Abade LeFranc
O versão portuguesa, do texto que tenho vindo a transcrever, não mencionava o autor, tal como o original, mas tendo encontrado uma reedição francesa, penso que se esclarece melhor o contexto.
Le voile levé pour les curieux (original de 1792)
ou
Le secret de la Révolution de France. Revelé, à l'aide de la Franc-Maçonnerie
pelo
Abade Jacques François Le Franc (cf. versão de 1828)
O Abade LeFranc, era um eudista da Congregação de Jesus e Maria, e não durou mais de um ano à publicação da sua obra. Foi uma das 180 vítimas chacinadas na prisão do Oratoire des Carmes, no contexto de milhares de mortos no grande Massacre de 2 de Setembro de 1792, em pleno Reino do Terror, durante a Revolução Francesa.
Massacre de 180 padres na Prisão dos Carmelitas, em 2 de Setembro de 1792 (ilustração no jornal Les Révolutions de Paris, em 8 de Setembro) |
Dificilmente fará sentido relacionar a sua morte com a publicação da sua obra, quando nem é o elemento mais referenciado nesse massacre... no entanto, convém não esquecer que uma forma bastante monstruosa de disfarçar assassinatos selectivos é alargar o público-alvo, quando as restantes vítimas passam por danos colaterais, para iludir a selecção visada. No entanto, no caos do Reino do Terror, era maior proeza sobreviver, e muito mais para quem arriscasse a publicar obras, mesmo sem as assinar, como foi o caso do Abade LeFranc.
Vicenza em 1546
Basílica Palladiana, em Vicenza |
Relativamente à origem recente da maçonaria, o Abade LeFranc mencionava um acontecimento hoje pouco conhecido, ocorrido na cidade italiana de Vicenza, perto de Veneza.
Em 1546 teria aí tido lugar uma reunião de ateus e deístas. A República de Veneza, prendeu e condenou dois dos participantes à morte pelo garrote, executada em 1548.
Fui à procura de mais referências sobre este episódio e só encontrámos nomes afrancesados - Jules Trevisan e François de Rugo, numa versão francesa do texto que nos levou ao Abade LeFranc. Tratando-se de italianos, também não adiantou procurar Giulio ou Francesco, estes nomes só os encontramos em pseudónimos, tipicamente da maçonaria.
Mesmo que se tratasse de um período crítico, na reforma e contra-reforma, e notando que Martinho Lutero morre nesse mesmo ano de 1546, a situação parece ainda estranha, por caber a Veneza a condenação religiosa.
Segundo o Abade LeFranc, seriam os outros, que escaparam a essa perseguição, procurando refúgio noutros países, que dariam um carácter fundacional à maçonaria. Dava aí especial destaque aos Socinos, colocando mesmo Fausto Socino, o sobrinho de Lélio, como o fundador da maçonaria.
Ao mesmo tempo que critica, LeFranc despende uma significativa parte deste texto ao elogio de uma franco-maçonaria "pura", que deveria ter em consideração o papel crucial de Jesus, algo que a nova maçonaria francesa se propunha destruir. Nesse âmbito, ao querer definir uma franco-maçonaria como disciplina global, que incluiria todos os mistérios, inclusive os científicos, parece ter sido um simples franco-atirador, alinhando num certo ridículo dos próprios.
Assim, a conclusão de que a nova Maçonaria visava apenas um ataque a Cristo, não era propriamente novidade, já que desde a época de Templários que se notava que havia movimentos que visavam o protagonismo do rei Salomão e da sua herança. O estranho é não se mencionar a associação directa entre estas organizações salomónicas e o seu patrocínio óbvio pela judiaria. Todas as organizações que se opusessem ao catolicismo teriam apoio judaico. Desde os movimentos luteranos, calvinistas, anglicanos, ateus, deístas, até às suas congregações, em especial na maçonaria, tudo serviria o propósito de atacar o poder centralizado em Roma.
Quanto aos príncipes europeus, a única filosofia que os levou a abraçar o cristianismo de Lutero, foi a contestação ao papado que servia as pretensões do Império Habsburgo, nas vertentes espanhola e austríaca. A chancela papal ao Tratado de Tordesilhas, era intolerável numa nova época de descobrimentos, e seriam as Companhias das Índias a regularem o comércio global, especialmente depois da Guerra dos Trinta Anos. Estes movimentos de contestação religiosa não eram novos - basta lembrar os casos arianos ou cátaros, e teriam tido efeito reduzido ou praticamente nulo, se não houvesse um interesse material em terminar com o poder centrado em Roma, quando se tornavam evidentes as vantagens das navegações e do comércio global.
