múltiplos mistérios, e persistem na procura do último segredo em códigos, ou trepando até ao último degrau. Assumindo que há esse segredo, Casanova acaba por suspeitar que se mantém pelo simples facto de que quem o encontra acaba por concordar com o seu secretismo.
Everything done in a lodge must be secret; but those who have unscrupulously revealed what is done in the lodge, have been unable to reveal that which is essential; they had no knowledge of it, and had they known it, they certainly would not have unveiled the mystery of the ceremonies.
The impression felt in our days by the non-initiated is of the same nature as that felt in former times by those who were not initiated in the mysteries enacted at Eleusis in honour of Ceres. But the mysteries of Eleusis interested the whole of Greece, and whoever had attained some eminence in the society of those days had an ardent wish to take a part in those mysterious ceremonies, while Freemasonry, in the midst of many men of the highest merit, reckons a crowd of scoundrels whom no society ought to acknowledge, because they are the refuse of mankind as far as morality is concerned.
In the mysteries of Ceres, an inscrutable silence was long kept, owing to the veneration in which they were held. Besides, what was there in them that could be revealed? The three words which the hierophant said to the initiated? But what would that revelation have come to? Only to dishonour the indiscreet initiate, for they were barbarous words unknown to the vulgar. I have read somewhere that the three sacred words of the mysteries of Eleusis meant: Watch, and do no evil. The sacred words and the secrets of the various masonic degrees are about as criminal.
Casanova continua com a mesma argumentação. Os que acabam por revelar o que se passa nas lojas simplesmente não entendem o mistério das cerimónias... porque se o tivessem entendido, não o teriam revelado.
Tirando um pouco mais do véu da antiguidade dos segredos, e como comparação benigna no conteúdo, Casanova vai buscar o exemplo dos mistérios de Eleusis (ou Elísios), centrados na fertilidade agrícola de Demeter.
Placa evocativa dos mistérios de Eleusis dedicados a Demeter (Ceres)

Semelhantes mistérios iniciáticos, estiveram ligados primordialmente às religiões, e seriam encontrados desde o Egipto até à Frígia. Para além da hierarquia masculina dos panteões divinos, estes cultos recuperavam a ligação às "grandes deusas" neolíticas, ou mesmo paleolíticas.
Os mistérios de Eleusis foram reduzidos por Santo Hipólito (Séc. III) ao "mais perfeito mistério" - uma espiga ceifada em silêncio. 
Entre os múltiplos significados que tal imagem pode ter, uns vistos como mais profundos que outros, podemos cair facilmente nas cifras inconsequentes, num falar tudo sobre nada. No entanto, e notando que Camões cita Petrarca no famoso verso "Tra la spica e la man qual muro he messo", entre a espiga e a mão habitualmente levantam-se os muros que para a mão querem outros usos.
Mas aqui, e apenas a título de curiosidade rápida, é interessante saber que Spica é uma estrela de Virgo, constelação bem associável a Demeter, e pela sua posição na eclíptica é por vezes ocultada pela Lua, e por outros planetas (reportando-se a última ocultação por Vénus em 1783). Por isso, facilmente Spica poderia ser ceifada da vista em silêncio, e foi-se até talvez um dia pela foice de Saturno... confirmando a maior proximidade de todos os planetas.

Conforme Casanova perspicazmente nota, basta um mistério, bastará dar relevo a uma ocultação, para que isso capte a atenção dos curiosos. Muitas vezes mais do que pela importância do mistério em si, o que move será o simples desafio lançado.


Memoirs of Jacques Casanova De Seingalt 1725-1798
Episode 6 - To Paris and Prison (Chapter 5)
Translated by Arthur Machen, 
The Rare Unabridged London Edition, 1894 

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

ESA a gora

Foi notícia, há coisa de mês e tal, a tentativa gorada da ESA em cavalgar um cometa com a Rosetta.
A ESA agora procurava imitar a congénere americana na espectáculo hollywoodesco, em que se colocam uns tantos fulanos, pretensos cientistas, a bater palmas e a exultar um ânimo exagerado, para definir o sucesso de uma missão espacial.
Estas missões são "espaciais" porque ganham "espaço" na imaginação popular. Essencialmente é esse o espaço que procuram captar - uma pequena janela aberta para além da prisão terrena.
Este episódio teria ainda algo de místico relacionado com a época natalícia, passados dois mil anos, se um cometa, estrela anunciadora do nascimento cristão, fosse cavalgada pelo engenho humano.

Conforme é ilustrado na wikipedia, o cometa 67P manifestava logo os problemas fotográficos que têm caracterizado o espaço destas missões. 

Ou seja, e sem perder demasiado tempo com estas historietas, o suposto cometa, que até era visto com cauda a cores no grande telescópio do Atacama, revelava-se um pedregulho a preto-e-branco nas câmaras da Rosetta, sem cauda nem coisíssima nenhuma que o distinguisse de um vulgar asteróide. 
A sonda espacial, nomeada com o nome icónico da suposta pedra decifradora dos hieróglifos, apresentava-nos assim um grande calhau. 
Depois, os detalhes do fracasso da missão de "alunagem" ou "acometagem", com o resultado final sendo uma "câmara escura", acabam por ser relatados no site da ESA... onde destaco a resposta a um jornalista intrigado com o facto das imagens mostrarem o cometa como um calhau sólido, e o fracasso da missão ser justificado pela "superfície esponjosa". A resposta elucidativa da ciência actual foi simples - tais interrogações eram pois muito pertinentes, pouco ainda se sabia, e para se saber mais, conviria enterrar mais dinheiro no projecto. 

É perfeitamente plausível querer-se manter uma janela aberta para a imaginação da criançada e da populaça, mas agora, quando a ESA a gora de forma bacoca, fica cada vez mais difícil acreditar nestes calhaus vestidos a preto-e-branco. 
Essa é agora a situação com pouco espaço de imaginação.

