sexta-feira, 27 de setembro de 2019

dos Comentários (54) dia de 4 horas

Segue um comentário de IRF sobre Ludovico di Varthema, cujo livro de viagens:
Itinerario de Ludouico de Varthema Bolognese 
foi publicado em Roma, em 1510.

Ludovico di Varthema, publicado em holandês

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Venho apresentar-lhe a história do senhor Ludovico di Varthema, um aristocrata Bolonhês que em 1502 resolveu partir pelo desconhecido e grande mundo de então.
Andou por Alexandria, Cairo, Beirute, Tripoli, Alepo, Damasco, foi aparentemente o primeiro Europeu a entrar na proibidíssima cidade de Meca como guarda de uma caravana de peregrinos entre Mamelucos do Cairo, Medina...
Aparentemente, uns mouros suspeitaram que era Cristão, e o Italiano lá se safou oferecendo-se como grande especialista em artilharia para ajudar os mouros a combater os Portugueses...

Foi para Jedah, e para Aden, no Yemen, rumo à Índia, mas foi preso acusado de ser um espião Cristão ao serviço dos Portugueses. Por manhas só à disposição de aristocratas Italianos teve um caso com uma princesa Yemenita que o safou, mas que lhe valeu a prisão de novo... 
Mas safou-se! E foi para Saná.
Com o dinheiro oferecido pela moura, lá conseguiu pôr-se de novo rumo à Índia num navio Persa que se desviou da rota e teve de aportar em Berbera, naquilo que hoje é o Estado não reconhecido da Somalilândia. Eventualmente, lá chegou a Diu na Índia... mas deu por si num navio para Mascate, em Omã, de onde passou a Ormuz.
Em Ormuz parece que havia confusão à séria, pelo que fugiu para Pérsia e chegou a Herat, no Afeganistão, voltando depois para Shiraz, no Irão, relativamente perto de Ormuz.

Pois em Shiraz, na Pérsia, o nosso Italiano encontrou um mercador Persa com quem tinha privado em Meca, mercador este que pensava que o nosso Italiano era um mouro, desconhecendo-lhe a verdadeira identidade. Parece que ficaram amigos e rumaram para Samarcanda. Não mais se separariam nas aventuras de Ludovico di Varthema na Ásia, mas parece que o Ludovico se limitava a acompanhar o Persa pelos seus caminhos comerciais...

Chegaram então à foz do rio Indo (Carachi de hoje?) vindos de Ormuz, percorrendo depois a costa Ocidental da Índia, incluindo Goa tendo depois penetrado no interior da Índia. Em Cananore, encontrou os Portugueses. 
No extremo Sul da Índia encontrou os Cristãos "de São Tomás" nativos da Índia.
Passou para o Ceilão - Sri Lanka - e para a Tailândia ou Sião - começando numa região que hoje é parte da Birmânia - e foi nesta zona que se deparou com coisas como a imolação de viúvas após a morte do marido e convites para desflorar virgens que se iam casar, que era costume serem oferecidas aos estranhos antes de serem oferecidas aos maridos.
Vou abster-me de fazer comentários...

Passaram depois ao actual Bangladesh... onde menciona a existência de mercadores Chineses de fé Cristã. Muito estranho... mas poderiam ser resquícios de Cristãos Nestorianos Iranianos da corte dos Mongóis... a wikipedia diz que Ludovico dizia que esses Chineses "eram brancos como nós", aparentemente referindo-se ao tom de pele... mas poderia inclusive referi-se à raça...
Estes "Chineses" Cristãos, convidam-nos a embarcar com eles em viagem e chegam a Pegu, na Birmânia. E depois Malaca, na Malásia. E depois, Sumatra. Decidem ir mesmo à origem das rentáveis especiarias e chegam às Ilhas Molucas.

