sábado, 9 de fevereiro de 2019

Index do Livro de Marinharia de João de Lisboa (1)

Uma das coisas que nunca fiz, apesar de ter falado bastante dele, foi ler o Tratado de Marinharia de João de Lisboa. Na realidade, concentrei-me apenas nos mapas aí constantes, mas dada a dificuldade em ler manuscritos antigos, uma falta de tempo, e a evidência do outro material, acabei por nunca me focar no que estava lá escrito.

Pior, se procurarmos, nem tão pouco encontramos um índice disponível com os capítulos aí constantes. A única parte a que se dedicou Luís de Albuquerque foi a um pequeno capítulo relativo ao Tratado da Agulha de Marear (página 9).

Deixo por isso aqui a primeira parte do index com o que de mais relevante aí constava.
Vê-se que as tabelas de declinações e os mapas foram inseridos entre as páginas 19 e 20 do manuscrito original. É por isso perfeitamente natural pensar que foi uma inserção posterior. É tão natural isso, quanto analisar os mapas e concluir que eram mapas existentes em 1514, porque a representação aí constante pára nesse ponto. As inclusões de nomes posteriores ocorreu, é claro, mas isso não deturpa os mapas sem as alterações, como seja o caso do globo de João de Lisboa.

Normalmente, já nem sequer gosto de olhar para os mapas, porque sei que vou descobrir mais coisas, e não vale rigorosamente de nada. 
No entanto, como acabei por olhar e ver, não vou deixar de assinalar duas ou três coisas acerca do mapa que tem o Golfo do México, ali chamado "Enseada dellucatão":


(i) O mais natural é que o nome original fosse "Enseada de Catão" ou "Cataio", ligando à mítica China, também designada "Cathay". Aqui já se processava a transformação dos nomes portugueses em espanholês, e daí ficar "Enseada de lo Catão", e por mau entendimento do espanholês, a coisa foi escrita/entendida como "del Iucatão", e Iucatão acabou por ficar, justificado por uma salganhada de pseudo-nomes indígenas. Porque razão se processava esta transformação? Por razão do Tratado de Tordesilhas, e do compromisso de D. Manuel de dar todo o Hemisfério Ocidental aos espanhóis. Não só dar, como também educar na dádiva...

(ii) Assinalo também no mapa o nome "c.delcanaverall". É o Cabo Canaveral de onde partem os foguetes da NASA... Os espanhóis por lapso foram-lhe chamando "Caña Real", e assim consta dos mapas (por exemplo num mapa de Ortelius de 1584). Alguém depois deve ter corrigido bem o nome.

(iii) Aparece ao lado "b joão ponçe", que deveria depois corresponder à Ponce de Léon Bay, mas aqui João de Lisboa assinala outro sítio, talvez porque o espanhol desembarcou num sítio diferente ao que lhe disseram. Aparece ainda a "baia omda", e mais uma vez esta é colocada como Honda nas Florida Keys, demasiado a sul, face à localização original, que seria Tampa Bay.

(iv) Poderíamos ir continuando, mas ficamos pela antecipada menção a Vila Rica e Vera Cruz, já que o desembarque espanhol de Cortés apenas aconteceu aí em 1519 (ou seja, cinco anos depois do mapa). É especialmente curioso não haver nenhuma localização da cidade do México, ou até das pirâmides Maias, o que poderá significar que o conhecimento português estava muito circunscrito à parte costeira, sem qualquer contacto interior. Com efeito, a única edificação (castelo) que aparece no mapa é muito mais a sul, na zona actual das Honduras.

Será ainda engraçado perceber que o Rio Mississipi já aqui se chamava Rio Espírito Santo, nome que é suposto ter sido usado por Hernando de Soto em 1542. Será interessante ler o relato do português que o acompanhava, pela mão, nesta expedição:


Segue a primeira parte do índice do Tratado de Marinharia, sem mais comentários.

