domingo, 30 de janeiro de 2011

Tiahuanaco e Baalbec

Encontramos muitos registos soltos, e cada um poderia dar para um artigo... porém é difícil encontrar um registo que dê para muitos artigos. É o caso do enorme trabalho de E. G. Squier, um americano pouco conhecido, que calcorreou a América Central e a América do Sul, fazendo um trabalho historiográfico notável.
As suas gravuras do Séc. XIX estão ao nível de qualidade fotográfica... e ensinam-nos muito sobre o que estava e o que restou!

Squier chama a Tiahuanaco, a Baalbec ou a Stonehenge, da América do Sul!
Tal como no caso de Stonehenge, as pedras de Tiahuanaco foram movidas e recolocadas posteriormente.
"Porta do Sol" de Tiahuanaco à época de Squier (1863, publ. 1877)

"Porta do Sol" de Tiahuanaco, conforme é apresentada hoje... 
o monumento foi parcialmente desenterrado, e os dois blocos foram juntos!

Destas primeiras imagens torna-se óbvio que houve alteração, podendo essa alteração ter inclusivé mudado a posição e orientação do monumento. Deve por isso ter-se sempre atenção este facto quando se analisam posições solares de monumentos que foram sujeitos a alteração posterior... e há imensos ditos sobre isto. 
A melhor análise científica vale zero, se não considerar a deturpação histórica... 

Mais interessante (... e há tanta coisa interessante nos relatos de Squier), é a sua gravura da outra porta, a porta da Lua, que ele chama "mais pequena":
"Porta da Lua" de Tiahuanaco à época de Squier, e actualmente...
... o megalito que tombava sobre a porta desapareceu!

O notável é que haveria um enorme megalito que tombava sobre essa porta, e que pura e simplesmente desapareceu!... Não seria o único megalito rectangular. A razão pela qual Squier lhe chamava Stonehenge americana, está aqui:
Sequência de megalitos em Tiahuanaco, à época de Squier
(o registo/foto semelhante foi coberto com paredes)

Os megalitos rectangulares, estruturas verdadeiramente notáveis, e invulgares, apareceriam na paisagem numa sucessão, como num cromeleche. Porém, também estes megalitos vieram a desaparecer do registo de Tiahuanaco.
Pela sua singularidade, não vamos negar que nos fizeram lembrar os megalitos rectangulares que Kubrick ilustrou no seu "2001, Odisseia no Espaço", e afirmações de Buzz Aldrin sobre a existência de um megalito em Phobos, satélite de Marte!

Squier mostra ainda o amontoado de pedras rigorosamente talhadas, feito notável e difícil de conseguir mesmo nos standards do Séc. XIX, e também aquilo que ele pensava ser um "modelo em escala" de um outro templo, incrustado numa rocha.
Amontoado de pedras em Tiahuanaco conforme Squier (à esquerda), 
e (à direita) pedra inscrustada com possível modelo/planta de templo.


Squier segue um percurso por diversos monumentos notáveis que encontrou na sua viagem pelos Andes, e um site muito bom, com fotos actuais que seguem a mesma pista, é de D. Pratt, poupando-nos o trabalho de reescrever o muito que já foi escrito.

Notamos apenas que o posterior trabalho de alvenaria inca, usa ainda de junções milimétricas, mas não segue linhas geométricas tão bem definidas.
Essa geometria não perfeita pode ser considerada um retrocesso, mas não o é necessariamente... estas junções adaptadas funcionariam melhor numa região andina sujeita a intensos terramotos. Não havendo linhas de ruptura facilmente identificadas, a estrutura resistiria por diversos ângulos aos movimentos terrestres. A resistência das muralhas incas acaba por ser prova disso.

Squier não tem dúvidas em associar estas estruturas megalíticas a uma época remota, ligando aos mais notáveis de todos os megalitos... os de Baalbek, ou Heliopolis, cidade Fenícia de que já aqui falámos:
O enorme megalito rectangular de Baalbec.

Falamos dos maiores megalitos do mundo, estimados em mais de 1 milhão de quilos... a força humana para a proeza de levantar tal coisa, cifra-se em dezenas de milhares de homens! A posterior construção romana parece tacanha sobre alguns dos megalitos, conforme se evidencia em certas imagens:
(imagem obtida aqui)

Mais do que construir, perante a impossibilidade de destruir, talvez tenha sido ideia romana ocultar as pedras ciclópicas sobre uma nova construção que dedicariam a Júpiter. Mitologicamente adequado, já que Júpiter fazia uso dos cíclopes, filhos de Gaia e Úrano, para forjar armas contra Saturno e os titãs.

Há assim vários pontos de contacto, com estruturas megalíticas, de grande precisão, que ocorreram em tempos remotos, e muitas vezes identificadas impropriamente a estruturas romanas (como nos parece ser o caso de Centum Cellas). Essa civilização megalítica seria talvez lembrada pelos toscos menires europeus, cuja origem é talvez celta, mas teria tido um outro apogeu, bem anterior... seria uma civilização de gigantes, de ciclopes, de titãs? Disso apenas nos restou alguma mitologia e certas ossadas que parecem ser ocultadas...

sábado, 29 de janeiro de 2011

Heliocentrismo e Evolucionismo (2)

Conforme já referimos, o heliocentrismo e o evolucionismo retiraram o Homem do seu papel central anterior. Estamos de tal forma habituados a aceitar esta perspectiva científica que não damos conta da orfandade a que fomos remetidos nessa visão. 
A frieza científica reduz a espiritualidade humana a uma opção psicológica, no sentido de lidar com o seu fim anunciado e irremediável. Do ponto de vista espiritual, a mesma ciência nada oferece como resposta, limita-se a deixar os homens órfãos perante uma natureza implacável... como um acidente combinatório provocado por uma sequência genética. Faltará a prova impossível... a fabricação de uma consciência artificial, sendo certo que a manifestação de inteligência artificial não será difícil, nem trará nada de novo. Há já manifestações computacionais de pretensa inteligência, que nada acrescentam à questão principal.
A inteligência de índole material, como a capacidade de cálculo, é apenas uma adaptação fisiológica... tal como será uma visão apurada, ou a excelência num certo ofício. Essas podem ser simuladas computacionalmente... a inteligência humana revela-se na capacidade criadora, e não na imitadora.

Quando em 1859 Darwin apresenta a "Origem das Espécies" usa uma verdade de La Palisse:
- os organismos que não se reproduzem, não deixam uma árvore de descendência.
Apesar de simples, a observação não deixa de ser importante, e aparentemente original quando associada à justificação das espécies. Nenhuma novidade seria aí vista pela aristocracia... esta perspectiva animal estava há muito presente na preservação das linhagens. 
Não esperariam concerteza é que isso implicasse traçar a sua linha de progenitores a um qualquer primata africano... eficazmente, a árvore parava em Carlos Magno.

Se é evidente o argumento de Darwin, a sua única pertinência não trivial - justificar assim toda a diversidade animal, ficou sempre por demonstrar. Ou seja, é óbvio que a sobrevivência de indivíduos vai seleccionar possibilidades, pela semelhança de características com os progenitores - o factor dessa selecção estará sempre presente, mas seria suficiente para justificar toda a diversidade?

