quinta-feira, 9 de maio de 2019

Os Sismos dos Cismas (1)

A Ordem dos Templários foi uma organização transnacional, com poder militar próprio.
- Que outra organização transnacional militar existiu antes? - Os Hospitalários.  
Ambas estas ordens militares foram criadas após o sucesso da 1ª Cruzada. Os Hospitalários em 1113, e os Templários em 1119.
Repare-se que antes disso, e ao longo da história conhecida, o poder militar estava associado a um rei ou a um seu vassalo nobre. 

- Qual foi a primeira organização hierárquica transnacional? - A Igreja Cristã.
O Império Romano, tal como impérios anteriores, juntavam diversos povos, reinos, podia manter alguma autonomia dos mesmos, mas todo o poder era centralizado sob uma única nação romana. Ou seja, não eram autorizadas disputas, guerras, dentro do império. Nos impérios anteriores a situação era semelhante, com o poder era centralizado na pessoa do imperador, e normalmente com as religiões de serviço sob a sua obediência. 
Raramente vamos encontrar uma religião transnacional, e no entanto vemos religiões muito semelhantes, como acontece entre o panteão de divindades romanas que era praticamente idêntico ao panteão de divindades gregas, e ainda com semelhanças com religiões de outros povos (etruscos, fenícios, etc.). 

Com a dissolução do Império Romano Ocidental, formam-se diversas nações, reinos autónomos, que podiam entrar em grandes guerras entre si, mas onde o Papa exercia uma uma função arbitral, mais ou menos passiva, já que estava destituído de força militar. 
Com o advento das Cruzadas e a formação das Ordens Militares, a situação vai-se alterar de forma considerável, porque estas organizações militares gozam de uma considerável autonomia, apesar de terem os seus mestres nomeados pelo Papa.

Interessa aqui notar o carácter único dos templários, já que ter um castelo templário em Tomar, seria nos dias de hoje equivalente a manter cidades sob completo controlo da ONU nos territórios onde houvesse conflito... como por exemplo no Iraque, Afeganistão, Líbia ou Síria. O mais próximo que temos disso são as bases americanas em diversos territórios. Mas se os reis portugueses toleravam a presença templária, muito mais dificilmente iriam tolerar bases estrangeiras em território nacional.

A Igreja Católica e as Ordens Militares foram o primeiro passo na definição de um poder presente internacional, para além do poder régio, mesmo que os comandantes locais fossem normalmente naturais do país, a sua obediência ia para além do poder secular e servia ainda um poder temporal.

Foi esta falha que apareceu após a Guerra dos Trinta Anos, no Séc. XVII. A separação do poder papal levou a estados independentes sem a mediação papal, sem nenhuma organização comum de bastidores, e basicamente tornou necessária a ideia de ser inventada rapidamente. Surgiu assim a maçonaria... que foi justamente beber influências às ordens militares - dos Templários e dos Hospitalários (de São João Baptista, e de Malta).



Os Cismas
A Igreja Cristã teve alguns momentos decisivos, que se propagaram como ondas sísmicas. 

(i) Um primeiro momento foi a crise do Arianismo, propagada por Arius de Alexandria, que colocava em causa a Trindade, pois afirmava a pessoa do Filho procedente do Pai. O Concílio de Niceia arrumou com a questão excomungando os arianos.

Já tinha aflorado este assunto a propósito de São Nicolau, cuja lenda consta ter esbofeteado Arius, mas que na prática nem sequer é certo que tenha estado presente em Niceia (Turquia).
Figuração bizantina em que S. Nicolau teria dado uma bofetada a Arius.

O arianismo não deixou de ter influência nos reinos ibéricos, pois essa era a linha da religião cristã visigoda, e diversas contendas com Roma foram aparecendo, com maior ou menor intensidade. 

(ii) Um segundo momento foi o grande Cisma Oriente-Ocidente, por causa da cláusula Filioque, onde a Igreja Ortodoxa quebrou definitivamente com o Papado em Roma, mais uma vez por uma razão da  Trindade. Neste caso, a Igreja Ortodoxa sustem (até hoje) que o Espírito Santo não procede do Filho, mas apenas do Pai. O que divide Oriente e Ocidente é a presença da palavra Filioque na frase:

Et in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem: qui ex Patre (Filioque) procedit

Ou seja, "e no Espírito Santo, Senhor, e dador da vida, que procede do Pai (e do Filho)".