Agora é a parte interessante:
Voltam por Bornéu, e depois por Java, que os Cristãos Chineses descrevem como "a maior ilha do mundo". Igualmente interessante, o Malaio que leva o barco é descrito como possuindo uma bússola e uma "carta náutica com traçada de linhas".
O Malaio ensina-os que devem navegar orientados pelas estrelas, nunca perdendo o foco do Cruzeiro do Sul:
"(O Malaio) mostrou-nos quatro ou cinco estrelas e disse-nos que uma delas era oposta à nossa estrela polar e que ele navegava pelo Norte (usando a bússola) porque o ponteiro apontava sempre para Norte.Ele também nos disse que do outro lado desta ilha (Java), para Sul, existem outras raças mais, que navegam por estas quatro ou cinco estrelas opostas ás nossas. E fizeram-nos compreender que para além dessa ilha o dia não dura mais de quatro horas e faz mais frio do que em qualquer outra parte do mundo".
É isto uma referência à Antárctida? ao extremo Sul da Austrália?
À Nova Zelândia e aos Maori ou Polinésios?

Em Java, Ludovico afirma que existem canibais e compra duas crianças castradas. De Java, foram para Malaca onde se despediram dos Chineses. E de lá foram para a Índia, chegando por fim a Calecute.
Em Calecute, encontra dois Italianos que estavam a trabalhar ao serviço de um Indiano poderoso que se preparava para cobmater os Portugueses com artilharia Europeia. Ludovico finge-se de asceta Islâmico - pois desde as Arábias que finge ser mouro - e ganha fama como homem santo e curandeiro local, por parte dos mouros, enquanto conspira com os Italianos para regressarem todos a Itália.

Acontece que o Ludovico lá consegue chegar a Cananore e entregar-se aos Portugueses como Cristão Italiano que quer regressar a casa.
É aprisionado e interrogado pelo próprio Capitão da Armada Portuguesa, D. Lourenço de Almeida, a quem oferece informação valiosíssima acerca dos preparos do Zamorim de Calecute.

D. Lourenço de Almeida, despacha Ludovico num navio para Cochim, com relatório a ser entregue a seu pai, D. Francisco de Almeida, o Vice Rei Português da Índia. Este oferece apoio aos outros Italianos para que abandonem os Indianos. No entanto, a trama para salvar os Italianos é descoberta e são assassinados por uma turba de monhés em fúria...

Ludovico passa a trabalhar para os Portugueses, dado a sua fluência em línguas... este participa e descreve em pormenor a batalha de Cananore.
O nosso Italiano aguenta-se com os Portugueses durante o duro cerco de Cananore.
Em que só com a chegada da armada comandada por D. Tristão da Cunha os Portugueses conseguem superiorizar-se. Ludovico diz que muitos dos que conhecia nas redondezas se converteram ao Cristianismo após esta vitória dos Portugueses.
Após uma expedição punitiva a um porto próximo, o nosso Ludovico é feito cavaleiro pelo Vice Rei D. Francisco de Almeida, com o apoio de D. Tristão da Cunha.

Regressa à Europa com os Portugueses, passando pela costa Leste de África, Madagáscar e Moçambique, África do Sul...
Passaram pelas ilhas de Santa Helena e Ascenção, no meio do Atlântico. Depois os Açores e finalmente Lisboa. Ludovico diz que é bem possível que por acção dos Portugueses toda a Ásia se torna Cristã nos próximos tempos...

Em 1510, Ludovico está em Lisboa e tem uma audiência com o próprio Rei D. Manuel, que confirma a validade da sua elevação a cavaleiro.
Que informações disporia Portugal só pelo contacto com este cavaleiro em 1510?