Eça é agora, tal como antes, um bom registo natalício. 
Nas suas Cartas de Inglaterra, a propósito do Natal, queixava-se da falta de neve para a efectiva imaginação necessária ao período natalício, acrescentando uma imagem a cores da Inglaterra do Séc. XIX.
Basta então ver uma pobre criança, pasmada diante da vitrine de uma loja, e com os olhos em lágrimas para uma boneca de pataco, que ela nunca poderá apertar nos seus miseráveis braços - para que se chegue à fácil conclusão que isto é um mundo abominável. 
D'este sentimento nascem algumas caridades de Natal; mas, findas as consoadas, o egoísmo parte à desfilada, ninguém torna a pensar mais nos pobres, a não ser alguns revolucionários endurecidos, dignos do cárcere - e a miséria continua a gemer ao seu canto! 
Pode parecer um retrato cinzento da pobreza arrastada pelo capitalismo devorador, mas ali estavam as cores de uma época de grande progresso científico e industrial. Eça aterrou na luz brilhante daquele cometa britânico e tirou imagens coloridas do que se cometia.
Os philosophos afirmam que isto há-de ser sempre assim: o mais nobre de entre eles, Jesus, cujo nascimento estamos exactamente celebrando, ameaçou-n'os, n'uma palavra imortal, que teríamos sempre pobres entre nós. Tem-se procurado com revoluções sucessivas fazer falhar esta sinistra profecia - mas as revoluções passam e os pobres ficam.
N'este momento, por exemplo, na Irlanda, os trabalhadores, ou antes os servos do ducado de Leicester estão morrendo de fome, e o duque de Leicester está retirando anualmente, do trabalho duro que eles fazem, quatrocentos contos de reis de renda! É verdade que a Irlanda está em revolta; é verdade que, se o duque de Leicester se arriscava a visitar o seu ducado da Irlanda, receberia, sem tardar, quatro lindas balas no crânio. E o resultado? D'aqui a vinte anos os trabalhadores de Leicester estarão de novo a sofrer a fome e o frio—e o filho do duque de Leicester, duque ele mesmo então, voltará a arrecadar os seus quatrocentos contos por ano.
Não é possivel mudar. O esforço humano consegue, quando muito, converter um proletariado faminto n'uma burguesia farta; mas surge logo das entranhas da sociedade um proletariado pior. Jesus tinha razão: haverá sempre pobres entre nós. D'onde se prova que esta humanidade é o maior erro que jamais Deus cometeu. 
Bom, e logo que a burguesia é tocada pela superioridade aristocrata, mais se incomoda com a ociosidade e deficiência proletária, justificando assim em contraponto de falsete as virtudes do sucesso burguês. 
Os escravos romanos, passados a servos medievais, passados a trabalhadores industriais, e agora a colaboradores de empresas, numa sucessão de eufemismos sarcásticos, não poderiam esperar mais dos burgueses, habitantes dos novos burgos, do que antes esperavam os aldeões dos habitantes das velhas vilas, ou seja, dos então chamados vilões.

Entre vários, oferece ao cosmos ser especialmente digno de nota este parágrafo de Eça
Aqui estamos sobre este globo há doze mil anos a girar fastidiosamente em torno do Sol e sem adiantar um metro na famosa estrada do progresso e da perfectibilidade: porque só algum ingénuo de província é que ainda considera progresso a invenção ociosa d'esses bonecos pueris que se chamam máquinas, engenhos, locomotivas, etc., e essas prosas laboriosas e difusas que se denominam sistemas sociais.
Nos dois ou três primeiros mil anos de existência trepámos a uma certa altura de civilização; mas depois temos vindo rolando para baixo n'uma cambalhota secular.
Certamente que Eça não refere estes 12 000 anos de humanidade descuidadamente, e como pessoa informada das mais recentes conclusões científicas, no final do Séc. XIX remete um início humano para aquilo a que se identifica hoje como sendo a "época glaciar".
Mas é ainda mais misterioso, e arruma um grande progresso inicial nos primeiros milénios, sendo certo que nenhuma grande civilização era publicamente reportada entre 10 000 e 7 000 a.C. 
Portanto, a que outra civilização ocultada se estaria ele a referir?
Ao jeito da época, a sua referência ariana seguinte vai fazer escola -  "O tipo secular e doméstico de uma aldeia Arya do Himalaia, tal como uma vetusta tradição o tem trazido até nos, é infinitamente mais perfeito que o nosso organismo domestico e social."

Encontramos aqui um certo deslumbre romântico por uma cultura indo-europeia, imaginada a um expoente superior, especialmente pelo movimento nazi alemão, que se quis herdeiro de tal manifestação, se não real na História, pelo menos de influência real nas histórias que alimentaram a mitologia nazi. 
Assim, numa certa ilusão de ordem que se propõe para superar o caos, mas que a ele é impotente, Eça manifesta um profundo descontentamento pela espécie humana:
(...) o servo, o escravo, essa miséria da Antiguidade, não era mais desgraçado que o proletário moderno.
De facto, pode-se dizer que o homem nem sequer é superior ao seu venerável pai - o macaco: excepto em duas coisas temerosas - o sofrimento moral e o sofrimento social.
Deus tem só uma medida a tomar com esta humanidade inútil: afogal-a n'um diluvio. Mas afogal-a toda, sem repetir a fatal indulgencia que o levou a poupar Noé; se não fosse o egoísmo senil d'esse patriarca borracho, que queria continuar a viver, para continuar a beber, nós hoje gozaríamos a felicidade inefável de não sermos...
E talvez o Natal acabe por ser uma época muito propícia a esse descontentamento social.
Toda a parte positiva é vista, na sua ausência, como uma parte negativa.
A tradição que celebra o aconchego familiar torna-se dolorosa para os desprovidos ou isolados. 
Sempre que a sociedade exulta demasiado certas virtudes, tende a esquecer que penaliza implicitamente um desvirtuosismo pela sua ausência. A instabilidade social nunca se manifesta pela diferença, manifesta-se pela acumulação exagerada da diferença. Pior, não é o estabelecimento da diferença que fere, é a ideia de que é o indivíduo que faz a diferença, é a ideia de culpabilizar o indivíduo pela impotência de mudar o seu fado que é mais perversa. No entanto, apesar de ser educado no sentido contrário, o indivíduo tem uma forma simples de lidar com a sua impotência - assumi-la. Pretender iludir potência, em especial sobre coisas onde há manifesta impotência, é uma simples roleta... as águas que não se controlam tão depressa podem fazer emergir em euforias, como submergir em depressões. A luz do cometa é vista por todos, mas só alguns têm a pretensão de que o podem cavalgar sem se queimar.

domingo, 16 de novembro de 2014

dos Comentários (13) - 512 manos escrito

Num comentário recente, a Maria da Fonte mencionou o Manuscrito 512, da Biblioteca Nacional brasileira, onde se descreve a descoberta de "uma oculta e grande povoação antiquíssima" no interior brasileiro.
... última página do Manuscrito 512, que se transcreve na íntegra (em baixo).

