Num postal do início deste ano, com o mesmo nome, referi o mapa de João Teixeira Albernaz, mapa de 1630 que apresentava Nuca Antara, descoberta por Godinho de Erédia em 1601.
Esse seria um nome dado à parte norte da Austrália e aí também se incluía a parte holandesa.
Como a referência de 1630 era posterior aos primeiros registos holandeses de 1606, não se poderia considerar prova suficiente para reclamar uma descoberta anterior portuguesa.
No entanto, não que isto adiante muito, há mesmo um mapa do próprio Manuel Godinho de Erédia, datado por si de 1602, em que desenha os tais territórios de Nuca ou Luca Antara
Luca Antara - Godinho de Erédia - Original na Biblioteca Digital Brasileira
Legenda:
NOVA TAVOA HYDROGRAPHICA DO MAR
DE NOVAS TERAS DO SVL FEITA PELO COSMOGRAPHO
E MATHEMATICO EMANVEL GODINHO DE EREDIA
ANNO DE 1602
Apresenta-se Java Maior (a ilha de Java, assinalando 3 cidades: Sanda, Balambuan, Arenon), logo seguida por Bale (a ilha de Bali), Rima e Ende (Sumbawa/Sumba e Flores), e depois Timor.
Logo esta parte não está muito boa, o que era típico dos mapas da mesma época, no entanto a latitude pelo menos estaria certa.
É em latitudes que poderiam corresponder apenas à Austrália que aparecem as "Lucas", a que Erédia acrescenta legendas, começando com uma espantosa do que seriam "amazonas":
- Luca Tambini - é aquela ilha de mulheres que passeiam a cavalo de arco e frechas [flechas].
- Luca Antara - é aquela ilha de ouro, cravo, massa, noz, e sandalo branco, reconhecida ?? Gpcbiay Másivro, e é pelos antigos chamada a Java minor.
- Luca Vea - ou Beach [nome constante de mapa de Ortélio] é aquela antiga Província de ouro, reconhecida pelos pescadores de Sabo.
- Iap - é aquela antiga ilha de ouro, cravo, maça e sandalo, reconhecida pelos chinas [chineses].
- Malatur - é aquela antiga ilha de especiarias.
A sua configuração como ilhas estaria errada?
No entanto, pensando no nível de águas um pouco mais elevado na Austrália, resultaria que Luca Antara seria uma ilha que resultaria da actual Península de Dampier, com a posição longitudinal e a latitude ambas certas.
Erédia junta algumas legendas interessantes. Faz referência a 3 viagens.
- Viagem dos Bales (habitantes de Bali) que iriam de Java Maior para uma certa Luça Bale. Ora, não há nenhum registo próximo de ilha nessas redondezas... a mais próxima seria a australiana ilha de Barrow (mas estaria a 20ºS e não apenas a 12ºS).
- Viagem dos Pescadores, que iriam das Flores até Luca Vea e Sabo.
- Viagem dos Chinas, os chineses viriam da China, até Flores e depois para Iap.
Imagem habitual
A imagem mais comum de se ver associada a Nuca Antara é posterior ao desembarque dos holandeses e faz referência a esse desembarque.
A imagem mais comum de se ver associada a Nuca Antara é posterior ao desembarque dos holandeses e faz referência a esse desembarque.
Neste mapa, talvez feito por outro autor (circa 1630), o nome já é fixado como NVCA ANTARA, e é acrescentada a legenda esclarecedora:
O cosmographo Manoel Godinho de Eredia. Por ordem do Vise Rey Ayres de Saldanha descobrio a Ilha Nuca Antara ou Java menor, o Anno de 1601. E na tal ilha dise aver muytas minas de ouro e muita espesearia como cravo e masa e nós e sandalo branco e outras riquezas. É comforme ao cithio em que os Olandeses achárão a terra Endracht, esta therra maes ao Norte quase de 14 até 15 graos da parte Sul da linha equinoçial ficando distantes uma de outra pouco maes de 100 legoas segundo os terminos que os dous descobridores achárão cada hú na terra q vio podendo tambem ser, seré Conti Continuas ou estaré menos distantes.