IRF
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É muito interessante esta descrição, em particular no detalhe que dá de um dia com menos de 4 horas, porque isso significa que estaria em latitudes muito a sul.
Com efeito, quando o dia é medido com menos de 6 horas isso significa que se está em latitudes superiores a 60º, seja a norte ou a sul. Tratando-se neste caso de latitudes a sul, convém notar que praticamente toda a Antárctida está dentro do círculo polar (acima de 66ºS), à excepção da Península Antárctida (junto à Terra do Fogo), que vai até 63ºS. Por outro lado a Austrália e Nova Zelândia não chegam além de 47ºS, enquanto a Terra do Fogo vai até 55ºS. 
A esta latitude de 55ºS o dia terá ainda cerca de 7 horas. 
Para ter apenas 4 horas de duração, a latitude teria de ser próxima de 63ºS, já que a 60ºS deveria ter 6 horas de duração.
Como o livro foi publicado em 1510, muito antes da viagem de Fernão de Magalhães, isto significa que, se a medição do dia foi correcta, tinha-se chegado nessa altura a latitudes de 63ºS, ou seja, a um território que apenas encontra paralelo na Península Antárctica.
Isso, é claro adapta-se de forma explícita à descrição "faz mais frio do que em qualquer outra parte do mundo", dada essa característica da Antárctida.

Como se insere esta descrição na história oficial?... Não se insere!


Relação entre a duração do dia e as latitudes

21 comentários:

  1. Re: “Ainda assim, os contornos seriam diferentes e em nada ajudariam Magalhães”
    não estaria assim tão certo disso, vendo que em doze meses pode passar de andar a pé ou de barco pelo mesmo estreito desse Magalhães,
    https://www.futura-sciences.com/planete/actualites/climatologie-derniere-glaciation-arretee-moins-an-15970/

    os Vikings tinham drakkar desmontáveis, desembarcavam desmontavam o navio atravessavam a pé o que queriam e voltavam a montar o navio para continuarem a viagem, portanto encaixa na minha ideia,

    mas a ideia veio-me dum programa da ZDF dá uns vinte anos? Onde fizeram uma reconstituição dessa travessia a pé e canoa de pele de foca do Atlântico norte (durante a era glacial) para justificarem as Antas da América iguais às da Europa , claro que as Alentejanas não entraram em conta,

    Re. “Quanto aos "heróis do mar" serem o hino, pois quem isso entenderia, sem ser o próprio José Manuel?”
    bom vamos lá ver, ah entendem entemdem, nos jogos da seleção nacional, bem o berram “heróis do mar nobre povo”, berram A Portuguesa proibida durante a monarquia,

    a esmagadora maioria dos portugueses não se considera heróis do mar, nem nobre povo, tudo isso é invenção dos republicanos, passaram os portugueses de “Lusos valorosos” a “heróis do mar” sem lhes perguntarem o que querem ser ou o que se consideram ser, e a coisa contínua, agora passam ao Hino da Alegria e viram europeus,

    a heráldica, genealogia e historiografia são farsas dos sistema que nos governa à séculos,

    Cpts.

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    1. Este comentário parece-me ser resposta a este, do postal anterior:

      http://alvor-silves.blogspot.com/2019/09/outros-quinhentos-5-vergonha.html#c4592264578233453003

      Cumprimentos.

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  2. Caros,

    Dada a falta de fontes comprovativas do seu percurso além do seu itenário e as fontes do próprio artigo do Wikipedia, fica aqui o registo da confirmação do Título de Cavaleiro, para um tal LUDOVICO BOLAMBRES (será o mesmo mas com um nome diferente do que conhecem os Italianos/Ingleses/Holandeses).
    Link na torre do tombo: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=3860743
    Título: A LUDOVICO BOLAMBRES, É CONFIRMADO O TÍTULO DE CAVALEIRO, OUTORGADO POR ALVARÁ DE D. FRANCISCO DE ALMEIDA, VICE-REI DA ÍNDIA, COMO PRÉMIO DOS SERVIÇOS PRESTADOS NA ÍNDIA, NESTE DIPLOMA INSERIDO (1507-DEZEMBRO-04, CANANOR) LUÍS CORREIA A FEZ.
    Notas: o documento apenas pode ser consultado em pessoa.

    Cumprimentos,
    Djorge

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    1. Sim, com efeito é bastante coincidente ter um certo Ludovico Bolambres, nas mesmas circunstâncias que Ludovico di Barthema (também é escrito assim, com B em vez de V).
      Por isso, é bastante natural que sejam a mesma pessoa...