------------- Tratado de Marinharia de João de Lisboa - Índice (1) ------------

Breve tratado de marinharia com alguns exemplos que falam acerca da altura

1. Exemplos (emxempros)
1. para saberes quanto estas de uma terra que vires pela proa

2. Achando-vos onde houver fluxo ou refluxo de águas fareis vossa cota da maneira seguinte

3. Regra para saberes demandar uma ilha

4. Capitº. Como se há de cartear para qualquer dos polos. 4. Capº. Segundo
4v. Capº. Terceiro. Capº. Quarto

5. Capº. Quinto. Capº Seisto
5v. Capº. Sétimo. Capº Oitavo

6. Capº. Noveno. 
6. Regra para saberes a parte de onde te noresteia ou nordesteia tua agulha
6. Fim

7. Regimento para tirar a declinação pelo quadrante e assim mesmo para saber todo o tempo em que lugar está o sol em qual quer dos sinos ou em quantos graus dele estiver
7v. Capitº da maneira que o Sol se move para fazer sua declinação

9v. Aqui se começa o Tratado da Agulha de marear achado por João de Lixboa no ano de 1514...
9v. Capitº primº do comprimento da agulha de marear para verdadeiramente saberes a diversidade das agulhas.
9v. Capitº segundo da maneira que se há de fazer a caixa
9v. Capit. terceiro como se há de forçar a caixa de fora

10. Capitº 4º para saber como se há de tomar a estrela do norte pela agulha de marear
10. Capº quinto em que declara como haveis de tomar a estrela do sul.
10v. Capº. em que declara como hás de ter as agulhas nas mãos

11. Capº em que se declara onde havemos de tomar este meridiano vero: e assim a quantidade da 4ª. E depois das outras começam do equinocial para os polos do mundo
11. Capº em que declara como se acha de tomar altura em uma torre ou a qualquer outra cousa que quiserdes.
11v. Capº da declaração do meridiano
11v. Capº dezeno

12. Regimento para em uma carta de marear dares pelo manifesto: e para saberes por ela dar a quantidade de um grau pelo qual quer paralelo em que se faz em uma poma te mostra Regra em plano.
12. Regra para saberes pelo astrolábio quantas horas tem o dia.
12v. Lembrança dos dias que o Sol cursa mais da banda do norte que da banda do sul. Os quais são.
12v. Da maneira que hás de tirar as marés em terras novas: ou em outras quais quer terras que quiseres saber como correm.

13. Regra para saberes as Marés, a que hora do dia são.
13v. Regimento de marinharia para saberes quanto te arredas da costa por cada quarta que fores.
13v. Isto é para dares e saber dar Razão de ti

14. Outras perguntas.
14. Estees são os paralelos e quanto vale cada quarta da agulha que te norestear ou nordestear.
14v. Regimento para saberes quantos graus tomas no astrolábio em qual quer dia do ano ou em qual quer terra que estiver
14v. Regimento da altura do Sol quando ainda da banda do norte

15v. Regimento do Sol da parte do Sul
15v. Regimento para tomares altura do norte: é para saberes com se deve tomar a estrela do norte pela agulha de marear

16v. Das tabuletas (tavoletas)
16v. Regimento do Cruzeiro do Sul: e como deves de tomar a estrela do sul

17. Regimento da Estrela do Sul para saberes o que levanta e a baixam e faz dos graus de Rota a Redor do polo de alto e baixo.
17v. Regimento da altura do Sol: pela banda de cima do astrolábio de menos trabalho e melhor.
17v. Regimento da estrela da barca

18. Regimento do cruzeiro do sul
18. Regimento para tomar o Sol pela balestilha
18. Regra das festas
18. Os áureos números de todos os anos

19. As três Regras escritas mais largas e com suas contas feitas
19. Regimento da Estrela do Norte
19v. Declaração para saberes as léguas que vale cada um dos Rumos da agulha
19v. Declaração para saber quando é meia-noite pela estrela do norte

(Tabelas de declinações)
Ano primeiro - Janeiro - Fevereiro - Março
Ano primeiro - Abril - Maio - Junho
Ano primeiro - Junho - Agosto - Setembro
Ano primeiro - Outubro - Novembro - Dezembro