A história envolvente é suficientemente fascinante, porque está longe de começar ou terminar com este manuscrito. O manuscrito começa por referenciar "o grande descobridor Moribeca", e ao que consta este Moribeca do Mato Grosso, meio-português, meio-índio, tornou-se uma lenda da segunda metade do Séc. XVI, pois ostentaria grande riqueza de ouro e prata, tendo levado "a expedições portuguesas com 1400 homens que desapareceram na selva"...
Esta é a parte anterior ao manuscrito, que faz referência a Moribeca, e a parte posterior continua especialmente com as expedições amazónicas do Coronel Percy Fawcett, que se vai basear no Manuscrito 512. Em 1925, na sua 9ª exploração, perde-se definitivamente na selva amazónica.
A cidade perdida, a que Fawcett chamou "Lost City of Z", foi nome de um livro de 2009, e de um filme por estrear (previsto para 2015), .

Desconhecia o assunto, mas lendo o relato notei seguinte a passagem:
  • "Três dias caminhamos rio abaixo, e topamos uma catadupa de tanto estrondo pela força das águas, e resistência no lugar, que julgámos não faria maior as bocas do decantado Nilo: depois deste salto espraia de sorte o rio, que parece o grande Oceano"...

Os rios em questão são denominados Pará-oaçú e Uná, e não fora a referência ao sertão da Bahia (quantos baías e "lagoas de patos" há no Brasil?), e esta descrição assentaria melhor noutros rios: 
- Paraná-Igoaçú. e nas famosas Quedas do Iguaçu,

Acontece que a região sul do Brasil ficou conhecida pelas missões jesuítas abandonadas:
Quedas do Iguaçu (azul), e as missões jesuítas: S. Miguel Arcanjo e S. Ignacio Mini

São bem conhecidas algumas imagens destas duas missões jesuítas (que fazem parte de um conjunto UNESCO das missões jesuítas em território Guarani).
 Ruínas da Missão de S. Ignacio Mini - Argentina (wikipedia)
Ruínas da Missão de S. Miguel Arcanjo - Brasil (panoramio)

Qual a relação entre estas missões jesuítas abandonadas e as cidades perdidas?
Aparentemente, nenhuma.
Se as ruínas da Missão de S. Miguel Arcanjo dão de facto ideia de uma igreja (mas dir-se-ia mais de uma igreja ou edifício romano, nos tempos finais da Roma Imperial...), onde estão os traços tão identificadores de que era uma igreja ao tempo do barroco?

O que dizer então das ruínas da missão de S. Ignacio Menor? 
Há algum vestígio de sinal cristão, sem ser uma placa que aparece distintamente (e dir-se-à talvez recentemente...) esculpida na parede. Quem são os dois personagens que ladeiam a entrada?
Pois, não encontramos resposta a esta questão.

Portanto, aquilo que nos pode parecer é que há um momento em 1753 onde se revela no Rio de Janeiro a existência de uma cidade perdida com ouro... cuja descrição em muito se parece com a que vemos em S. Ignacio, até pela circundante com os caudalosos rios e a estrondosa cascata.  
Chegada essa notícia, tornava-se inevitável resolver o problema destes vestígios... como?
Já sabemos que o terramoto de 1755 serviu para esconder documentação, mas em 1759, surge a ordem pombalina de abandonar as missões jesuítas. A mesma ordem é dada depois pelo lado espanhol e os exércitos ibéricos, rivais naquele território, ficam juntos contra os Guaranis que estranhamente lutavam pelos estabelecimentos jesuítas. 
Onde havia outros estabelecimentos de construção semelhante no Brasil, ou na Argentina? 
Não se conhece. 
Aparentemente só houve interesse jesuíta em fazer grandiosas construções de pedra, anacrónicas, ali, junto aos Guaranis, entre Brasil, Argentina e Bolívia.

Já falámos aqui dos relatos de Candido Costa sobre achados greco-macedónios na zona vizinha de Montevideu, em Dores. 
Não é difícil pensar noutra história... podia haver missões jesuítas na zona, sem dúvida, mas também podemos pensar em que o abandono reportado fosse outro... muito mais antigo, onde as árvores arranjaram maneira de crescer por entre os muros desaparecidos. Aquelas construções têm poucas ou nenhumas referências católicas, tão características da época barroca. Afinal, as que existem podem bem ter sido colocadas posteriormente. O que os guaranis quiseram preservar pode ter sido a memória antiga do lugar, que iria ser lapidada com mais um cinzel do Marquês.

As referências à Bahia apontaram sempre para a zona da Chapada Diamantina, e terá sido aí que se perderia o Coronel Fawcett. Porém, como bem se sabe, não há melhor maneira de esconder um registo do que deixá-lo bem visível e chamar-lhe outra coisa. Poderá ter sido esse o caso de cidades perdidas, atestando presenças greco-romanas, e que passaram depois por ser ruínas de missões recentes.

Fica apenas a hipótese, e também um trabalho de Diomário de Paula Filho

que segue na linha da hipótese de Schwennhagen sobre o domínio atlântico (dos atlantes), e vai depois estabelecer nexos interessantes. Saliento que encontra um nexo entre a escultura descrita e uma escultura romana:

Diz a este propósito:
Com respeito a esta estátua há pouco tempo tive a oportunidade de visitar o Museu de Belas-Artes no Rio de Janeiro e vi uma escultura praticamente idêntica a esta. Representava uma pessoa de pouca idade sem barba coroada de louro e atravessada por uma banda. Escultura feita por sinal em mármore. Dizia a plaqueta abaixo: "desenterrada nos arredores de Roma em escavação realizada a custeio da princesa Isabel".
Portanto, já se sabe como foram para esculturas romanas ao Brasil... outro caso conhecido é o da coluna romana em Natal, oferecida por Mussolini...


Deixo de seguida o texto transcrito do Manuscrito 512.


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Aldrabas Almadrabas

Este texto é subsidiário dos Tonantes, tal como foram Galos, Temor, e Gaiola, textos que se seguiram.
Quando se pega por uma ponta do novelo, surgem muitas pontas soltas, e nem sempre é fácil ligá-las. O ponto de ligação que me parece existir neste caso é a da evidência de uma sociedade muito antiga, violenta nos costumes e modos, com uma forte componente marítima que se evidenciou na pesca do atum.

Almadraba é o nome de uma técnica de pesca de atum, ancestral, cujo "espectáculo" associado levou a outro nome apropriado - "Matanza". O termo hispânico é mais usado para porcos, mas aqui ganha um significado mais brutal, independentemente da ligação do atum a bácoro-do-mar, seja ou não pelo nome da espécie Albacora (conforme apontou o Bartolomeu).