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    2. Espetáculo!

      É o Djorge por acaso Historiador?

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    3. Caro Anónimo,

      Sou um mero interessado, neste tema.

      Cumprimentos,
      Djorge

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  3. Aía pá! Que g'anda honra!
    Fico contente...

    Repare-se, no entanto:

    1) Os Cristãos Chineses consideram Java a maior ilha do mundo.
    Ora, Java é claramente mais pequena que o Bornéu e que Sumatra, que são ilhas muito próximas de Java.
    Não é de forma alguma natural que pessoas que se aventurassem por essas bandas, fossem mercadores ou o que fossem, pudessem considerar Java a maior ilha do mundo.
    Java poderia muito bem ser considerada a ilha mais populosa do mundo, mas deixemos de lado esta interpretação porque não é isso o que consta na descrição.
    Consideremos que eles estavam convictos que estavam na maior ilha do mundo, por algum motivo...

    2) Eles chegam ás Molucas antes dos Portugueses terem destruído Malaca.
    Os Malaios eram senhores de todas aquelas ilhas.
    Apesar de serem povoadas por muitos povos diferentes, não faz sentido que "gente tão sofisticada quanto os Malaios ou Javaneses" (atentai!) que tinham claramente Estados de grande dimensão e formas de governo complexas, vastas redes de comércio internacional, uma cultura baseada na navegação ilha a ilha no imenso arquipélago... etc. tinham até religiões como a islâmica que exige a conquista do mundo através da guerra santa e o espalhar da religião a todos os povos pela conversão... já para não falar na já comprovada anterior colonização de todas aquelas ilhas pelos Austronésios...
    (atentai!)
    As ilhas das Filipinas (Luzón, Visayas, Mindanao), Sumatra, Java, Bornéu, Celebes eram bem conhecidas dos Malaios.
    Até as Molucas e Timor. É para mim ridículo sugerir que estes povos não tinham conhecimento da ilha da Papua ou Nova Guiné.
    Isto apesar dos povos da Papua e de Bornéu serem selvagens, bárbaros, canibais que defendiam ferozmente as suas ilhas de invasões estrangeiras, tendo mais ou menos meios para os fazer, sendo que o simples isolamento a que estavam "arredados" era o seu maior aliado na defesa das suas ilhas, especialmente naqueles tempos...
    (atentai!)
    Pelo que temos as ilhas de Sumatra, Bornéu e Papua claramente maiores que Java.
    O meu argumento ou ideia é que, conhecendo a Papua Nova Guiné, que certamente conheciam, especialmente a sua costa Sul, seria dificílimo não saberem da existência da Austrália. Refiro-me, claro, aos povos Malaios ou sofisticados da região com grande tradição marítima, como também parecem ser os Javaneses.

    Para aqueles que duvidam do conhecimento da Papua, não podem duvidar nem do conhecimento de Timor, nem do conhecimento das Ilhas Molucas do Sul à mesma latitude e à beira de Timor.

    Pois Timor dista cerca de 450 Kms da Austrália. A distância entre o Arco da Rua Augusta em Lisboa e a Catedral de Santiago de Compostela é de cerca de 450 Kms; 466 Kms segundo o Google Maps.

    Pois a principal Ilha Sul das Molucas dista cerca de 300 Kms da Austrália. A distância entre o Arco da Rua Augusta em Lisboa e a Sé do Porto é de cerca de 300 Kms; 274 Kms segundo o Google Maps.

    Segundo o Google Maps, as duas principais cidades da Ilha de Java, Jacarta e Surabaya distam 666 Kms. Timor fica a 1000 Kms de Java nos seus pontos mais próximos e Timor dista 485 Kms de uma ponta a outra.

    A Austrália fica mesmo muito perto de Timor (à distância de Santiago de Compostela de Lisboa) e as Molucas à mesma latitude e à beira de Timor ficam ainda um terço mais perto da Austrália (à distância do Porto a Lisboa).