Ano segundo - Janeiro - Fevereiro - Março
Ano segundo - Abril - Maio - Junho
Ano segundo - Junho - Agosto - Setembro
Ano segundo - Outubro - Novembro - Dezembro

Ano terceiro - Janeiro - Fevereiro - Março
Ano terceiro - Abril - Maio - Junho
Ano terceiro - Junho - Agosto - Setembro
Ano terceiro - Outubro - Novembro - Dezembro

Ano bissexto - Janeiro - Fevereiro - Março
Ano bissexto - Abril - Maio - Junho
Ano bissexto - Junho - Agosto - Setembro
Ano bissexto - Outubro - Novembro - Dezembro

(Mapas)
- Terra do Lavrador; Os Bacalhaos;  Ilhas Treseiras (Açores)

- Emseada dellucatão; Costa da nova espanha; nõbre de deos; as amtilhas; mar dos ull do nombre de deos; costa de peru

- as amtilhas; Rio das almazonas; ho maranhão

- as seis ilhas; R da prata; estreito dos magalhãis

- ho manhão; c de samtagustinho; costa do brasill; martim vas; as seis ilhas

- a grã canaria; ilhas do cabo verde; ho maranhão; ho brasill; cabo de samtagustinho

- martim vaz; ilhas de tristão da cunha

- tera dos bacalhaos; Islamda; Imgratera (Inglaterra); Ilhas terçeiras; llixboa; çafim

- allemanha; Imgratera; framdes (Flandres); frãca (França); llixboa; castella; çafim; africa

- çafim; africa; a gra canaria; as ilhas do cabo verde; guine; tera do brasill

- as camboas; guine; I de sã tome

- I de sã tome; ho comgo

- (mapa da costa oriental africana, da áfrica do sul até ao equador)

- (mapa de madagáscar e ilhas da costa oriental africana)

- Mar d Alexandria; Jerusalem; Mar Caspeo

- (mapa do Golfo Pérsico e Índia ocidental)

- (mapa de Malaca e Índia oriental)

- China

- (mapa de Malaca, Maluco, Timor, etc)

- (globo) nova espanha; peru; tera nova; brasill; guine; prestes joão; allemanha; turquia; persia; china; japão; maluco; jaoa; nova ginea; c. da boa esperança

(Tabelas de declinações)
Janeiro - Fevereiro - Março
Abril - Maio - Junho
Junho - Agosto - Setembro
Outubro - Novembro - Dezembro

Janeiro - Fevereiro - Março
Abril - Maio - Junho
Junho - Agosto - Setembro
Outubro - Novembro - Dezembro

Janeiro - Fevereiro - Março
Abril - Maio - Junho
Junho - Agosto - Setembro
Outubro - Novembro - Dezembro

Janeiro - Fevereiro - Março
Abril - Maio - Junho
Junho - Agosto - Setembro
Outubro - Novembro - Dezembro

20. Alturas das terras da linha equinocial (Quanuncial): Até ao cabo de finis terra
20. Aqui começam as alturas (cabo de Lopo Gẽz até Cabo da Boa Esperança)
20v. Alturas do Cabo da Boa Esperança até Moçambique
20v. Alturas da Costa do Brasill


15 comentários:

  1. Caro Alvor,

    Este seu post promete, admiro a sua "descoberta" do tratado de marear, e, como já tive oportunidade de confidenciar, acho que este é provavelmente o documento mais valioso sobre a época dos descobrimentos alguma vez (re)encontrado.

