sábado, 4 de julho de 2020

With Brasil, ne with grain of Portingale

Passando mais de 10 anos, já vai longe o tempo em que me dediquei ao tópico dos descobrimentos, e entenda-se bem, da sua propositada ocultação, desde o seu início até hoje. 
Essa ocultação era a tese única, a que chamei tese de Alvor-Silves, e mantém-se inabalável.
Incluíam-se aí os Painéis de S. Vicente, e são daquelas coisas, em que não gosto de falar, porque sendo óbvias, mexer nelas normalmente expõe que o período de nojo se mantém.

Uma coisa seria não haver documentos, e essa versão foi por mim engolida durante décadas, sem me preocupar com o assunto, pensando que estava bem entregue aos especialistas, ditos historiadores.
Outra coisa, completamente diferente, é haver uma quantidade enorme de documentação que, por interpretação enviesada, nunca será suficiente, e é depois escondida, negligenciada, etc...
Tudo isto porque há uma agenda internacional, meio-maçónica, que vai mantendo o status quo.

Vem este texto motivado por uma troca de comentários com João Ribeiro, em que se fala da pretensa descoberta do Brasil pelo espanhol Pinzon, em 1499. 
A descoberta do Brasil é já de si um assunto marginal, que só faz sentido no contexto de que Colombo não fazia ideia por onde andava, e à conta disso ainda hoje chamamos índios aos nativos americanos, e durante séculos a América foi entendida como Índia Ocidental, mesmo depois de desfeito o equívoco. Colombo visitou o continente americano, em concreto a Venezuela, só em 1498, provavelmente até depois de Pacheco Pereira ter chegado ao Brasil, a mando de D. Manuel.
Numa das expedições subsequentes em 1499, Pinzon terá descido pela costa venezuelana até à costa brasileira, e como essa "grande expedição" está documentada, para nuestros hermanos a descoberta do Brasil seria sua.
Só que Pinzon foi onde não podia ir, ou conforme disse D. João II, a propósito da viagem de Colombo, esses territórios estavam reservados à descoberta de Portugal. Se na altura de Colombo, era porque as Caraíbas estavam abaixo do paralelo das Canárias (Tratado de Alcáçovas), no caso de Pinzon era porque o Brasil estava no lado português do Meridiano de Tordesilhas. 
No caso de Colombo, foi algo inútil argumentar com os espanhóis, porque eles não percebiam minimamente por onde andavam... mas no caso de Pinzon, já sabiam o suficiente para perceberem que se tinham que calar. O pau brasil era português.

Pau brasil (Paubrasilia echinata) - a árvore de Pernambuco e a cor da sua seiva (jardimcor.com)

Lembrei-me então dos Contos de Canterbury (1387-1400), de Chaucher, onde no final do Nun's Priest's Tale (conto do sacerdote da freira), se refere à cor escarlate do pau brasil. Procurando o texto, fui dar com uma nota à citação de Chaucer, que diz o seguinte:

With Brasil, ne with grain of Portingale,
que é como quem diz (ver interpretação do "ne" em Chaucer):
"(Nem) com brasil, nem com grão de Portugal".

A nota é colocada por Josiah Conder "The Modern Traveller... Brazil" (Volume 1), 1825, que aproveita para notar que o nome brasil já existiria antes do Brasil ser descoberto, e que no inventário do rei inglês Henry V (1413-20), surgem "grandes peças de Brasil..."

Normalmente é dito que as peças de brasil vinham da Índia, pelos mercadores árabes, etc, etc, porque também no Ceilão havia um pau similar, que se denomina Sappan. Depois acha-se curioso, o brasil do Brasil ter mantido o nome, deixando o suposto brasil original como sappan!

Mas este é só o primeiro detalhe... o segundo detalhe é - que raio de coisa é o "grão de Portugal"?
Isso é outra conversa, porque a expressão desapareceu por completo.
Trata-se do grão-escarlate, que era supostamente importado de Portugal, e seria uma cor vermelha, denominada hermes ou quermes, que substituíra a púrpura fenícia enquanto tom de nobreza, e que era obtida de milhões de insectos, sendo depois substituída na produção pela cochonilha mexicana, usada para pinturas pelos indígenas.