    É quase impossível que os povos locais, tendo em conta a sua forte tradição marítima e o estágio de civilização complexo que atingiram não soubessem da Austrália.
    É também de notar que os Portugueses arrasaram o principal, mais sofisticado e mais rico Estado da região - Malaca - e que os Portugueses valeram-se dos navegadores e elites locais para administração e orientação nos caminhos e informação geral da região.

    IRF

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  4. 3) Estabelecido que está que aqueles povos quase de certeza conheciam a Austrália, demos pois de barato que a conheciam de facto.

    Agora, consideremos que Ludovico di Varthema parte da Itália em 1502, pouco tempo depois dos Portugueses chegarem à Índia e volta à Europa chegando a Lisboa em 1510, ainda antes dos Portugueses chegarem oficialmente àquela área do globo, chamemos-lhe a "Margem Oriental do Índico" e consideremos a chegada dos Portugueses à região em 1511 com a tomada de Malaca, no Ocidente da parte mais Ocidental da região, ou seja, no Ocidente da Península Malaia.

    Vou abster-me de tecer considerações relativamente ao facto de os Portugueses só chegarem e tomarem Malaca exactamente a seguir à chegada de Ludovico di Varthema a Lisboa:

    1510 -> Ludovico di Varthema chega a Lisboa, após ter passado 8 anos no Oriente, incluindo Malaca.
    1511 -> Os Portugueses chegam e tomam Malaca.

    Consideremos antes o que era na imaginação Europeia "Java" antes dos Portugueses chegarem à "Margem Oriental do Índico":

    Java la Grande era a maior ilha do mundo, situada no Oriente, para lá da Índia de acordo com Marco Polo, desde o século XIII / início do século XIV o mais tardar.

    Era a este o imaginário Europeu da Ilha de Java. A questão é que o pessoal da zona dizia que Java era mesmo a Maior Ilha do Mundo... pois parece-me que se referiam à Austrália...

    4) "do outro lado desta ilha (de Java), para Sul (...) para além dessa ilha o dia não dura mais de quatro horas e faz mais frio que em qualquer outra parte do mundo"

    Epá, já estou cansado.
    Para terminar o mais sucintamente possível:

    É inteiramente possível que eles estivessem na Austália em vez de Java.
    É inteiramente possível que eles a considerassem a maior ilha do mundo.
    É inteiramente possível que "o dia dura quatro horas" fosse um exagero.
    É inteiramente possível que o real significado não mitologizado fosse o dia dura uma quarte parte, ou seja, oito horas. O que é possível próximo dos 50º, a latitude do extremo Sul da Nova Zelândia, especialmente da Ilha de Auckland umas centenas de Kms a Sul.

    Penso ser lógico e muito provável que eles conheciam o Norte da Austrália, passaram por lá, e havia lendas de povos como os Polinésios que navegavam como loucos e tinham atingido uma terra para lá da maior ilha do mundo, a grande ilha da Austrália que seria a Nova Zelândia e onde fazia muito frio e escurecia muito cedo.

    Boa noite!

    IRF

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    1. Caro IRF,
      obrigado pela nova contribuição.
      Concordando com bastante do que refere, argumentos que aliás estão também neste blog, creio que o erro de passar 8h para 4h, sendo metade é demasiado erro.
      Isso colocaria em causa a exactidão das restantes afirmações.
      Esse é um problema típico da historiografia clássica, aceitam a parte que interessa à teoria oficial, e descartam o restante como erro.
      Cumprimentos.

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    2. Aquilo que eu disse (ou quis dizer) é que seria inteiramente normal e expectável que uma cultura tivesse noção ou conhecimento da existência de outra que lhe é distante.

      Seria pois natural que a primeira cultura desenvolvesse mitos e lendas relativamente à segunda.

      Assim, a ideia factual de que um dia durava apenas "a quarta parte" poderia degenerar ao longo das décadas ou séculos na ideia ou mito de que o dia durava "apenas quatro horas".