    Sobre o ponto (i) c.canauerall, canadas e canados, canas, tempestades tropicais e os açores:
    1º Arundinaria
    https://en.wikipedia.org/wiki/Arundinaria
    Endémica dos EUA (e querem que seja entendida como única), especificamente, da costa ESTE, do SUL, entre a Virgínia e Florida.
    2º Gulf Stream
    A corrente do Golfo (Gulf Stream) explica o porquê desta suposta migração da espécie endémica da florida para o nordeste dos EUA.
    https://oceancurrents.rsmas.miami.edu/atlantic/img_mgsva/gulf-stream-YYY.gif
    Fonte: https://oceancurrents.rsmas.miami.edu/atlantic/gulf-stream.html
    Como vemos na imagem, a corrente deriva o material purgado por uma tempestade, no atlântico, viajando para ESTE na direcção dos Açores.
    3º Açores
    Gago Coutinho e o seu comentário sobre detritos que vão dar à costa nos Açores, vindos do continente americano: https://alvor-silves.blogspot.com/2018/04/dos-comentarios-36-cana-da-canada-e.html
    Espécies de Arundinaria nos Açores:
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Arundinaria_pumila
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Arundinaria_tessellata
    4º Leitura de c. canaueraII
    c.canaveraII -> cabo cana ver aii
    c.canaveraII -> cabo cana veraii -> cabo cana vera aí

    Cumprimentos,
    Djorge

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    1. De facto, sem os mapas do Tratado de Marinharia, muitas conclusões teriam sido muito mais difíceis, ou pelo menos, teriam sido mais especulativas.

      Acho que a informação de Varnhagen, que além de colocar João de Lisboa como piloto de Magalhães, diz que o aparecimento deste manuscrito seria de "transcendente importância para a história geográfica", é suficiente para percebermos que este Livro de Marinharia é mesmo uma preciosidade...
      Foi pena que ele não o tenha visto.

      Eu também nunca vi nada de semelhante, nem sabia que ele existia, mas sei que não foi difícil encontrá-lo, porque afinal de contas em 2009 ele estava já no mesmo sítio que está hoje - disponível a quem o quiser ver.
      Ainda comprei a Portugaliae Monumenta Cartographica na esperança de que estivesse lá alguma informação para explicar tudo isto. Não tinha nada, só o registo de quem tinha sido o dono, etc... nem uma palavra sobre a inconsistência histórica dos mapas. Faziam a datação ao contrário... ou seja, como referia o Japão, tinha que ser posterior à sua descoberta oficial, posterior a 1545, por exemplo.
      Se hoje alguém escrevesse lá Myanmar, com a mesma letra, pois teria que ser posterior a 1989. Com este tipo de abordagem, não há comunicação possível.

      Pois, é bem provável que o nome canaveral tenha esse tipo de etimologia, talvez um inicial "cana-verá", justamente no sentido de reencontrar as tais canas que acabavam por ir parar aos Açores pela corrente do Golfo.

      É muito difícil ler o que está escrito... a caligrafia não é das mais fáceis.

      Mas já agora, é de perguntar outra coisa. No meio das viagens pioneiras para a Índia, onde ficaram os nomes dos supostos descobridores?
      Não há um único ilhéu, uma baía, um cabo, que tenha ali ficado com o nome de Gama?
      Do que consegui ver do texto, não há uma única referência às viagens da malta conhecida... é como se não tivessem importado ao assunto.
      Poderia dizer-se - "aqui sigam a rota de Vasco da Gama", mas não vi nada disso, mas também ainda não vi o suficiente.

      Abraço.

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    2. De facto muito é curioso!
      Nunca me tinha dado conta desse pormenor, será que os nomes eram dados pelos e aos pilotos, enquanto as rotas ficavam a título do capitão?
      Alvares Cabral não tem ilhas com o seu nome, nem mesmo o arquipélago de Fernando Noronha, por onde certamente passaram ao largo?
      No entanto, Tristão da Cunha tem, Go-nçalo Alves tem as ilhas (Gough), o Magalhães teve um estreito, se bem que nos mapas do Tratado de Marinharia, é o Estreito "dos" Magalhães como se já soubessem o nome dos pinguins que hoje ostentam a memória do explorador, ainda assim são de facto poucos, nem Albuquerque, nem os Gamas, nem os Roiz, nem os Pires, nem os Dias, nem os Cabrais, nem os Cãos.

      No entanto, e segundo um link para um ensaio que postei em https://alvor-silves.blogspot.com/2019/01/dos-comentarios-44-antarctida-e-o-canado.html além dos Bisagudos envolvidos no relato da descoberta do Brasil, aparentemente, também os houve na "descoberta" da Austrália por ordem dos Albuquerque comandados por Pachecos.

