segunda-feira, 27 de maio de 2013

Cobertura de Anedotos

Nota de Rodopé (bis)
Começamos com mais uma "Nota de Rodopé"... 
Já tínhamos falado de Rodopé, a propósito da fábulas de Esopo e de Perrault. 

Faltou-nos uma história de "sapatinho rosa-dourado"... de uma escrava grega, que apreciada pelo seu senhor recebe os tais sapatinhos, causando inveja nas outras escravas... que a sobrecarregam de trabalho!
Acontece que o faraó Amásis II convida todos para uma festa em Mênfis, mas a pobre escrava não pode ir... é sobrecarregada com trabalho pelas outras invejosas! 
Lembra uma história de gata borralheira... e enquanto a festa decorre em Mênfis (só faltaria ter a actuação de algum Elvis...), a pobre escrava, ao lavar a roupa, molha os chinelos. 
Pior, quando os deixa ao sol a secar, um pássaro pega num e foge com ele.
Porém, o pássaro era afinal o deus Hórus, que deixa cair o chinelo em frente a Amásis II.
Tomando tal sinal divino evidente, o faraó procura a donzela que tenha o outro chinelo rosa-dourado. Acaba por encontrar a escrava... essa escrava é Cinderela?... Não, é Rodopé!
  
Ponte Diavolski, Bulgaria - Montes Rodopé (Trácia)... e o sapato de Cinderela.

Parecerá de facto, a história da Cinderela, mas de quem? 
De Esopo, de Estrabão, de Perrault, dos Irmãos Grimm, ou de Disney?
Bom, parece que também há uma versão chinesa - com Ye Xian, que perde um sapatinho dourado, e também tem uma madrasta malvada. É sabida a importância que os chineses davam aos pés pequenos, por isso esta história é também antiga - encontra-se numa compilação do Séc. IX d.C. (ver também aqui).

Encontrei, por mero acaso, mais esta "nota de Rodopé". 
Não era sobre isso que queria falar. Mas, aparecendo contada por Estrabão, convirá situar a época. 
Rodopé tal como Spartacus seriam escravos da Trácia. A brutal repressão romana à revolta de Spartacus ainda estaria fresca na memória dos gregos, e não podendo falar de Spartacus, talvez ocorresse a Estrabão falar de Rodopé, enquanto símbolo escravo da vizinha Trácia.
Se o grego Esopo atribuíra a Rodopé uma das pirâmides egípcias, o grego Estrabão iria dar-lhe um pé, que colocaria, através de Hórus, ao lado do poder divino faraónico. 
Se o pé do trácio Spartacus, como o de mais 30 mil escravos, foi pregado numa cruz na Via Ápia, houve poucas décadas depois outro pé onde tal cruz ficou imortalizada, com uma Roma rendida a esse símbolo.

4) O declínio egípcio
Amásis II - o faraó que escolheria o pé de Rodopé - seria o último grande faraó egípcio. A partir daí, de Rodopé ficaria essencialmente um Canto, um canto de arquitectos e poetas. 
Logo a seguir à morte de Amásis II os egípcios iriam cair sob domínio persa, do Império Aqueménida, ficando como uma província (isto, à excepção de um curto período, onde por alguns anos a capital será a cidade egípcia de Mendes - XIX dinastia).

Se a civilização egípcia consegue resistir ao primeiro Império, ou primeira monarquia Assíria, o mesmo já não se passará na transição para o segundo Império, quando Medos, Caldeus e Persas passam o poder da velha capital assíria de Nínive para a Babilónia, e depois Persépolis.
Já falámos da descrição de Figueiredo que fazia a divisão em 7 monarquias em vez de 4 impérios.
Quando se fala na mitologia do "Quinto Império", há em comum a primeira monarquia iniciada com os Assírios, por Nimrod ou Nembroth (associado à Torre de Babel e à capital Nínive).
Após a queda assíria, com Assurbanípal, ou Sardanapalo, o segundo império de Medos e Caldeus, começaria na Babilónia, e ficaria marcado por Nabucodonosor, em particular pelo registo bíblico da deportação hebraica, que terminaria com a ascensão persa de Ciro (560-530 a.C), a quem Figueiredo associa a terceira monarquia, persa, que só seria deposta por Alexandre Magno, marcando também o fim do segundo império. O terceiro império será macedónio-grego, a que se seguiria o quarto, de Roma.