Há um contraponto interessante com a anterior teoria de Lamarck que admitia uma transmissão condicionada pela própria experiência da geração anterior. Se a evolução por selecção natural é inquestionável, a transmissão de características experimentadas foi rapidamente esquecida, e serviu apenas para ilustrar a maior pertinência de Darwin. No entanto, de entre todas as possibilidades genéticas, não é claro como se processa a escolha, e de que forma ela é completamente aleatória. Não sendo completamente aleatória, será ou não de considerar uma influência da própria vivência do progenitor. 
Esta concepção Lamarckiana é tanto mais relevante, quanto é certo que a aleatoriedade pura, é um objecto ideal... que não existe na prática. A evidência de rápidas mudanças, veio colocar em causa a tese da lenta selecção natural.
Com as novas evidências, fala-se agora num regresso de Lamarck...

Novas descobertas, como a de um dente de Homo Sapiens com 400 mil anos, vão questionando as habituais datações e a cronologia humana cuidadosamente estabelecida... Apesar disso, esta seguirá o seu percurso, ocultando ou negligenciando sempre os pequenos detalhes inconvenientes. Por exemplo, a existência das tribos da Patagónia, e algumas ossadas fossilizadas gigantescas:

Os patagões (séc.XVIII)... e a descoberta de gigantescos ossos fossilizados

Os relatos à época, referiam gigantes na Patagónia (e noutras partes da América), e isso foi um facto aceite até ao Séc.XIX, altura em que a Argentina independente se interessou pelos domínios a sul, que eram independentes. O extermínio dos patagões e tehuelches (começado com os araucanos) até início do Séc.XX, levou a uma estranha consequência - não se conhece nenhuma ossada que ateste essa gigante presença indígena. De assumido facto relatado até ao Séc.XVIII, passou depois à história como mito. 

Não discutimos aqui as teorias de Darwin ou Lamarck... há um aspecto mais notório que permite traçar a evolução - a concepção do feto. Os passos evolutivos são reproduzidos na gestação, e por aí é fácil traçar as semelhanças e diferenças (por exemplo: chimpanzés, gorilas, orangotangos, têm tempos de gestação entre 8 e 9 meses, próximos dos humanos). Há claramente uma linha de gestação que molda uma evolução e o suporte comum. A teoria de Darwin nada acrescenta de definitivo para além disso, constata apenas a trivialidade do fim de uma espécie sem descendentes.

A própria visita "naturalista" de Darwin às Galápagos não seria inédita, já que Tomás da Berlanga teria também trazido algumas espécies, quando aportou em 1535. O próprio nome "Galápagos" revelava já a notabilidade das suas tartarugas... (que sendo o seu nome em grego talvez evidencie conhecimento anterior).

Mais do que a visão naturalista darwinista, a opção benigna de reduzir o Homem à sua componente natural retirou-lhe, posteriormente, o carácter espiritual... como se isso fosse apenas mais um passo evolutivo. 
Não serviu para aproximar os animais dos homens, serviu para aproximar os homens dos animais.
Esta dialética esteve ainda na escravatura - o problema dos não-abolicionistas foi colocado no medo de que todos se tornassem "escravos do sistema", sob o pretexto de libertar alguns!

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Passarolas e Balões

Com Bartolomeu de Gusmão ocorreu a mais notável e estranha proeza científica nacional... em 1709 teria sido o primeiro a criar uma máquina voadora. Como desde o tempo dos descobrimentos foram sempre muito secretas quaisquer proezas científicas, este é um caso singular.
Começa por ser singular num aspecto raramente mencionado... Gusmão, brasileiro de Santos, teria apenas 24 anos quando construiu a máquina, e a apresentou em Lisboa perante a corte e o povo. A recepção popular granjeou-lhe a fama de voador, já a recepção cortesã só lhe trouxe problemas, e rapidamente se recolheu à Universidade de Coimbra, para a disciplina de Direito Canónico... e só é revisto numa lista de 30 pessoas com que o Conde da Ericeira formou a Academia Real de História. Morrerá aos 37 anos no degredo, escapando à Inquisição, em Toledo.

O espanto foi de tal forma grande que terá permanecido na memória, até ser reabilitado como grande feito... já no início do Séc. XIX, isto porque 75 anos depois, no final do Séc.XVIII, os irmãos Montgolfier seriam reconhecidos como primeiros, com proeza semelhante, no prelúdio da Revolução Francesa.

A proeza de Gusmão levanta enormes dúvidas, e com razão...
Primeiro, as descrições/desenhos encontrados não permitiram nenhuma reprodução que fosse voadora:
Esboços da Passarola, de 1709: em cima, publicado num jornal de Viena,
em baixo, encontrado numa missiva na Biblioteca do Vaticano.

Os conhecimentos que temos de aeronáutica tornam ridícula qualquer ideia de que tal máquina pudesse voar. Fala-se por isso de um mau desenho, e que a obra de Gusmão seria mesmo um balão aerostático vulgar, propulsionado pela impulsão dos mais leves... porém nada indica tal coisa nos desenhos!
Do que se fala nos desenhos é de magnetos, e âmbar... sendo por isso  sugestionada a interpretação de engenho electromagnético. Porém, aqui reside o problema... nada semelhante foi feito desde então.
Uma explicação afinal simples, é encontrada num excelente resumo 
... e tudo não teria sido mais do que um falso desenho promovido por Gusmão, com a ajuda do jovem 2º Marquês de Abrantes, então com 14 anos. Mencionar o âmbar e os magnetos seria algo que fascinaria a atenção da época... mas também a suspeição.

Acrescenta-se que a inspiração para o despiste, poderá ter origem num outro desenho mais antigo:

É neste desenho de Francesco Terzi de 1670, que um "balão" é desenhado e assim mencionado...

A palavra "balão" tinha outro significado em textos portugueses mais antigos.
(...) pelo que voltou para trás, e houve vista da outra frota, e despediu um balão a Francisco da Sylva de Meneses, com recado em que o avisava que eram as Naus dos Holandeses. Chegado o balão com o recado, ajuntou Francisco da Sylva de Meneses na sua Nau todos os capitães(...)
[Cinco livros da década doze, Diogo do Couto, 1645 (capítulo16)]
Esta nomenclatura "balão" ocorre assim noutro contexto...
Cada nau levaria balões - pequenos botes a remos - para rapidamente expedir mensagens. 
O nome "balão", agora em desuso como sinónimo de bote, tinha um significado apropriado colocado nas pequenas embarcações flutuantes. 

Fica uma dúvida mais legítima... como poderia alguém aos 24 anos, sem nenhum tutor especial, sair-se do zero para uma máquina tão sofisticada, e nunca pensada? Haveria alguma tradição científica que permitisse tal progresso aeronáutico?
Aqui uma resposta é o interessante nome Gusmão - não é o nome original de Bartolomeu Lourenço... é um nome que ele adopta em honra ao seu preceptor e ministro da corte, Alexandre Gusmão.