      No entanto, nomes para ilhas "descobertas" por navegadores, apenas conheço as 2 do Atlântico Sul, se houve mais pelo Índico, foram encobertas pelas companhias que ali dominaram.

      Abraço,
      Djorge

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    3. Não sabia dessa Gough Island, que é de facto Gonçalo Álvares.
      Foram tantas ilhas descobertas, que essa pertencendo ao arquipélago de Tristão Cunha, passa despercebida. É mais uma vez dito que Gonçalo Álvares seria capitão de uma armada de Vasco da Gama em 1505:

      https://en.wikipedia.org/wiki/Gough_Island

      Depois, lá está, ficou com o nome do inglês que a redescobriu 200 anos depois, e ainda por cima a assinalou mal. Tudo normal.

      Estou convencido de que o grande problema era justamente a "redescoberta".
      Todas essas ilhas teriam sido encontradas ao tempo do Infante D. Henrique, para não dizer mesmo antes disso (a exploração durante o tempo de D. Afonso IV, ou de D. Fernando, creio que foi muito assinalável, e muito secreta).

      As ilhas teriam o nome dos navegadores originais, e a menos que fossem capitães os netos com os mesmos nomes, as ilhas arriscavam a ficar com nomes diferentes.
      Os Gamas tinham descobertas assinaláveis na Passagem Noroeste, onde havia a Angra dos Gamas, mas não no caminho da Índia.

      Uma hipótese bastante provável é que, no início, quando os templários vieram para Portugal, com D. Dinis, trouxeram o capitão genovês Manuel Pessanha, que desde o reinado de D. Dinis até D. Pedro foi sendo responsável pela marinha.

      Com uma certa probabilidade, um dos navegadores genoveses de Pessanha trouxe-lhe notícias da América ou da Índia, e talvez até se chamasse Colombo... e por isso quando foi dado esse trabalho a um novo Colombo "genovês", pode ter sido no sentido de honrar o nome do outro. Sempre achei estranho que o filho de Francisco de Almeida tenha baptizado de Colombo a capital do Ceilão...

      Essa é a explicação que encontro com mais sentido para esse baptismo com nomes que faziam pouco sentido à época dos descobrimentos, mas poderiam ter feito muito mais sentido numa época de exploração anterior, bem encoberta.

      Abraço

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  2. Boa tarde a ambos, tudo bem?

    Excelente trabalho entre os dois! Deviam levar essa colaboração mais a sério.

    Não são só as ilhas que deveriam ter nomes portugueses. Ando a ler história Trágico- Marítima Vol II e ocorreu-me que os portugueses deverão ter sido os primeiros europeus a ver tanta bio diversidade pelo mundo fora. A biologia deveria estar repleta de termos portugueses. Quantos animais e plantas terão sido "descobertos" por portugueses? Terá sido para ocultar esta primazia portuguesa que a ciência mais tarde resolveu nomear tudo em latim? Vá lá escapou o cupressus lusitanica (originário da América central) que me ocorre assim de repente, que mantém a ligação aos portugueses.

    E não é estranho chamarem os portugueses, cavalos marinhos aos hipopótamos que nada têm de semelhante entre uns e outros e nem sequer dão para montar? Só consegui esta ligação através do caro Da Maia.

    "A partir de certa altura, a forma mais comum que se encontra a encabeçar a proa, nas moedas fenícias, não é nenhum cisne, mas sim um hipocampo (ou seja, um grande cavalo marinho... nome que é usado também para a sede da memória no cérebro)"

    https://alvor-silves.blogspot.com/2016/03/

    Ab

    JR

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    1. ;) Obrigado, João.
      Sim, acho que a colaboração é óptima, e quando está boa, o que há a mudar?

      Tem toda a razão, e esse é um ponto importante.
      De facto, o uso de terminologia latina foi ideia sueca do Lineu, e dada a rivalidade entre todas as nações, acabou por ser uma solução sensata para meter algum consenso.

