sexta-feira, 27 de maio de 2011

Os nomes e as serras

No seguimento do post Âncoras Suiças (2), fomos encontrar a citação de Buffon sobre a Serra da Estrela,  mencionada na "Geografia" de Patrick Gordon (aqui edição de 1737, p. 143) :
In a Lake on the Top of the Hill Stella in Portugal, are found Pieces of Ships, though it be distant from the Sea more than twelve Leagues. Near to Raja, is a Lake observable for its hideous rumbling Noise, which is ordinarily heard before a Storm, and that at the Distance of five or fix Leagues. About eight Leagues from Coimbra is a remarkable Fountain, which swallows up, or draws in, whatsoever Thing only touches the Surface of its Waters; an Experiment of which is frequently made with the Trunks of Trees.The Town of Bethlem (nigh to Lisbon) is noted for the sumptuous Tombs of the Kings of Portugal.
Esta "geografia" de Gordon é minimal e tem que ser inserida numa estranha mistura entre objectividade e subjectividade... Será interessante ainda conhecer a descrição que Gordon fazia dos portugueses: "tirem-se as (poucas) qualidades dos vizinhos (espanhóis) e têm aí um português", marcando especialmente um carácter traiçoeiro que atribuía a forte mistura ou influência judaica no reino, após as descobertas.

Pulo do Lobo
A descrição de Gordon está inserida num tópico sobre "raridades", onde sobre a Espanha fala por exemplo do avistamento de um "barco feito de pedra" no Porto de Mongia, na Galiza... e para além de referir a lenda dos Pilares de Hércules em Cádiz, menciona algo que já tínhamos lido sobre o Guadiana - as suas águas desapareciam, algo que podemos associar à zona do Pulo do Lobo.
Guadiana - imagem aérea da cascata do Pulo do Lobo

Ou seja, é provável que o estreitar do Rio Guadiana (antes chamado Ana), ali com uma queda de 20 metros, se fizesse sob a rocha, que entretanto abateu... e por isso o efeito do rio desaparecer sob terra já não é visível hoje, mas pode ter sido no passado.

Serra da Estrela (de Alva)
O mito da Serra da Estrela já o tinhamos encontrado num texto de 1804 do padre Francisco do Nascimento Silveira, no Mappa Breve da Lusitania Antiga e Galliza Bracarense. Silveira fala da Lusitania com a sua origem em Luso ou Elisa e descreve várias particularidades interessantes - umas mais credíveis do que outras. 
Se Tubal, neto de Noé, ficou associado à Iberia, o padre António Vieira associou Elisa, sobrinho de Tubal,  ao nome Lusitânia/Lysitânia. Elisa é irmão de Tarsis, e vizinhos aos lusitanos estavam os tartéssios, a que se associa Tarsis.
Silveira faz mesmo referência aos Campos Elísios, salientando que Homero coloca esse paraíso terrestre nas terras do Oceano Ocidental.
Por outro lado, lembramos que Elisa era o outro nome associado a Dido, a mítica rainha fundadora de Cartago. Para não dispersar, deixamos para outra altura falar de Lysias, o filho de Baco, que também consta da mitologia lusitana... Baco foi talvez o único que Camões decidiu usar. Comportou-se como exigido na mitologia, para poder encriptar nos Lusíadas a sua versão da história recente.

Sobre a Serra da Estrela, Silveira fala da toponímia ligada a uma rocha em forma de estrela, ou de um Templo a Lucífer - entendendo-se aí Vénus, como Estrela de Alva (que era diferenciada na sua aparição a Poente, com o nome Hesper). Seria assim Serra da Estrela de Alva... algo que ele parece querer confirmar falando logo de seguida da tripla origem dos rios Alva, Mondego e Zêzere, algo que já foi mencionado.

Porém, o mais relevante é quando menciona a "Lagoa Escura" e diz
(...) a qual, quando o mar anda bravo se enfurece também, dando bramidos como trovão, motivo porque os naturais crêem que comunica com o mar, e ainda mais o asseveram os que sabem, que João Vaseo, escreve que nela já foram achados troços de mastros de navios.
O relato a que alude Gordon, Buffon e depois Tylor tem o autor identificado, é João Vaseo... e por aí fomos chegar às curtas referências que restam de um "insígne gramático" contemporâneo de João de Barros, Gaspar Barreiros, mas cujo nome nos tem sido afastado.

Fonte de Cadima
Aparentemente numa sua Crónica de Hespanha, João Vaseo fala ainda da tal fonte que tudo absorvia, conforme afirmava Gordon. Fomos encontrar esse relato num site Novo Aquilégio que fala da Fonte de Cadima, associando-a aos Olhos de Fervença, próximos de Tentúgal. Não se conhecendo a obra de Vaseo, é usada uma citação de um Aquilégio Medicinal de 1726 (pág. 115), de Francisco Fonseca Henriques, que diz:
No lugar de Cadima, distante duas léguas da Vila de Tentúgal, comarca de Coimbra, há uma fonte ou charco, que tem de altura um palmo de água, a que os da terra chamam Fervenças, a qual sorve tudo quanto nela se lança, ainda que sejão cousas que nela não cabem , e segundo escreve João Vaseo na Crónica de Hespanha, e depois dele o Padre António Vasconcelos, e Duarte Nunez de Leão nas descrições que escreveram de Portugal, já sucedeu que sorveu arvores inteiras, que de propósito se lhe lançaram, para ver se as sorvia, e chegando-lhe uma besta, a ia sorvendo, de maneira, que com grande trabalho tiveram mão nela.
Olhos de Fervença, a fonte de Cadima (imagem)

À época a fama desta fonte seria bem maior, mas terá sido destronada pelos pastéis de Tentúgal... se existiram alguns olhos de outra dimensão, que ali colocaram na escrita quase a descrição de um mini-buraco-negro, tratou-se de fantasia ou pelo menos fenómeno ocasional (o Aquilégio de 1726 dá conta de fenómeno semelhante na Vila do Cano, em Évora). Vaseo teria ainda tentado relacionar Cadima com uma descrição de Plínio, do chamado Campo Carrinense, que os espanhóis localizam como sendo as Fontes Carrionas.
Ainda que com dificuldade, é interessante ter conseguido ir buscar a origem do relato - João Vaseo, primeiro eminente gramático e depois enterrado nas areias do tempo.