Bartolomeu Lourenço fará mais algumas invenções interessantes... e conforme é mencionado no artigo da Revista Brasileira do Ensino da Física, de Visoni e Canalle, é muito natural que houvesse uma recuperação de textos antigos de Arquimedes. 
A biblioteca lisboeta era ainda importante em 1709, e só 46 anos mais tarde seria destruída pelo incêndio que arrasou Lisboa, depois do terramoto. Nos seus primeiros anos de reinado, D. João V, com 20 anos, ainda desafiaria com alguma irreverência a corte... depois as coisas complicar-se-iam.
Afinal, o mesmo cardeal que assiste à demonstração de Gusmão na Casa da India será justamente o próximo papa.
A fénix portuguesa não iria renascer... ao contrário iria auto-incenerar-se!
Suponhamos que Nero ao invés de ser conhecido como "aquele que incendiou Roma", seria afinal aquele que a mandou reconstruir depois de um trágico acidente. Acrescente-se a isso que se promulgava, a partir daí, que antes de Nero Roma estava em decadência.
Pois... Portugal após a regência de Pombal não ficou mais próximo dos outros reinos europeus, ao contrário consolidou definitivamente uma margem inalcançável. Foi chamado progresso ao que não se destruiu, e foi pintada uma Lisboa medieval, antes de Pombal. Tudo poderá não ter passado de um maquiavélico plano de propaganda... De D. João V ficaram vários monumentos, e uma tentativa de renascimento, do seu filho D: José e do seu marquês, ficou um terramoto, e uma pressuposta auto-elogiada reconstrução. Nada mais? Uma ditadura sanguinária e uma censura temível...

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

De Luanda e de Angola à contra-costa...

Continuamos com o registo precioso do Cardeal Saraiva sobre as viagens portuguesas.
Saraiva queixa-se frequente da forma pela qual os franceses procuravam reescrever o nosso período de descobrimentos. Um dos problemas era justificar a limitação dos portugueses ao território descoberto entre 1498 e 1514, sempre com D. Manuel (adiciona-se apenas o Japão trinta anos depois, com D. João III).
Em particular, era invocado pelos franceses uma falta de curiosidade de explorar o interior dos territórios... assunto que estava em voga na época em que o Cardeal Saraiva escreve o seu texto (anterior às expedições africanas de Stanley e Livingstone).
Como exemplo da crítica de Saraiva, apresentamos este excerto sobre uma pretensão francesa para a descoberta de Tombuctu:
(Saraiva cita o autor): "A sua viagem é anterior a 1670. Ele acompanhava seu amo, Português renegado, enviado a Tombuctu pelo governador de Tafdet" ;   (Saraiva então escarnece) : aonde achamos notável que o douto escritor nomeie o francês Imbert como primeiro Europeu que chegou a Tombuctu sem advertir que o Português, amo de Imbert, naturalmente iria adiante do seu criado, e entraria primeiro na cidade!
O protesto do Cardeal Saraiva é contínuo, e suportado por documentação, em que se mostram diversas ordens de expedição ao interior de África para a ligação entre a costa ocidental e oriental.
Saraiva vai mais atrás e relata a crueza das explorações terrestres, logo no início... Gama e Cabral levavam criminosos, que lançavam em diversas paragens na costa com instruções de penetrarem no interior, tanto quando possível. João da Nóvoa em 1501 teria encontrado um António Fernandes em Quíloa, lançado por Cabral em Melinde. Cyde Barbudo e Pedro Quaresma tiveram instruções de ir do Cabo da Boa Esperança até Sofala. Fala depois duma expedição de Francisco Barreto em 1569, seguido por Vasco Homem, que chegaram às terras de Monomotapa e às minas de Chicova, Rutroque, Chicanga e Mocarás...

É particularmente interessante a citação que faz ao Padre Manoel Godinho em 1663:
O caminho de Angola por terra à India não é ainda descoberto, mas não deixa de ser sabido, e será fácil em sendo cursado (...) quem pretender fazer este caminho de Angola a Moçambique, e daqui à India, atravessando o sertão da Cafraria deve demandar a sobredita lagoa Zachaf, e achando-a descer pelos rios aos nossos fortes de Téte e Sena, destes à barra de Quilimane, de Quilimane a Moçambique, etc. Que haja a tal lagoa dizem-no não só os Cafres, senão os Portugueses que já lá chegaram, navegando pelos rios acima, e por falta de prémio se não tem descoberto até agora este caminho. (...)
Este registo é aliás invocado por Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, no seu livro posterior, "De Angola à contra-costa", 1886, acabando de concretizar essa ligação, que lhes foi oficialmente reconhecida... embora esse (re)feito nacional esbarrasse com o ultimato inglês sobre o mapa cor-de-rosa!
Dizemos (re)feito, porque Saraiva é claro:
Finalmente, no ano de 1807, sendo Governador e Capitão-General do Reino de Angola (...) António Saldanha da Gama, Conde de Porto Santo, se realizou, de mandado dele, a primeira expedição de Luanda à contra-costa, a qual voltou no ano de 1809, trazendo a embaixada dos Molluas, nação que já comerciava com Moçambique. Imediatamente enviou o digno Governador outra expedição com ordem expressa de ir até Moçambique, o que efectivamente se executou, voltando esta expedição a Luanda com cartas de Moçambique estando já a governar Angola José Oliveira Barbosa.
1885 - Capelo e Ivens: de Angola à contra-costa
~80 anos antes: de Luanda à contra-costa: 1809.

Capelo e Ivens vão honrar com nome similar a sua viagem, e usam uma citação esclarecedora, agora do francês L'Abbé Durand (em carta à Soc. Géographie de Paris, 1880), no início do seu texto:
L'Afrique intérieure a été découverte et parcourue par les Portugais au XVI siècle... Les portugais de cette époque connaissaient mieux l'intérieur de ce continent, la Région des Lacs, etc. qu'on ne la connaît aujourd'hui... Livingstone a donc retrouvé seulement ce que les anciens portugais avaient découvert, et encore il s'est servi de renseignements portugais sans avoir la loyauté de le dire.
Capelo e Ivens fazem relato semelhante ao do Cardeal Saraiva, podem acrescentar novos nomes, como o de Silva Porto, e explicam o não reconhecimento desta viagem... porque Saldanha da Gama encarregara um tenente Honorato de enviar Pedro Baptista e Amaro José, que não foram considerados homens que garantissem "o mais singelo valor científico" à viagem.

António Saldanha da Gama será o representante de Portugal no Congresso de Viena, em conjunto com o Duque de Palmela. Este feito de 1807-09 não terá sido reconhecido pela posterior Conferência de Berlim, em 1885, pelo que Ivens e Capelo repetiram a proeza, de acordo com as normas estipuladas na conferência, para direito colonial.
Gravura no livro de Capelo e Ivens (1886).

O Cardeal Saraiva que morre em 1845 já não presenciará esta repetição... não sabemos como a sua ironia descreveria o ridículo da situação. Como é habitual, já não encontramos referências actuais ao feito ordenado por Saldanha da Gama... e que certamente era já uma repetição continuada. 
A História com a sua real-politik obrigava a escrever Capelo e Ivens como descobridores desse interior africano. 