      Havia antes o hábito de escrever em latim, mas isso foi-se perdendo, e creio que isto era mais natural ser pensado por alguém que não falava uma língua dominante.
      A maçonaria deverá ter apadrinhado a ideia.

      No entanto, temos o nosso Garcia da Orta, de quem ainda não tive oportunidade de ler os seus tratados que incluem descrições botânicas, mas está na lista... e espero não perder pela demora!

      Quanto ao hipocampo, o "cavalo marinho", tem um nome parecido com o hipopótamo, cuja tradução literal seria mais "cavalo do rio".
      Eu sei que não é essa a questão, mas nesse postal, o que tentava mostrar era a semelhança entre a representação dos navios, com uma cabeça de cisne - tradição germânica de Lohengrin, ou com uma proa fenícia de cavalo marinho, e que no fundo as duas se poderiam confundir.
      Tudo isso estava ligado à descoberta de âncoras e navios, inscrustados nas minas, perto de Basileia...

      Abraço.

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  3. Bom dia,

    Sim, eu sei, o outro post nada tinha a ver mas foi uma pequenina ligação ao facto bizarro de se chamar cavalos marinhos aos hipopótamos.

    Aconteceu muito mais tarde mas ao falarmos de História Natural não podemos deixar de mencionar a Viagem Philosophica (1783-1792) pela Amazónia de Alexandre Ferreira, cujo espólio se pode encontrar no Museu de História Natural de Coimbra. Já visitei e recomendo vivamente.

    https://www.uc.pt/org/historia_ciencia_na_uc/Textos/museu/gabhistoria

    Ab

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    1. Pois, segui o link da UC e lê-se:

      "... foram transferidos para Paris por ocasião das invasões francesas, fazendo hoje parte do acervo do Museu de História Natural de Paris. "

      Transferidos? Fazem hoje parte do acervo de Paris?

      É sabido que os franceses foram gatunos sem vergonha. Não devolvendo, são.
      Que nunca se tenha exigido a devolução do espólio roubado, e se ache até natural que o acervo esteja em Paris, pois isso é só de pacóvios.
      Ou seja, foi só vantagens - menos uma despesa para a Coroa durante séculos; nem tivemos que pagar o envio para Paris; e eles que cuidassem do que roubaram.
      Melhor, quando quisermos ver, pomos o fato de domingo e vamos à capital, a Paris.

      É que este caso nem é comparável com outras queixas, habitualmente feitas pelos egípcios e gregos.
      Isto era material de museu, e foi simplesmente roubado para outro museu.
      Pior, nunca foi devolvido.
      Pior, terá havido cá quem se prestasse a oferecer o que não era seu, e não achasse que era importante exigir o espólio nacional.

      Abraço.

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  4. Caros,

    Para entendermos a extensão da coleção; animal, botânica, cartográfica e literatura que existiu em Portugal, à data das primeiras invasões Francesas, graças à Convenção de Sintra (https://pt.wikipedia.org/wiki/Convenção_de_Sintra), estamos limitados a procurar nas bibliotecas de Inglaterra e de França.

    Pois o que resta em territórios de língua oficial Portuguesa, não faz justiça ao conhecimento que tínhamos acumulado até à fatídica data em que voltamos a recorrer de um tratado. Sem memoria do passado, esquecemo-nos do que teria acontecido aquando da primeira vez que esse tratado fora invocado.

    Encontrei um relato muito detalhado, do que aconteceu, nas Chronicas dos reis de Portugal.
    «in» Chronicas dos reis de Portugal, Volume 2 pg. 322 e 323 - Chronica delrey dom fernando
    Link: https://books.google.pt/books?id=Ay1MAAAAcAAJ&pg=PA323&lpg=PA323&dq=QUEM+FOI+IOAM+VICENTE&source=bl&ots=34EtX0koNf&sig=ACfU3U0MThdA8M-Z_JhUXuKRqDDr2wEppw&hl=en&sa=X&ved=2ahUKEwiTp6Xjn4HgAhUbA2MBHbkTDk4Q6AEwBnoECAkQAQ#v=onepage&q=QUEM%20FOI%20IOAM%20VICENTE

