sexta-feira, 24 de julho de 2020

A massa da maça que amassa e maça (3)

No texto anterior (2) sobre este tema pareceu-me interessante considerar a datação que junta eventos entre 10 mil a.C. e 4 mil a.C. num espaço de apenas mil anos, ou menos. Há várias razões para isso, normalmente negligenciadas ou ignoradas: (i) o fim do aparecimento de novas espécies, ligado a uma menor exposição a radiação; (ii) um dilúvio com o aumento mínimo de 200 metros do nível do mar; (iii) a ausência de registos significativos nesse espaço de tempo.
Vejamos qual será uma datação típica da pré-história, seguindo por exemplo, a wikipedia (inglesa):
  • Paleolítico superior (fim)
  • 14 000 a.C. – Bisontes de barro esculpido na gruta Le Tuc d'Audoubert
  • 12 800 a.C. – Período húmido começa. A região do Saara é húmida e fértil.
  • Mesolítico
  • 12 500 - 9 500 a.C. – Cultura Natufiana, sedentária com centeio, caçadores-colectores.
  • Neolítico
  • 9 400 - 9 200 a.C. – Cultivo de figos na vila neolítica de Gilgal (prox. Jericó, Israel).
  • 9 000 a.C. – Círculos com pilares em T erguidos em Göbekli Tepe (Turquia).
  • 7 000 a.C. – No norte da Mesopotamia, começa o cultivo de centeio e trigo (Çatal-Huyuk).
  • Calcolítico
  • 3 700 a.C. – Escrita cuneiforme na Suméria e primeiros registos.
  • 3 300 a.C. – Morte de "Ötzi the Iceman", com machado de cobre.
  • 3 000 a.C. – Começa Stonehenge com 56 postes de madeira
A opção de colocar estes eventos não é minha, e a parte da escrita cuneiforme não deveria pertencer à pré-história, sendo clara aqui a vontade de chegar até Stonehenge, quando nessa altura seria apenas um esboço com estacas de madeira...
No entanto, ilustra bem um salto de 5000 anos, entre Gobleki Tepe, com os seus berrões, ou então um salto de 3000 anos de Çatal-Huyuk até aos primeiros registos de escrita cuneiforme na Suméria. 

Na hipótese adoptada no texto anterior, os valores de Carbono-14, mais pequenos antes, não resultam de tempo passado, mas sim de uma grande alteração climática, ocorrida há 6 mil anos, que libertou radiação (do Sol ou do interior da Terra), que derreteu os gelos, e fez as últimas alterações significativas nas espécies animais, inclusive na nossa...

Assim, os eventos do "neolítico" reduzem-se c. 5000-4000 a.C., num rápido desenvolvimento de uma cultura atlântica, hoje completamente enterrada debaixo de uma plataforma que está a 200 metros de profundidade, na sua principal extensão. Extensão essa, aliás, que é bastante regular e uniforme.

Gobleki Tepe pode servir de modelo para aquilo que restou da cultura atlântica, no sentido de uma  agregação da população dispersa, sobrevivente ao dilúvio c. 4000 a.C. (10 mil a.C. na datação usual), com a finalidade da restauração de uma ordem religiosa. Ao que consta, o monumento foi propositadamente enterrado, talvez na tentativa de apagar esse registo para a posterioridade.
Gobleki Tepe (Turquia) a menos de 700 Km do Monte Ararat

Em Gobleki Tepe estavam alguns berrões, mas vemos na imagem (topo da pedra), as famosas "Bolsas de Capivara" associadas depois aos Anedotos (ou Annunaki), em particular a Dagon.

Um poder religioso ter-se-à assim exibido nas montanhas turcas, e floresceu ao ponto de outorgar uma monarquia universal, conforme Manuel Figueiredo enunciava: Sete Monarquias, onde um poder iniciado na Mesopotâmia, será depois passado para Alexandre e os seus generais, depois para César e para os romanos e bizantinos, e depois para Carlos Magno com os sacro-imperadores germânicos.
Uma redução histórica interessante, que deixaria como secundário o papel do Egipto.

Nessas monarquias de Figueiredo não estava nenhum Hércules, mas esse Hércules aparece na história ibérica, desde o tempo dos autores gregos e romanos. Não foi, como tantos pretenderam, uma invenção de Bernardo Brito, ele aliás pega apenas numa história/estória que andava solta, contada parcialmente aqui e ali. Fernão de Oliveira, muito antes de Brito, conta uma história muito semelhante. Mas ainda antes, a própria Crónica de 1344, tem uma história para Hércules.