O declínio egípicio, a ascensão de Nabucodonosor, e depois de Ciro, no Séc. VI a.C. vai produzir uma significativa mudança global. É dessa época que nos vão chegar os antigos registos históricos, míticos e religiosos... notando que são contemporâneos, ou posteriores ao "grande" Ciro, os "veneráveis": 
- Sete Sábios Gregos (em particular, Sólon, ou antes Tales de Mileto, 624 a 554 a.C) 
- Buda, ou Sidarta Gautama (563 a 483 a.C), 
- Confúcio, ou Kung Fu Tziu (551 a 479 a.C).

O ponto principal é que é nesta época que se definem os registos que passam para as gerações seguintes.
O caso mais emblemático será a confusão hebraica-judaica. É reconhecido que quando Ciro recoloca hebreus e judeus no mesmo "território de origem" já se teria perdido grande parte da cultura pelo período no cativeiro da Babilónia... onde choraram por Sião. Até a língua hebraica seria estranha aos judeus, pelo que a recuperação bíblica será feita com a ajuda dos magos persas - os seus antigos captores.
Não será assim tão estranho que haja muitos pontos comuns entre os registos míticos babilónicos e aqueles que serão depois adoptados pelos judeus. 

Por outro lado, ainda antes do declínio, fica claro que há uma aproximação entre egípcios e gregos.
Sólon, um dos Sete Sábios Gregos do Séc. VI a.C. procura informações no Egipto... em particular será aí que terá o registo da Atlântida, que depois será contado por Platão. 
O aparecimento da cultura grega não pode ser desligado dessa clara influência egípcia, que assim procura uma oposição à expansão persa. O Egipto acabará por retomar o seu protagonismo através deste investimento, pela importância que a dinastia Ptolomaica de Alexandria assumirá até à queda de Cleópatra. 

A tragédia que envolve Júlio César, Cleópatra, Marco António e Augusto Octávio, é uma história que assinala a luta de poder na transição entre o 3º Império sediado em Alexandria e a passagem para o 4º Império sediado em Roma.
Não será imediata, pois mesmo durante o período romano, Alexandria com a sua Biblioteca continuará a ser o principal pólo de conhecimento da Antiguidade. Será apenas com a chegada de Constantino, e a consagração de Bizâncio, que Alexandria perderia a sua importância como capital oriental, entrando em declinio até à conquista árabe.

Se notamos uma influência egípcia na formação filosófica e científica grega, também podemos ver alguma exportação filosófica para Oriente. Em muitos aspectos encontramos noções da filosofia de Hermes ou de Zoroastro nas reflexões budistas, confucianas ou taoístas.  Nota-se uma mudança significativa na forma, mas há muitos pontos comuns no conteúdo, que passam por quase todas as filosofias e religiões.

5) Beroso - Anedotos e Caldeus
Há vários relatos sobre Beroso, mas a sua história dos Caldeus só teria chegado parcialmente através de alguns relatos de Eusébio. Encontrámos um notável trabalho de Isaac Cory que nos dá uma tradução em inglês das citações de Eusébio, e das passagens atribuídas a Beroso (Berossus).
Começamos por esta:
(...) then Ammenon the Chaldean, in whose time appeared the Musarus Oannes the Annedotus from the Erythrean sea.
Quem era esta abominação "Joanes, Anedoto do Mar Vermelho"? 
- Os anedotos eram homens-peixe!
Parecerá "anedota", mas estes "anedotos" eram apresentados como se estivessem "vestidos de peixe", vendo-se os pés, e a cabeça na posição das guelras, assim:
 
Dois Anedotos - Homens Peixe... (imagem) e um enorme bacalhau (imagem)