    "...Os Portugueses que forão alegres com a vinda do Ingreses por virem ajudar a vingar os Castelhanos, começarão a entender os males que trazem as ajudas da gente de guerra que se pede a estranhos. Porque muito moor he o dano que elles fazem, ha mester contra elles outra defensão. E assi os Ingreses, tanto que forão aposentados em Lisboa, não como homêes que erão chamados para offender & destroir, & buscar fota a desonra aos moradores della, começarão a se estender pela cidade, matando & roubando, & forçando molheres, & mostrando tanto desprezo & dominio contra os naturaes, como se forão seus capitaes inmigos. E o moor mal de todos era, não teerem a quem se queixar. Porque a el rei não o ousavão fazer, por quanto tinha postas grandes penas, que ninguem os anojasse. E quando alguem se lhe queixavam, dizia elle que fosse ao Conde, o qual a isso dava mao remedio, & com isto lhe parecia que satisfazia aos queixosos. Chegou a cousa a tanto, que o Conde mandou, que tivessem os homêes das quintaas & casaes o pendão de sua devisa, que era hum falcão branco em campo vermelho, & o que não tinha era roubado. E o mesmo fazião aos lavradores & pessoas que trazião bestas com mantimentos, os quaes se não mostravão os pendões que lhes os Ingreses vendião por certa cousa, erão roubados. E não soomente se atrevião com a gente do povo, mas como mesmo Rei. Porque vindo hum dia suas azemalas de buscar agoa, lançarão mão dellas, & as tomarão, dizendo, que el Rei lhes devia soldo, & que o que querião penhorar, & se o Conde as não mandara tonar lhe ficarão. E chegando certos daqueles Ingreses a casa de hum Ioam Vicente, jazendo elle ja na cama som sua molher, & hum seu filho pequeno, que ainda era de mama, baterão aa porta, que lhe abrisse, & não ousando elle de o fazer, lha quebrarão, & entrarão dentro, & começarão a ferir ao marido. A molher com temor delles pôs o menino ante de si, por a não ferirem, & nos braços della o cortou hum pelo meo com a spada, que velo foi um cruel spectaculo. A mai levou aquelle menino assi partido a el Rei. Mas elle não ousou fazer naquelle caso justiça, & mandou que o levassem ao Conde. Desta maneira mandava el Rei ao Conde muitas vezes fazer queixume, rogandolhe que não consentisse aos seus destroir a terra, ao que elle acodia froxamente.
    Assim ião pelo termo de Lisboa roubar, & matavão quem lhe resistia. E erão tam daninhos, que se a hum vinha vontade de comer huma lingoa de huma vacca, matavão a vacca, & tirada alingoa, deitavão o mais a longe, & assi fazião ao vinho & outras cousas. Por a qual razão, assi como lhes ião dando cavallos, os mandava el Rei a riba de Guadiana, aas fronteiras. Mas elles em vez de entrarem per Castella para o que forão chamados, volvião contra Portugal sobre riba Tejo a roubar quanto achavão..."

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  5. Como resultado:

    “….nos lugares per que passavão fazião tanto dano nos pães, vinhas, & gados, & assi atormentavão homêes para lhes descobrirem onde tinhão os mantimentos, como se eles forão os Castelhanos, para cuja vingança forão vindos a Portugal. Os insultos que fazião erão tam grandes, que as gentes se começarão a vingar deles o mais secretamente que podião. De maneira que matrão deles tantos, que de três partes as duas forão mortos per susas culpas…”

    Destaco ainda a opinião do cronista:

    “… Isto se contou tam meudamente para se entender quanto devem fugir os Principes, & Republicas, de trazer a seus reinos & casas ajudas de estrangeiros, pois a gerra que cuidavão fazer aos imigos fazem primeiro aos seus…”

    Cumprimentos,
    Djorge

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    1. Pois, esse é mais um caso... já que na Convenção de Sintra, os ingleses comportaram-se mais como aliados de franceses do que de portugueses.

