sexta-feira, 12 de junho de 2020

dos Comentários (64) ... e não só

Há demasiados pequenos detalhes a registar, talvez não substanciais cada um deles, mas acumulam para um texto diversificado. Alguns destes tópicos foram abordados nos comentários e daí o nome...

1. Leão dos Jerónimos
É apenas um detalhe, mas não deixa de ser interessante que também o leãozinho na fonte do Claustro dos Jerónimos tem o cabelo liso e a cauda a cair nas costas (como acontecia com os de Évora):

Seria este leão feito de raiz para o Mosteiro, indo basear-se nos antigos encontrados pelos campos, ou seria este um dos leões encontrados pelos campos, que foi ali colocado?

Leões de juba com o cabelo escorrido e cauda nas costas, não são fáceis de encontrar. 

Dei com um par deles na Catedral de S. Lourenço em Génova, mas como se perceberá o aspecto é bastante mais sofisticado, e com efeito são já reportados ao Séc. XIX.

No entanto, não indo longe, e procurando ao lado, em Espanha, encontramos outros, na Catedral de Ávila (em baixo, esq.), na Catedral de Ourense, ou ainda em Baños de Ebro (em baixo, dir.).


Não me parece ser possível concluir muito com esta informação, mas este estilo de leões parece ter feito sucesso na península, poderá ter vindo na Antiguidade (assim foi a opinião do Museu de Évora), sendo eventualmente recuperado na Idade Média, mas não deixa de evidenciar uma raiz mais antiga e singular.


2. Condomínio no Castelo de São Jorge?
Procurando saber um pouco mais sobre a editora Mattos Moreira & Cª (que editou os volumes de Pinho Leal, e também algumas obras de Camilo) fui parar a esta imagem no blog restos de colecção:


Ao que um leitor aí perguntou:
- "Que prédios são aqueles dentro das muralhas do castelo?"
tendo obtido a resposta:
- "Aquartelamento e prisão desde 1807 até cerca de 1940".

Apesar de ter sido iniciativa do General Junot de modificar o espaço, instalando aí o seu quartel-general, o Castelo de S. Jorge já não era Paço Real desde o Séc. XVI, quando passou a existir o Paço da Ribeira. As instalações foram mesmo passando por aquartelamento e prisão, até ao funcionamento da Casa Pia (entre 1780 e 1807). De qualquer forma as obras de Junot devem ter sido razoáveis, porque só com um governo nacionalista, é que conseguiram deitar abaixo a memória invasora. 
Fotos desta lembrança de Lisboa não são (agora) fáceis de encontrar.

3. Relógio do Convento de Cristo
Digamos, se tivéssemos que escolher os monumentos históricos mais emblemáticos do país, só faltaria mesmo a Torre de Belém aparecer com duas torres, ou algo do género.
Por esse lado, não encontrei nenhuma modificação importante, mas, com efeito, havia um relógio no Convento de Cristo, em Tomar.

Segundo é contada a história no blog Tomar a dianteira o relógio esteve a funcionar até 1937, altura em que especialistas alemães (dada a época, nazis) tiraram o relógio, anunciando problemas estruturais, mas deixaram ficar o mostrador, que foi definitivamente retirado depois de 1974.

José Manuel Oliveira tirou fotografias ao mecanismo, que se encontra guardado (ver postal sobre o assunto), e poderia ser relógio do Séc. XVI (segundo esse blog), tem no entanto um mecanismo de escapamento em âncora, que é só típico em relógios posteriores a 1650.


4. Relógio da Sé de Lisboa
D. Fernando é um dos reis mais controversos, pois ao mesmo tempo que edificou construção notável... e tentou anexar Castela, acabou por casar a filha única com o rei castelhano. Ao que consta, em desespero de causa tentava que um seu neto viesse a ser rei em Portugal. Tudo isso originou a crise 1383-85, que levou o meio-irmão bastardo, D. João I e a sua Dinastia de Avis ao trono.

Terá sido D. Fernando a reedificar as torres da Sé de Lisboa, e a juntar-lhe o relógio, que à época era o primeiro em Portugal. Assim se lê, na Monografia sobre a "Egreja matriz de Lisboa" escrita pelo Abade Castro e Sousa em 1875, no nº 5 do Boletim Architectonico e de Archeologia (pag.67).

Ainda neste capítulo de relógios, há uma boa série de imagens na tese de mestrado Guardiães do Tempo, de Lúcia Marinho - FLUL (2010). Com algum destaque:
(i) D. João III apresenta um relógio que tem 2 ponteiros (horas e minutos), o que seria grande novidade em 1540 (data do suposto retrato), mas o quadro e é de Carlos Falch, circa 1650, e já não é grande novidade... ainda que me pareça provável que este retrato post-mortem de Falch seja baseado num outro quadro original da época (até porque o rei está em pose), mas ainda assim não é claro que o desenho do relógio fosse o mesmo, e os 2 ponteiros podem ser entendimento de Falch.
(ii) Catarina de Bragança terá um relógio num pequeno pendente. Uma miniatura, talvez mais pequena do que os Pomander de Peter Henlein.

5. Erros nas transcrições dos originais
Um dos elementos principais dos historiadores, é que raramente são caligrafistas e têm que recorrer a técnicos especializados no assunto.
Há duas maneiras de entender o assunto - ou corre bem, ou corre mal...

Num comentário de Djorge sinalizando uma obra de Duarte Barbosa que estava transcrita e da qual também se tinha o original, foi possível detectar imediatamente a liberdade com que estas transcrições são feitas (neste caso a transcrição seria de 1946.