      Acho isto natural, normal, provável e plausível...

      Cumprimentos.

      IRF

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    3. Caro IRF,
      sim, eu entendi isso, e não há problema com isso, excepto que a selecção de informação é um caminho que é trilhado subjectivamente.
      Frequentemente vê isso acontecer, por exemplo Heródoto ou Estrabão são citados quando interessa ir buscar alguma informação concordante, mas depois são descartados como exagerados ou errados noutros casos (por exemplo, quando Estrabão reporta que os povos da Ibéria tinham documentos escritos com 6 mil anos).

      É perfeitamente natural que no meio de uma documentação haja informação mais correcta que outra, simplesmente não devemos ser nós a decidir o que está certo ou errado.

      Abç,
      da Maia

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    4. Naturalmente que concordo com 99%.
      Só me parece que não temos escolha senão "decidir" tanto quanto pudermos o que está certo ou errado.

      Nem que seja porque caso contrário, sem dúvida outros o farão por nós...

      Mas tem razão, tudo o que disse faz sentido...

      IRF

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    5. Sim, tem razão, mas o que mais aborrece são situações em que praticamente tudo coincide, excepto um pequeno detalhe que parece comprometer tudo o resto.

      Por exemplo, no caso que vimos do Esmeraldo Situ Orbis de Duarte Pacheco Pereira.
      Ele claramente diz que a extensão do continente americano vai de 70ºN a 28ºS de forma contínua.

      Eu quis interpretar que ele parou naquele valor (28ºS) porque seria o correspondente ao lado português, do Tratado de Tordesilhas. Mas, isso é apenas interpretação forçada, porque depois ele prossegue e diz que o continente americano bloqueia a passagem, ou que a terra circunda o oceano, indiciando que efectivamente desconhecia a passagem do Estreito de Magalhães.

      Por um lado seria natural, uma vez que a dedicatória é a D. Manuel que morre em 1521 e Elcano apenas regressa em 1522. Mas por outro lado é estranho ele ter ficado por ali, pois nada impedia terem seguido mais a sul.
      Talvez a expedição dele em 1498 tenha ficado por aqueles limites, e ele não tivesse conhecimento do tal mapa de Behaim que estava em Lisboa, e que Magalhães depois vai usar para passar o Estreito.

      A deficiência de conhecimento de Duarte Pacheco Pereira, não pode significar que os portugueses desconheciam o Estreito, porque depois é o próprio Magalhães que o afirma, conforme Pigaffeta transcreve (e não há qualquer razão para Pigaffeta ou Magalhães o terem inventado).

      Tudo indicia que o conhecimento de cada navegador era apenas aquilo que o rei queria que fosse, e não havia um conhecimento comum, partilhado entre os pilotos portugueses.

      Depois, há outras circunstâncias em que parece que temos múltiplas fontes a confirmarem um mesmo fenómeno, como o caso dos navios encontrados nas lagoas da Serra da Estrela, ou do sorvedouro da fonte de Cadima:
      https://alvor-silves.blogspot.com/2011/05/os-nomes-e-as-serras.html

      Mas depois, acabamos por chegar à conclusão que normalmente era uma simples repetição ou citação de um mesmo relato. O que parecia ser uma confirmação por diferentes fontes, poderia ser no fundo a simples repetição de um boato.

      Os historiadores ficam muito satisfeitos com isso. Encontram documentos no estrangeiro, que confirmam alguns documentos portugueses, quando no fundo estavam apenas a copiar a informação que daqui era passada para eles.

      Em suma, e voltando ao caso, Paris está a 48ºN, ou seja, mais próximo do Pólo Norte do que qualquer parte da Nova Zelândia ou da Austrália está do Pólo Sul. Aliás a ponta sul da Austrália está a 39ºS, o que é praticamente a latitude 38.7ºN de Lisboa.
      A diminuição do tamanho dos dia em Lisboa não me parece ser algo tão significativo que merecesse o espanto, ou o exagero de colocar em 4 horas, ou mesmo na quarta parte, que ainda assim seriam apenas 6 horas (e não 8).
      O dia mais curto em Lisboa em 21 de Dezembro tem 9h30m.