Se a ideia era dessa forma passarem por "homens-peixe", parece de facto "anedota", e o nome "anedoto" é apropriado. Para além de "Joanes", ou "Oanes", Beroso refere mais anedotos, sempre do Mar "Eritreu"-Vermelho, um outro teria o nome Odacon.
Num dos relatos é dito que o Anedoto conversava com os homens de dia, não comia, e ao pôr-do-sol mergulhava nas águas, onde ficava toda a noite. Parece que com esta anedota eram convencidos os assírios que ele era anfíbio... 
De qualquer forma, aprenderam dele as letras, ciências e outro tipo de artes, como das sementes e frutos. Teria ainda ensinado-os a construir casas, fundar templos, compilar leis, bem como os princípios de geometria. Os seus conhecimentos eram considerados tão universais que nada mais era necessário, tendo tornado os caldeus mais gentis e humanos.
Ao lado decidimos colocar uma imagem de um enorme bacalhau... para que se torne mais claro o que poderia ser um Anedoto ou uma anedota, um bacalhau ou uma cabala.


Não deixa de ser algo estranha esta reverência dos caldeus a esses homens-peixe, que vindos de um Mar Eritreu lhes teriam transmitido conhecimento fundamental. Já aqui referimos da ambiguidade sobre a designação "Eritreu", e de que o Mar Vermelho já foi tido e achado em lugares diferentes. Em particular, esta pesca de bacalhau poderia corresponder a uma secagem de pele noutras paragens, talvez na zona da ilha Eritreia, colocada na Iberia.

Por outro lado, um símbolo na hierarquia cristã é a Mitra, um barrete que já foi visto como perfil de cabeça de peixe. O nome "mitra" está também associado a uma religião persa que chegou a ter um destaque semelhante ao do cristianismo à época da sua implantação no Império Romano. Porém, o barrete do mitraísmo seria o barrete frígio, e não algo com uma abertura que lembra a boca de peixe, como a mitra papal.
Mitra de João XXIII.

Não é nenhuma novidade que um símbolo cristão é o peixe, mas não é convincente que tal se deva às iniciais ΙΧΘΥΣ que corresponderiam a Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador,  sendo Ichtys a palavra grega de peixe)... ou ainda a um "alfa" que tem a forma de peixe.
Se o hábito faz o monge, neste caso parece que há hábitos que vêm de longe, do fundo do mar...

6) Beroso - Dilúvio
No mesmo relato atribuído a Beroso fala-se do dilúvio. A divindade é Cronus, que aparece numa visão ao regente Xisuthrus (ou Sisithrus), avisando-o do dilúvio que destruiria a humanidade. Por isso, ele é encarregue de fazer uma história do mundo que guardaria na Cidade do Sol (ver Heliopolis) em Sippara, e de construir um navio onde levaria quem e tudo o que conseguisse, inclusivé todas as espécies de animais.
Depois, tal como na bem conhecida história de Noé, após o dilúvio, envia pássaros três vezes, até que eles não regressaram - o que significava que tinham encontrado terra firme. Num relato (via Abydenus) diz-se explicitamente que o navio se mantinha na Arménia, onde era ainda costume os habitantes fazerem pulseiras e amuletos a partir da sua madeira! (isto é visto como prova posterior da presença do barco no monte Ararat)

Nesse mesmo relato fala-se da construção de Torre de Babel, feita pelos habitantes da terra para desafiarem as alturas, contra vontade dos deuses, que através de ventos a demoliram caindo sobre os executantes, ao mesmo tempo que misturavam as diversas línguas, havendo antes apenas uma língua universal. Do desacordo teria surgido depois uma guerra entre Cronus e Titan...
A torre é colocada na Babilónia, e é dito que "para confusão é pelos Hebreus chamada Babel"...

Podemos concluir, que a menos de detalhes, e diferença de nomes, estas estórias caldeias-babilónicas do Dilúvio e de Babel são exactamente as mesmas que aparecem depois na tradição judaico-cristã. A grande diferença será o carácter monoteísta que parece associado a Cronus, eliminando referências a outros deuses ou a entidades míticas ou controversas, como o caso dos homens-peixe, os anedotos.