Os atuns atlânticos têm uma rota de migração que os leva do Oceano Ártico até ao Golfo do México ou, em alternativa, ao Mar Mediterrâneo. O azar dos muitos atuns que decidiam entrar no Mediterrâneo estava traçado nas Colunas de Hércules. Um conjunto de redes antecipava a passagem, permitindo a captura de uma grande quantidade de atuns. Eram depois puxados à superfície, dando-se início à matanza...
Tradição da Almadraba, ainda hoje na Sicília, e na Sardenha (Nat Geog).

No final da matanza, o mar em redor bem se poderá chamar mar vermelho... afinal uma designação antiga, aplicada à saída das Colunas de Hércules, as águas e ilhas Eritreias que já foram aqui faladas.
É reportado que a riqueza dos Duques de Medina-Sidónia se deveria à concessão dessa captura de atum na entrada de Cadiz, desde o Séc. XII.
O atum foi ainda o peixe de referência para os pescadores algarvios.
Uma dessas comunidades piscatórias era a de Monte Gordo, cujas cabanas foram incendiadas pelo Marquês de Pombal, com o objectivo de se fixarem em Vila Real de Santo António. Como já referimos, o resultado foi uma ida para Ayamonte, para a Isla Cristina... mostrando como a emigração foi sempre uma consequência do absurdo de governação interna incompetente.

Matanza semelhante ocorre com os atuns do Pacífico, por tratamento não menos pacífico feito pelos pescadores japoneses. No Japão ocorre ainda hoje outra matança que causa maior indignação... a dos golfinhos - por exemplo, no caso da baía de Taiji.
Parece natural que este prurido relativo ao consumo de carne de golfinhos não terá ocorrido sempre, e tal como as baleias eram uma fonte de grande recompensa na sua caça, o consumo de golfinhos deverá ter ocorrido abundantemente na Europa (ainda é registado nas ilhas Faroé). No Peru os golfinhos são entendidos como porcos-do-mar (a designação porcina é assim mais geral), e há ainda uma tradição antiga nas ilhas polinésias - ilhas Kiribati e ilhas Salomão... pois!
Recordamos que já mencionámos a pesca pré-histórica do atum em Timor.

Portanto, restringir estas Almadrabas antigas aos atuns seria um aldrabar da muito provável tradição, que se alargaria aos simpáticos golfinhos.
Pôr golfinhos a golfar sangue numa baía, ou num golfo, não parece algo improvável, como indica o nome - talvez numa certa visão "do fim", ou "del fim"...

Moral e Mural
Convém notar que todo o processo de domesticação abriu uma brecha mural na nossa moral.
Os animais domésticos foram tornados quase inofensivos, pacatos, aceitando a confiança humana. Em troca foram, e vão, parar ao caldeirão.
Se estamos hoje mais escandalizados com a chacina de golfinhos é porque adquirimos essa ideia de animais inofensivos, inteligentes, e simpáticos para o homem. O mesmo tipo de sensibilidade não ocorre na matanza de atuns, porque a identificação é muito menor. Poucos peixes tiveram, ou têm, a sorte dos roazes sadinos de Tróia, mesmo sendo os golfinhos competidores no pescado.

Atributos dóceis colocaram os animais domésticos sob a mira de seres com intenções pouco pacíficas. A domesticação visou servir apenas o interesse humano.
O pastor usa o pasto para o repasto. A vítima é míope e impotente face à previsão do predador. O animal transforma o pasto verde em carne vermelha, que serve o repasto do pastor.  
De forma semelhante, um predador sem visão ecológica é vítima da sua acção irreflectida. Está preso à sobrevivência das presas, e só assim é forçado a conter a sua miopia na vocação destruidora.

No entanto, a ideia de papar os fracos, está sempre no menu da força primitiva e míope. A contenção ecológica não está adquirida, é imposta pela lógica circunstancial. Isto não ocorre apenas na ementa alimentar, onde um consumo excessivo pode levar à extinção da presa. Ocorre hoje, noutros aspectos.
Por exemplo, a redução de custos de produção, por despedimento da mão-de-obra, serve uma lógica míope localizada. Ao retirar poder de compra, a maior eficácia de produção carece depois de destinatários, pois os desempregados ficam desprovidos de capacidade financeira. A redução de custos leva a uma redução do dinheiro disponível para consumo. Seguem-se mais redução de custos e novas contracções... Localmente cada gestor é uma besta cega do contexto global, vendo apenas o contexto local. Actua exactamente como um predador que se optimizar a caça, esgota as suas presas, não se dando conta que isso o condena à extinção.

A noção de "doméstico" não se resume a animais. Os trâmites de guerra condenaram gerações intermináveis ao estatuto humano de domesticação - a escravatura. Pelos escravos nasciam escravos, e praticou-se assim uma domesticação humana, muito semelhante à animal.
A escravatura era bem aceite no Antigo Testamento, e não a vemos censurada nos novos Evangelhos. Esquecemos frequentemente que a sociedade herda como natural a sua tradição, não questionando que com tradição traz em si uma contra dicção, cega à abstracção racional.
As revoltas de escravos do Império Romano ocorreram no seu crescimento, pelo elevado número de populações sujeitas a esse fado. Porém, os escravos nascidos e educados em contexto de escravatura, dificilmente teriam capacidade de questionar a sua condição natural. A situação pode ter sido bastante pior, e não será de excluir que o papel animalesco reservado aos escravos não se tenha reduzido a serem apenas bestas de carga e trabalhos indesejados. Ou seja, dito mais claramente, não é de excluir casos em que pudessem ter feito parte do menu, sendo documentado que fizeram pelo menos parte do menu leonino em circos romanos.

Filosoficamente, gregos e romanos mostraram-se pouco sensíveis à questão da escravatura, talvez exceptuando o caso dos estóicos, que não viam inferioridade na escravatura, mas um simples capricho do destino. Dificilmente encontraremos noutros, senão nos escravos, presos pela sua efectiva impotência circunstancial, o maior desejo de liberdade. Esse desejo individual, certamente que terá passado a desejo civilizacional, procurando tornar os senhores servos do seu poder... e já aqui falámos dos eunucos.

