domingo, 21 de junho de 2020

dos Comentários (66) o colossal mamarracho

É muito provável que tenham existido diversas estátuas colossais, desde a Antiguidade até aos dias de hoje. Não teriam os 182 metros de altura da estátua de Patel, na Índia, mas o Colosso de Rodes consta ter atingido os 33 metros, antes de cair devido a um sismo.
Também Nero ergueu um colosso seu de 30-37 metros, que aliás deu o nome ao Coliseu de Roma, construído depois, porque se situava nas proximidades. Falamos de uma estátua com a altura da Estátua da Liberdade.
Não é que Nero fosse uma figura popular, e o mais natural acontecer na posterioridade, especialmente com uma narrativa tão desfavorável relatada pelos cristãos, seria a sua queda natural. Ainda assim, antes disso, Cómodo tomou a figura de Hércules, e terá substituído a cabeça (uma iniciativa mais económica). O colosso terá desaparecido por completo durante a Baixa Idade Média, dele apenas restando o nome do Coliseu.

O Colosso de Pedralva  (imagem)
Vem esta introdução acerca de alguns colossos, a propósito de comentário de Carlos Figueiredo, que trouxe à discussão a figura do Colosso de Pedralva, actualmente num parque de Guimarães, e que tem um aspecto ímpar, e isso é independente da datação que se lhe pretender atribuir.

A estátua estava dividida em três partes, não muito distantes umas das outras, e foi em 1876 que o pároco da Igreja de Pedralva comunicou a Martins Sarmento da existência da parte inferior de tal estátua, no caminho entre Pedralva e a Póvoa do Lanhoso.
Em conjunto com Martins Sarmento terão conseguido encontrar as duas outras partes, conforme hoje se vê, na suposta reconstituição da figura original.

Devido à presença notada do falo colossal, Sarmento concluiu tratar-se de uma figura esculpida antes do prurido religioso da Idade Média. Não se parecendo ainda com nada feito em tempos romanos, a conclusão apontaria certamente para tempos lusitanos, ou mais antigos.
Apesar de ser conhecido como "homem de pedra", Sarmento baptizou-o como Colosso de Pedralva, devido às suas dimensões (mesmo sentado, em mais de 3 metros de altura).
 
Fotografias do Séc. XIX que mostram o local onde foram encontradas as peças. 
(https://www.csarmento.uminho.pt) Nota - o braço tem posição invertida - será do negativo da foto.

Segundo casiterides.wordpress.com (artigo em espanhol, que aconselho), António Azevedo, num texto "Um caso de escultura" (Academia Nacional de Belas-Artes, 1948), descartava a hipótese de ser coisa pré-histórica, referindo coisas desavergonhadas do povo patrocinadas pela igreja, e enfiava o falo num pensamento de que seria uma estátua inacabada de São João nunca anterior ao Séc. XVI. Para António Azevedo, não passava de um "mamarracho" impotente, e esta poderá ter sido a classificação com maior rigor técnico que fez.

Museu Martins Sarmento
(Foto de C. Figueiredo)
Ao que parece, quando há fala, os modernos historiadores metem o falo no mesmo período histórico... ou seja, o período dos mamarrachos, entre os séculos XVI e XVIII.

No entanto, seguindo ainda o blog, bom como o comentário de Carlos Figueiredo, muito perto desta peça, ainda no Monte dos Picos, encontrou-se uma outra, igualmente de aspecto um pouco grotesco, que Martins Sarmento adquiriu em 1893.

Poderá também aí ver-se algo que pode indiciar quiçá, na perspectiva dos mamarrachos, de uma estátua que depois também iria para o Bom Jesus, servindo talvez de São Pedro.
Para esta estátua, não consegui encontrar douta fala sobre o eventual falo.

De qualquer forma, convém referir que este tipo de estátuas são raras, seja em que contexto for, excepto num contexto de mamarrachos, pois exemplares desses nunca nos faltaram em abundância, fosse qual fosse a época.