Será que podemos associar estes homens-peixe às figuras de sereias ou ao mito da Atlântida?
Até que ponto é que a questão do desaparecimento de uma potência atlântica não estaria ligada ao próprio mito do dilúvio?
- Afinal, havendo uma Idade do Gelo, quando essa termina para onde iria a água derretida?
- Não faria sentido considerar que o degelo teria provocado um considerável aumento da água do mar, afundando por completo povoações costeiras?
Se os gelos permanentes chegassem até ao Sul de França, como é habitualmente admitido, a retenção de água nesses gelos seria enorme, e a linha de costa seria bem diferente, estendendo-se muitos quilómetros no que hoje é Oceano. Um aquecimento do planeta teria como consequência uma catástrofe diluviana para civilizações costeiras. Só seriam sobreviventes as que assumissem algum carácter marítimo, ou que migrassem para zonas montanhosas. Essa mudança climática provocaria ainda uma mudança civilizacional, arruinando estruturas antigas, deixando perdidas várias tribos, e praticamente tudo teria que ser recomeçado.
Porém, quem sobrevivesse com a herança do passado perdido teria uma grande vantagem civilizacional face a todos os outros sobreviventes desorientados e espalhados por diversas partes, regressando à faceta de homens de cavernas.

Num dos relatos atribuído a Beroso é dito que o mesmo Oanes indicava que no início os homens teriam aparecido também com duas asas, outros com quatro asas e duas caras... podendo ser de homem e mulher.
Haveria ainda figuras humanas com cornos e pernas de cabras, outros pés de cavalo, touros com cabeça humana, etc... toda uma mistura zoológica, que teria sido desenhada no templo de Belus na Babilónia!
Não será assim de admirar que também no Egipto, por altura semelhante, tivessem aparecido representações mistas, que invocavam uma parte humana e outra parte animal... assim se constitui uma boa parte do panteão de divindades egípcias, que também foi exportada para mitos gregos.

Que propósito haveria nestes anedotos, ou nestas anedotas?...
Ou antes, como se manifestaria uma civilização mais avançada no contacto com tribos que estavam praticamente na pré-história? 
Teria paciência para fazer evoluir essas tribos para o mesmo nível? 
Aparecia como elite e tratava os restantes como servos? 
Interviria pontualmente como deuses e deixaria as tribos prosseguir a sua evolução?

Há alguns pontos na mitologia que podem ser encarados como abordagens a estas perguntas.
A civilização preponderante poderia ser encarada como um deus dominante, imortal, que decidiria sobre o futuro das civilizações que nasciam. A diferença de poder seria tal que permitiria intervir para proteger ou aniquilar civilizações emergentes. 
Neste sentido, apenas uma civilização, ou estrutura civilizacional, seria imortalizada... as outras passariam por fados, por jogos de poder, que as levariam a aniquilar-se. Não admitiria filhos... no sentido em que evitaria a competição interna com uma fonte semelhante de poder. 
Estamos perante uma figuração semelhante à de Cronos... que será deposto por Zeus.
O poder com Zeus substituiria essa dominância absoluta de Cronos, partilhando o Olimpo com os seus irmãos, numa oligarquia divina. Figurativamente, seria como substituir uma civilização dominante por uma assembleia olímpica de estruturas civilizacionais dominantes. Seria como se houvesse apenas doze tribos (o número de elementos no Olimpo) que decidissem sobre o futuro das guerras entre todas as outras... 
(ou ainda, seria como um conselho de segurança da ONU, onde cinco estados detêm o poder de veto)

De uma forma, ou de outra, não importa muito, os impérios ou monarquias que dominaram o mundo a partir dos Assírios, parecem ter tido um patrocínio externo, uma influência civilizacional superior que se constituiu como mitologia. Há quem refira os Anunnaki, o que parece ser apenas nome alternativo para a figuração dos Anedotos (um nome por interpretação cuneiforme, o outro das transcrições gregas de Beroso). 



12 comentários:

  1. De vez em quando pesquiso por mapas, na internet, de como seria o planeta (e em especial) a Europa durante a Era Glacial e nunca encontro nada de jeito.
    Sempre achei que o dilúvio se ligava a esta altura. Não penso que seria necessária grande catástrofe para acabar com a Era Glacial, talvez apenas os ciclos naturais do planeta. E é claro, os vestígios das civilizações desta época estarão debaixo do mar.

