quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Nuca Antara - Erédia (5)

Para terminar esta sequência de postais dedicados a Erédia e à Austrália, convém juntar mais alguns elementos.

Canhão de Dundee
Um facto interessante é que recentemente, em 2010, um rapaz que passeava numa praia australiana, em Dundee, perto de Darwin, encontrou um canhão de bronze:
na praia australiana com a maré baixa.

Exames preliminares apontavam que se tratava de um canhão de origem portuguesa, e foram diversos os peritos a afirmar isso inicialmente, pela semelhança e características dessas armas portuguesas.
Esperar-se-ia que a praia tivesse sido vasculhada de alto a baixo, à procura de outros vestígios próximos do encontrado, mas parece que não foi esse o caminho tomado pelos australianos.
Mandaram a peça para diversos testes, inclusive de luminescência, para concluir que o canhão só tinha estado enterrado 250 anos, o que curiosamente permitia incluir a visita de Cook. Não se percebe o que interessa ter estado enterrado ou não, mas enfim...
Acrescentou-se ainda que o bronze poderia ter origem espanhola, ou ainda que o mais provável era ser uma cópia feita pelos Macassares, etc, etc... depressa surgiram diversas teorias que asseguraram que poderia ser tudo.
Tudo, é claro, menos português.
Cheguei a esta notícia, de que basicamente não se ouviu falar em Portugal, através de um blog:
onde também se junta uma torre, a Torre Boyd, como possível monumento antigo de uma época  de presença portuguesa na Austrália.

Isto apenas para deixar claro que, independentemente do que venha a ser descoberto na Austrália, do ponto de vista oficial o assunto é considerado encerrado, e tudo será usado para desacreditar as provas que venham a ser encontradas, mesmo que os australianos tropecem nelas. 

Quíloa
Por exemplo, também tropeçaram em moedas de Quíloa, encontradas na Austrália (desde 1945):
Moeda de Quíloa encontrada na Austrália.

A hipótese que a moeda tenha ido parar à Austrália por comércio com o Reino de Quíloa, há 700 anos, parece ser mais apaziguadora do que outra, que é simples - os portugueses tinham saqueado Quíloa em 1505 e é natural que ainda tivessem consigo moedas, ou citando Mike Hermes:
But he says the most likely scenario is that the Portuguese, who looted Kilwa in 1505, went on to set foot on Australian shores, bringing the coins with them. “The Portuguese were in Timor in 1514, 1515 – to think they didn’t go three more days east with the monsoon wind is ludicrous,” Hermes says.
Para o responsável da investigação pode parecer cómico, ridículo ou caricato, pensar que os portugueses não iam usar três dias de navegação para chegar à Austrália... mas veja-se quanta tinta e quantas palavras já correram em cima desta "piada" que vai persistindo, pelo menos desde o tempo de Erédia.

Tratado ophirico ordenado por Manuel Godinho de Erédia
Erédia vai ainda publicar em 1616 um outro texto, e que eu conheça ficou apenas nesta versão manuscrita, disponível na Biblioteca de França "Gallica":

dirigido a Dom Philipe Rey de España Nosso Senhor : Ano 1616

o documento continua a ser interessante, mas não adianta muito mais ao que Erédia já havia publicado antes. Acrescenta algumas considerações sobre o mundo antigo e o que teriam sido as viagens do rei Salomão, com alguns mapas interessantes.

Sobre os mapas, Erédia acrescenta uma nova versão da "Índia Meridional", passando a data da descoberta para 1610.


Não é importante saber se Erédia terá mesmo contratado ou ido em exploração, até porque os holandeses já haviam declarado a descoberta quatro anos antes, nem interessa muito reparar que ainda assim este mapa de Erédia está longe de se parecer com um mapa australiano, e apresenta as mesmas virtudes - deficiências ou semelhanças - que os anteriores.

Erédia, sendo certo que seria bastante egocêntrico, acrescenta ainda uma auto-biografia, apresentando as suas raízes mais nobres e onde vai ao ponto de dar detalhes sobre a hora do seu nascimento.
Ernest Hamy, um etnólogo e historiador francês, é bastante ácido acerca de Erédia,


e em particular ridiculariza essa sua auto-biografia, bem como todo a atabalhoada historieta em que Erédia se encara como descobridor, nunca tendo saído de Malaca.
O ponto principal, ainda nessa altura, era consolidar o descrédito de dar importância à tese de Richard Major, que tinha colocado os portugueses, e Erédia, como descobridores do continente australiano. Nesse sentido, este apontamento de Ernest Hamy serve actualmente para vermos como foi tratado o assunto no final do Séc. XIX, e desde essa altura basicamente não se terá mencionado mais esse assunto. O livrinho de Hamy tem ainda outros apontamentos com marginal interesse.

As ilhas das Caraíbas são América, mas Timor e as ilhas indonésias não são Oceânia
É tanto mais engraçado atribuir a descoberta da América à viagem de Colombo em 1492, quando nessa viagem ele nem sequer tocou no continente americano, apenas avistou e desembarcou nas ilhas das Caraíbas, situadas a centenas de quilómetros do continente... a maioria delas muito mais longe do continente americano, do que estava a ilha de Timor do continente australiano. Usando o mesmo largo critério, a simples presença em Timor deveria constituir prova inequívoca da descoberta do continente australiano, e Cortesão usava isso - afirmava que a expedição de 1512 de António de Abreu tinha definido a descoberta da "Australásia".
Se os historiadores actuais tivessem o mesmo discernimento que Cortesão, pelo menos ensinava-se que António Abreu tinha descoberto a "Australásia", retirando a Janszoon ou Cook qualquer importância, excepto a de marcar a presença das respectivas nações. Mas com efeito, se nem ao nome de Jorge Álvares, que foi alegadamente o primeiro a chegar à China, é dado qualquer relevo, não é de espantar que a chegada à Austrália tenha sido tão desvalorizada ao longo da nossa história.

No meio de toda esta história, sabemos bem que não é a bem, nem a mal, que a comunidade muda a sua história. Normalmente, essa mudança é ordenada por circunstâncias políticas, ou por mudança de poder. Enquanto a ordem instituída for seguir o rebanho das cabras, será aos pastores (ou se quisermos, aos cabrões) a quem compete definir o percurso para algum lado, que é o mesmo que dizer - para lado nenhum.

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