Será como dizer agora, que se comemoram os cem anos, que Amundsen não foi o primeiro a chegar ao Pólo Sul, porque afinal não estavam presentes 1000 pessoas como testemunhas. Abria-se nova corrida ao Pólo Sul e, passados alguns anos, a História ignoraria o feito de Amundsen... que convenhamos, dado o contexto, não é nada claro que tenha sido o primeiro!

Nada disto era novo... afinal a certificação da viagem de Colombo, de Cook, e de tantos outros, passou por um processo de chancela. É óbvio que não se trataram dos primeiros descobridores!...
É notável que passados séculos, os procedimentos não tenham mudado em nada.
Continua a ensinar-se uma versão oficial que distorce os feitos, e o contexto em que foram produzidos. Como se viu, Stanley e Livingstone limitaram-se a calcorrear caminhos já gastos, ficando com louros para a glória vitoriana, acordada com Leopoldo II.
Um Victoria's Secret... afinal congeminado na corte europeia de Bruxelas por Leopoldo I, permitiu uma partilha de África que agradava à Prússia de Bismark, e reordenou a velha ordem com um novo fôlego.

Este processo de descoberta, de atribuição deslocada, imprópria, condicionado pela política, não terminou no Séc. XVI, nem no Séc. XVIII ou XIX... e como é óbvio é claro que não terminou depois.
Nem tão pouco este processo de glorificação pessoal se resumiu às explorações territoriais... todo o processo de descoberta, mesmo científica, teve o seu processo de escolha de heróis glorificados.

Por essa razão nada disto é ensinado, e a História e os seu feitos singulares, envolvem-se num conjunto de enfabulações destinadas a moldar a nossa percepção...

sábado, 15 de janeiro de 2011

Ebreus do Ebro

[ Esta Estória é motivada pelo comentário da Maria da Fonte sobre o Mar Vermelho, em que fala de Moisés, ligando a outro comentário sobre o Ebro... e como seria natural ligar-lhe ebreus, sem "h"! ]

Quando a dúvida sobre a História oficial se torna uma certeza, é natural querer reencontrar o enorme puzzle criado com as sucessivas mudanças de nomes, de atribuições, etc. 
A partir daqui, vivem apenas as especulações, mais ou menos baseadas, e por isso falamos apenas de Estórias.
Qualquer associação mais séria poderia levar a confusões com pessoas que tomam apenas o oficial como sério.

Esta estória tem como dúvida fundamental a deambulação de 40 anos no deserto, de Moisés com o seu povo. É um dado mais preciso do que qualquer nome mudado de localização perdida...
Uma pequena população em migração focada, mesmo em ritmo lento, pode deslocar-se sem dificuldade 100Km por ano... Sendo menos do que isso, desfocaria o seu propósito migratório. 
Ao fim de 40 anos falamos no mínimo em 4000Km.
Se pretendermos colocar essa deslocação do Monte Sinai para Israel, falamos de 10% desse valor, ou seja, não parece lógico migrar apenas 10 ou 20 Km por ano... isso seria a periferia do acampamento.

Um deserto com 4000Km, partindo do Egipto, e sem encontrar civilizações, apenas faz sentido a Ocidente.
Ou seja, a partir daqui colocamos a nossa Estória de travessia do deserto no Norte de África. Há até nomes que encontramos sem esforço, por exemplo Massah é referido no Exodo e é ainda nome de uma cidade Líbia.

Nesta estória, Moisés teria escapado do Egipto com o propósito de atingir, não a península do Sinai, mas sim a península Ibérica, e mais além! Essa sim, seria a sua terra prometida...

Mosaicos no Monte Nebo (Séc. V) 
- lugar jordano atribuído à morte de Moisés.

O tempo histórico de Moisés segue na linha de perturbações no Egipto, que poderiam corresponder à transição entre Hatchepsut e Tutmoses III, ou ao fim do culto monoteísta de Akhenaton, sob forte convulsão e perseguição (a datação é duvidosa, porque estranhamente o nome dos faraós contemporâneos de Moisés não é referido). 
As navegações egípcias envolveriam o Mediterrâneo até à Hispânia, e mais além... isto seria do conhecimento da corte a que Moisés pertenceria. Uma dissidência natural seria procurar a outra Egitânia... literalmente terra do Egito, nome recuperado para Idanha-a-Velha no tempo Suevo.

A haver uma fuga para a península do Sinai, seria uma fuga estranha, colocada à mercê de qualquer perseguição egípcia, encurralados pela própria geografia do local inóspito. A localização medieval da passagem no Mar Vermelho foi logo disputada pela própria tradução de Yam Suph que se referiria literalmente a um mar de algas (sargaços?)...

São poucos os lagos que foram chamados mares... e certamente é estranho chamar-se Mar Morto e não Lago Morto, dadas as suas pequenas dimensões. Já por oposição ao Oceano Atlântico, o Mar Mediterrâneo pode até ser visto como um mar de águas calmas... o novo destino que levaria ao mar de sargaços, deixaria atrás um mar morto.

Nesta estória, o êxodo de 40 anos teria seguido a direcção ocidental, iludindo a perseguição egípcia que levaria a uma mais natural perseguição oriental, na direcção oposta. Moisés abriria caminho por terra, enquanto que os seus perseguidores seriam iludidos, e teriam sofrido sorte diferente no mar a oriente. Procurando evitar confrontos com as populações ou avistamentos costeiros, a migração seguiria por ocidente, pelo longo deserto saariano, durante longos anos, guiada pela fé de Moisés em atingir o destino ocidental.

A última passagem seria agora o estreito de Gibraltar... não logo no início da estória, mas sim quase no fim dela. De início figuraria como propósito, o objectivo traçado que os afastaria definitivamente dos inimigos.
Moisés terminaria sem ver a "Terra de Canã", e caberia a Josué conquistar esse território. 
Faltarão imensos detalhes da estória, contada muito posteriormente... mas sendo negado a Moisés vislumbrar o Atlântico, feita a passagem do estreito, poderia não ter passado o rio Guadalquivir. Quanto a montes sagrados, pois a serra Nevada cumpriu esse papel, mesmo durante o domínio do reino de Granada, com "o vermelho" Alhambra. Do outro lado, a evidência é maior... Jabal Musa - Monte de Moisés é o nome dado ao monte Sinai, mas também ao monte que está no lado marroquino do estreito!
(a) (b)
Jebel Musa (monte de Moisés): (a) o monte Sinai, (b) um dos pilares de Hércules.

Outro nome, Hebron, sem H revela-nos Ebron... e se o rio Ebro derivava de Ibero, pois a designação Ebreu poderia abreviar a descendência ibérica. Acresce a "nossa" curiosa troca de B por V... já que quando nos referimos a Éber, a grafia hebraica é Éver, havendo vários outros casos semelhantes (por exemplo, Reoboão e Rehavam...). As designações "israelitas", "hebreus", "judeus", podem referir-se não apenas a períodos de tempo distintos, mas também a resultado de migrações e partes geográficas diferentes. 

