quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Fernão de Magalhães (4) Austrália

Em 1939, Gago Coutinho proferiu uma palestra, de que transcrevo aqui a parte sobre Magalhães:


Portugueses no Descobrimento da Austrália 

Muito tem sido escrito acerca do Descobrimento da Austrália, exactamente por causa do mistério que o envolve. Se aqui pretendesse, sequer, apontar tudo, teria que falar durante bastantes horas. 
Vou tentar resumir o essencial. 

A Descoberta tem sido, vagamente, atribuída aos Holandeses. Como se vê, não há neste caso - como há no da América - uma data ou nome consagrados. Cita-se um ano - 1606 ou 1607 - mas nunca se fala em acaso, o que revela a convicção de que, já antes daqueles anos, a existência ela Austrália era conhecida. Um português já lhe dera o nome de Índia Meridional e, outro português, o nome de Austrália del Espiritu Santo

A primeira referência a um Descobrimento anterior a 1606, foi pelo conhecido escritor inglês, H. Major, que, em 1816, encontrou no Museu Britânico um mapa manuscrito atribuindo o Descobrimento ao indo-português Manuel Godinho de Erédia, em 1601. Informações posteriores destruiram esta versão. 

Vários autores portugueses se têm ocupado dêste assunto, como Oliveira Martins, Dr. J. M. Rodrigues, Roma Machado, Comandante Quirino da Fonseca, e o Dr. Jaime Cortesão. Concordam em que Erédia não foi o Descobridor. Mas há fortes indicações de que a Austrália já antes dêle fôra visitada pelos Portugueses, no século de 1500, e que tanto as viagens holandesas, como a de Queiroz em 1606, foram apenas tentativas de reconhecimento intencional de uma terra que se sabia existir um pouco ao sul das Ilhas de Sunda, e onde se dizia haver minas de ouro. A existência dessa terra era bem, em 1600, um segrêdo de Polichinelo. Mas a sua ocupação não interessava, nem à Espanha nem a Portugal. Pouco interessou à Holanda, e só muito tarde veio a interessar à Inglaterra. 

No estudo, que vou ràpidamente apresentar, servir-me-ei, principalmente, de elementos colhidos na desenvolvida obra de George Collingridge, publicada em 1895, The Discovery of Australia

Para ilucidar a minha comunicação, organizei um mapa no qual, sôbre a carta correcta actual, com Java, Timor, Nova Guiné e Austráliá, decalquei os mapas antigos, nos quais a Austrália já era apresentada com mais ou menos aproximação. 


Nêste mapa- que custou cem horas de trabalho- não esqueci -nenhum português o deveria esquecer, ao contrário do que se fêz no mapa decorativo do Rossio- não esqueci, ia dizendo, marcar o meridiano que, em 1494, foi combinado em Tordesillas enfre os Reis de Portugal e Espanha, quando dividiram a Terra entre êles por «una raya o linea derecha de polo a polo» começando a «370 leguas de las yslas del Cabo Verde». 

Ficara assim reservada à Espanha uma metade da Terra, então quási completamente desconhecida, a qual começava ao Poente ele tôdas as Ilhas de Cabo Verde, e ia, no seu limite mais ocidental, cortar a Austrália segundo a linha vermelha grossa, que se vê no mapa. O cálculo ensina-nos que êste hemisfério está compreendido entre os meridianos opostos, de 47º 1/2 W. Gr. e 132° 1/2 E Gr. A raya , o linea ia pois dividir a Austrália em duas partes: como se vê, ainda antes da descoberta, já a Portugal lhe estavam lá reservados mais de três milhões de quilómetros quadrados. Para a Espanha ficaram cinco milhões. 

Um português, Magalhãis, a ia descobrindo. Outros portugueses lá estiveram também. Outro lá tentou ir, ao serviço do Rei de Espanha, e lhe deu um nome derivado da Áustria. Como se verá foi esta a nossa contribuição para o Descobrimento. Quando a Inglaterra a ocupou, ainda lhe não tinha sido encontrada utilidade pará colónia. A Terra ainda era grande ...