      O reinado de D. Fernando é uma certa incógnita, já que houve grande conveniência em tratá-lo como incapaz, para favorecer a necessidade de promover o Mestre de Avis.
      Sem dúvida que deixou o país perante a ameaça de capital em Toledo, pois aquele casamento da filha com o rei espanhol foi um completo desastre.

      O cronista Duarte Nunes de Lião também é uma personagem razoavelmente fiável, mas não sei se o ambiente em Portugal de Filipe II será uma boa medida de avaliação do comportamento inglês... porque na altura havia guerra declarada entre a Inglaterra e Espanha+Portugal.
      Ou seja, parece mais natural esse tipo de informação aparecer nessa altura do que antes, quando as relações eram de suposta amizade. Não sei...
      De qualquer forma é bastante interessante o registo, e é certo que chamando lobos para a capoeira, coitadas das galinhas.
      Foi igualmente difícil vermo-nos livres da regência de Beresford, depois da expulsão dos franceses.

      Abraço.

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  6. Pois, sempre os politicamente correctos (cobardes). "transferidos", dá vontade de rir, ou de chorar...

    Isso lembrou-me uma notícia de alguns anos atrás que acho que não deu em nada:

    https://www.publico.pt/2009/12/11/jornal/natalia-correia-guedes-defende-recuperacao-de-pecas-roubadas-nas-invasoes-napoleonicas-18392291#gs.zEGsnrIB

    Entretanto achei isto:

    http://ensina.rtp.pt/artigo/o-espolio-roubado-do-cabinet-de-lisbonne/

    Ab

    JR

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    1. Pois... não terá dado em nada, como é óbvio!
      Iria dar muita despesa ao Estado, e assim sempre se argumenta com o roubo.
      Mas, lá está, com o passar do tempo, esse tipo de herança começa a pesar, e os franceses também já não devem querer muito daquilo que levaram.
      Daqui a pouco começam a vender e ainda vamos ter que comprar o que foi roubado... por custos de conservação. Ou seja, é mais ou menos como um ladrão lhe devolver as jóias que roubou, e apresentar-lhe uma factura de conservação, pelo tempo que esteve com elas.
      Afinal, como está o nosso sistema, até para termos dinheiro no banco temos que pagar o custo de manutenção... por isso não falta muito que tenhamos que pagar a quem nos roubar dinheiro, também pelo custo de manutenção.

      Abraço.

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  7. Há ainda outra questão, nesses 2 artigos, pois o que eventualmente poderia estar em causa, é o que "não está" em exposição, ou seja, material que os museus Franceses, ou não consideram de interesse público, ou não valorizam suficientemente para expor. Isto pode suceder pelo estado em que se encontram (falta de dinheiro para manutenção das coleções), pela dimensão das mesmas, ou, como o da Maia comentou, pela soma das duas, isto é, o custo de manutenção vs. valorização da coleção.
    É importante reparar, o que neste momento se encontra em exposição, não está nem imagino que alguma vez venha a estar em causa.
    Penso que o que, nesses artigos se falava, eram das "migalhas", aquilo que roubaram em excesso e que agora ocupa muito espaço nos armazéns para manter.
    Isto para mim, é mais preocupante pois, podem-se perder coleções, en-cobertas em seguros. Seguros estes que por diversas razões poderão ser acionados, como no caso do recente incêndio no Museu Nacional do Brasil.

    Cumprimentos,
    Djorge

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    1. No caso do Museu do Rio de Janeiro, bem como geralmente nos museus estatais, não há seguro, porque o risco é grande, e o valor das perdas é inestimável.
      Os seguros só serviriam para alguém ligado aos partidos obter mais uma renda à conta do erário público... uma actividade rentável, que é desporto nacional.

      Sim, mas neste caso acaba tudo por ser algo ridículo... vai enchendo sotãos, arrecadações, etc. Esperando talvez que alguém roube, para libertar espaço e satisfazer necessidades de colecções privadas. Resta esperar que nessa altura ganhem vergonha.

      Abraço.

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