A Crónica de 1344 
Alfonso X (o sábio), rei castelhano (1252-84), decidiu reunir os documentos dispersos sobre a história de Espanha (entender como Ibéria) e compilar em diversos volumes
de que Pedro Afonso, filho de D. Dinis, e Conde de Barcelos, fez uma adaptação nacional, a chamada Crónica de 1344. Por exemplo, nas páginas dessa crónica está a figuração de D. Afonso Henriques, com o seu pai, o Conde D. Henrique:

Conde D. Henrique e D. Afonso Henriques na Crónica de 1344 (só existe a versão espanhola) 
onde se lê que "El conde don enrique fue de terra de bisanco e caso con doña theresa ..."
(ou seja, dando suporte à versão Borgonhesa da dinastia, numa origem em Besançon)

No site pedrodebarcelos.wixsite.com/cronica1344 estão algumas coisas sobre este assunto, mas apesar do financiamento público, estas coisas acabam por nunca estar acessíveis a quem paga - ou porque os links desaparecem, por incúria, desleixo ou incompetência, ou porque estão sob restrição em cópia interna na Biblioteca Nacional Digital... who cares?

Mas para os efeitos, de todos aqueles críticos que dizem que Bernardo de Brito inventou "isto e aquilo", também "La Estoria de Espanna", tem versões ditas "fabulosas" de Hércules.

Ou seja, já na Idade Média, antes de Anio de Viterbo, por falta de informação documental, começou-se a definir uma história parcialmente baseada em mito, com invenção, onde os nomes de lugares se associavam a nomes de pessoas, etc. O ataque ad hominem feito a Bernardo de Brito, quase como inventor solitário (que não foi, e esteve longe de o ser), é um ataque fácil ignorando tantos outros que o antecederam... esses são tidos como credíveis, mas é com base neles que se fez grande parte da história medieval oficial.

Pedro de Barcelos e Bernardo de Brito
A vinda de Hércules à Hispania é assim assunto de Alfonso X que Pedro de Barcelos vai recuperar de forma muito semelhante, nos seguintes capítulos:
  • Cap. 5 - De como Hercules foi dado a criar e a quem e quantos homens foram os que este nome houveram e dos feitos que fez Hercules depois que foi crescido.
  • Cap. 6 - Como Hercules entrou em Espanha e como divisou a povoação de Sevilha e das coisas que aí fez.
  • Cap. 7 - Como Hercules partiu de Sevilha e como pelejou com Gedeão [Gerião] e o matou. 
  • Cap. 8 - Como Hercules povoou Tracona [Tarragona] e outros lugares e das outras coisas que ele fez em Espanha.
  • Cap. 9 - Como Espam [Hispano] ficou por rei da Espanha e como corregeu a terra.
que se podem comparar com capítulos da Monarchia Lusitana de Bernardo de Brito:
  • Cap. 9: De como o tirano Gerião se apoderou do Reino de Espanha, e do que em Lusitania sucedeu até à sua morte.
  • Cap. 10: De como os filhos de Gerião reinaram em Espanha, e da vinda de Hércules Líbico contra eles, e como o mais que se passou até sua morte.
  • Cap. 11: De Hispalo e Hispano, reis de Espanha, e do que sucedeu no tempo de seu reinado em Espanha.
  • Cap. 12: Do tempo em que Hércules reinou em Espanha, e dos favores que sempre fez aos Lusitanos.
  • Cap. 13: Do tempo em que na Espanha reinaram Hespero e Atlante Italo, das guerras que entre si tiveram, e da fundação de Roma, feita por gente Lusitana.
Para vermos como esta presença de Hércules na Ibéria era ponto comum entre os antigos, citamos a tradução de Diodoro Siculo, historiador grego, contemporâneo de César. Diodoro é uma das referências que Bernardo de Brito vai usar e citar:
Eurystheus then enjoined upon him as a tenth Labour the bringing back of the cattle of Geryones, which pastured in the parts of Iberia which slope towards the ocean. And Heracles, realizing that this task called for preparation on a large scale and involved great hardships, gathered a notable armament and a multitude of soldiers such as would be adequate for this expedition. For it had been noised abroad throughout all the inhabited world that Chrysaor, who received this appellation because of his wealth, was king over the whole of Iberia, and that he had three sons to fight at his side, who excelled in both strength of body and the deeds of courage which they displayed in contests of war; it was known, furthermore, that each of these sons had at his disposal great forces which were recruited from warlike tribes. It was because of these reports that Eurystheus, thinking any expedition against these men would be too difficult to succeed, had assigned to Heracles the Labour just described. But Heracles met the perils with the same bold spirit which he had displayed in the deeds which he had performed up to this time. 
After Heracles had slain Antaeus he passed into Egypt and put to death Busiris, the king of the land, who made it his practice to kill the strangers who visited that country. Then he made his way through the waterless part of Libya, and coming upon a land which was well watered and fruitful he founded a city of marvellous size, which was called Hecatompylon, giving it this name because of the multitude of its gates. And the prosperity of this city continued until comparatively recent times, when the Carthaginians made an expedition against it with notable forces under the command of able generals and made themselves its masters. And after Heracles had visited a large part of Libya he arrived at the ocean near Gadeira, where he set up pillars on each of the two continents. His fleet accompanied him along the coast and on it he crossed over into Iberia. And finding there the sons of Chrysaor encamped at some distance from one another with three great armies, he challenged each of the leaders to single combat and slew them all, and then after subduing Iberia he drove off the celebrated herds of cattle. He then traversed the country of the Iberians, and since he had received honours at the hands of a certain king of the natives, a man who excelled in piety and justice, he left with the king a portion of the cattle as a present. The king accepted them, but dedicated them all to Heracles and made it his practice each year to sacrifice to Heracles the fairest bull of the herd; and it came to pass that the kine are still maintained in Iberia and continue to be sacred to Heracles down to our own time.
Diodoro fala de Crisaor, como rei da Ibéria, com uma enorme riqueza em ouro, e com três filhos, chamados Geriões, o que daria a sugestão das 3 cabeças. Este Crisaor aparece na Teogonia de Hesíodo, enquanto irmão de Pégaso, o cavalo alado, ambos resultantes da morte da Medusa por Perseu.