      Por isso, fiquei mais inclinado para considerar que a informação do Malaio pudesse referir-se mesmo à Antárctida. E essa navegação poderia ser dos próprios malaios (que eram bons navegadores), mas era ainda mais natural que tivesse sido obtida pelos malaios dos navegadores portugueses, talvez até porque levassem alguns deles consigo, para fins de tradução.

      De qualquer forma, convém manter sempre as informações originais, e não apenas a interpretação que fazemos delas, que é esse o principal caminho para o erro.
      Obrigado,
      da Maia


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    6. Só uma pequena "correcção": O malaio não podia ter ganho o conhecimento através dos Portugueses porque (supostamente e provávelmente) os Portugueses ainda não tinham chegado ao "Oriente" na época do Ludovico... apenas à Índia...

      IRF

      Mais nada a apontar...
      Cumprimentos.

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    7. Certo, mas aí não esqueço a perspectiva ainda de Duarte P. Pereira que dizia ter sido basicamente inútil a viagem de Vasco da Gama.
      Veja o que ele diz aqui (Cap 2º - pág. 99 e 100):

      http://purl.pt/28964/3/#/154-155

      mais concretamente acerca da viagem de 1498 de Vasco da Gama:

      ... não houve mais utilidade que somente ser descoberta e novamente sabida alguma parte daquela Etiopia sob-Egipto e o princípio da Índia inferior.

      No fundo, ele está lixado porque o Vasco da Gama recebeu todas as honrarias fazendo algo "inútil", enquanto ele não tinha nada semelhante...

      Por isso, e por muitas outras razões tenho praticamente a certeza que os Portugueses andavam pelo Índico muitos anos antes de Gama ali ter chegado, e provavelmente conheciam melhor as zonas menos habitadas (como a Austrália), fugindo ao contacto com os árabes, até chegarem Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque.

      Cumprimentos.

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    8. Pois, talvez...
      Mas não estou convencido, meu caro.

      Parece-me mais provável que Pacheco Pereira se referia a que já conheciam aquela zona e só não tinham conhecimento de certas costas...

      Acho difícil os Portugueses terem chegado àquelas paragens cheias de mouros e que não tivesse sido isso registado pelos mouros, que tinham alguma civilização e odiavam os Portugueses e os Cristãos que não lhes fossem sub alternos...

      Mas quem sabe?
      Só não estou convencido...
      Mas também não li o Situs Orbis, só aquele parte pequenina que o Alvor Silves me recomendou...

      Obrigado e cumprimentos.
      IRF

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    9. Bom, convém não esquecer que acerca de Zheng He, o navegador chinês, também não foi pelos registos indianos ou árabes que se ficou a saber da sua chegada ao Índico.

      Para além de não ser claro onde isso ficava registado pelos árabes ou indianos - normalmente eram assunto de Estado - secretos, mesmo tendo sido encontrados não é nada claro que chegassem sem problemas a um conhecimento ocidental que os quisesse divulgar.
      Ou seja, mesmo Zheng He só foi conhecido pela divulgação do Gavin Menzies já no Séc. XXI, e antes disso só no Séc. XX terá sido conhecido por muito poucos no Ocidente.
      Há muitos interesses nesta história...

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  5. Caro Alvor,

    Só um pequeno extra, aqui para este assunto.
    Duarte Barbosa, esteve na India na mesma altura que Ludovico, o seu "Livro" tem o mesmo estilo de apresentação que o de Ludovico embora mais limitado na discrição, por falta de pequenas anedotas de "azares" acontecidos a Ludovico (tal como conta).
    Poderão nunca se ter encontrado, no entanto, a personagem, importante pelo seu papel na viagem de circum-navegação do globo com o seu cunhado "O Magalhais", certamente seria conhecida por Ludovico, se é que Ludovico, alguma vez esteve na Índia.