    Com os "contos de fada" e as fábulas acontece algo muito curioso. Os contos e as fábulas estão espalhados por toda a Europa, em diferentes versões, assim como há diferentes línguas que tiveram todas a mesma origem (num cursioso e misterioso indo-europeu que nem os especialistas são capazes de definir, datar e localizar devidamente) e assim como as mitologias das diferentes civilizações (Egípcia, Grega, Romana, Nórdica, por exemplo), que tiveram essa mesma origem indo-europeia. Curioso que não se tenha versado sobre isso a respeito dos contos e das fábulas. Talvez eles sejam ainda anteriores a isso (como prova a existência de algumas versões dos contos na China e Japão).
    Porque os antigos versaram sobre as Fábulas e não sobre os contos de fada? Estranho... Dizem os especialistas que só apareceram na Idade Média, mas se assim fosse não teriam tido a "expansão" pela Europa das diferentes versões. E, podemos até encontrar vestígios dos contos nas mitologias (caso de Eros e Psiqué e da Bela e do Monstro), que para mim, é prova que esses contos existiam à época.
    Não consigo discernir porquê. Será porque esses contos funcionam como um educador, um psicólogo da criança. Serão eles um método muito antigo, mas muito eficaz, de trabalhar com as crianças?

    Hoje em dia está a perder-se outra vez: lê-se, não se conta. Ou pior, põe-se no DVD uma versão da Disney, que basta fazer uma simples pesquisa no Google para descobrir a farsa que são aquelas versões...

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    1. Vale o que vale, mas normalmente para prever a linha de costa na época glaciar, costumo olhar para o Google Maps e seguir a linha azul clara. Coloquei aqui um contorno a preto para ver melhor:
      https://sites.google.com/site/alvorsilves/home/glaciar-talvez.jpg
      (o contorno a branco corresponde a uma zona de gelos permanentes, normalmente admissível)

      A única fundamentação para essa linha é que há uma súbita inclinação para a profundidade, fazendo suspeitar que seria ali onde se estabelecia a fronteira marítima sujeita a permanente erosão costeira.
      O mais significativo seria uma continuação na zona do Mar do Norte, e talvez uma ligação África-Europa no Estreito de Gibraltar, fazendo do Mediterrâneo um lago. Por outro lado, haveria ilhas ao largo da costa portuguesa, onde hoje são bancos de areia, a norte - perto da Galiza, e a sul - abaixo do Algarve.

      É interessante, porque assim a zona da Nazaré teria sido sempre costeira, por via do canhão das "ondas gigantes". Da mesma forma, a zona das grutas de Altamira (ou do país basco) não seria longe da costa, nem a zona das grutas francesas (Chauvet, Lascaux), perto da Cote d'Azur, que também têm próximo uma grande depressão.
      Bom, como eu disse, vale o que vale...

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    2. Os contos de fada misturam-se com os fados próprios da época. Há outras versões, mas só coloquei as que usavam o teste do sapatinho... pareceu-me um ponto distintivo. Pelo que vi, a versão de Perrault é já muito próxima de uma outra contada por um napolitano - Giambatista Basile, 50 anos antes.
      As inovações de Perrault (1697) serão a fada-madrinha, a abóbora e os sapatinhos serem de cristal... os irmãos Grimm (1812) substituem a fada-madrinha por uma árvore que crescia na campa da mãe.

      A Olinda tem razão quando fala em trabalhar com as, ou as, crianças... mas haverá outro propósito com os adultos.
      Senão vejamos a seguinte história:
      - Era uma vez um rei que para ganhar o trono fez um acordo com uma união de magos, trazendo muito ouro para o seu reino. Os habitantes agradeceram, mas não sabiam que o ouro não tinha sido dado. Passados uns anos, os magos vieram exigir o ouro prometido pelo rei. O rei e ministros, sob ameaça do feitiço, limitavam-se a pedir ao povo cada vez mais ouro, pois os magos eram insaciáveis. Houve então um bobo da corte que chamou palhaço ao rei, e o rei, muito zangado, perguntava aos juízes se não era possível prender o bobo. Porém, os juízes disseram que não, porque o bobo assumia a palhaçada, e como tal nem seria ofensa.