- Por exemplo, na página 211 da transcrição aparece "Ilhas de Bandão", quando no manuscrito está apenas "banda". 

Mais se nota que logo de seguida é transcrito:
  • E mais ao diante deixando a ilha de Timor, estão cinco ilhas...
enquanto no manuscrito parece estar:
  • Passada esta ilha de Timor, mais pelo norte, estão 5 ilhas...
Ora não é importante este detalhe, mas parece-me que podem ser os seguintes.
Com esta liberdade de transcrição qual é a confiança que podemos depositar nesta malta?
- Zero ou quase...

Não interessa verificar se a minha transcrição está bem, o que é seguro é que a transcrição feita pelo especialista está mal, porque não é literal quando o poderia ser. Eu diria mais, foi feita com o descuido de quem estava confiante de que não iria ser censurado por fazer o que fez.

6. Manifesto de navegação
Convém fazer aqui uma pequena divagação filosófica, porque me parece útil e esclarecedora.
Não sou historiador, nem burocrata estatal.

Contesto as contradições, que sendo conscientes, são vergonhosas mentiras, alimentadas ao longo de séculos e até milénios, mas por fazer isso não tenho qualquer mínima obrigação de apresentar uma história alternativa. Mas tenho o direito social de exigir uma reparação aos historiadores e burocratas estatais de serviço. Porque dessas mentiras conscientes ou incompetentes, alimentadas pelos próprios responsáveis estatais, nasceram lucros monstruosos e pobreza monumental.

Pessoalmente, é-me absolutamente indiferente que os documentos que vão sendo disponibilizados sejam verdadeiros ou falsos. Acredito que na sua maioria são verdadeiros, apenas por preguiça e incompetência. Ou seja, pelo simples facto de que o sistema social teria que debitar e acumular informação, e não conseguiria processar falsidade em toda ela. Mesmo com todos os incêndios, roubos, adulterações, pretensas falsificações, etc, o sistema não conseguiria aguentar-se num vácuo histórico, e por isso tem algumas bases verdadeiras.
No entanto, e porque a panela começa a acumular demasiada pressão pelo acumular de falsidades, o que vai interessando é relativizar a verdade, e procurar que os cidadãos sejam comprados pelo conforto e segurança, e ao invés de se apoquentarem com certezas absolutas, se vão entretendo com memórias temporárias, cada vez mais curtas.

Quando os cidadãos de um estado não conseguem obter informação verdadeira desse estado (e não estamos a falar de segredos de estado actuais, estamos a falar de coisas que se passaram há séculos), então estão a ser discriminados como estrangeiros ou como indígenas colonizados, pela própria pátria.
Se numa monarquia tal ideia ainda pode ser considerada, porque se assume que os plebeus não têm os mesmos privilégios que os nobres, numa república, essa noção é ultrajante.

Interessou-me então perceber (há 10 anos atrás) se era possível que isto continuasse indefinidamente assim, sem que houvesse nunca possibilidade de tirar o véu que vai cobrindo a nossa vivência.
Pode dizer-se que "a verdade vem sempre ao de cima", mas o sistema vive da sua intolerância, maquinação e corrupção. A intolerância permite fazer crer que "todos têm algo a esconder", e a maquinação assegura que se não houver, arranja-se. Finalmente, se alguma vez alguém vier a saber, a corrupção encontra maneiras de abafar ou silenciar o assunto.
Portanto, não parece nada claro que o sistema não possa resistir assim mais uns séculos, mais vários milénios, etc. 
Aliás, se já o fez antes, porque não haveria de continuar a conseguir fazê-lo?

No entanto, há um pequenino detalhe.
Um sistema que continue a fabricar uma fantasia, estará a viver num sonho.
Um sonho, ainda que consiga convencer toda a malta, não convence a natureza... que é implacável com alucinações. Daí a grande pressão científica, que para além de permitir maior controlo, permitiria fugir à imprevisibilidade natural.
Se o homem controlasse a natureza, ao ponto de não temer nem doenças, nem catástrofes naturais, só teria que temer outros homens... e quanto a esses, o sistema só precisaria de mantê-los sem memória, como crianças, para ficarem facilmente manobráveis por adultos. Em vez de doces, estas crianças recebem cacau, alguma impunidade, luxo e luxúria.
Outro problema, é que este sistema só funciona com uma reduzida liderança, que em segurança, por medo de traições e surpresas, se reduz a uma única pessoa - o próprio.
Mas não é por aí que o sistema colapsará, o sistema vai colapsar pela ineficiência na objectividade de uma estrutura falsária.
É indiferente se falta muito ou pouco, simplesmente irá ruir por completo, até se erguer de novo, voltar a cair, e esta repetição vai ocorrer várias vezes, como já aconteceu num passado muito distante.

Por isso, mais do que qualquer outra coisa, estes apontamentos servem de manual de navegação, num mar de mentiras. O objectivo não é acertar na rota da verdade, o objectivo é evitar os remoinhos de contradições que vemos levarem os batéis com estrondo contra os recifes. Mantendo-nos à tona.

1 comentário:

  1. Não sabia isso das desventuras do Castelo de São Jorge, em Lisboa.
    E tem razão quanto ás transcrições ou adulterações.

    Não se esqueça que numa república maçónica o cidadão comum está bem abaixo do que qualquer plebeu alguma vez esteve numa monarquia medieval Europeia.
    E não se esqueça que numa república socialista apenas a nomenklatura tem de facto algum direito. E é se se portarem benzinho...
    Não seja preconceituoso!


    Cumprimentos,
    IRF

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