A existência de um poderoso Rei Salomão não teria passado despercebida na literatura grega ou egípcia, se o seu domínio se acotovelasse com o Rei Hirão de Tiro, na exígua faixa marítima mediterrânica (que foi depois consagrada a ambos). Seria mais natural uma coabitação entre fenícios e hebreus na extensão ibérica. Isso justificaria aliás as diversas nomenclaturas e origens de povos mencionados, bem como a presença de nomes tipicamente fenícios (como Balaam ou Balak).
Seria mais natural uma exploração marítima de Salomão, na pista do mar dos sargaços, na rota do acadiano Sargão. A terra prometida iria agora mais além do que o exíguo território que se colocava na tradição israelita. Seria essa memória que ficaria na tradição posterior, aquando do cativeiro na Babilónia.
Aliás, a separação hebraica dá-se a seguir a Salomão, havendo posteriormente uma conquista por Sargão II, agora Assírio, pelo que uma Jerusalém independente em Israel estaria sob diversas vicissitudes da região...

Quando Nabucodonosor II estende o seu domínio para além do Egipto, derrotando Neco II, vai preocupar-se em sitiar Tiro durante vários anos... a Fenícia é conquistada depois do Egipto, aparece em conjunto com a derrota hebraica, mas mais uma vez sem qualquer auxílio de uma eventual Cartago, já então existente.
Ao período de deportação, segue-se um longo cativeiro sob regime esclavagista, só terminado com a invasão persa de Ciro II. Camões recupera "Sôbolos rios que vão por Babilónia", bem conhecido dessa diáspora hebraica, ainda que num contexto diferente... o Sião já é outro. A cidade cantada como Sião é identificada a Jerusalém, afinal poderia ser outra, situada numa outra costa ocidental?

Cativeiro na Babilónia (c. 600-537 a.C.)

Nesta estória, são também os hebreus ibéricos que são deportados. Quando Ciro II concede a libertação desses escravos, eles serão recolocados no reino de Judá, perdendo-se a anterior ligação ibérica, quiçá apenas mantida no nome alternativo hebraico. Estando perdida uma parte apreciável da memória, por eliminação das elites em cativeiro, grande parte da história foi reescrita nessa altura persa de Ciro II e redireccionada para o único território admissível, Israel. Uma eventual remniscência foi depois recuperada pelos judeus sefarditas, na sua nova diáspora por terras ibéricas, na altura dos descobrimentos. Talvez se tenha tornado claro que as descrições do período de Salomão se poderiam adaptar a uma presença ibérica, e assim justificar a perda de todos os registos.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Heliocentrismo e Evolucionismo (1)

Houve duas teorias que marcaram o advento da concepção científica descentrada do homem: 
  • primeiro o heliocentrismo, recuperado por Galileu do trabalho de Copérnico (apesar de Aristarco de Samos ser mesmo citado por Arquimedes);
  • depois o evolucionismo, em que Darwin propõe a evolução das espécies, colocando o homem como apenas mais uma espécie.

Estas concepções marcaram o afastamento do Homem e a Terra do centro do universo, deixando de ocupar um lugar especial no mundo, seja por criação divina, seja por razão natural.
Ao que parece, o matemático Pedro Nunes, quando informado pela teoria publicada por Copérnico, seu contemporâneo, terá respondido que era "matematicamente equivalente".

De facto, não é difícil perceber que, ao contrário do que é popularizado, ambas as representações - geocêntrica ou heliocêntrica - são absolutamente equivalentes. É uma relatividade de posição trivial.
Convirá desmistificar a "falsidade" da posição geocêntrica...

Devem distinguir-se duas posições geocêntricas. Num caso mais puro não se admite a rotação terrestre, noutro caso admite-se essa rotação, mas não a rotação em torno do Sol. O sistema ptolomaico era complexo e muito ajustado às observações terrestres, que conseguiria obter com o auxílio de órbitas adicionais nos planetas que manifestassem movimentos retrógrados. Ptolomeu parece ter referido que, mais importante do que a validade do sistema, era o aspecto de poder calcular sem grande erro, as posições planetárias... não se tratava de entrar em conflito com o sistema heliocêntrico de Aristarco.

Anticítera
De facto, o sistema geocêntrico deverá ter sido usado na concepção do mecanismo encontrado em Antícitera... um mecanismo de relógio, com a posição do Sol e Lua (e talvez de planetas), com mais de 2100 anos, que só teria sido igualado no Séc. XVIII.
A incrível máquina encontrada em Antícitera

Do ponto de vista prático, seria mais importante conhecer as posições na Terra do que ter uma visão externa do sistema. Este mecanismo dá-nos uma clara ideia de que o conhecimento na Antiguidade era muito superior ao que foi relatado e transmitido ao longo de gerações... até hoje. Excluindo, é claro, um eventual conhecimento secreto.

Comparações de visões:
Ninguém se preocupa com os detalhes do sistema geocêntrico. No entanto, o primeiro problema são as fases da Lua. A rotação da Lua diferiria em ~1/28 para comportar uma diferença de iluminação, que permitisse regressar à fase inicial ao fim de ~28 dias. Galileu argumentará com as fases de Vénus e com os satélites de Júpiter, mas nada disso invalidaria a aparente rotação em torno da Terra.

Ilustramos, numa simples simulação computacional, ambas as visões, no caso geocêntrico mais puro:
Descrição parcial das órbitas dos 4 primeiros planetas, de forma equivalente, na visão heliocêntrica e geocêntrica pura, num período de 84 dias (~ revolução de Mercúrio). Na visão geocêntrica pura, a rotação da Terra é substituída pela rotação de todos os outros corpos, o que complexifica o sistema. Apesar da simplificação heliocêntrica, ambas as representações são equivalentes (note-se que a posição relativa dos planetas é a mesma).

A rotação terrestre não é perceptível na imagem da visão heliocêntrica, enquanto na imagem geocêntrica ela é predominante e como consequência complexifica as órbitas na forma espiral... 
A mais elaborada visão Ptolomaica (tal como Oresme Séc. XIV) admitiria uma simplificação com a rotação terrestre. Nesse caso, o sistema geocêntrico fica mais simples, sem órbitas diárias, mas mesmo assim demasiado complexo:  
Sistema geocêntrico, onde a rotação terrestre é suprimida do modelo, permitindo visualizar o modelo num espaço de 7 anos. É mais facilmente perceptível o aparente movimento retrógrado dos planetas.

Estas visões geocêntricas são tão exactas quanto a heliocêntrica, é uma questão de referencial, tal como na mecânica se pode pode optar por coordenadas Eulerianas, fixas, ou Lagrangianas, ligadas ao corpo em movimento. Mas, a visão heliocêntrica teve a sua vitória final com o modelo gravitacional de Newton. À simplificação matemática, acrescia uma base física, a lei da gravidade.

A concepção Ptolomaica tinha ainda erros, de averiguação difícil, no que dizia respeito à ordenação planetária. Em particular, porque os planetas internos (Mercúrio e Vénus), próximos do Sol, são apenas visíveis no período crepuscular (aprox. 20º (1h30m) para Vénus e 10º (45 min) para Mercúrio, antes do nascer ou após o pôr do Sol). A difícil observação de um trânsito de Vénus (sobre o Sol), clamada pelo persa Avicena, terá sido influência para considerar Vénus mais próximo da Terra. Tal é particularmente notável num época em que não era claro que Vénus ao anoitecer fosse o mesmo planeta que ao amanhecer!
   