      Dá para enquadrar esta história com outros fados acompanhados de cavaquinho?
      Assim se fazem muitas histórias para crianças, cujo destinatário é um enquadramento político à época.
      As adaptações, para quem saiba, fazem realçar a mudança ou a ponte que se quer estabelecer de novo.
      Em 1697 a França de Luis XIV poderia ver-se como uma Cinderela, que tinha sido antes escorraçada pelas irmãs (Portugal e Espanha, pelo Tratado de Tordesilhas) e madrasta (Roma papal), e graças a uma fada-madrinha (provavelmente de esquadro e compasso) transformava abóboras em carruagens (novidade após o Séc. XVI, antes "proibidas"), e tinha ficado então uma princesa na partilha do mundo.
      Da mesma forma, os irmãos Grimm preferiam ter, não a fada-madrinha, como causa de renascimento germânico, mas sim um simbolismo nas raízes de uma árvore, o que levaria à mãe imperial germânica, morta pelo tratado de Vestfália.
      Quanto a Disney, interessava talvez enfatizar de novo a versão da fada-madrinha, mas noutras paragens!

      Claro, isto são apenas suposições... mas é natural que os contos fossem recuperados com propósitos deste género.
      Para as crianças era algo indiferente - interessava a moral - mas para os adultos a mensagem seria outra.

      Ainda bem que me deu oportunidade de falar nisto, porque é uma coisa que é difícil provar, mas é fácil conjecturar. Creio que alguns dos romances do Séc. XIX, como os de Eça ou Camilo, usavam este tipo de alegoria... certos dramas de personagens poderiam ser transportados para dramas de regência, entre nações ou estruturas de poder. Seria algo estranho que pessoas tão envolvidas politicamente se entretivessem com banais histórias de amor, por muito que apurassem o estilo e as decorassem com uma caracterização da época e dos costumes.

      Obrigado e abraços.

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    3. Construiu o melhor mapa alguma vez visto! Que maravilha!
      No caso de Portugal a costa não estaria muito mais longe do que hoje. Nas tabuletas ao longo da Costa VIcentina dizem que havia um campo de dunas e que a costa estaria 20km mais à frente. Deveria ser maravilhoso.

      Basta olhar para este mapa e imaginar tudo o que pode estar submerso.

      Vi agora uma notícia muito interessante (e que faz lembrar a questão dos Antigos e a tecnologia que teriam que não conseguimos imaginar): http://www.telegraph.co.uk/news/picturegalleries/worldnews/9490347/The-incredible-story-of-Sun-Jifa-and-his-homemade-hands.html?frame=2316096

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    4. Ora essa, obrigado pelo exagero, Olinda!
      Não fazia ideia de que há avisos na costa vicentina para uma costa mais à frente... porque tal coisa remontaria a tempos de cavernas, antas e mouras encantadas.
      Já em tempos mais recentes, nos tempos de castros e zambujais, ou mesmo em época romana, o que teria sido natural seria um Alentejo meio alagado... talvez não em toda a costa vicentina, porque há arribas e serras razoavelmente altas.

      Esse exemplo da notícia do Telegraph mostra bem que o génio humano está muito presente, o problema é que nos educam para metê-lo dentro da garrafa, mas aparece quando sentimos mesmo necessidade. Com o génio bem enroscado na garrafa é mais fácil juntar rebanhos, dispostos a seguir qualquer pastor. E esse é um grande problema - as pessoas são educadas para procurar um rebanho e seguir um pastor.
      Agora, está a ver o caminho que nos falta percorrer para que a sociedade eduque cada um a ser o seu próprio pastor, a trilhar o seu próprio caminho...

      Abraços.

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  2. Bem, os avisos são recentes, são sobre a geologia da costa... Lembro-me de um que está na praia da Ilha do Pessegueiro (Porto Côvo), e que conta isso para explicar a existência da Ilha, que é uma duna solidificada, e das dunas solidificas da costa.