O problema, está-se a ver, é que aparece o nome de Portugal misturado com o pau brasil e com a cochonilha mexicana, já que não consta ter existido em Portugal nenhuma indústria de insectos para a produção de corantes. Poderia ainda dizer-se que Portugal era um centro comercial, de distribuição de produtos exóticos... mas falamos de 1387, e não do Séc. XVI.

A conclusão muito simples, que se retira, é que, após os acordos comerciais feitos com D. Fernando, e prolongados com D. João I, certas coisas que Portugal tinha iam para a Inglaterra...
Entre essas coisas estava o pau-brasil, e provavelmente o grão-escarlate, que era obtido no México.

Ou seja, há fortes razões para suspeitar que já no tempo de D. Fernando os portugueses para além de terem chegado ao Brasil, e talvez ao México, andavam a comerciar os produtos que ali obtinham.
Citando Camões, no Canto X (140):
Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
Parte também, co pau vermelho nota;
De Santa Cruz o nome lhe poreis;
Descobri-la-á a primeira vossa frota.
Ao longo desta costa, que tereis,
Irá buscando a parte mais remota
O Magalhães, no feito, com verdade,
Português, porém não na lealdade.
Fica por saber, que "primeira vossa frota" era esta, se a de Cabral foi segunda?

________________________
Nota adicional (06/07/2020):
João Ribeiro deixou ainda um comentário acerca da proveniência do Cipreste português, cujo nome científico é Cupressus Lusitanica, que foi plantado na Serra do Bussaco, fazia mais de cem anos, e foi entendido como árvore nacional, sendo com efeito originária do México. 
No Bussaco, o cipreste de S. José é um dos maiores com 5,40 metros de perímetro, sendo estimado datar de 1640 ou antes. Outro que está em Lisboa, no jardim do Príncipe Real, é suposto ser mais recente, mas tem curiosamente quase o mesmo perímetro (4 metros).

A árvore mais larga do mundo (que se conheça) é um destes ciprestes, chamado cipreste de Montezuma, ou Arbor del Tule, no México, e esse tem mais de 42 metros de perímetro:

Acerca deste bicharoco, há quem especule 6000 anos...

13 comentários:

  1. Muito interessante.
    Interessantíssimo.

    Só creio que as suas conclusões são apenas hipóteses... pouco prováveis, mas hipóteses.
    Mas mais importante: Não se deixe abater com estas coisas dos encobrimentos e dos descobrimentos.
    Creio que faz um muito bom trabalho e que é deveras extremamente importante que mantenha e aprofunde "aqui" as suas investigações.

    Quanto à descoberta da América acho que foi descoberta pelo Norte, pela Terra Nova nos 1470s.
    Depois, a partir daí, creio que os Portugueses foram investigando para Sul, ao mesmo tempo que iam descobrindo ilhas das caraíbas como descrito no "Descoberta do Brasil".
    À medida que desciam pela costa de África, cartografavam também a Costa Americana.
    A emergência de Azetecas, Incas e Maias no século XV também me parece suspeita, bem como a sua mitologia que referia "homens brancos vindos do Atlântico".

    Mas, caro Alvor Silves, o seu grande mérito é que consegue com uma certa facilidade apontar os momentos quase exactos e levantar possibilidades práticamente certas que desvendam a saga dos descobrimentos.

    Não deixe de ir por aí.
    Faça uma grande compilação dos seus achados, tire toda e qualquer dúvida possível de ser tirada (sim, eu sei... permanecerão sempre...).
    Certamente a Verdade triunfará sobre a (((Maçonaria))) sempre que a Verdade fôr atingível.

    Cumprimentos,
    IRF

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    1. Obrigado pelo comentário, IRF.
      Sim, é verdade que as conclusões parecem mais conjecturas do que teses.
      No entanto, se reparar bem, o que digo é:

      A conclusão muito simples, que se retira, é que, após os acordos comerciais feitos com D. Fernando, e prolongados com D. João I, certas coisas que Portugal tinha iam para a Inglaterra...