Ilhas Egadi
Bom, mas o contexto principal que aqui interessava apontar é o desse carácter inato, selvagem, capaz de chacinar centenas de atuns num mar de sangue, sem necessidade de qualquer questão moral. Esse muro não estando bem fechado na moral, permitirá sempre uma brecha imoral para actuar com a mesma crueldade e frieza no caso humano. Não há nenhuma moral num estômago vazio, a moral só é solidificada em estômagos cheios. Um estômago vazio pode ser levado a canibalismo, a violência descontrolada. Também não há nenhuma moral num cérebro vazio, e a moral só é solidificada quando o cérebro não está faminto. O mar de sangue dos atuns serve para acalmar o estômago, mas não acalma o espírito. É fácil não ser violento quando não há necessidade de violência, o que é mais difícil é estabelecer o muro moral que separa a actuação do carniceiro, capaz de retalhar animais, mas incapaz de retalhar humanos. Não há nenhuma moral pré-estabelecida, o contexto moral que herdámos resultou apenas de uma compreensão ecológica, global, que foi decorada com outros conceitos.

Nas ilhas Egadi, na extremidade ocidental da Sicília, vemos pinturas rupestres cuja datação está atribuída entre os 10 e 5 mil anos. Trata-se praticamente do mesmo local onde se pratica ainda hoje a Almadraba, a matança de atuns. Aí, na chamada Grotta del Genovese podemos ver a talvez representação mais antiga de um golfinho, entre outros animais.
Grotta del Genovese (Ilhas Egadi, Sicília)

Muito provavelmente, a técnica da almadraba é tão antiga quanto estas pinturas rupestres, sendo tradicional a fábrica de atum Tonnara de Favignaga, mas é difícil perceber qual a moral subjacente ao mural pintado.
Havia uma cultura de despojo local, ou uma cultura de entendimento global? O que é certo é que o despojo local, a falta de entendimento moral na ecologia global, sempre se sobrepôs durante os milénios seguintes. A mais pequena brecha moral sempre permitiu abrir uma violência e barbárie descontrolada na cultura mediterrânica e ocidental.


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

dos Comentários (12) - Crux

Em comentário da Maria da Fonte, somos informados do desaparecimento de Joaquim Paulo Cruz.

Quem era Paulo Cruz? - O link com que nos visitava, constante do Google+ apresentava uma imagem diferente da que fomos agora encontrar no seu facebook.
Nunca conheci o Joaquim, conheci apenas o Paulo Cruz que assinava com o bonequinho azul. Como arriscamos a que as imagens desapareçam, com eventual fecho das contas, ficam aqui para memória.
Paulo Cruz fez parte da história deste blog, por exemplo esta série "dos comentários" começou com um comentário seu:

Há um ano atrás (19 de Outubro) o Paulo Cruz começou uma série de muitos comentários que aqui deixou. Repito aqui aquilo que deixei em comentário:
A participação de Paulo Cruz neste blog teve aspectos provocatórios, fortemente contraditórios, entre outros qualificativos que dispenso. Apesar disso, foi sempre recebido com tolerância e até com bastante amizade. Isso não impediu que tivesse recebido fortes críticas, e até tivéssemos duvidado se seria pessoa ou personagem inventado. A dúvida entre saber, se era um jovem perturbado, ou um perturbador jovem, era legítima, mas sempre foi tratado com o benefício da dúvida.
Porquê? Porque era mais importante salvaguardar a compreensão a um jovem perturbado do que a resposta devida a um perturbador jovial. Foi por isso mesmo que despendi algum tempo com ele, e tive paciência de santo para muitas das suas insistências, nomeadamente em inundar os comentários com inúmeros links de filmes de horas e horas, que queria que víssemos e comentássemos.
Por isso, ainda que tivesse fortes aspectos de brincadeira, preferi entender a figura de Paulo Cruz como adaptando-se a um jovem perturbado pelas múltiplas informações onde se perdia. Nesse sentido dei-lhe inúmeras coisas para ele ler que ele nunca leu ou fez menção disso. Interessava-lhe mais que o lêssemos, que lhe déssemos razão, do que procurar ler o que escrevíamos ou respondíamos. E é claro que, por uma simples questão de honestidade, creio ser claro que não dou razão a ninguém só para "fazer um jeito". Não vejo na desonestidade simpática solução para coisa alguma.
Se este era um lado do Paulo, outro era este:
Já alguns dias que não passo por cá. Já estou com saudades vossas, de si, do José Manuel e do Sid. Peço desculpa a todos de algo que possa ter dito... Eu não sou estúpido e tenho cabeça para pensar, ando farto de trafulhices e primo pela clareza. Ao longo da minha vida tenho procurado a verdade e já estive mais longe dela do que estou actualmente. (...)
A sociedade é ensinada e treinada a ignorar e desconfiar de pessoas como o Paulo. 
Numa sociedade farsante, tudo pode ser simples farsa, e não é fácil distinguir o genuíno da fraude, especialmente num espaço tão anónimo como a internet, onde cada um pode assumir várias identidades, fazendo-as aparecer ou desaparecer a seu belo prazer.
Por isso, era fácil tomar o Paulo apenas como aquilo que ele foi para nós - um conjunto de comentários, mais ou menos caóticos. Porém, mesmo em circunstâncias tão dúbias, temos uma capacidade de empatia, e é difícil deixar de considerar a hipótese de haver uma pessoa assim, capaz de tantas instabilidades e incoerências. Foi nesse sentido que, apesar das desconfianças naturais, nunca deixei de considerar a hipótese de haver um Joaquim atrás do Paulo Cruz... e era muito mais fácil proceder de outra forma, olhando apenas para o seu bonequinho azul.

Em ambas as páginas que consultei, o Paulo deixava uma ligação à sobrinha, que certamente muito estimava, e daí julgo ter percebido que estaria bastante doente já em Setembro. 
O "Crux" que coloquei está nessa ligação familiar, e não sei se o Paulo sabia ou não que "crux" é literariamente um termo de ambiguidade, difícil ou impossível de determinar. 

No texto Inevitabilidade (1) fui encontrar este comentário dele:
Caríssimo e amigo José, fico-lhe agradecido pelas diversas advertências. Vocês não me conhecem e, acreditem ou não, eu não tenho medo da morte. "A vida é um momento de férias que a morte nos concede"... todo o homem/mulher esta morto logo a nascença, cabe-nos procurar as coisas dos céus, o Cristo, e se ele tiver misericórdia concede-nos a vida eterna. Com isto termino, se vos aparecerem e ao mundo, não tenham medo deles, eles são os anjos que as pinturas, que para ai andam, mostram que tem asinhas...essa é a fraude, juntamente com a fraude milenar... Eu e vós, penso, somos os Atlantes!
... e como as coincidências são o que são, a Maria da Fonte colocou esta notícia no último texto, que era referente a um comentário do José sobre a Atlântida.