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O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado
CAPÍTULO I
Origem da Franc-Maçonaria
(continuação)
Eis-aqui uma origem diferente da que lhe dá o Autor do "Ensaio sobre Franc-Maçonaria", (tomo 1. pag. 76).
É sem duvida, quando o sacerdócio e a magistratura se achavam reunidos na mesma pessoa, que a Franc-Maçonaria deve ter seu nascimento.
As ciências e os princípios das artes só eram conhecidos do sacerdote-magistrado. A mecânica das artes estava nas mãos de homens ordinários. Era necessário para felicidade dos homens, e sua unidade, regular seus costumes, e se lhe davam preceitos, ordens , e leis; infligiam-se-lhes penas; a religião, que se lhes ensinava , era do seu alcance. Quando o Ser supremo criou o homem , já tinha criado tudo o que existe; e nesse momento brilhou para o mesmo homem a verdadeira luz, a luz da sabedoria Divina. A Franc-maçonaria tem por Era a da criação do Universo, a Era da verdadeira Loja.
O estudo das ciências, e dos conhecimentos intelectuais por meio das quais se lê nas fibras das plantas, nas entranhas da terra, no abismo dos mares, no fogo dos astros e dos planetas, na alma do homem, e na do Universo; este estudo era a ocupação do sacerdote-magistrado, e o fruto deste estudo era colhido pelos outros homens, para cuja felicidade ele era destinado. Daqui nascem duas doutrinas, uma que por sua sublimidade, ou por sua complicação, não podia ser compreendida pelo comum dos homens, e outra que, por sua simplicidade, se achava ao alcance deles; estando a magistratura separada do sacerdócio, os conhecimentos intelectuais e os das ciências se viram divididos: um e outro sofreram a cisão ou rotura da unidade; a árvore ficou estéril e não produziu mais fruto; ela esmoreceu, e tocou o último ponto da sua corrupção. O livro do conhecimento estava escrito em caracteres, e hieroglíficos, em emblemas; perdeu-se o segredo destes caracteres, e a imaginação, trabalhando sobre os hieroglíficos, se esquentou, se exaltou, e viu o que neles não havia, e não o que ali se achava.
À força de estudos e de indagações, se descobriram alguns vestígios de conhecimentos; mas os que procuravam a luz e a verdade eram uns homens isolados, que trabalhavam sós. Eles não comunicavam suas descobertas, e os progressos foram sumamente vagarosos. A Franc-maçonaria saiu do túmulo, viu-se renascer de suas cinzas, como a Phenix, tudo o que era misterioso julgou que pertencia à Franc-maçonaria; e isto era verdade. Todas as ciências abstractas, e os conhecimentos sobrenaturais foram enxertados na árvore maçónica. Eram estes uns ramos separados, que se reuniam outra vez ao tronco. Os ramos se tomavam pelo tronco da árvore: o homem não via sempre o que devia ver. Nasceram os sistemas, e viram-se muitos. Os partidistas deles tomaram para si a Franc-maçonaria e pretenderam ter a ela um direito exclusivo. Eles não viam que o seu sistema é que pertencia à Franc-maçonaria. Eu o repito, e eu o digo como o creio, tudo quanto é misterioso é da competência da Franc-maçonaria, tudo o que se chama conhecimento em Física, em Moral, em espiritual ou intelectual é próprio da Franc-maçonaria. Tudo o que pode tender para felicidade física, moral, ou intelectual do homem , pertence à Franc-maçonaria (veja-se o "Ensaio sobre a Franc-maçonaria, ou o fim essencial e fundamental da Maçonaria; da possibilidade, da reunião dos diferentes sistemas da Maçonaria, do regime conveniente a estes sistemas".
Mas os que pertendem elevar um novo Templo ao Senhor reconhecem no Rei Salomão o chefe de todos os obreiros mações, e lhe referem todas as ceremónias, e instituições maçónicas.
Pouco curiosos de acharem a verdadeira origem de uma Ordem tão célebre, os Mações deixam voluntariamente a seus membros a liberdade de escolherem a origem, que quiserem adoptar; com tanto que um espesso véu cubra os verdadeiros princípios da arte real da Maçonaria. Mas para não deixar por mais tempo suspenso o Leitor, nós vamos começar a revelar o grande, o verdadeiro, e o único segredo da Franc-maçonaria, sobre o qual os Mações tem transtornado os projectos a todos aqueles, que o tem pretendido conhecer.