A posição geocêntrica de Mercúrio, Vénus e Marte teria que contemplar o caso desses planetas estarem mais próximo ou mais longe da Terra do que o Sol. Assim a sua posição relativa seria indecidível entre os quatro, Marte pode estar mais próximo da Terra do que o Sol, Mercúrio ou Vénus.
Apenas um planeta com órbita do Sol acima de 2 UA (1 UA= distância da Terra ao Sol) ficaria sempre mais longe do que o Sol... Acima de 2UA é a distância ao Sol do cinturão de asteróides, e depois dos planetas externos, com Júpiter, Saturno, etc.

Isidoro de Sevilha
É neste contexto de ambiguidade que encontramos a obra de Isidoro de Sevilha (de Rerum Natura, Séc. VI). Vemos que há uma separação de Vénus, é colocado Lucifer, anterior ao Sol, e Vesper, posterior ao Sol - ambos os nomes correspondem a designações de Vénus. 
Lucifer é a estrela de alva, e Vesper a sua aparição ao entardecer. De forma estranha, como não é mencionado Marte podendo aqui colocar-se uma identificação de Marte a Vesper, já que também Júpiter aparece nomeado como Faeton (optando pela nomeação grega). Mercúrio e Saturno aparecem designados normalmente.
Sistema planetário por Isidoro de Sevilha (Séc. VI)

É razoavelmente bizarra a associação depois dada ao nome Lucifer ("portador da luz") a Vénus, enquanto estrela da manhã, e prende-se com interpretações da literatura bíblica, e à influência posterior das obras de Dante e Milton. 
Ao contrário, o aparecimento de Vénus a ocidente, no pôr do sol, era associado à esperança com o nome Hesper (ou Vesper), muitas vezes associado ainda às Hespérides, ilhas paradisíacas ocidentais... cujo nome viria de Hespero, um dos reis míticos da Ibéria.
Manifestação clara da dualidade Ocidente/Oriente, em que o Ocidente era associado à terra prometida ocidental, ou seja à América... à esperança de regressar ao Paraíso Perdido (trazendo o título de Milton).

Bartolomeu Velho
Dentro da concepção geocêntrica, posterior a Copérnico, a representação de Bartolomeu é interessante, pois assume apenas uma rotação solar anual, e não propriamente a visão pura, da rotação diária do Sol. O tempo já é outro, e este será já um esquema geocêntrico de compromisso que assume claramente a rotação terrestre.
Sistema geocêntrico sem rotação - Bartolomeu Velho (1568), cartógrafo.

Apresenta as curiosas esferas de Ar e Fogo, antes da Lua.
A posição dos astros indica claramente a ordem crescente do seu tempo de revolução:

  • Lua: 27 dias e 8 horas (~correcto -15 min.) ; 
  • Mercúrio: 70 dias e 7 horas (~88 dias) 
  • Vénus: 273 dias e 23 horas (~225 dias)
  • Sol: 365 dias e 6 horas (~correcto -ano bissexto)
  • Marte: 2 anos, 730 dias (~687 dias)
  • Júpiter: 12 anos (~11,86 anos)
  • Saturno: 30 anos (~29,4 anos); 
  • Estrelas: 36000 anos
Os valores são bons atendendo à época, sendo o valor mais estranho os 36000 anos para a revolução estelar. Mais curioso ainda é arriscar valores para as circunferências. Sendo o valor 6300 léguas correspondente à dimensão do perímetro equatorial terrestre, com uma légua aproximadamente 6,3 Km... obtemos praticamente 2 UA para a localização das estrelas, enquanto para a distância ao Sol, dá menos de 1% do valor conhecido. Não há uma ligação directa entre o tempo de revolução e a distância em léguas para o grau, não se conhecendo outra razão para os valores apontados. 
O mapa-mundi incluso também não apresenta nenhuma novidade à época.


Contexto
O modelo heliocêntrico de Aristarco deverá ter sido considerado em todo o mundo grego, e nem o próprio Ptolomeu o terá querido colocar em causa. 
Como é óbvio, no período de regressão civilizacional que se seguiu, os textos de Aristarco caíram no esquecimento, e o Almagesto de Ptolomeu acomodaria uma visão popular e ao mesmo tempo bíblica.

O heliocentrismo puro (Sol no centro do universo) acabou por ser rapidamente substituído, por uma visão galáctica recomeçada com a catalogação de Messier no Séc. XVIII, e com a inclusão da própria Via Láctea enquanto mais um entre tantas galáxias.

Grupo de seis galáxias - sexteto de Seyfert

A Terra perdeu o seu lugar especial no Universo, e os homens ficaram reduzidos na sua dimensão...  seriam simples habitantes de um planeta minúsculo. 
Ainda assim, habitantes especiais, feitos à imagem de Deus... 
Ora, sobre essa questão coube a Darwin postular a nossa insignificância seguinte.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Haiti, a derrota da Hispaniola

Colombo marca o fim da sua aventura nas Caraíbas em 1492, na ilha do Haiti.
Renomeou-a Hispaniola, mas quando regressou já não havia sobreviventes espanhóis na sua colónia.
António Galvão é sempre uma referência primordial. Diz ele sobre a viagem de Colombo:
- A primeira ilha que visitaram se chamava Greinani, saíram em terra, tomaram posse dela, puseram-lhe o nome Sam Salvador.
- despois viram muytas a que chamaram As Princesas, por serem as primeiras por eles vistas, mas os da terra lhes chamam os Lucayos, ainda que todas têm nomes separados, e estão da parte do Norte, quasi debaixo do Trópico de Cancro, da parte do Norte de 16 até 17º, que é a ilha de Santiago.
- Daqui foram à ilha que os da terra chamam Cuba, e os Castelhanos puseram o nome Fernandina, por el rey D. Fernando, a qual está em 22º, 
- donde os Indios os levaram à outra que eles chamam Ahyti, e os Castelhanos Isabela, em memória da rainha de Castela, e também a Espanhola. 
(Galvão, edição de 1563, pág. 23.v)
Não é o primeiro relato semelhante que vemos.
Sem saber a história que se iria contar, mas talvez prevendo a perda de nomes, Galvão dá-nos o relato da origem dos nomes Haiti e Cuba. Eram designação dos "indígenas"... Mais do que uma contaminação alentejana na América, seria de averiguar a contaminação do nome no Alentejo.
Até na grafia, Ahyti é mais parecido com a grafia crioula Ayiti. Por isso, se Galvão escreve Greinani, será de ponderar o nome Guanahani dado à ilha do primeiro desembarque... sendo que isso tem apenas importância para os detalhes e os seus demónios.

