quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Erro na Longitude?

O folclore habitual, repetido a leigos, ensina que a determinação da longitude era um problema quase inultrapassável, até à invenção do cronómetro por Harrison, em 1714, aquando do Longitude Prize...

Três décadas antes, em 1682, no prólogo do seu tratado de Astronomia Metódica, começava assim o padre António Carvalho da Costa:
Se para matéria tão larga te parecer pequeno este livrinho, sabe que não foi nossa tenção escrever volume corpulento, senão doutrina substancial; porque mais queremos aproveitar com a lição breve & clara do que ostentar erudições dilatadas & sempre confusas, nas quais de ordinário com pouco fruto se consome o tempo. (...)  E quando as erudições te façam saudade, aí estão os Ptolomeus, os Copérnicos, os Tichos Brahes, os Longomontanos, os Ricciolios, os de Chales & outros infinitos, onde não só poderás gastar o teu tempo, mas também a paciência. Se este nosso método te agradar, prossegue: que aqui começa a obra; & se não for do teu gosto, fecha o Livro, porque aqui se acaba.
Por isso, logo na página 9, tem um capítulo intitulado:
"Como se achará a diferença de longitude entre quaisquer dois lugares"
Observe-se em cada um dos lugares o tempo, em que se acaba o eclipse da Lua: a diferença entre os dois tempos observados convertida em arco do Equador dará a diferença de longitude buscada.

Não é preciso dizer mais nada... é esta a suposta complexidade inultrapassável, quando na realidade basta uma boa observação lunar. Na realidade, Carvalho da Costa diz mais, ilustrando a relação entre 15º e a diferença de 1 hora, dá um exemplo da diferença de latitude entre Londres e Lisboa para 42 minutos, ou seja 10º30', que era o valor visível em quase todos os mapas da época, mas que terá um erro de 1º face ao actual. Como sabemos, é preferível admitir um excesso de 4 minutos no relógio do que sequer imaginar que a crosta terrestre se pode movimentar 1º em 300 anos.

É claro que cépticos de serviço argumentarão que para efeitos de navegação, ninguém estaria à espera de eclipses lunares para se movimentar... e certamente Carvalho da Costa saberia isso muito bem.
O que interessa é o princípio! 
Ou seja, a partir da afirmação de possibilidade de usar a Lua para determinar a longitude, é quase imediato pensar-se noutros processos eficazes de o fazer em tempo real. Assim que li isto, tornou-se óbvio que se poderia usar a predição da Lua Nova, ou outro conhecimento absoluto sobre o movimento lunar. De facto, se Harrison ganhou o 1º prémio, o 2º prémio foi dado a um método de distância lunar, de Tobias Mayer e de Euler, coisa que também estaria nos planos de Newton.

Como os cronómetros eram raros e caros, durante um século acabou por ser este método de distância lunar a ser usado pela generalidade dos marinheiros, com o auxílio de tabelas lunares. Os detalhes podem ter sido descritos no concurso na proposta de Mayer e Euler, mas a ideia fulcral encontramo-la antes em Carvalho da Costa. Haveria um problema de medição associado à refracção atmosférica... e por isso mesmo, as 8 páginas anteriores são parcialmente dedicadas a esse tema.

A ideia de Carvalho da Costa não se aplicava à navegação, mas era extremamente eficaz para a cartografia. Aquando de um eclipse lunar, bastaria que todos os enviados do reino registassem eficazmente a hora local, para que se soubesse exactamente a longitude desse ponto, com a maior precisão devida à brevidade do eclipse. Isso permitiria desvios inferiores a 1º, se o relógio estivesse operacional. 

Seria esta uma ideia original de Carvalho da Costa? 
Quase de certeza que não. Ele não a propõe, nem a detalha... apenas a indica, já que se trataria de um livro para estudantes ou divulgação. 
Sendo algo simples, um método da distância lunar seria conhecido pelos marinheiros portugueses... e bastará seguir correspondência do reino, para ver se foram reportadas horas exactas de eclipses. Há um livro de Jerónimo Chaves, de 1534, que evidencia o interesse sistemático nos eclipses lunares.

Pela sua simplicidade, o método lunar permitiria a qualquer estado organizado saber as longitudes, de forma tão fácil quanto as latitudes. Seria muito provavelmente conhecido na antiguidade. É claro que é suposto dizer-se que na antiguidade não haveria relógios, mas também sabemos que isso não seria verdade, já que o mecanismo de Antícítera veio mostrar o contrário.

Qual então o Erro na Longitude?
A longitude não seria de tão fácil verificação quanto a latitude (coisa ao alcance de crianças), mas como vimos o método lunar substituiu-se ao cronómetro durante um século, com o uso de tabelas, conforme proposto por Meyer e Euler. Ou seja, não era necessário nenhum mecanismo sofisticado, bastava uma observação astronómica cuidadosa e organizada.
O erro na longitude é um erro induzido nos historiadores, de forma a convencerem-se da extrema dificuldade da navegação e reportá-la apenas a tempos recentes. São iludidos com nomes diferentes para coisas semelhantes, como quadrantes, sextantes, octantes, astrolábios, nónios... aparelhos simples que apenas se destinavam a medir ângulos, fazendo crer numa longa evolução.

O erro na longitude é exagerar-se nas consequências que esse erro traria. É uma forma análoga de trazer monstros, a ideia da terra plana, e outros medos, como justificação para o injustificável.

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