A Franc-maçonaria é a quinta essência de todas as heresias, que dividiram a Alemanha no século décimo sexto. Os Luteranos, os Calvinistas, os Zuinglianos, os Anabatistas, os Novos Arianos, em uma palavra, todos aqueles que atacam os mistérios da Religião revelada; todos aqueles que disputam a Jesus Cristo sua divindade, e à Santíssima Virgem Maria sua maternidade divina; todos aqueles que não reconhecem a autoridade da Igreja Católica, ou que rejeitam os Sacramentos; os que não esperam outra vida depois desta, os que não crêm em Deus ou porque se persuadem que ele não tem cuidado, nem providencia sobre as cousas deste mundo , ou porque desejam que Ele não exista; eis-aqui a nobre origem da Franc-maçonaria, ou com quem os Franc-mações (Pedreiros-Livres) se têm associado, e de quem actualmente se vê formada a sua Ordem real. A prova disto será facilmente conhecida de todos aqueles que têm noticia dos últimos acontecimentos, que desolaram a França, e Península. Vamos pois fazer algumas aproximações, que ajudarão aos que não tem à mão os livros da história, a achar o fio que lhes será suficiente para saírem do labirinto, em que destramente têm sido enredados.
Os Pedreiros-livres da França pretendem tirar sua origem da Inglaterra: é pois entre os nossos aliados que se devem examinar os progressos da Maçonaria. No principio do penúltimo século não se falava entre eles de Pedreiros-Livres. Estes só foram sofridos em Inglaterra no reinado de Cromwel, porque se incorporaram com os independentes, cujo partido então prevalecia. Depois da morte do grande protector, diminuíram de crédito, e só no fim do século décimo sétimo é que chegaram a formar assembleia à parte debaixo do nome de Freis-Mações, de homens-livres, ou de Pedreiros-Livres; e não foram conhecidos em França, nem tiveram bom sucesso em fazer nela prosélitos senão por meio dos Ingleses, e irlandeses, que passaram àquele reino com o Rei Jacob, e o pretendente. Entre as tropas é que eles foram primeiro conhecidos, e por meio delas é que começaram a fazer prosélitos, e se fizeram temíveis desde 1760, em que tiveram à sua testa Mr. de Clermont, Abade de S. Germano dos Prados.
Mas é preciso remontar mais alto, para termos a primeira, e a verdadeira origem da Franc-Maçonaria.
A Cidade de Vicença foi o berço da Maçonaria em 1546. Na sociedade dos Ateus e dos Deístas, que nela se congregaram para conferenciarem uns com outros sobre as matérias de religião, que dividiam a Alemanha em um grande numero de seitas, e de partidos, é que foram lançados os primeiros fundamentos da Maçonaria. Foi nesta academia célebre que as dificuldades relativas aos mistérios da Religião Cristã foram olhados como pontos de doutrina pertencentes à filosofia dos Gregos, e não à Fé.
Logo que estas decisões chegaram à Republica de Veneza, ela mandou perseguir seus Autores com a maior severidade. Júlio Trevisan, e Francisco de Rugo forão presos, e garrotados. Bernardino Okin, Lélio Socino, Peruta, Gentilis, Jacques Chiare, Francisco o Negro, Dario, Socino, Alciás, Abade Leonardo, se dispersaram por onde puderam; e esta dispersão foi uma das causas, que contribuíram para espalharem sua detestável doutrina em diferentes partes da Europa. Lélio Socino depois de ter adquirido um nome famoso entre os principais chefes dos hereges, que punham a Alemanha em fogo, morreu em Zuriche com a reputação de ter atacado com maior força a verdade dos mistérios da Santíssima Trindade, e do da Encarnação, a existência do pecado original, e a necessidade da graça de Jesus Cristo.
Lélio Socino deixou em Fausto Socino, seu sobrinho, um hábil defensor de suas opiniões; a seus talentos, à sua ciência, à sua actividade infatigável, e à protecção dos príncipes, que ele soube atrair a seu partido, é que a Franc-maçonaria deve sua origem, seus primeiros estabelecimentos, e a colecção dos princípios, que são a base de sua doutrina.
Fausto Socino teve a vencer muitas oposições para fazer adoptar sua doutrina entre os sectários da Alemanha; mas o seu carácter flexível, sua eloquência, a fecundidade de suas ideias e sobretudo o fim, que manifestava, de declarar guerra à Igreja Romana, e de a destruir, lhe adquiriu muitos partidistas. Os seus sucessos foram tão rápidos, que, ainda que Lutero e Calvino tenham atacado a Igreja Romana com a mais desmedida e escandalosa violência, Socino os excedeu muito. No seu túmulo em Luclavia se gravou o seguinte epitáfio.
Tota licet Babylon destruxit tecta Lutherus,
Muros Calvinus, sed fundamenta Socinus.