    Os links são os seguintes:

    A reedição com notas

    Título: "Republicação" LIVRO Em que dá relação do que viu e ouviu no Oriente DUARTE BARBOSA
    Autor: Augusto Reis Machado (Introdução e notas)
    Publicação: Divisão de Publicações e Biblioteca Agência Geral das Colónias
    Ano: 1944
    Link: http://purl.pt/435
    Localização: BNP
    As notas são sobre a publicação de Sebastião Francisco de Mendo Trigoso publicada em 1812 com base numa tradução de J. B. Ramuzio (o tal que atribui a data ao relato de Duarte Barbosa de 1516) e no original.

    Original ("encontrado" mais tarde) (Danificado)

    Título: LIVRO DE DUARTE BARBOSA E OUTROS PAPÉIS

    Autor: Duarte Barbosa? Piloto Genovês (Anónimo)? Ruy de Pina?
    Ano: 15—
    Link: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4248602
    Localização: Torre do Tombo

    As notas sobre o conteúdo deste conjunto de manuscritos identificam os seguintes temas ou crónicas:
    “Livro de Duarte Barbosa já impresso pela Academia Real das Ciências" (p. 1 a 158)

    - "Relação dos governadores e vice-rei da Índia até 1550" (p. 159 a 162)

    - "Navegação e viagem de Fernão de Magalhães quando descobriu o estreito do seu nome". É um roteiro feito por um piloto genovês que foi na armada (p. 163 a 173)

    - "Fragmentos de crónica, que se devem examinar. Parecem à primeira vista serem as de Ruy de Pina" (p. 175 a 286)

    Cumprimentos,
    Djorge

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    1. Caro Djorge,
      boa pesquisa sem dúvida, que junta a este tema.
      Bastantes coisas para ler ou procurar ler...


      >>> "Navegação e viagem de Fernão de Magalhães quando descobriu o estreito do seu nome"

      Quando li isto entendi como
      "Navegação e viagem de Fernão de Magalhães quando descobriu o seu nome no estreito"

      ... isto se atendermos a que os pinguins já poderiam ser magalhães antes dele.

      Obrigado, e cumprimentos.

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    2. Caro Djorge,
      procurei comparar a transcrição com o manuscrito, mas a letra é quase ilegível, especialmente para não profissionais.

      Claramente que houve ali muito liberdade, sendo certo que não há uma transcrição de palavras. Por exemplo, na página 211 da transcrição aparece "Ilhas de Bandão", quando no manuscrito está apenas "banda". Mais, logo de seguida está:
      - "E mais ao diante deixando a ilha de Timor, estão cinco ilhas"...
      enquanto no manuscrito parece estar:
      - "Passada esta ilha de Timor, mais pelo norte, estão 5 ilhas"...

      Só notei pequenas diferenças, mas não auguram nada de bom, pois uma transcrição deveria ser literal... só que eu não tenho tempo para uma empreitada desse género.

      Cumprimentos.

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    3. Concordo a 100% com o que escreve, e por isso também escrevi em cima "se é que Ludovico, alguma vez esteve na Índia.", é certo que alguém esteve lá, ou Bolambres ou Varthema, no entanto como o que nos chega até hoje é semelhante à "transcrição" "interpretada" do Livro de Duarte Barbosa, ouseja, diversas traduções do original (certamente interpretadas) inclino-me a duvidar se não terá sucedido o mesmo com o itenerario de "Varthema" em que mantidas as peripécias da sua vida, ajustaram-se suavemente os textos para colocar dúvida sobre a sua visita além Timor.

      Para ser franco, no que toca ao livro de Duarte Barbosa, apenas olhei para algumas páginas do original e também tive muita dificuldade em entender a caligrafia, os títulos são um bom principio, e se olharmos bem, as suaves nuances de interpretação dos exemplos que apresenta, são suficientes para mudar o sentido da coisa.

      Cumprimentos,
      Djorge

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