MAGALHÃIS
Ao princípio a Espanha contentou-se em, no seu hemisfério, e explorar apenas uma parte daquela terra da América que lhe estava reservada. Só depois de os Portugueses, em 1511, começarem a freqüentar o mar das Molucas, é que a Espanha pensou em lá ir também, mas por Oeste. 

Como se sabe, Colombo e os outros navegadores, não tinham encontrado passagem pelo Golfo elo México, para o Oriente, pelo novo Oceano que, em 1513, Valbôa [Balboa] descobriu, e que se julgava ficar em grande parte, senão no todo, no hemisfério espanhol. Então a Espanha aceitou de bom grado a proposta de um navegador português - que a seqüência ia provar ser o mais arrojado do Mundo - para ir reconhecer as terras do Oceano Espanhol. Assim, em 1518, partia de Sevilha uma esquadra de cinco navios da qual era capitão-mór Fernão de Magalhãis - destinada a descobrir o que haveria de útil para a Espanha no seu hemisfério, ainda desconhecido, possivelmente nas Molucas. Ia assim ser realizado aquêle sonho que, nas suas quatro viagens, animara Colombo. 

As instruções do Rei encarregavam Magalhãis de «descubrir dentro de nuestros limites e clemarcacion» «en los domínios que nos pertenecen e son nuestros en el mar Oceano» «islas y tierras firmes é ricas especerias», «con otras cosas». Assim resava a Capitulacion. Para compensar o cumprimento desta missão, eram concedidas a Magalhãis certas vantagens nas novas terras, com o título de governador; e, das ilhas que êle descobrisse, «si pasare de seis», poderia escolher duas onde teria «la quincena parte de todo el provecho» que o Rei delas tirasse.

Bem vasto, de mais dum têrço da superfície terrestre, era o campo assim aberto à iniciativa do enérgico Magalhãis. Não se enganaria quem imaginasse que nêsse campo haveria extensas terras: lá existia uma grande Ilha - a maior do Mundo! - talvez, então, ainda ignorada daquêles mariantes a quem nada escapara no Oceano Atlântico- os Portugueses. Era a futura Austrália! E lá estavam também outras ilhas grandes, além das futuras Filipinas, a Nova-Guiné e a Nova-Zelandia. Magalhãis poderia, pois, escolher duas ilhas bem ricas para a sua quincena...

A maior dificuldade que Magalhãis teria de vencer, não estava, porém, no descobrimento da Nova Guiné ou da Austrália. Estava em dobrar a parte sul da América, a-fim-de passar para o novo Oceano. Esta dificuldade só Magalhãis conseguiu superá-la quando, depois de lutar contra o clima e contra a oposição elos homens pois tivera de mandar dar morte aos três capitãis espanhóis da esquadra- quando, dizia eu, em 28 de Novembro de 1520, navegando pelo canal que separa o Sul da América da ilha do Fogo, entrou no Oceano Pacífico, já só comandando três navios: dos cinco, um naufragara e o outro, o maior, desertara para Espanha com os mantimentos! 

É sabido que, logo de entrada, foi descoberta a costa do Chile. Depois, perseguido pela maior infelicidade, mas confiado em encontrar portos para abastecimento, Magalhãis navegara para Oeste explorando a demarcacion espanhola. Havia terras, mas não lhe apareciam. Assim passaram fome e muitos morreram de escorbuto. Com a má sorte que o perseguia, Magalhãis falhou aquelas ilhas do Pacífico, de tantas facilidades, o arquipélago de Tahiti. A carência de recursos, levou-o a desviar-se para o Norte do Equador, talvez evitando a terra dos Papúas. Assim, falhou também a Austrália, indo descobrir, bastante ao Norte das Malucas, um arquipélago a que depois deram o nome de Filipinas. O longo caminho navegado fê-lo crêr ter já cortado o ramo da raya, oposto ao do Atlântico, e de facto o passou, por uma centena de léguas. 

Ali, estupidamente, em um recontro com indígenas, mal apoiado pelos seus companheiros, Magalhãis foi zagaiado e morto. Mas a principal dificuldade - abrir caminho para o Oriente pelo Ocidente - já estava vencida. Através do mar espanhol fôra descoberto caminho para as numerosas terras de Espanha que lá havia. O pior era que, depois da sua morte, não ficara na esquadra um homem capaz de substituir aquêle génio do Mar! 

