quarta-feira, 28 de agosto de 2019

dos Comentários (51) Lionis e Malaca

Surge este apontamento na sequência do comentário de Djorge, que refere:
No seguimento da utilização do Rodízio como um qualquer tipo de arma, que até ao momento desconheço, segue mais um documento Português com um Rodízio no meio de uma guarnição de artilharia por detrás de muralhas.
A ficha do mapa é a seguinte:
Material: Mapa; Título: Malaca [Cartográfico]; Ano: 1568
Assuntos: Guerras - Malaca (Malásia) - Obras anteriores a 1800
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart531967/cart531967.html

Para identificar o rodízio, temos de olhar a pequena guarnição no centro da imagem (...) Parece-me ter uma bandeira, e 3 rodízios, seria uma peça “especial” de artilharia?

Notas deste mapa:
1. Não conheço outro mapa, que tenha sobrevivido, com uma dedicatória a D. Sebastião, que tenha sido feito durante o seu reinado.
2. A dedicatória refere que o Vice-Rei da India era à época Dom Antão de Noronha
3. É também referido o capitão “heroico” que defendeu o cerco, D. Leonis Pereira, o mesmo a quem foi dedicado o seguinte poema por “Camoens”.
Sobre a referência a Leonis Pereira e o poema de Camões "Depois que Magalhães teve tecida" já o mencionei e falarei noutra altura, pois pode ser uma pista australiana.
Concretamente a Leonis Pereira é dedicado um outro soneto, ou conforme refere Gândavo:
Soneto do mesmo Autor ao senhor Dom Lionis,
acerca da victoria que houve contra el Rey do Achem em Malaca

Vós Ninfas da Gangética espessura,
cantai suavemente em voz sonora,
um grande capitão, que a roxa Aurora
dos filhos defendeu da noite escura.

Ajuntou-se a caterva negra e dura
que na Aurea Chersoneso afouta mora,
para lançar do caro ninho fora
aqueles que mais podem que a ventura.

Mas um forte Leão com pouca gente,
a multidão tão fera como néscia
destruindo castiga, e torna fraca.

Pois ó Ninfas cantai que claramente
mais do que fez Leónidas em Grécia,
o nobre Lionis fez em Malaca.
Mas o ponto principal do comentário era a observação de uma estrutura semelhante a um rodízio, no mapa ilustrativo da tentativa de invasão de Malaca pelo rei de Achem, em 1568.
A desproporção reportada era a seguinte:

  • 200 portugueses chefiados por Lionis Pereira
  • 15 000 homens e 300 navios do rei de Achem (dos quais morreriam 4 mil)


Deixo ainda a transcrição do que está escrito nos blocos seleccionados a azul:
(1) Reinando, el Rey dom Sebastião, primeiro deste nome, e governando o Estado da Índia o vice-rei Dom Antão de Noronha, Sultão Alla Haradim Rey do d'Achem e doutros reinos, veio cercar esta cidade de Malaca. Sendo capitão dela Dom Lionis Pereira, o qual lha defendeu com duzentos portugueses, trazendo o inimigo trezentas velas e quinze mil homens de peleja, em que entravam muitos turcos e arrenegados, e outras gentes de diversas nações e dez mil homens de serviço. E o capitão lhe fez alevantar o cerco, como lhe matar el Rey de Arun, seu filho mais velho, e quatro mil homens, os principais capitães e soldados do seu exército, e lhe tomou algumas peças de artilharia. O ano de 1568.
(2) Dom Lionis Pereira mandou meter esta sua nau no fundo com toda a fazenda por se o inimigo não lograr dela.
Porém, conforme referido por Djorge, surge nesta imagem uma peça que se assemelha ao rodízio de Afonso V. Essa peça está rodeada a amarelo, e depois aumentada com a resolução possível.

De re militari
Numa transcrição da obra De Re Militari, do escritor romano Flávio Vegécio, feita por Heinrich Stayner em 1548, aparece um dispositivo militar bastante curioso, e que também me parece pertinente de juntar à discussão sobre o rodízio. É este aparelho dito "rotating gun platform":
Rodízio de canhões, na obra "De Re Militari" versão 1529

Não se percebe muito bem como um rodízio de canhões poderia ser pensado pelo romano Vegécio, que escrevia no Séc. IV, ou seja, muito antes de haver canhões na Europa.
Seria uma interpretação das suas palavras pelo editor do Séc. XVI... correcta, ou não.
Não sendo propriamente muito semelhante com a figura do rodízio de Afonso V, não deixa de envolver um rodízio para efeitos militares, em que a roda de baixo seria uma Cruz de Cristo!

Todo o livro de Vegécio merece, pelo menos, um postal exclusivo...

Malaca portuguesa
Não deixa de ser curioso que existissem duas Malacas.
Porta de Santiago, em Malaca
Uma antiga Malaca, cidade romana espanhola, hoje conhecida como Málaga, e a Malaca oriental na famosa península "Aurea Chersoneso", também hoje escrita Melaka. Uma controlava a entrada no Estreito de Gibraltar, a outra no Estreito de Malaca, dois locais importantíssimos no comércio naval.
A presença portuguesa acabou por ser perdida para os holandeses e destes para os ingleses.
Resta ainda assim um bairro português "Portuguese Melaka", e o que resta da muralha e edificações portuguesas resume-se a uma Porta de Santiago (a Famosa).

Acerca do navio afundado por Lionis Pereira, para evitar que a carga fosse capturada pelo rei de Achem, e assim pudesse depois servir contra os próprios; acerca desse navio, Djorge aponta uma possível localização do barco afundado:

Latitude: 2° 7'0.78"N
Longitude: 102°19'6.08"E

Além disso, isto mostra claramente que os portugueses tinham material secreto, que viam necessidade urgente de se desfazer.
Era mais importante destruir do que pôr em risco a sua captura.

Em circunstâncias normais, seria de crer que estando o barco perto da costa, poderia tentar-se a sua localização e recuperação dessa carga antiga "muito preciosa". No entanto, talvez pelas razões que nos habituamos a ver, não parecem ter havido iniciativas nesse sentido... ou se houve, não soubemos delas, como soubemos da tentativa de recuperação do Flor de la Mar.

2 comentários:

  1. O seu link sobre o Rotating Gun Platform data a imagem de 1529.
    E neste link: https://www.pinterest.pt/pin/514465957406578257/?lp=true a datação é de 1511 (não sabemos no entanto a data do documento que serve de fonte da imagem).

    Temos a Funda Múltipla, atribuída a Da Vinci, aqui:
    https://www.pinterest.pt/pin/616922848937906909/

    O Moinho (Rodízio) de Canhões, também atribuída a Da Vinci, aqui:
    https://www.pinterest.pt/pin/317574211223197090/visual-search/

    E o mesmo, numa foto de uma construção ou modelo estilizado:
    https://www.pinterest.pt/pin/503418064581221696/

    Abraço,
    Djorge

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    1. Tem razão, é 1529, a data de 1548 era da morte de Stayner.
      Pode haver uma edição anterior, mas acho que esta informação é mais confiável do que a do pintrest.

      Com efeito, esse Rodízio de canhões é bizarro, e pergunto-me do interesse prático da arma, se os canhões carregavam pela boca.
      O da Vinci, na maioria dos casos, limitou-se a desenhar muitas ideias que constavam destes livros romanos, proibidos, e muito antigos.

      Abraço.

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