Aqui o mapa de Java (Iava Mayor) já é bastante melhor pondo em evidência a Ilha de Madura, e já há o cuidado de não definir Nuca Antara como uma ilha, referindo na legenda que as terras reportadas pelos holandeses e a a terra reportada por Erédia podem ser uma só, contínua... que eram parte do mesmo continente, ou seja, da Austrália. O que parece claramente mal é a posição da latitude face à longitude... ou seja, Nuca Antara não estaria abaixo de Java, mas sim abaixo de Timor.
Pelas latitudes apresentadas no mapa inicial, os territórios reportados iriam da Península de Dampier até às actuais ilhas Tiwi (que poderiam ser as ilhas Iap de Erédia).
Com esta documentação não me parece faltar qualquer prova de que Erédia esteve na Austrália em 1601, e que a reportou em mapa em 1602. Ou seja, pelo menos 4 anos antes dos holandeses.
A viagem está documentada no pedido expresso do vice-rei Aires de Saldanha, e foi cumprida pelo cartógrafo luso-malaio Godinho de Erédia, realizando mapa datado de 1602.
Com muito menos documentação já foram atribuídas descobertas a muitos outros... e nada aqui falta para a chancela oficial de descoberta, mesmo para os mais cépticos de todos - os pseudo-historiadores nacionais.
Talvez ainda mais interessante é que o próprio Erédia reconhece que, antes dos portugueses, havia uma rota, a "Viagem dos Chinas", que colocava a Austrália sob descoberta e comércio frequente com a China. Isso é de alguma forma corroborado por outras fontes portugueses, que falavam da Batachina, e outras viagens chinesas ao Sul.
O problema principal, e ao qual queremos muitas vezes fechar os olhos, é que na definição das "descobertas", o principal critério após o Séc. XVI é o de que se excluem propositadamente não apenas os árabes e chineses, mas também os portugueses e espanhóis. As descobertas só eram consideradas válidas para os novos europeus de gema - os vencedores da Guerra dos Trinta Anos.
Pelas latitudes apresentadas no mapa inicial, os territórios reportados iriam da Península de Dampier até às actuais ilhas Tiwi (que poderiam ser as ilhas Iap de Erédia).
Com esta documentação não me parece faltar qualquer prova de que Erédia esteve na Austrália em 1601, e que a reportou em mapa em 1602. Ou seja, pelo menos 4 anos antes dos holandeses.
A viagem está documentada no pedido expresso do vice-rei Aires de Saldanha, e foi cumprida pelo cartógrafo luso-malaio Godinho de Erédia, realizando mapa datado de 1602.
Com muito menos documentação já foram atribuídas descobertas a muitos outros... e nada aqui falta para a chancela oficial de descoberta, mesmo para os mais cépticos de todos - os pseudo-historiadores nacionais.
Talvez ainda mais interessante é que o próprio Erédia reconhece que, antes dos portugueses, havia uma rota, a "Viagem dos Chinas", que colocava a Austrália sob descoberta e comércio frequente com a China. Isso é de alguma forma corroborado por outras fontes portugueses, que falavam da Batachina, e outras viagens chinesas ao Sul.
O problema principal, e ao qual queremos muitas vezes fechar os olhos, é que na definição das "descobertas", o principal critério após o Séc. XVI é o de que se excluem propositadamente não apenas os árabes e chineses, mas também os portugueses e espanhóis. As descobertas só eram consideradas válidas para os novos europeus de gema - os vencedores da Guerra dos Trinta Anos.
Caro Alvor,
ResponderEliminarAntecipou-se ao comentário que ia fazer no "outro post do seu blog" com um link para este mapa.