    Devia ser uma paisagem maravilhosa.

    Julgo que a parte alagada devia ser em volta do rio Sado, pois aí o terreno desce muito e é arenono. Por exemplo, quando passamos na zona de Alcácer vemos grandes vales comidos pela água e percebe-se perfeitamente que ali houve muita água onde agora há pouca

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    1. Certo, há uma estrutura tipicamente arenosa em todo o Alentejo. Os chamados "montes" têm a típica periodicidade e elevação suave de dunas, que se fixaram com ajuda da vegetação. Mas isso é na zona mais interna, que corresponderia a uma grande baía que deveria da bacia do Sado até ao Tejo. Isso deve ter sido há uns bons milhares de anos, depois foi regredindo.
      Mais antigo ainda seria o prolongamento da costa, nessa época glaciar.
      A parte mais notável, seriam os grandes canhões. Há quatro que são muito significativos. O da Nazaré, que é o maior, mas também o que entra a meio da Caparica, e o outro que entra abaixo de Tróia, na zona da Comporta. O quarto aparece na zona do Cabo de S. Vicente.
      Na parte continental do Atlântico Norte não tem mais nenhuns semelhantes, só esses quatro.

      Pode ver aqui:
      http://w3.ualg.pt/~jdias/INTROCEAN/A/A3_portugal/images3/CanhaoSetubal.gif
      os canhões de Setúbal, traçados pelo Rei D. Carlos... foi de quem mais se interessou pelo assunto, e depois, já se sabe a sorte que ele teve.

      Posso ter exagerado no outro mapa que lhe mostrei, este aqui, seguindo o contorno vermelho é mais fiável:
      http://sp.lyellcollection.org/content/282/1/9/F1.large.jpg
      ... mas tem razão, não é fácil encontrar na internet muitos mapas com batimetria!
      Quando tiver informação mais fiável, faço um post sobre isso.

      De qualquer forma, isto significaria que para uma grande descida de águas, as zonas que se manteriam sempre próximas da costa atlântica seriam aqueles quatro, e por perto há montanhas que resistiriam a uns 200 metros ou mais, de subida.

      Agora, quanto à datação há um grande exagero nas datações geológicas... deveriam pelo menos dividir por 1000 maioria das especulações que fazem. Usam o decaimento radioactivo para isso, assumindo que foi sempre igual. À conta disso, achavam que a Terra estava cheia de urânio no interior. Depois, há uns 10 anos, descobriram que havia potássio que tinha um decaimento semelhante... passaram a dizer que estava cheia de potássio! É assim que as coisas funcionam, e como ninguém sabe, e a critica é reprimida, passa tudo por verdade estabelecida.
      Por cálculos como os deles, Alfeizerão só poderia ter sido um porto importante há milénios, ora essa vila foi porto de navios até há 150 anos, e está agora a vários quilómetros do mar. Enfim, haja paciência!

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    2. A estrutura arenosa em todo a Alentejo é algo que discordo consigo. É arenoso onde passa a auto-estrada para o Algarve, sem dúvida (zonas de Grândola e do Sado), zonas que não precisam de muita água para ficarem inundadas. A geologia do Alentejo é muito diversificada e vai muito para além das colinas típicas que fazem o imaginário de todos. Curioso que, nessa zona de colinas, elas têm poucos centímetros de terra vegetal, estando logo por baixo xistos. Sim, o xisto é predominante no Alentejo.

