O correspondente grego do dilúvio é protagonizado pelo filho de Prometeu, Deucalião, cuja barcaça encalha não no Monte Ararat, mas sim numa encosta do Monte Parnaso, perto de Delfos.
Delfos, que se torna famosa pelo oráculo de Apolo, e cujo nome deriva dos delfins que Apolo montou para derrotar a serpente Píton (ou pitão), formada das lamas do Dilúvio, uma serpente filha da Terra (Gaia), que guardava o umbigo do mundo.
Onfalo, ou umbigo, em Delfos
Há certamente outros umbigos do mundo, uns colocados em Jerusalém, outros no Tibete, India, etc... mas interessa-nos aqui o assunto grego pela grande informação associada.
Jerusalém seria umbigo do mundo na concepção T-O de Isidoro de Sevilha (e imagem do séc. XV),
(o T surge da terra na divisão entre Europa, Ásia, África, circundada pelo O oceano).
Teria sido no cordão umbilical de Delfos que Reia (ou Gaia) escondera Zeus (Jupiter), evitando-lhe o destino funesto que o pai Cronos (Saturno) reservava aos seus filhos.
Há assim uma certa associação entre a mudança civilizacional que ocorre pelo mito diluviano.
O dilúvio teria sido decisão de Zeus para terminar com a Idade do Bronze, a idade de ouro, pela falta de culto e respeito aos deuses pelos humanos. Tem obviamente um correspondente directo com a Epopeia de Gilgamesh e, tal como a história de Noé, poderá ser um conto adaptado sobre o mesmo assunto. Pode estar ainda associado à transição entre Zeus e Cronos...
A rebelião levada a cabo pelos titãs tem dois interpretes interessantes.
Por um lado, Atlas é condenado a suportar o mundo nos ombros, nas Colunas de Hércules. Por outro lado, Prometeu é agrilhoado e condenado a suportar uma tortura de 30 000 anos de ver uma águia a dilacerar o seu fígado.
Em ambos os casos será o humano, dito semideus, Hércules que aliviará a pena de ambos os titãs que ousaram contra o poder do Olimpo. Hércules tem demasiados registos humanos históricos para que possa ser visto como uma simples evocação do panteão divino.
Mas Hércules surge já num período pós-diluviano, quando os titãs "agentes do Caos" tinham sido derrotados pelas forças da ordem olímpica.
Perante a ordem de destruição diluviana, Prometeu avisa o filho Deucalião que se salva numa barcaça que encalhará no Monte Parnasso, em Delfos.
Se historicamente o final da Idade do Bronze termina com uma invasão de Povos do Mar, mitologicamente ficará associado ao dilúvio marítimo.
A este dilúvio grego também se associa Ogyges, fundador de Tebas, na altura chamada Ogígia.
As coisas tornam-se mais claras com a referência a Cadmus, de que já aqui falámos...
Na sua procura pela irmã Europa, Cadmus irá refundar Tebas, então chamada Cadmeia.
Se a confusão parece aumentar nas histórias, fica mais clara quando é dito que o Oráculo de Delfos teria solicitado que o nome da cidade fosse o mesmo do que a Tebas egípcia!
Propositadamente, será vontade dos deuses, agentes da ordem divina contra o caos popular, que se faça a confusão entre a Tebas egípcia e a Tebas grega.
A Cadmus, de origem fenícia, é ainda atribuída a introdução do alfabeto na Grécia.
Há um claro reconhecimento de influência... mas o contexto é já outro.
O novo contexto é o contexto de obedecer aos deuses para refazer a História...
Se o alfabeto é originalmente escrito no sentido poente, pelos fenícios, e depois pelos hebreus ou árabes... na tradição greco-romana a ordem é invertida - a escrita será feita no sentido nascente!
O ponto dessa alteração parece ter sido definido por Cadmus, após a visita ao oráculo.
A inversão da escrita poderá parecer ocasional, mas é civilizacional - o Oriente escreve em direcção a Poente, o Ocidente escreve em direcção a Nascente.
E o Ocidente sai sempre vencedor, mas com um bom rival colocado a Oriente.
Os pares Ocidente/Oriente vão-se suceder... um Egipto rival Sumério, uma Grécia rival de Tróia, da Fenícia, e a Macedónia rival Persa, uma Roma rival de uma Cartago de ascendente Fenício. A separação do Império Romano, de que sobreviverá a estratégia fragmentária do Papado Romano Ocidental, e o rival árabe oriental, que na altura dos descobrimentos passará a persa e otomano. O poder espanhol que se desloca ainda mais a ocidente, a uma Inglaterra, e depois aos Estados Unidos, que encontram novos rivais Orientais, na Rússia, e agora na China.
Enquanto o Ocidente não se desloca, a sua história não existe. A Grécia procurava as suas raízes inexistentes quando o Egipto florescia, os Romanos teriam que suprimir os Etruscos, ocidentais fora de tempo, e entretanto os Gregos de Bizâncio passaram a Orientais, tal como os Egípcios do Cairo.
Os hispânicos teriam que ignorar a herança ocidental dos Turdulos e Tartessos, fora de tempo, tal como os ingleses e franceses ficariam reduzidos a uma tosca herança megalítica celta. Já para não falar nos norte-americanos, cuja civilização pré-colombiana era quase rupestre.
O poder divino deixou o mundo progredir com uma vitória ocidental controlada, sendo que não há mais Ocidente a ocidente, e o ciclo terá sido completado.
Voltamos a Tebas...
A sua ligação ao Egipto não fica pelo nome, torna-se mais clara pela referência ao mito de Édipo.
Édipo derrota a Esfínge, numa adivinha ridícula, mas o importante é que a mesma Esfínge surge portentosa, não em Tebas, mas sim em Menfis, no Egipto, junto às pirâmides... ou ainda em Tebas, na avenida de esfínges de Carnac.
Avenida de Esfínges em Carnac, Tebas.
O amor civilizacional grego parece aqui aceitar numa metáfora a sua progenitora Egípcia, com quem colaborará. A recuperação do tema incestuoso edipiano em "os Maias", de Eça de Queirós, poderá não ter sido completamente alheio... numa altura em que Freud iria recolocar o assunto, do complexo de Édipo, de forma definitiva como assunto de pedo-psicologia.
É ainda em Tebas que Jasão trairá Medeia, que o auxilara na sua questa em busca do Tosão de Ouro, cedendo a um casamento de poder que o levará a Creusa, filha de Creonte. O mesmo Creonte que Édipo teria deposto anos antes, após derrotar a Esfínge. Não importava a dedicação externa, ela seria ignorada pela potência ocidental.
As civilizações não-helénicas, representadas por Medeia, seriam enjeitadas ao amor civilizacional grego, repudiadas pelos interesses políticos internos, apenas porque o mundo que interessava era o circuito interno helénico.
A clivagem era necessária, e as tentativas românticas entre Alexandre e Roxana, entre César ou Marco António e Cleópatra, estavam destinadas ao fracasso... os amores possíveis com o oriente seriam até incestuosos, falando dos registos civilizacionais maternos, gregos ou egípcios. As crianças deveriam nascer sem a perigosa ligação materna, que acumularia informação geracional.
E de novo voltamos à questão primordial: O Ocidente, que surge não se sabe de quem, nem de onde, vence.
ResponderEliminarPorém, permanece invisível. Claramente, sem História nem Patrimómio. Como se durante Milénios, tivesse sido Terra de Ninguém...