Para já identifiquei 6 mapas, 1 compêndio de praças da Índia e um Atlas que me chamaram atenção na Biblioteca Nacional Digital do Brasil:
Mapas
Malaca - Anónimo, 1568
Nova tavoa hydrographica do mar de novas teras do sul - Godinho Eredia, 1602
Americae sive novi orbis, nova descriptio - de Abraham Ortelius, editada em 1595
Planisfero - Benedetto Bordone, 1525
Planta da Ilha e Cidade de Goa - Linschoten, 1595
Nova tavoa geographica da tera do sertam de Malaca - Godinho Eredia, 1602 (contem uma lista dos 6 "reis" de Malaca desde "1411", até ao 7º Rei que foi vencido por Albuquerque em 1511).
Compêndio
Plantas de praças das conquistas de Portugal: feytas por ordem de Ruy Lourenço de Tavora Vizo rey da India - Godinho Eredia, 1610 (ver as ultimas 2 paginas)
Atlas
Theatro d'el orbe de la tierra - Abraham Ortelius, edição de 1602 dedicada ao "principe de spaña dom filipe d'austria".
Abs,
Djorge
Boas referências, que terei que ver com mais atenção. Obrigado.
EliminarCuriosamente, agora que fui procurar também à Univ. Coimbra, dei com isto:
Diogo Pacheco, capitão-mor da primeira Expedição Portuguesa à Austrália, em 1519
por José Manuel Azevedo e Silva (Universidade de Coimbra)
A questão da descoberta da Austrália pelos europeus está envolta em
poucas certezas e em muitas dúvidas, conjecturas, enigmas e mistérios.
Mas há uma certeza de que ninguém hoje ousa duvidar (a não ser alguns
espíritos pirrónicos): a Austrália foi descoberta pelos portugueses.
Parece que José Manuel Azevedo e Silva estava convencido que seriam só "espíritos pirrónicos" a obstar contra a teoria, mas a academia portuguesa funciona como um clube de adolescentes, onde ainda impera o espírito medieval de estar bem com quem manda, e assim ser dogmaticamente certo o que quem manda diz.
O artigo completo está aqui:
https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/39689/1/Diogo%20Pacheco,%20capitao-mor.pdf?ln=pt-pt
Igualmente interessante e de sobremaneira importante é este post:
https://afmata-tropicalia.blogspot.com/2012/01/desoberta-da-australia.html
onde se dava conta da descoberta de um canhão português em Darwin, em 2010.
Já entretanto veio o "regime do status-quo" dizer que não, que o canhão é "bicho recente" de 1750 +- 40 anos (pelo meio até disseram ser espanhol, etc...):
https://www.abc.net.au/local/stories/2013/12/10/3908975.htm
Curioso é também ser dito que a Torre de Boyd seria portuguesa:
https://en.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Boyd
supostamente seria obra pessoal para avistar baleias...
Entre baleias e balelas, o que é certo é que não tinha dado com estes sites até hoje, o que não deixa de ser curioso, e mostra bem como as nossas pesquisas nos trazem informação muito selectiva.
Abraço.
mas quem pode duvidar disto?
ResponderEliminarhttps://en.wikipedia.org/wiki/Chinese_treasure_ship
http://www.planetepluscanada.com/emission/PHIS22138S2E1/les-grandes-inventions-de-lantiquite-chine-le-grand-laboratoire-de-la-guerre
Há uma referência importante, explicando o passado com Erédia e Austrália, que é esta:
Eliminarhttp://purl.pt/26226/3/hg-7855-a/hg-7855-a_item3/index.html#/82
o link aponta directamente para um mapa-mundi feito por Erédia, e que é bastante significativo, mas todo o livro de Erédia permite entender o contexto em que esteve inserido, e os obstáculos que lhe colocaram.
Propositadamente, o trabalho dele foi boicotado, porque já estava decidido "pelo sistema" que a descoberta não poderia ser reclamada pelos portugueses.
Vou escrever o próximo postal acerca do assunto.
Quanto aos chineses, parece claro que eles tiveram o conhecimento completo das terras em seu redor, e se não chegaram mais longe também foi porque foram boicotados internamente...
Abraço.