      Ora, isto não é conclusão, é mesmo resultado dos acordos comerciais iniciados com D. Fernando e depois versados em acordo de Windsor com D. João I. Havia trocas nos dois sentidos...

      Como juntei a frase:
      Entre essas coisas estava o pau-brasil, e provavelmente o grão-escarlate, que era obtido no México.

      propositadamente parece que na transação ao tempo de D. Fernando e D. João I, haveria trocas de pau-brasil e grão-escarlate. Ora, que o pau-brasil fez parte das transações, isso resulta da oficialização da descoberta do Brasil, e se não foi antes, depois foi concerteza...
      Quanto ao grão-escarlate, também se pode concluir isso, pelo nome associado... restando o "provavelmente" para a origem ser o México.

      Já se sabe que tudo isto pode ser manietado como sendo mais uma das centenas ou milhares de coincidências.
      Só que as coincidências valem individualmente, e deixam de o ser em conjunto.

      Pode um suspeito dizer que o tipo na câmara de vídeo é um sósia, depois que é coincidência ter a voz semelhante, que aparecem os seus documentos no local do crime porque alguém os roubou e os pôs lá, etc, etc, pode ir sempre arranjando desculpas.
      Só que ao fim de duas ou três provas concordantes, é acusado e vai a julgamento...
      Só no caso da nossa elite maçónica é que, por mais provas que se juntem, valem sempre as coincidências, ou a nulidade nalguma burocracia processual.

      Terá razão, e é correcto apresentar a crítica de que não posso concluir que o pau-brasil era comerciado antes do descobrimento do Brasil. Mas qual é a alternativa?
      Dizer que chegava pelos mercadores árabes, então e onde estão esses registos, que os nossos burocratas-historiadores gostam?
      Como explicar que o grão-escarlate fosse identificado com Portugal, se não há registo de nenhuma produção. Claro que se poderá inventar, em último caso... mas olhando para o Archivo Popular, em 1837, que tem um extenso artigo sobre a Cochonilha:

      https://books.google.pt/books?id=PW0-AAAAYAAJ&pg=PA175

      verá que nada se diz de nenhuma tradição de Portugal no assunto.

      O que se pode concluir?
      Concluo, que para os ingleses era daqui que o vermelho vinha, logo era grain of Portingale, e como a coisa é mesmo particular do México, fica complicado concluir outra coisa, que não seja já haver um contacto... mas por via das dúvidas, deixei o "provavelmente".
      Aliás, se virmos o escarlate nos Painéis de S. Vicente, creio que tirando um bocadito de tinta e enviando para análise se poderá tirar alguma conclusão... oops, já deixei uma ideia!

      Não se preocupe, que eu fiquei vacinado contra a malta das maçãs e dos mações, nem me aborrece muito a falta de divulgação, etc... mas é só que também gosto de dizer "o que me vai na alma".

      Cumprimentos

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    2. O meu comentário era mais geral do que o âmbito deste post...

      Mas ainda assim, para ser claro, digo que tenho muitas dúvidas que o tal grão escarlate viesse do México quando aparentemente por todo o Sul da Europa havia essa "Tradição" segunda a wikipedia.

      Quanto ao Pau-Brasil... isso sim, isso parece-me muitíssimo interessante.
      Mas daí o meu comentário: O Alvor-Silves convence-se que o Pau-Brasil vinha do Brasil e que não é necessário "mostrar mais". Eu quero esse "mostrar mais".

      Mas digo que sim, que este pau brasil no século XIV ou XV é muitíssimo, muitíssimo suspeito.

      A wikipedia dizia que no Sul da Europe havia a colecta de uns insectos esquisitos que faziam o tal tom vermelho.

      Quanto à sua última frase... o que este blogue tem de eespecial é que não é só um espaço de desabafo. Mas a sua exposição sistemática (principalmente) das farsas dos Descobrimentos... isso sim... a sua Tese Alvor Silves... isso é que é importante compilar, organizar, registar...