Para Diodoro, Hércules é grego e está ao serviço de Euristeu, com a missão de trazer o gado dos Geriões. Confirma a sua saída da Líbia, depois de matar o rei Busíris, que Brito entende como rei fenício... e neste ponto Brito faz uma história mais agregadora.
Para Brito, Gerião tem 3 filhos, a que chama Lomínios, e o nome Minos será associado a um análogo de Crisaor - o rei Minos, que transformava em ouro o que tocava.
Em Brito, o primeiro a defrontar Gerião é Osíris/Zeus, pai de Hércules, que andaria a conquistar toda a Europa - neste aspecto faz aparecer a lenda de Osíris/Zeus raptando Europa.

Apesar de matar Gerião, Osíris deixa os Lomínios no poder, e será morto no regresso ao Egipto depois de conquistar a Itália, e aqui faz aparecer a mitologia egípcia na sua morte pelo irmão Tifão/Seth, e na ascensão de Hórus/Hércules, filho de Ísis e Osíris.
Hércules, depois de se livrar de Tifão, irá à Ibéria, segundo a Crónica de 1344 acompanhado do astrónomo Atlas, para derrotar os Lomínios, ou Gedeão segundo Pedro de Barcelos.

Há diversas versões para estas estórias, mas têm alguns pontos em comum que Brito terá procurado agregar. A versão de Brito conjuga com dois reis egípcios de maça (ver primeiro texto) - Osíris que seria o rei Escorpião, e Hércules que seria Narmer ou Menes, seu filho.

Agregação plausível
Não irei entrar em mais detalhes, mas pareceu-me que se poderia daqui retirar alguma coisa plausível das diversas estórias.
Voltando aos momentos pós-diluvianos, se do lado ocidental se procurava reerguer uma civilização atlântica, ou atlante, afundada no degelo; no lado oriental, uma elite refugiada num poder religioso definia civilizações que iriam pôr em causa essa reconstrução.
Por vontade desses deuses, as torres de Babel teriam que cair, e as línguas teriam que ser misturadas.

Crisaor, Gerião e Caco podem ter sido nomes de chefes ocidentais que tiveram que defrontar as primeiras invasões vindas de oriente, no sentido de manter o poder da elite refugiada a oriente. Convém aqui lembrar que uma região caucasiana também se chamou Ibéria... ou seja, no tempo dos gregos existia a Ibéria ocidental, hispânica, e a Ibéria oriental, no Cáucaso.

Pelo lado do "regime", os heróis dessas primeiras invasões tiveram nomes gloriosos, como Osíris/ Zeus/ Júpiter, ou Hórus/ Herácles/ Hércules (Melqart para Fenícios)... gloriosos porque foram religiosamente colocados num panteão divino.
O culto popular a Hércules na península ibérica durou até à época dos descobrimentos!
Só foi destruído com a mudança de poder maçónica, que se seguiria.

Existindo, Hércules não terá feito mais do que era hábito... pode ter construído algo, mas muito mais provável, o que já era construído, passou a seu nome. Coisas que eram "do tempo de Hércules" passaram a ser "de Hércules". O mesmo fez depois Trajano, que associou a si muito do que era chamado "de Hércules".

Das monarquias egípcia e mesopotâmica, o poder foi passado a outro estado vizinho do Cáucaso - a Grécia, mas não pela democracia. A passagem só ocorreu na monarquia de Alexandre Magno, tal como a passagem de Cleópatra para Júlio César só ocorreu quando César iniciou a fase imperial de Roma.

César foi colocado a par de Hércules, porque teria sido finalmente ele a subjugar definitivamente a parte ocidental, da Hispânia até à Gália.

Os reinos orientais desapareceram definitivamente, ou foram completamente mergulhados num apagamento histórico. Para esse papel foi fundamental o fundamentalismo islâmico, que agregou do nada, em poucos anos, uma potência impressionante, que manteve a Europa sequestrada às suas fronteiras, durante séculos. Receita semelhante foi usada na China pelas invasões mongóis.

De assírios, sumérios, babilónios, ou egípcios, pouco ou nada restou... os gregos tiveram direito a respirar de novo no Séc. XIX, mas grande parte da sua cultura foi mantida e recuperada pelos primos da Europa ocidental.

A arma que foi sempre garante de poder, consistiu em manter os povos como órfãos sem história, pois seriam sempre crianças num mundo ficcionado.

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