Monte do Cantaro
Não acaba aqui a referência à Serra da Estrela, e no Archivo Popular de 1839 aparece uma outra informação interessante. Para além de ser dito que a Serra estava continuamente coberta por neve (não é a primeira vez que lemos isto), fala-se numa pirâmide, de rochas naturais, no topo da Serra, e é então chamado o "Monte do Cantaro".
É claro que hoje temos a informação de que o ponto mais alto é a zona da Torre, mas é natural considerar que o Cântaro Magro, com a sua forma singular, seria tido como o pico.
 
O Cântaro Magro e os 3 Cântaros (Gordo, Raso, e Magro)

Desconhecia a designação dos Cântaros... ou a estória de que a povoação do Carvalho tinha obrigação de aí colocar um cântaro, mas a denominação particular é conhecida dos montanhistas.

Para finalizar o apontamento, que já vai longo, encontrámos ainda o Dicionário do Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal, que no Volume 9, de 1880, já refere as neves restritas aos meses de inverno, e que sobre a antiga vila de Serdaça diz a certa altura:
A 200 metros de distancia, passa o rio Mondego, e fica também próximo o monte do Cântaro (o Olympo dos antigos). Deste monte brotam trez caudalosos mananciaes de cristalinas águas, que dão origem a trez rios — o Mondego, o Alva e o Zêzere.
Desconheço igualmente a razão pela qual Pinho Leal se vai lembrar de associar o Monte do Cântaro ao "Olimpo dos antigos"... parece descabido e de pretencioso nacionalismo exacerbado. É interessante notar que o início do Séc. XIX aparece bem mais frio do que o final do mesmo século... e não só! Apesar dessas neves constantes na Serra da Estrela, Silveira afirma que a Serra de Montejunto seria a mais alta de Portugal... hipótese que também é mencionada no Archivo Popular, mas descartada.

Serra do Caramulo
Não deixamos de assinalar uma outra formação estranha, que é relatada no Archivo Popular, e por Silveira... as rochas empilhadas no topo da Serra do Caramulo - que são ainda hoje bem visíveis, mas menos conhecidas do que os chapéus da Páscoa:


Talvez se pretenda que as formações sejam naturais, ou que sejam celtas, ou quiçá até romanas... não faço ideia e já nada espanta... a arqueologia às vezes parece-se resumir a inventar a melhor estória que cole nas duas ou três possibilidades oficiais.

4 comentários:

  1. E que me diz da Rocha da Mina(Alandroal). Uma tarde, depois de uma intensa e infrutífera exploração em busca do Santuário de Endovélico descobri aquela preciosidade, praticamente desconhecida, mas com toda a certeza mais importante

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  2. É muito interessante ter mencionado isso.
    Encontrei uma referência às Memórias de Vila Viçosa, de Joaquim Espanca (muito provavelmente familiar de Florbela Espanca... o que tem a sua revelação própria), que em 1880 dizia:
    "
    Ainda não ouvi memorar inscrições achadas nos Vilares do Alandroal (não querendo, todavia, negar que tenham aparecido: o que pode ser). De minas antigas do Alandroal e seu termo não tenho conhecimento, porquanto a do Bugalho ou Ferrarias é situada na freguesia de S. Brás dos Matos, pertencente ao termo de Juromenha(...)"

    ... e não encontro mais registos antigos sobre isso, sendo que este já se queixa da falta de referência.

    Sobre a relação entre os Espanca:
    http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=119043&fview=e
    o 2º artigo mostra que o Padre Joaquim Espanca era da família de Florbela. Esse mesmo padre foi referenciado na Arqueologia, por Leite de Vasconcelos.

    É minha opinião que a associação ao Endovélico creio ter sido invenção dos Romanos, para abafar o verdadeiro culto antigo que era centrado em Hércules e outros antepassados, como já aqui referi:
    http://alvor-silves.blogspot.com/2010/05/por-tubal.html
    o próprio nome Endo-bélico terá uma decomposição estranha, cujo significado é "Guerra-Interna".

    As formações da Rocha de Terena são muito interessantes, e verei se consigo encontrar mais informação... estas coisas encontram-se mais facilmente quando se procuram outras!

    Obrigado!

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  3. Sei que no site da Câmara Municipal têm alguma informação. Na altura pesquisei na internet e sei que encontrei muitas informações. Mas o melhor, penso, é ir àquele local, e sentir...

    Muito curioso o nome da ribeira que passa junto da Rocha da Minha, Lucefecit = fez-se luz!

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  4. Cara Olinda,

    o que consegui compilar, com alguns pózinhos extra, acabei por publicar em resposta em
    http://alvor-silves.blogspot.com/2011/06/rocha-estrombolica.html

    Obrigado pela colaboração, e cumprimentos!

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