Como aqui não estamos no mundo do facebook, onde só existe o presente e os presentes, e como Paulo Cruz já não está connosco neste presente, estas palavras da Maria da Fonte surgem como as mais apropriadas:
Os miúdos como o Paulo, não deviam morrer assim, tão novos.
É demasiado injusto.
Tenho tanta pena... 
Até um dia destes, meu caro Paulo!

domingo, 26 de outubro de 2014

dos Comentários (11) - ao fundo atlântico

Sobre as diversas especulações atlânticas atlantidas, há uma que me parece fazer mais sentido:
- o relato egípcio transmitido a Sólon e dado por Platão referir-se simplesmente à América.

Este foi o sentido tomado à época dos descobrimentos, desde logo por Poliziano, e conforme já abordei a propósito de uma mapa de Nicolas Sanson:



A situação à época era simples. 
O relato de Platão referia-se a uma grande terra a Ocidente, além do Oceano Atlântico, de dimensões comparáveis à soma da Ásia e África. Ora, a descoberta da América revelava esse duplo aspecto - uma grande terra ocidental, uma ilha de dimensões continentais.
O mistério platónico estava resolvido e como diria Poliziano: "haveria eu também de absolver de toda a suspeita de falsidade o grande Platão e os annaes seculares do Egipto..."

Porém, houve conveniência na insistência de que o mistério permanecia insolúvel, porque de certa forma isto lançara a suspeita de ocultação propositada dos territórios ocidentais, que não se teriam submergido. Houve e há assim subsídios para a manutenção do mistério.

A hipótese América=Atlântida é uma hipótese consistente e documentada, que termina por completo com a fábula atlântica, mostrando que a submersão vigente era a da simples proibição de navegação.

No entanto, há outra hipótese mais remota que também faz sentido, e que o José Manuel abordou de novo num comentário, já se tendo pronunciado sobre ela no Portugalliae:

Durante o período glaciar é sabido que o nível do mar esteve muito mais baixo, e assim não é difícil fazer uma projecção do que seria o terreno a descoberto, consoante o nível das águas. O José Manuel refere uma projecção que aparece sob o nome: 
Atlantis Sinking / Atlantis Rising no site Survey of Atlantis:


Isto não é muito diferente do que podemos obter, pegando no Google Maps, e fazendo a diferença entre as zonas submersas, mas que poderiam estar emersas à época glaciar:
Emersão de terrenos (a verde) hoje submersos, provável na época glaciar. 

... tal como podemos antever o que seria com um nível de águas maior:

... ou com um nível de águas menor ainda:
Isto resume-se simplesmente a definir outros contornos com as curvas de nível para águas mais baixas, da mesma forma que já o fizemos para águas mais altas (por exemplo, no texto Cáspio).

O período de 10 mil anos, estimado para esse período glaciar é razoavelmente curto, e podemos pensar que não houve outras grandes alterações geológicas, mas estamos a falar da zona açoriana, onde a falha resultante do movimento das placas tectónicas é maior. Ainda assim, podemos dizer que este tipo de mapas faz algum sentido - mais certamente do que o habitual pensar que a geografia foi sempre a mesma.

De qualquer forma, convém ainda referir que sob essa hipótese de grande descida das águas, não era apenas aquela zona açoriana que emergiria, haveria a nível mundial todo um conjunto de terrenos hoje submersos e que então poderiam estar acima do nível das águas. 
Já falámos disso no texto Lemuria, mas já agora deixamos aqui uma hipótese, caso o nível de águas fosse ainda mais baixo:

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

CSI Gaiola

Este CSI leva à Gaiola por investigação submarina, e serve para ilustrar um género de títulos que normalmente evito, e já explicarei porquê.
Com efeito, Gaiola é literalmente o nome de um interessante ilhéu próximo de Nápoles, conectado por uma ponte vertiginosa. É uma zona plena de actividade subaquática, e com vários vestígios arqueológicos, numa investigação a cargo do Centro Studi Interdisciplinari (CSI) Gaiola.

A ponte do ilhéu de Gaiola. Investigação submarina - CSI Gaiola

Pelo lado das famosas séries policiais CSI (CSI Miami, CSI Las Vegas, etc.) faríamos aqui uma pequena piada trivial, com a relevância de CSI Gaiola estar dedicada à investigação arqueológica, conforme se nota pelas ânforas do seu emblema.

Só que, ainda que possa não parecer, evito misturar esse tipo de casualidades nos nomes com outras mais relevantes. Não fosse por esta introdução, e um título mais comum e apropriado aqui seria;
- Gaio lá na Gaiola.
O termo "gaiola" não aparece como comum em italiano, nem na zona napolitana, e a wikipedia apressa-se a ligar à origem do latim, por "cavea", e depois pelo dialecto local por "caviola", significando "pequena cave".
Só que a construção silábica do português dispensa-nos da erudição latina, para encontrar significado para o termo "gaiola" sem o ir buscar a "cavea" por via de "caviola". Cá a viola é outra, e um cave-a levaria a outro fundo. Cá a ave dessa cave é um Gaio lá, na gaiola de Gaia. Não é um caio pelo curso do Douro nas caves de Gaia, nem pelo curso do Guadiana na fronteira do Caia. 
Simplesmente há um vi-me no vime e na gaiola há o perigo de um caio lá, que não é necessariamente para qualquer gaio lá.

Com efeito uma gaiola de vime poderia atingir grandes proporções, e exemplo disso consta em ilustrações de tradições celtas - o chamado Homem de Vime (Wicker Man)
Homem de vime - gaiola humana para sacríficio celta

Portanto, é preciso ter alguma atenção moral pelas tradições imorais, porque o muro que nos separa da simples barbárie (relatada por Caio, ou melhor Gaius, Julius Caesar) é apenas o mural da moral. Ainda que haja advogados de que tal sacrifício celta não tem fundamento, à falta de uma investigação CSI desta Gaiola, não me parece possidónio duvidar de Posidónio, outra fonte antiga para ceitas celtas.
Assim, quando vemos algum restauro destas tradições, como no movimento wicca, convém não ser weaker man sob o signo do wicker man. Porque entre os trajos angelicais de algumas jovens Maias, nas celebrações de Maio, pode esconder-se uma celebração de um Gaio, uma gaiola, e onde as Maias podem não ser bonecas de vime. Logo, entre Gaios e Gaias, nem sempre resultam só Gaiatos provindos de uma certa balbúrdia entre Gajos e Gajas, por respeito ao Homem de Vime.   