      Escreva o livro (se puder)!

      Cumprimentos,
      IRF

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    3. Caro IRF, entendo a observação, mas se a tradição era do Sul da Europa, com centro em Itália e Sicília, por que razão haveria de se chamar "grão de Portugal"?

      Essa tradição era chamada normalmente "grão" apenas, veja aqui:

      https://en.wikipedia.org/wiki/Kermes_(dye)

      Quanto ao pau brasil, podemos dizer que ele vinha das Índias, do Ceilão, ao que parece, onde há muito Sapã (sappan).
      Mas aí caímos na historieta oficial de que as importações orientais vinham pela rota da Seda, em maior grau para Veneza e Génova, não para Lisboa...
      Pode-se dizer que meter o pau brasil e o grão de Portugal na mesma frase, não implica que o pau brasil viesse de Portugal. Certo, mas nesse caso convinha saber dos registos de pau brasil na Itália no Séc. XIV.
      Há? Eu não conheço.

      Outra hipótese seria Portugal já ter chegado à Índia nessa altura... coisa que irei sustentar entretanto, daqui a um ou dois postais.

      Cumprimentos.

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    4. Sim, tem razão.
      Não faz muito sentido a história oficial.
      Só não estou convencido que sabemos ou está provada a origem dos produtos no Brasil e no México.

      Não divergimos muito. É só uma questão de intensidade.
      Essa da chegada prematura de Portugal à Índia parece-me muito interessante, é que mal consigo imaginar...

      Cumprimentos,
      IRF

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    5. Bom, eu não acho que Portugal tivesse tido contacto com a Índia antes de Vasco da Gama.

      O que está escrito é que a navegação portuguesa teria chegado ao Índico antes de 1450.

      Tal como também está escrito que o Infante D. Pedro tinha chegado com um mapa onde estava definido o Cabo da Boa Esperança e com o Estreito de Magalhães.

      Coloquei isso na Wikipedia, mesmo na inglesa, há uns anos:

      -----------------------------
      Accounts before Magellan

      In 1563, António Galvão reported that the position of the strait was previously mentioned in old charts as Dragon's Tail (Draco Cola):[a]

      [Peter, Duke of Coimbra] brought a map which had all the circuit of the world described. The Strait of Magellan was called the Dragon's Tail; and there were also the Cape of Good Hope and the coast of Africa. ... Francisco de Sousa Tavares told me that in the year 1528, the Infant D. Fernando showed him a map which had been found in the Cartorio of Alcobaça, which had been made more than 120 years before, the which contained all the navigation of India with the Cape of Good Hope.[10]

      This, however, would suggest that the strait was mentioned in maps before the Americas were reportedly first "discovered" by Europeans. Consequently, the claim has been considered dubious.[8][b]

      ------------------

      Não retiraram, o que não é mau... mas acrescentaram umas notas toscas com que se tenta descredibilizar a afirmação de António Galvão.

      Cumprimentos

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    6. Quanto ao Índico... isso já sou mais capaz de aceitar. Estou à espera e muito interessado...

      Cumprimentos,
      IRF

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  2. Caro Da Maia,

    Bem sacado, muito bom! A questão mexicana fez-me lembrar a questão do cipreste-português (Cupressus lusitanica) que afinal é Mexicano.

    Abraço!

    JR

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    1. Muito obrigado, já incluí uma nota adicional a este texto.

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  3. Numa crónica dos primeiros tempos do povoamento da Ilha da Madeira é referido ter aparecido, trazido pelas ondas do mar, troncos de pau-brasil de algum lugar para além do Atlântico.

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    1. Sim, também creio que me lembro de ter lido isso.
      No entanto, alguns troncos, ainda por cima degradados pela viagem, dificilmente poderiam justificar uma exportação sustentada do produto.
      Cumprimentos.

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    2. Penso que Chaucer é anterior ao povoamento da Madeira.

      Cumprimentos,
      IRF

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