      É claro que a subida das águas do Sado (e do Mira também a litoral - e do Guadiana, ao interior, onde terímaos um rio mais largo)não inundariam as serras de Grândola e do Cercal - que curiosamente se unem, assim como as serras do Caldeirão, Monchique e Espinhaço de Cão. Há, e a serra do Cercal, que desce por Odemira, liga à serra de Monchique... (desconfio que deva haver uma zona de subducção na nossa costa, desconhecida). Teríamos um alto e baixo Sado inundados de água salgada, teríamos uma península Grândola-Santiago do Cacém-Cercal-Odemira-Monchique. Teríamos uma zona seca, correspondente à zona dos Xistos - podemos imaginar uma linha a partir de parte dos concelhos de Aljustrel - Ferreira do Alentejo para interior. E claro, um distrito de Évora e Portalegre com rios mais largos, mas zonas secas.
      Os canhões parece que hão-de-ser vazantes de rios...
      O mapa da linha vermelha é muito interessante. Encontram-se mapas da Era Glacial correspondentes a essa linha, mas onde se destaca só a zona da Grã Bretanha e Irlanda. Acho que eles ficam muito felizes em pensar que teriam todo aquele vasto território.
      Teríamos mais Açores, mais Madeira, teríamos ilhas em Gorringe - que duvido que fossem habitadas devido à actividade sísmica. E em frente a Santiago de Compostela uma ilha. Claro que, apesar de estar a laranja como zona mais baixa, isso pode dever-se a erosão marítima.

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    3. Sim, o "todo" foi claramente exagerado.
      Está aqui um mapa com a distribuição de rochas.
      Exactamente, estava a referir mais a parte amarela - argilas e arenitos, que conforme diz segue a zona da auto-estrada. Mas a outra parte também deve ser considerada - a chamada "terra" resulta de areia processada organicamente, ou seja, é um local típico onde antes haveria uma parte costeira.
      Por exemplo, na zona da Estremadura ou Beira Litoral (Aveiro-Leiria), a parte dessa zona apontada com calcários também esteve submersa. Depois o pessoal rapidamente usa as terras para fins agrícolas, e aquilo que era mar até há pouco tempo já não se distingue da paisagem.
      No caso do Alentejo acho que a inundação chegou à zona de Évora - que pode ter chegado a ser costeira. Agora, a zona tipicamente de serra, que junta com as serras do Algarve, conforme diz, essa zona de xisto, aí creio que não, concordo consigo.
      Outra pista são as salinas, como as de Alcácer do Sal, que se teriam formado quando a água salgada ficou circundada, formando um lago de origem marítima que foi secando, deixando o seu sal.
      Não sei se chegou a ver este mapa que já tinha aqui colocado:
      http://alvor-silves.blogspot.pt/2011/02/afonso-henriques-e-ourique.html

      Sim, os canhões têm aquele aspecto de violentos rios, que teriam devastados as encostas circundantes, mas a sua profundidade levaria a considerar que houve tempos em que o nível marítimo teria descido até 3 ou 4 mil metros... e isso já é grande especulação! Até porque aí temos que considerar o movimento das placas que levantaram ou afundaram a costa. No primeiro mapa que lhe mostrei, exagerei porque já ia à zona dos 2 mil metros...
      mas também nisto não há propriamente grandes certezas.

      Claro, os ingleses gostam muito do seu Mar do Norte baixinho, também porque dali tiram muitos barris de petróleo. Veja só a quantidade de plataformas:
      http://wiki.flightgear.org/images/6/6d/Oilrigsmap.jpg
      mas, para azar dos irlandeses e franceses, acho que ainda não conseguiram nada do outro lado, ou se conseguiram, estão a guardá-lo bem.

      Um abraço.

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    4. Este seu mapa (http://alvor-silves.blogspot.pt/2011/02/afonso-henriques-e-ourique.html) ilustra bem a subida dos rios!

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    5. É natural, porque se baseava num aumento da linha de água. Se repararmos é esse o tipo de costa que há na Galiza - ou seja, uma costa de mar que parece ser subida de rio. Também acontece isso na Noruega - zona de fiordes, e na Escócia nos chamados "firth".

      Se o mar descesse mais de 50 metros acabavam-se os fiordes e os firth, ficavam só os cursos fluviais. Depois, como hoje, poder-se-ia atribuir a erosão marítima anterior só aos rios e glaciares. Parece que há uma mistura dos dois factores.
      Tanto que muitas das coisas a que se chamavam rios, hoje pouco mais são que cursos secos, e a navegabilidade na costa portuguesa foi-se perdendo com esse recuo de águas, que praticamente a deixou sem reentrâncias. Se o nível aumentasse, voltavam essas reentrâncias.

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  3. CUrioso... o cabo de S. Vicente não era cabo, mas tb n estava a interior

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