Adiante.
O propósito principal deste texto era a investigação submarina à volta da Gaiola napolitana.
Trata-se do Parque Submerso de Baía, que apresenta vestígios romanos(?), que mais parecem saídos das calçadas portuguesas:

Parque Submerso de Baía (Nápoles, Itália)

Creio que se trata de um vestígio submarino muito raro, ainda que haja outros casos, por exemplo Heracleion (ou Tónis), perto de Alexandria, e esta cidade submersa de Baia é dito ser resultante de um deslizamento de terras aquando dalguma erupção do Vesúvio.
Porém, o que me surpreendeu mais foi o aspecto de calçada portuguesa, que não se vê habitualmente nos pavimentos romanos. Não fosse outro o caso, e dir-se-ia que a Câmara de Lisboa já estaria a levar a cabo o seu "notável plano" de substituir a calçada portuguesa, atirando-a para o fundo do mar napolitano.

domingo, 19 de outubro de 2014

dos Comentários (10) - o Medo, pia com 950 anos

A nova notícia sobre a Grota do Medo é do Expresso e surge por comentário do José Manuel:

((...)) Não convencido com o resultado, Félix Rodrigues recolheu uma amostra de um material aglomerante, que soldou uma fractura existente numa pia quadrangular esculpida numa rocha no alegado complexo megalítico da Grota do Medo, e enviou-a para o laboratório da Beta Analytics, em Miami, "certificado pela norma ISSO-17025". "A idade convencional obtida pelo método de radiocarbono foi de 950 anos, com um erro associado de 30 anos. Tal resultado aponta para a construção de uma peça arqueológica construída pelo homem na ilha Terceira há pelo menos 950 anos, ou seja, no ano de 1064, com um erro de 30 anos", frisa Félix Rodrigues.  [in Expresso, 15 Out. 2014]

 
A primeira imagem aparece no Expresso, associada aí à Grota do Medo - Açores, e nada tem a ver com as habituais 
fotografias do sítio, começando pela vegetação... A segunda imagem corresponde a uma parte do cenário habitual.

_____ [Nota 25/10/2014]: Com efeito, a imagem do Expresso resultará de uma confusão pela comparação pertinente 
que foi feita entre os megalitos da Terceira e os de Montemor-o-Novo, conforme se vê no documentário da RTP Açores:
______

Pouco mais a dizer, face ao que já tínhamos aqui dito no ano passado:

Félix Rodrigues, da Universidade dos Açores, continua sem medo sobre a Grota do Medo. 
Neste caso fez piar uma pia, com uma cola que não cola com a datação oficial.

O assunto já foi mesmo abordado pelo deputado Luís Rendeiro nos Açores - a notícia tem quase um ano (18 de Outubro de 2013 - radioatlantida.net):
Governo Regional desprezou os investigadores locais
O PSD/Açores criticou o Governo Regional por “desprezar os investigadores locais no processo dos achados arqueológicos da Grota do Medo, Monte Brasil e Corvo”. Segundo o deputado Luís Rendeiro, “a tutela tem ignorado e desprezado os investigadores responsáveis por trazer a público aquelas descobertas”, afirmou. 
(...) “Convinha que o senhor Secretário Fagundes Duarte explicasse porque é que investigadores como Nuno Ribeiro, Anabela Joaquinito, Félix Rodrigues, Antonieta Costa, Patrizia Granziera, Isik Sahine, ou Romeo Hristov – da Universidade do Texas – ficaram de fora da comissão. Nenhum destes investigadores gastou um cêntimo à Região”, acrescentou.
Luís Rendeiro denunciou ainda que o Governo Regional “se apressou a constituir uma comissão para proceder ao estudo dos achados em questão, deixando ostensivamente de fora os já referidos investigadores”.
“Essa comissão tem treze elementos e apenas uma semana para analisar os achados da Grota do Medo. Isto quando se sabe que só a área de dispersão dos achados da Grota do Medo é superior a 25 hectares”, acrescentou.
“Estranhamente, ou não, foi incluída no grupo a mesma investigadora da Universidade de Lisboa – Ana Margarida Arruda, que se pronunciou numa fase inicial do processo declarando, peremptoriamente e sem quaisquer pesquisas de campo, que apenas havia “caos de pedras”, concluiu o deputado.
Também nada de muito novo, neste aspecto, exceptuando talvez a interpelação do deputado açoriano.
Mais sobre a comissão nomeada e exclusão dos outros investigadores, no site da Univ. Açores:

Há ainda o despacho da Assembleia Legislativa dos Açores, de 18 de Outubro de 2013

Assim, o despacho da comissão multidisciplinar "independente", excluídos os elementos que poderiam estar em desacordo, esteve então de acordo num parecer que se segue:
e cujas conclusões foram remetidas em 5 pontos, mais 5 pontos de recomendações:

-----------------
1. Sob o ponto de vista geológico, todas as estruturas e formas observadas no lugar do Espigão/Grota do Medo podem ser explicadas por um processo natural, primário ou secundário; 
2. Em termos histórico-arqueológicos, nenhuma das construções observadas nos diferentes locais visitados evidencia uma datação anterior ao povoamento quatrocentista dos Açores;
3. Não foram observados quaisquer indícios de pré-existências às construções anteriormente referenciadas;
4. Os dados arquivísticos recolhidos, associados à observação de terreno, validam cronologias e funcionalidades de natureza militar no Monte Brasil (séculos XVI-XX) e usos lúdicos na Quinta da Pateira, essencialmente no século XIX;
5. A área do Espigão e a sua envolvente foram também usadas como local de extração de pedra por métodos tradicionais;

Em face do exposto: 
6. Entende-se que não é adequada, nem aconselhável, uma abordagem de natureza arqueológica que recorra a métodos de diagnóstico intrusivo para estabelecer a datação das ocorrências identificadas;
7. Relativamente ao sítio do Espigão/Grota do Medo, a comissão reconhece a sua relevante valia em termos patrimoniais e, eventualmente, como recurso turístico, assim como a sua importância social como testemunho de vivências das épocas moderna e contemporânea, pelo que estes testemunhos devem ser protegidos, designadamente através de uma eventual classificação;
8. Caso se equacione a sua valorização, tem que ser garantido o seu estudo prévio, nomeadamente através de levantamento topográfico rigoroso, da realização de estudos especializados nos domínios da História Contemporânea e da História da Arte, mediante um projeto de reabilitação elaborado por arquitecto paisagista;
9. Os «artefactos e objectos», eventualmente recolhidos em acções não autorizadas pela tutela e mencionados nos meios de comunicação social, devem ser depositados na DRaC, de acordo com a legislação em vigor;
10. Relativamente aos vestígios e construções observadas no Monte Brasil, a comissão reconhece o seu interesse no contexto do património militar regional.
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Ao enunciar e insistir no ponto 1 - "processo natural" - a Comissão "Independente" disse ao que ia:
- prestar-se ao ridículo e à galhofa total... 