Tem-se ignorado que o Haiti foi um bastião de independência, perante a avassaladora presença europeia.
Isso aconteceu desde o início... 
Depois de falar nos papagaios que os espanhóis e Colombo levaram consigo do Haiti, e da rota que tomaram pelos Açores, passando por Lisboa, Galvão relata a segunda viagem:
- No ano de 1493, aos 25 do mês de Outubro, tornou Christovã Colõ às Antilhas, e da barra de Calez tomou sua derrota, levando 17 velas e 1500 homens nelas (...)
- (...) logo viram muitas outras, a que puseram o nome Virgens, ainda que os da terra lhe chamam as Quiribas, por ser de homens guerreiros e bons flecheiros(...)
- Destas ilhas em outras foram ter à principal delas, a que os da terra chamam Boliquem, e os castelhanos Sã João, donde chegaram à Espanhola e acharam todos os homens mortos, que na terra deixaram, por ofensas que aos da terra fizeram aqui(...)
Quanto à nomenclatura, vemos Quiribas para as Virgens, e Boliquem para Porto Rico (provavelmente), acrescenta depois a Iamaica que se chamava então Santiago.
Derrota é uma palavra comum até ao Séc.XIX e tinha o significado que atribuímos a rota...
mapa do Haiti em João de Lisboa (c. 1514)
note-se que na ilha amarela inscreve Puerto Rico e ainda Sam Joam.

É nesta segunda viagem americana, e depois constatar que os compatriotas tinham sido mortos, que Colombo decide enveredar por uma colonização mais efectiva, deixando a maioria dos homens nessa ilha.
A resistência prossegue com Anacaona, enforcada em 1504, que tornará num dos muitos símbolos.
(execução de) Anacaona, líder da resistência

Carlos V tentou resolver o problema em 1517, e teria havido uma deportação para a parte oriental da ilha, actual República Dominicana, perdendo-se muito do registo ocidental, com resistência nas montanhas, até ao período de registo de piratas e corsários já no Séc.XVII.
A ilha costeira a norte, Tortuga, seria uma base de piratas, os Bucaneiros. É preciso entender que qualquer organização fora da alçada dos governos europeus seria entendida como fora-da-lei, ou pirata. Doutra forma, as potências europeias arriscavam-se a uma multitude de reinos independentes em ilhas distantes. A coligação Bethren terá tido aqui o seu período áureo.

O registo seguinte mais significativo é revolução do Haiti na transição de 1800, primeiro com Toussant, que acaba preso, e depois com Jacques I, que mantém a independência e sagra-se imperador do Haiti em 1805. Acabara de derrotar a armada francesa liderada pelo cunhado de Napoleão.
Toussant, e Jacques I, líderes que resistem a Napoleão.

Não estamos a falar de uma pequena proeza... e os esforços de emendar o Haiti continuaram. Apesar de ter já uma Constituição, teria que ser submetido ao caminho civilizacional do colonialismo europeu.

Será este pequeno reino esquecido que acolhe Simon Bolivar em 1815 e financia a sua iniciativa independentista da América do Sul, com o compromisso de que nas novas repúblicas terminasse com a escravatura.

As tentativas de isolar o pequeno país mantiveram-se, para além do bloqueio comercial, e de impostos de independência sob ameaça militar francesa, por Charles X.
Seguiu-se durante uma parte razoável do Séc. XX, após ocupação de 1915, por Th. Roosevelt, um domínio ou ocupação dos Estados Unidos, a que se seguiram as ditaduras dos Duvalier, e as instabilidades conhecidas.

O terramoto que ocorreu há um ano, foi um pequeno terramoto na escala Richter, mas num país como o Haiti não surpreende a opinião pública que o número de mortos seja de centenas de milhar. Haiti, foi uma "derrota" de muitos navegadores, mas a sua derrota é muito mais a derrota dos valores da nossa civilização.

[parte significativa da informação cruzada usou exclusivamente a wikipedia]

domingo, 9 de janeiro de 2011

Magos (3)

Santa Helena de Constantinopla, mãe do imperador Constantino, o Grande, conduziu a empresa de recuperação dos vestígios da vida de Cristo. Em particular, a Igreja do Santo Sepulcro viria a definir o Gólgota, e Santa Helena encontraria a madeira da cruz da crucificação. 
A Vera Cruz, ou o Santo Lenho, teve a sua madeira dividida pelas mais variadas catedrais europeias, constituindo uma das relíquias mais preciosas da Idade Média.

Santa Helena e a Vera Cruz - parte da relíquia na Igreja do Santo Sepulcro.

A oficialização do cristianismo coincidiu com a ligação imediata ao culto do relicário, havendo mesmo uma divisão bizarra de importância das relíquias. Esse culto foi claramente acentuado no cristianismo medieval, e nas crónicas da dinastia de Avis é notória a veneração ao Santo Lenho. A Vera Cruz pode ser associada ao pau brasil, pela cor vermelha que ligaria a madeira ao sangue... mas Vera Cruz será também o nome dado à primeira cidade de Cortés na sua conquista do México.

Na mesma altura acabam por ser definidos, de forma mais invulgar, e ainda por Helena de Constantinopla, os restos dos Três Reis Magos... que são depois levados para Milão, sendo finalmente levados por Frederico Barbarrosa para a Catedral de Colónia, ficando num magnífico Relicário em ouro:

A abertura recente do relicário parece ter mostrado conter crânios de homens em diferentes idades, conforme a tradição que se manteve posteriormente. Nem sempre terá sido essa a tradição, conforme mostram sarcófagos do Séc. III e IV, onde todos os elementos aparentam ter a mesma idade e a mesma figura:
Sarcófagos em Roma: Séc.IV (em cima), Séc. III (a meio), 
e mosaico em Ravena Séc. VI (em baixo)

É na posterior imagem bizantina, do Séc. VI, que vemos haver uma diferença de figuras e idades, procurando evidenciar uma proveniência de diferentes partes, e representando diversas gerações.
Porém, mais importante - o ponto comum a todas estas imagens - são os barretes, mais precisamente barretes frígios, com já tinhamos aqui salientado. O mesmo barrete ostentado pela Liberdade, como no celebrado quadro de Delacroix, que levou à imagem da República
A liberdade (com o barrete frígio) guiando o povo, quadro de Delacroix (1830).

Se para os gregos o barrete frígio seria um símbolo "bárbaro", quando os romanos associam o mesmo símbolo à liberdade, e o identificam com heróis troianos, como Páris, o contorno implícito é diferente. A isso se associa a ligação de Cibele (equivalente frígia da deusa Gaia) ao semi-deus frígio Átis:
Páris troiano, e Átis frígio, consorte de Cíbele, ambos com um barrete frígio

Já aqui mencionámos que a Ásia Menor acabou por albergar diferentes reinos. A Frígia, vizinha da Lidía, e o reino de Tróia, são apenas alguns exemplos... Ao mesmo tempo que estas culturas avançadas se acotovelavam no espaço da península turca, as extensas planícies da França e da Hispânia permaneciam um largo espaço vazio, sob presença rarefeita de culturas megalíticas. É suposto ter sido assim...

Se também já aqui referimos, várias vezes, a ligação do nome de Ulisses a Lisboa, não podemos ignorar as semelhanças evidentes dos nomes Paris e Páris. Não conhecemos nenhuma pretensão de qualquer ligação dos parisienses ao herói troiano, nem tão pouco dos vizinhos troyens ao nome de Tróia. No entanto, no registo da diáspora troiana, em que Virgílo faz Eneias migrar para fundar Roma, não é de excluir outras migrações para paragens gaulesas. 

