sábado, 2 de fevereiro de 2019

Ver mudo. Ver, muda. Vermuda em Bermuda

Ver que muda Vermuda em Bermuda:

Mapa de Gillaume Le Tetu (1566) - a ilha Bermuda, era aí chamada la Vermude

No mapa anterior de Le Tetu, pode-se reparar que na posição da ilha Bermuda, está escrito La Vermude, uma mudança de Bermuda no tom francês. Mas, havendo a passagem do B a V, fica mais estranho, e soa mesmo a "Vermute"... até porque mais a sul temos Martinica.

O nome Bermuda é supostamente reduzido a uma pseudo-descoberta por um piloto de Colombo, de nome Juan de Bermudez, em 1505. Não parece difícil aceitar que ficasse com esse nome, até porque no livro Legatio Babylonica (1511) de P. Anghiera, aparece um mapa com "la bermuda" e a forma gótica da letra 𝖇  sugere uma  possível confusão com um gótico 𝖛 (que pode ainda ser pior em maiúsculas, ou seja, entre 𝕭  [B] e 𝖁  [V]).
Ou seja, como habitual, confusões à espera de ocorrerem...

É certo que os próprios espanhóis usaram o nome Vermuda, como se pode ver num livro de 1673, "Arte de Navegar" de Lázaro de Flores. Isto só é mais estranho, porque querendo reportar a Bermudez, não seria natural escrever Vermudez, ou Vermuda.

Esta confusão típica entre B e V, levou-me à decomposição de Vermuda
com origem em "Ver Muda" ou ainda em "Ver Mudo", 
em português.
Teria havido na ilha da Bermuda uma presença portuguesa? Como se denominaria?
- "A boa ilha" parece ser a resposta.

Aparentemente é reportado que antes da chegada dos ingleses em 1612, a ilha teria servido como porto ocasional de navios portugueses e espanhóis.
Depois, ao mesmo tempo que se desenrolava a ocupação espanhola do território português, é sabido que ingleses e holandeses começaram a rapinar todos os mares.

No caso inglês, a ocupação começou na Virgínia e Terra Nova.
Curiosamente, neste mapa de Tetu, toda a parte da América (correspondente à costa leste dos EUA) é denominada "Florida", não se resumindo o nome à península como passou a ser comum.

Nesta incursão pelo território americano, há a célebre história de John Smith e Pocahontas, que marca essa colonização da Vírginia, mas é ao mesmo tempo (1609) que ocorre o naufrágio na Bermuda de George Somers. Consta que os ingleses adoptaram inicialmente o nome de Somers, para designar as Bermudas como "Somer Isles".
No entanto, o que encontramos num registo de John Smith (1624), poucos anos depois, é o nome "Summer Isles", o que dá um significado diferente, mais ligado ao Verão do que a Somers.

A vila de São Jorge (St. George) na Bermuda é o mais antigo estabelecimento colonial inglês, com ocupação e permanência contínua desde 1612. Pelo que podemos ver do registo de John Smith, a fortificação na Bermuda teria sido impressionante em apenas 12 anos...

Muitos destes fortes lembram... fortificações portuguesas. Mas, isso nem seria de estranhar, porque no Séc. XVI e XVII este tipo de fortificações tornou-se popular. 
Há na Bermuda, por exemplo, torres chamadas "Martello Tower", ou mais simplesmente "Martellos"... um tipo de construção que se tornou popular na Inglaterra do Séc. XIX, e que teria o nome oriundo da "Torra di Mortella" (Córsega)... 
Mas que vemos que foi construída pela primeira vez pelos portugueses, por exemplo na Índia, no Forte da ilha de Arnala (chamada pelos portugueses "Ilha das Vacas").
Torre Martelo na Ilha de Arnala (Índia portuguesa)

Pois bem.
Uma suspeita circunstancial de aproveitamento de fortificações portuguesas deixadas na Bermuda, por parte dos recentes colonos ingleses, é apenas uma suspeita muito ligeira. Mas se atendermos às rudimentares paliçadas em forma triangular, que os ingleses colocaram no Fort James em Jamestown, na Virgínia... digamos que a pedra que sobrava nas Bermudas, era quase inexistente em Jamestown, num ponto que era bem mais necessitado de defesa!

O que há do lado português?
Normalmente, ao contrário dos ingleses, os registos portugueses têm uma grande tendência a serem ignorados, a desaparecerem rapidamente, sem justificação, ou com justificações caricatas/grotescas.

Procurando num dos poucos registos sérios - mapas de João de Lisboa (1514), vemos um pouco mais.

"A boa ilha" em mapa no Livro de Marinharia de João de Lisboa (......080.TIF)

Note-se que neste mapa os Açores são designados como "Ilhas Terceiras".
É preciso aqui considerar que há ilhas que são indicações ou posições, como "Sana" ou "Ilha da Graça" (chamadas "ilhas fantasmas"). Ou ainda, a "Ilha de Santo Antão", que poderá reportar o grande banco de Meteora (Great Meteor Seamount), por estar abaixo dos Açores.
Porém, pela latitude, que é quase igual à da Madeira (32ºN), as Bermudas parecem estar assim identificadas em 1514 (ou bem antes disso), como "A boa ilha". Todos os restantes nomes das ilhas da Madeira e Açores estão bem sinalizados.

Em conclusão:
- A ilha Bermuda chegou a ser chamada "A boa ilha", talvez uma certa Ilha dos Amores, ao jeito dos Lusíadas (ainda que tenha tido o epíteto de "ilha dos diabos", talvez para despiste).
Depois houve a "Muda", a mudança do "Tratado das Tordesilhas" - que curiosamente nunca é representado no Livro de Marinharia. Essa mudança implicava uma mudança de territórios que teriam sido antes portugueses e passariam a ser espanhóis, pelo referido tratado. 
De onde os portugueses iriam ver a muda ser feita? - de certa "ver muda", Vermuda, ou Bermuda.

Tal como os Açores ou a Madeira, seria natural que pudesse ter tido um estabelecimento estável, e bem sustentado com boas fortalezas. Só que seria para ver, sim, mas para ver mudo.
Ou seja, seria uma das silenciosas ilhas não reportadas, no meio do Oceano, tal como foram Tristão da Cunha, Ascensão, Santa Helena, etc... 
Depois, quando houve o domínio filipino, com os esforços que D. António, Prior do Crato, levou a Inglaterra, no sentido de ganhar apoio para recuperar o trono, todo esse silêncio e segredos foram em grande parte revelados aos ingleses. Seria natural que, entretanto (entre 1580 e 1610) estivesse "a boa ilha" abandonada, por falta de abastecimento regular do reino.
Aparentemente os espanhóis só fizeram um esforço para a recuperar em 1614, mas talvez percebendo que os ingleses já faziam uso das fortificações portuguesas, abandonaram qualquer outra tentativa.

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