Nada nos indica que Magalhãis se viesse a contentar com a missão mesquinha, que seria só a descoberta de um caminho ocidental para as Molucas; como nada prova que êle pretendesse dar a volta ao Mundo, estabelecendo um record, como hoje se diz. Tão pouco contra certa alusão antiga - Magalhãis na sua travessia do Pacífico passou à vista da costa da Austrália. Mas lá iria se vivesse! Porque, das Filipinas, êle cortaria para Maluco, onde esperava encontrar o seu antigo amigo, Francisco Serrão; êste lhe confirmaria a idéia de que as ilhas de Gilolo e Papúas lhe barravam o caminho directo para Oeste. Convenientemente abastecido naquelas terras de recursos, Magalhãis continuaria a sua viagem de exploração da «demarcacion» espanhola. Êle bem sabia voltar às colónias da América realizando a viagem que o seu antigo navio - a Trinidad - apenas iniciou.

Na viagem de volta, é evidente que em nada o interessava a circumnavegação da terra. A prova académica da sua esferecidade ficaria realizada, logo que nas Malucas se encontrassem portugueses, idos de leste e de oeste. 

Êle não voltaria pois a Sevilha indo pelo Cabo da Boa-Esperança, como fêz o seu sucessor Sebastião Delcano. O encontro com navios portugueses não lhe seria agradável. E, o que interessava, era descobrir mais terras do Rei de Espanha.

Nesta orientação, tão natural, Magalhãis, à volta para leste, tomaria caminho diferente do da ida. Decerto, então, conhecedor já dos ventos de Leste-os alíseos-que, no Pacífico, como no Atlântico, sopram nas latitudes tropicais, tendo-o levado às Filipinas, natural era que, tendo já conhecido o mar ao Norte das Malucas, Magalhãis fôsse ao sul procurar latitudes altas, onde, desde Bartolomeu Dias e Cabral, os Portugueses sabiam que lá dominavam os ventos gerais de Oeste. 

Nêsse caminho - informado ou não da existência da Ilha do 01wo- Magalhãis iria fatalmente encontrar a Austrália, entre 10 e 15 graus de latitude. 

A costa, correndo para Oeste, passava além do meridiano das Molucas, ficando portanto fora da «demarcacion». Mas Magalhãis, que acabava de descobrir uma terra nova- a futura Austrália não a ia decerto abandonar. Além disso, a navegação para Leste era a que lhe convinha para voltar à América. Assim iria passar um estreito bem mais fácil que o da Terra do Fogo, que é aquêle que fica junto do Cabo York e que, em 1770, descobriu Cook. 

Depois a costa corria ao sueste, e continuava dentro da jurisdição de Espanha. Abria-lhe também o caminho para as latitudes altas, onde, como disse, Magalhãis sabia que encontrava ventos favoráveis para a sua volta à América. Tal navegação levá-lo-ia ao cabo que forma a ponta sueste da Austrália. No seu caminho para a América, por cêrca de 40 graus de latitude sul, deparar-se-lhe-iam ainda mais duas grandes ilhas, as da Nova-Zelandia actual. 

Só a morte impediu que a viagem de Magalhãis tivesse tido para a Espanha o sucesso desta opulenta aquisição de novas terras que, nem os Portugueses nem ninguém, então lhe disputava. Eis o que custou à Espanha a morte inglória do insubstituível capitão-mór: a sua obra - que não seria, repito, apenas a circumnavegação - não a souberam continuar os chefes que lhe sucederam. Não! Se Magalhãis não tivesse desaparecido, a Austrália, que ficava no caminho natural de volta, imposto pelos ventos gerais, não teria escapado, no primeiro quartel do século xvi, àquêle tão tenaz navegador português!


2 comentários:

  1. Realmente, é difícil ou confuso perceber como os portugueses teriam ido com alguma frequência a Timor, desde 1514 e fixando-se no final desse século XVI, e não tenham ido "ali ao lado" àquela grande ilha parecida com um continente.
    Cumprimentos
    Valdemar Silva

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois... mas chama-se a isso, tratar a malta como se fossemos cegos - e de facto somos.
      Quanto maior é a mentira, parece mais difícil acreditar que não possa ser verdade.
      Cumprimentos.

      Eliminar