(iii) Um terceiro momento complicado foi a Cruzada Albigense, que vitimou milhares de cátaros, no Sul de França. Neste caso, os cátaros iam bem mais longe, vendo uma dualidade de deuses. Satanás no deus do Antigo Testamento, e Cristo na pessoa do Novo Testamento. Aqui a cisão foi remediada com a força bruta... ficando a lenda de que na dúvida os 20 mil cidadãos de Béziers foram mortos, argumentando que Deus depois decidiria quais eram culpados ou inocentes da heresia.

(iv) O quarto momento ocorre no reinado de Filipe o Belo, rei francês que irá extinguir os templários.
Como o papa Clemente V é francês, decide ficar em Avignon (Avinhão), tal como os seus sucessores, todos franceses... até que um deles, o papa Gregório XI, decide o regresso a Roma.

Avignon - Palácio papal (casa oficial do Papa entre 1309 e 1376)

Quanto a franceses, Avignon serviu de lição a Roma.
Depois de Avignon, não houve mais papas franceses... aliás papas que não fossem italianos já era coisa rara, depois disso e dos Bórgia espanhóis, durante quase quinhentos anos só houve papas italianos, até aparecer o polaco João Paulo II.

(continua)

5 comentários:

  1. Boa tarde caro da Maia,

    Ainda tivemos dois papas portugueses; Dâmaso I e João XXI

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Categoria:Papas_de_Portugal

    E já li não sei onde que existiu um papa que descendia de Dom Dinis (ou seria de Dom Sancho?)mas calculo que sendo gente da nobreza muitos papas fossem de algum modo descendentes de Reis.

    Uma curiosidade sobre o arianismo vs catolicismo romano em Portugal foi o facto dos cruzados terem morte o Bispo moçárabe aquando da conquista de Lisboa. Este facto pode-se prender precisamente com o facto dos moçárabes seguirem os ritos antigos do tempo dos visigodos em oposição ao novo regime vigente.

    Ab

    JR

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  2. Ah cá está:

    https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Papa_Bento_XIII

    Sempre era de D. Dinis.

    Ab

    JR

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    1. Pois, o papa Dâmaso ou Damásio teria pais lusitanos, mas não é completamente claro que tivesse nascido cá.
      Parece que essa ideia começou no Séc. XVI, e encontramos livros que o dizem natural de Guimarães (outros de Idanha). Um caso é este livro:

      Sermão do glorioso S. Damaso Papa natural e padroeiro da muy nobre villa de Guimarães na festa, que a camara da mesma villa lhe fez por ordem de sua magestade no anno de MDCXXXXVIII (1648)
      http://purl.pt/14157

      Não sabia dessa ascendência de Bento XIII, mas com 500 anos de diferença cada um de nós tem cerca de 20 níveis de antecessores o que dá a bonita quantia de mais de um milhão de avós.
      A regra é mil avós por 250 anos, logo 500 anos dá mil avós com 1000 avós cada, ou seja um milhão de avós. Num milénio temos 1 bilião de avós...

      Mesmo que haja muitas repetições, a menos que se esteja numa ilha isolada, basta haver algures um cruzamento entre comunidades e toda a ascendência passa a ser partilhada. A diferença principal é que alguma nobreza tem registo disso e a populaça não faz a mínima ideia.

      A wikipedia tem uma lista de papas por país de origem:

      https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_popes_by_country

      e é fácil ver que os italianos se preocuparam bastante em manter Roma romana...

      Obrigado pela observação.
      Abraço.

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  3. Boa noite.
    Ok mas D Dinis não foi o único gerador de vida, ou seja paralelamente a D Dinis existiram indivíduos que geraram outros tantos biliões e assim por diante eassim anteriormente mas sim, todos vimos de pó estrelar. Quanto ao Dâmaso, se os pais eram de cá eu considero-o português mesmo que tenha nascido fora. No entanto isto foi dito como curiosidade porque concordo com o que caro Da Maia diz sobre a hegemonia italiana papal.

    Abraço
    JR.

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    1. Pois, e no outro sentido, uma grande parte da população acabava por nem sequer gerar descendentes, já que abundavam as causas de morte.
      Quanto ao Dâmaso, pois também acho que se pode considerar um homem de costados lusos, ou seja, é natural que falasse uma espécie de português... e não apenas o latim oficial.
      O número de papas não italianos é mesmo muito baixo... tirando aquela sequência de papas de Avinhão - onde os franceses se serviram, e a parte mais antiga ainda do Império Romano, a percentagem de italianos ronda os 90%.
      Isto seria hoje muito mal entendido, mas parece não ter apoquentado os fiéis durante milénios...
      Abraço.

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