Ainda no Museu Arqueológico Martins Sarmento, é possível observar diversas estátuas da região que ilustram os chamados "guerreiros lusitanos" na sua típica pose com o escudo frontal. No entanto, dada a persistência da falta de vergonha, não fora opinião diferente conseguida há um século, e poderíamos agora ter que ver nestas representações mais uns mamarrachos feitos no Séc. XVII e destinados ao Bom Jesus.

À excepção dos guerreiros lusitanos, não é obviamente fácil inserir estas esculturas no desprezo em que foi transformado o património nacional, cultural e histórico.

Ercle - Hércules etrusco.

Procurei representações menos perfeitas de Hércules, por exemplo, entre as feitas pelos etruscos, e havia alguma persistência na representação de Ercles com o braço da maça levantado.

Apesar das representações de um Hércules sentado ou ajoelhado, serem raras, a posição de um braço erguido, com o outro estendido, poderia perfeitamente ajustar-se a uma eventual representação do Homem da Maça.

É claro, esta hipótese pode parecer estranha, e assim não descartamos que possam estar em causa eventuais representações de S. João pelos etruscos, seguindo a ideia mais elaborada pelo status quo nacional.

Conforme já referi, um grande problema com a História nacional reside na obsessão quase religiosa ou melhor, anti-religiosa, e doentia, de querer ignorar a presença de Hércules na tradição cultural portuguesa. Já não se pode falar em tradição popular, porque a lavagem ao cérebro foi de tal forma forte, que o único Hércules que a população ouve falar é do grego. Mesmo que não esteja presente hoje, esteve presente até ao Séc. XVI, conforme se queixava Gaspar Barreiros, desse exagero popular.

Adivinhar a posição dos braços a partir de fragmentos, é a mesma tarefa que procurar determinar a posição dos braços da Vénus de Milo... Neste caso, nem tanto, porque um dos braços está presente no Colosso de Penalva, e indica uma possível semelhança, que não quisemos excluir.

Como exemplo final, deixamos o Colosso de Monterrosso, na Itália, uma obra de 14 metros, feita em 1910, para representar Neptuno, segurando uma concha, numa posição que lembraria um Atlas ou um Hércules segurando o Mundo.

Com os bombardeamentos ocorridos na 2ª Guerra Mundial, a habitação e parte da estátua caíram.
O que ficou daquele conjunto e que podemos observar na actualidade será isto:

Portanto, a pergunta que fica é a de saber se conseguiríamos prever o contexto da estátua antes do bombardeamento da 2ª Guerra, apenas observando o que dela restou?
Quase certamente que não, pelo menos sem outros dados...
O que é interessante é que o colapso parcial da estrutura lhe possa ter deixado uma naturalidade com que melhor se insere na paisagem. Bom, e mais do que isso, deixou-lhe uma história que não tinha.

Também o Colosso de Pedralva, acumulou já uma história, e para além de representar de forma grosseira um lendário gigante, apresenta de forma colossal o mamarracho histórico-cultural que nos é impingido.

4 comentários:

  1. Muito bom. Não sabia da existência desse Colosso de Pedralva.
    Cá para mim é pré-Histórico, ou pelo menos pré Romano.

    Cumprimentos,
    IRF

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  2. Caro DaMaia
    Para a interessante pesquisa, deixo uma pista, que certamente conhecerá, da figura de Hércules no brasão do Prólogo da Genealogia do Infante D. Fernando. Um homem de pele de leão e outro de pele de leopardo, ambos com maça na mão. E creio que há outros exemplos na heráldica portuguesa, de «hércules» ou homens «selvagens», mas não cito de memória. Cmps. GMR

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    1. Caro GMR,
      creio que se estará a referir a esta imagem.
      É uma imagem que já não me lembrava, e é muito bem lembrada, pois provavelmente irei usar, num texto seguinte, continuação de "a massa da maça".
      Hércules aparece pelo menos no brasão de Cádis, em Portugal, se aparecia, agora creio que já não aparece em nenhuma terra. No caso de brasões da nobreza, também creio que já vi a figuração de homem selvagem/primitivo, mas não sei se foi em brasões nacionais.
      Cumprimentos.

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