Mais interessante é a associação troiana/frígia ao ideal da Liberdade... uma tradição preservada por romanos, identificada a Reis Magos que homenageiam Cristo, é depois retomada na revolução francesa. 
No que diz respeito aos romanos é especialmente notável, já que ao tomarem o partido troiano, que associam à liberdade, fazem-no contra a tradição grega que honra Aquiles, um Aquiles venerado por Alexandre Magno, que o procurou imitar. Também é notável a posição ambivalente adoptada por Homero. 

A Ilíada é um elogio grego, mas que não deixa de enaltecer o adversário troiano. Na Guerra de Tróia pode ter havido uma batalha para além dos interesses comerciais. O rapto de Helena por um presumido camponês do Monte Ida, Páris, feito príncipe de Tróia, seria talvez ilustrativo de uma ameaça de contaminação de segredos de castas, que colocaria em causa o domínio aristocrata.
Lembramos a reportada viagem de contorno de África, por parte de Menelau, marido de Helena. O problema irá repetir-se com outros contornos, alguns milénios depois, entre D. Pedro e Inês de Castro.
O rapto de Helena, assumiria assim contornos de contaminação de informação secreta. A Ilíada não fornece pistas para o problema do sigilo da navegação, mas toda a Odisseia é dedicada justamente a esse propósito.

Nesse sentido, a própria tradição intelectual grega não desfavoreceria o ideal de liberdade derrotado, que se colocaria acima do seu patriotismo.

sábado, 8 de janeiro de 2011

A separação de poderes

Charles de Montesquieu ficou conhecido pela obra "Espírito das Leis", onde se encontra o princípio de separação de poderes:
  • Poder Executivo (exercido pelo regente)
  • Poder Legislativo (exercido pelo parlamento)
  • Poder Judicial (exercido pelos magistrados)
Este velho princípio de separação de poderes (que alguns traçam até Aristóteles) faz parte de qualquer constituição contemporânea em países democráticos. No entanto, apesar de ter sido introduzido nas primeiras constituições modernas (constituição da Córsega, dos Estados Unidos), convém referir que Montesquieu elaborou o texto em período absolutista francês e, nesse contexto, influenciado pelo exemplo inglês, advogava apenas uma Monarquia Parlamentar.
Charles Montesquieu (1689-1755) e Pasquale Paoli (1725-1807)
Constituição: Teoria e Prática

Já referimos que a prática da teoria de Monstesquieu foi concretizada por Paoli na Constituição da Córsega, que porém teve aí uma curta vida, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos. A prática norte-americana acabou por se implantar e servir de referência.
Foi essa mesma prática que tornou claro a existência de um Quarto Poder - a informação, através da comunicação social. 

Numa república, sendo o povo chamado a escolher dirigentes, essa escolha deve ser informada, sem interferência dos restantes poderes. Caso isso não aconteça, a informação pode ser contaminada, pelo simples facto de não se assegurar uma independência semelhante à judicial. 

Ninguém consideraria razoável um órgão judicial dependente, em que os magistrados estivessem sujeitos a  remuneração condicionada por ditames económicos. Isso comprometeria a sua independência.
No entanto, torna-se cada vez mais claro que há julgamentos mediáticos, que comprometem a clareza da informação transmitida. A divulgação desiquilibrada pode confundir o receptor com vista a propósitos patrocinados.
Só uma independência informativa, pelo menos com um quadro de independência semelhante ao judicial, poderia garantir alguma viabilidade e credibilidade de um sistema eleitoral.

No quadro de uma antiga monarquia parlamentar poderia haver uma separação dos três poderes, já que o rei não estando sujeito ao escrutínio popular, teria um poder executivo efectivamente separado na nomeação do governo. 
No quadro actual são os partidos políticos que acumulam a função executiva e legislativa, pois os governos viabilizados dispõem do poder executivo, mas também do legislativo através da maioria parlamentar que é suportada nos mesmo partidos. 
Assim, apenas o controlo judicial escaparia a uma oligarquia capaz de controlar a comunicação social.
Porém, como sabemos, nem mesmo os órgãos judiciais conseguem isentar-se dessa influência. Basta uma campanha publicitária bem coordenada para mostrar a fragilidade desse poder, perante o descontrolo dos órgãos informativos.

Num sistema eleitoral, o ponto fulcral é a formação de opiniões através da informação.
Começa na parte educativa, pois é aí que se formam os esquemas cognitivos básicos, as certezas e os medos.
É na História que aprendemos os principais exemplos, e a informação aí transmitida condiciona a nossa percepção da sociedade, e dos seus conflitos. Se uma notícia da actualidade pode influenciar um governo, uma notícia histórica pode influenciar um regime, e a própria organização social.

Um sistema educativo, uma rede de publicações, de divulgação da informação, sob completo controlo de um grupo dá a esse grupo um poder oligárquico. Esse controlo estabelece-se para além da sua geração.

Quando Platão enuncia a Alegoria da Caverna, o exemplo vai para além da questão existencialista, e terá objectivos políticos. A ilusão da verdade na sociedade pode ser criada sem que os intervenientes se apercebam. Uma Odisseia no Mediterrâneo, um panteão de deuses, contrapõem-se à sua descrição da Atlântida, a um reino humano perdido no Atlântico, uma América, cujo conhecimento seria negado ao povo grego. O próprio Alexandre Magno poderia ter conquistado toda a Terra, conforme pretendia... e há registos que o colocam na Hispânia. No entanto, foram os seus cronistas, e a divulgação ao longo de séculos, que definiu não só a sua glória, mas também os limites do seu império, conforme avisava Poliziano.
(excerto da República de Platão)

O problema de condicionamento da informação, torna-se numa ilusão para além de sensorial, torna-se numa ilusão social. Não se trata de um problema de liberdade de expressão. 
As perturbações pela liberdade de expressão colocam-se apenas em meios restritos, e são facilmente abafadas por vários meios - uma descredibilização do locutor, um condicionamento dos ouvintes, ou em último caso, processos de eliminação mais literais.

Trata-se de um problema de divulgação. 
A informação pode ser quebrada eliminando, circunscrevendo ou contaminando a sua transmissão.
Quando há falhas, ou fugas, os processos de minimização do problema são vários, e a utilização de meios drásticos revela-se mais prejudicial do que útil. 
Uma pequena contaminação da mensagem acaba por ser mais eficaz. O indivíduo pode até ser reconhecido, mas a mensagem transmitida acaba por ser outra (divulgam-se os romances de Garrett e Queirós, mas não os seus textos de intervenção mais literais).
O elogio do indivíduo acaba por ser prejudicial à sua obra, e ao seu objectivo. A mensagem é reduzida e condicionada, interpretada por autores posteriores, cuja ignorância dos motivos tratará de iludir o conteúdo.

O autor que preze a mensagem da sua obra tem que deixar que ela se imponha por si, sem aparecer.
A obra tem que prevalecer sobre o autor, sob pena de se confundir consigo. 
A referência ao autor, e todas as associações externas posteriores, condicionariam irremediavelmente a mensagem. A única adição necessária a uma obra é a explicação do seu contexto.