Quer dizer, que se Lutero tinha destruído o tecto da Igreja Católica, designada pelo nome de Babilónia, se Calvino tinha derrubado seus muros, Socino podia gloriar-se de ter arrancado até mesmo seus fundamentos. As proezas dos Sectários contra a Igreja Romana, eram representadas em caricaturas tão indecentes, como gloriosas a cada partido; porque é de notar que a Alemanha estava cheia de gravaduras de todas as espécies, nas quais cada partido se disputava a glória de ter feito à Igreja o maior mal que podia.
Mas é certo que nenhum chefe dos Sectários concebeu um plano tão vasto, nem tão ímpio como o que formou Socino contra a Igreja. Ele não pretendeu somente abatê-la, e destruí-la, empreendeu além disso elevar um novo templo no qual propôs fazer entrar todos os Sectários, reunindo todos os partidos, admitindo todos os erros fazendo um todo monstruoso de princípios contraditórios; porque ele sacrificou tudo à gloria de reunir todas as Seitas, para fundar uma nova Igreja em lugar de Jesus Cristo que ele fazia pundonor de destruir, a fim de arrancar a fé dos mistérios, o uso dos sacramentos, os terrores da outra vida, que tanto afligem aos maus.
Este grande projecto de edificar um novo templo, e de fundar uma nova religião, deu lugar aos discípulos de Socino para se armarem de aventais, de martelos, de esquadrias, de prumos, de trolhas, de pranchas de desenho, como se tivessem de fazer uso de tudo isto na edificação do novo templo, que seu chefe tinha projectado; mas na verdade aquelas coisas não eram senão uns adereços, uns ornatos curiosos, que servem mais para enfeite, do que para instrumentos úteis para edificar.
Debaixo da ideia de um novo templo deve entender-se um novo sistema de religião, concebido por Socino e para cuja execução todos os seus sectários prometem concorrer e empregar-se. Este sistema não se assemelha em nada ao plano da Religião Católica, estabelecido por Jesus Cristo; antes lhe é diametralmente oposto: e todas as partes tendem só a lançar o ridículo sobre os dogmas e verdades professadas na Igreja, as quais não concordam com o orgulho da razão, nem com a corrupção do coração. Foi este o único meio que descobriu Socino para reunir todas as seitas, que se tinham formado na Alemanha: e é este o segredo, que empregam hoje os Pedreiros-Livres para povoarem suas Lojas de homens de todas as religiões, de todos os partidos, e de todos os sistemas.
Eles seguem exactamente o plano, que Socino se tinha prescrito, que era associar os sábios, os filósofos, os deístas, os ricos, em uma palavra, os homens capazes de sustentarem sua sociedade por meio de todos os recursos, que estão ao alcance de todos eles; os membros desta sociedade guardam fora dela o mais profundo segredo acerca de seus mistérios: semelhantes a Socino, que por experiência soube quanta circunspecção devia empregar para o bom sucesso de sua empresa. O estrondo de suas opiniões o obrigou a deixar a Suiça em 1579, para passar à Transilvânia, e daqui à Polónia.
Foi neste reino que ele achou os segredos dos Unitários, e dos Anti-trinitários, divididos entre si. Como hábil chefe começou insinuando-se destramente no espírito de todos aqueles que queria ganhar, afectou uma estima igual a todas as seitas; aprovou altamente as empresas de Lutero e de Calvino contra a Corte de Roma; e acrescentou mais, que eles não tinham posto o último remate à destruição de Babilónia; que era necessário arrancar seus fundamentos para edificar sobre suas ruínas o verdadeiro templo.
A sua conduta correspondeu a seus projectos. A fim de que a sua obra avançasse sem obstáculos, prescreveu um profundo silêncio sobre sua empresa, como o prescrevem os Pedreiros Livres em suas Lojas, em matéria de Religião, a fim de não experimentarem alguma contradição sobre a explicação dos símbolos religiosos, de que estão cheias suas Lojas e fazem prestar juramentos aos Adeptos de não falarem nunca diante aos profanos sobre o que nelas se passa, a fim do não divulgarem uma doutrina, que só pode perpetuar-se debaixo de um véu misterioso. Para ligar mais estreitamente seus sectários entre si, Socino quis que se tratassem de irmãos, e que tivessem sentimentos de fraternidade. Daqui vieram os nomes, que os Socinianos têm tomado sucessivamente de Irmãos-polacos; de Irmãos-morávios, de Irmãos da congregação, etc. etc. Entre si se tratam sempre de irmãos e tem uns para com os outros a mais demonstrativa amizade.
(continua)
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