O único cozinheiro cujo avental não era nacional seria Angus Duncan, um vulcanólogo cuja relevância para o assunto talvez fosse mais uma erupção das capelinhas, porque pretender ali uma origem vulcânica, é demasiada paródia junta.
Depois, o resto é o folclore nacional conhecido - as funções, cumplicidades, comprometimentos de fundos estatais para quintinhas de investigação própria, etc... tudo isso faz da "independência" uma palavra decorativa do verbo "encher chouriços".

Como o deputado açoriano previa, a inclusão de Arruda era um sinal de que o parecer seria o mesmo, dito por outras palavras, e acompanhada agora de um cortejo de vestais... ou talvez vegetais, comprometidos pelo cozinhado. 
Como os argumentos, não mudaram, aqui fica o comentário que fiz à época, e que mantém toda a actualidade, dado o carácter sério da galhofa:
Também nada acrescenta de novo à história a "arqueóloga", Ana Margarida Arruda, da Faculdade de Letras de Lisboa.
Citando alguns dos argumentos de Arruda.
Começa sobre a impossibilidade de navegação dos fenícios...
«Sobretudo numa época em que ainda não havia quem navegasse com três velas… acredito, por isso, que seria tremendamente complicado chegar aos Açores, senão mesmo impossível…»
... não se percebe se é arqueóloga ou navegadora, mas não parece nunca ter visto nenhum barco a navegar. Do ponto de vista histórico, deverá considerar que os Havaianos foram teletransportados para as ilhas, ou então que usaram "três velas".
«Creio, aliás, que o que foi anunciado como sendo sepulturas sejam, afinal, silos para armazenar cereais.»
Ou seja, os monumentos megalíticos europeus não passaram afinal de silos para cereais. O que se aprende na Fac. Letras!
Quanto a dizer que as estruturas eram conhecidas do Séc. XVI, e que alguém as fez... estamos de acordo. A diferença é o axioma da impossibilidade de navegação doutros, que não os portugueses... por causa das "três velas".
Note-se que estas coisas são "decoradas"...
"Vela" não significa apenas a vela do navio.
"Vela" vem de véu... portanto pode haver um código dos "Três Véus".
A lenga-lenga depois é papagueada...
Eu não diria que são "três véus", é mesmo uma Burka! (...)
Acresce que alguém no site do Expresso colocou chapado, o parecer assinado pela referida "arqueóloga" Arruda, dando um link:

https://dl.dropboxusercontent.com/u/2914872/Resumo-Parecer001.pdf
A linguagem é claro muda, deixa de ser coloquial, passa a ser "muda".
Vejamos então os argumentos usados para esta Grota do Medo ou Espigão...
Passamos a ter "grandes penedos soltos" que nomeia como "caos de blocos", o que é um brilhante argumento que pode ser aplicado a tudo o que é "megalítico". Em duas ou três linhas, arruma com toda a construção megalítica - são grandes penedos soltos, e cito "mais ou menos empilhados e/ou acumulados em cima uns dos outros".
Realmente parece não se ver cimento cola em nenhum monumento megalítico.
Portanto, o período megalítico deve ter sido suprimido do ensino na Faculdade de Letras de Lisboa.
Sobre as inscrições "Gruta de Camões", "Fonte dos Pombos", "Penedo de S. Pedro", não sei do que se fala.
Mas o argumento seguinte é que é genial. Haveria entre outras coisas, embutidos fragmentos cerâmicos, de faiança azul e branca, produzida em Lisboa, entre os Séc. XVII e XVIII.
Ou seja, se esta "arqueóloga" encontrar uma pastilha elástica colada no Mosteiro da Batalha, automaticamente ele passará para uma datação do Séc. XX?
Continua com o desprendimento de blocos do Tor... e mais uma vez pode haver decoração - "Tor" tem que se lhe diga.
Depois vamos para uma novidade, há uma definição:
«Um monumento megalítico, anta ou dólmen, é composto por câmara funerária, construída com 5 a 11 esteios (...) que é tapada por um "chapéu", e a que se acede através de um corredor, também construído com esteios»
Ou seja, os nossos antepassados liam a definição de Arruda, e diziam uns para os outros - "temos aqui que colocar 5 a 11 esteios e um corredor, ou no futuro irão julgar que isto são silos agrícolas". É claro que naquela definição não entram simples menires nem cromeleches... mas imagino que isso seja um detalhe.
A definição está feita, e quem manda sobre a formatação do passado é a Profª Arruda.
Depois, a "pièce de résistance":
«Por último parece importante referir a total ausência de espólio arqueológico datável da Antiguidade (cerâmicas, metais, líticos ou outros) ....
Muito bem, de acordo!
Mas... vejamos, a ideia parecia ser pedir uma autorização para escavar, procurar. As que estavam visíveis foram retiradas.
Este raciocínio "arqueológico" impede qualquer escavação.
Admiro o esforço de Félix Rodrigues, porque a hidra não tem apenas as 13 cabecinhas que serviram a comissão. Nem será a datação por radiocarbono que demoverá Arruda, ou Cláudio Torres. Até porque o último tem é que se preocupar com o bom financiamento do "seu" campo de Mértola... que isto da crise é tema complicado.
Estivesse a Grota do Medo, tal qual, no "seu" campo alentejano de Mértola e seria então interessante saber o que Cláudio Torres teria a dizer sobre a "formação natural" da compreensão megalítica de Arruda .

__________________________
Nota posterior [25/10/2014]:
Conforme afirmado, no artigo do Expresso, a figura anexa ilustrativa da Grota do Medo, na Ilha Terceira, era afinal de Montemor-o-Novo, num erro grosseiro do jornal... desculpável (porque havia uma comparação com esse monumento), mas lamentável.

Para tornar ainda mais claro como a Comissão, talvez por comichão, ignorou as comparações evidentes, nomeadamente com inscrições na pedra, coloco aqui as imagens ilustrativas retiradas do vídeo da RTP Açores, do programa "Em Foco":
Algo a que a comissão "independente" parece ter feito "vista grossa", foi às inscrições nas rochas: