segunda-feira, 15 de março de 2021

King Kongo (2)

King Kong. Em 1933 saiu um filme de Hollywood que fez furou pelo mundo:

King Kong (filme original em 1933) 

O argumento foi escrito pelo inglês Edgar Wallace que o intitulou "Kong". Embora não haja explicação sobre o nome, "Kong" seria tão natural como "Gabon", pois Gabão e Congo são as duas regiões onde há a maior quantidade de gorilas. Em alternativa, Wallace terá proposto "King of the Apes", mas surgiu então "King Kong".

Acontece que alguns ingleses e americanos sabiam perfeitamente que existia uma pessoa que reclamava o título "King of Kongo"O reclamante era Pedro VII, aqui com a sua mulher, em pose de estado, no ano seguinte, em 1934: 

King - Kongo: Pedro VII (1934)

Em virtude da Conferência de Berlim (1884), o reino do Congo tinha-se colocado como reino vassalo de Portugal (1888), e depois de uma revolta em 1914, os portugueses republicanos tinham terminado com esse reino. No entanto, continuou a haver pretendentes à sucessão, tal como no caso português.

Uma associação entre uma coisa e outra parece-me acidental, e é natural que não tenha passado pela cabeça de ninguém. Nem dos produtores de Hollywood que quiseram a mudança do nome, nem do inglês que escreveu o argumento.

Pelo lado do argumento inglês encontro mais semelhanças com a descrição de Richard Burton:


que 8 anos antes da decisão da Conferência de Berlim, proclamava que a permanência inglesa em África deveria seguir "o modo dos Lusitanos dos velhos tempos heróicos", de garantirem a influência territorial  no interior através de portos bem consolidados no litoral (Prefácio, pág. x). 

O capítulo XI tem como título "Mr, Mrs, and Master Gorilla", onde para além de atribuir a primeira viagem àquelas paragens a Hanno, o cartaginês que navegou de Cádis até ao Golfo da Guiné, de onde surgiu a designação "gorila", e desmistifica mais à frente preconceitos sobre gorilas:
 

Para os portugueses que conheciam África desde o Séc. XV, estas explicações deveriam ser escusadas, mas para toda uma Europa que estava agora empenhada em redescobrir o que já estava descoberto, era como se nada existisse antes. Basta ver que a Stanley é atribuída a brava missão de cartografar o Rio Congo até à rocha onde Diogo Cão deixou a sua assinatura. Foi como se desde 1485, e passados 400 anos, ninguém tivesse entrado mais no rio...

Os jornais deram eco a essa paranoia de publicidade imperial, feita a Livingstone, Stanley ou pelos franceses a Brazza (italiano, de onde vem o nome Brazzaville). O mais curioso é que estes intrépidos exploradores, ou digamos turistas, usavam na sua equipa para além de nativos, também portugueses.
É claro, os jornais oficiais nunca deixaram de cumprir a sua função oficial - vender uma verdade conveniente às políticas dos estados, ou dos grupos de influência, que os detinham.

Um outro detalhe está no capítulo XII, onde Richard Burton associa uma ilha do Corisco (já aqui referida) a uma certa "ilha Gorila":

Acidentalmente ou não, encontramos aqui registos que sugerem o entendimento de gorilas enquanto fantásticas criaturas diabolizadas, e a existência de uma ilha Gorila, ligada às ilhas do Corisco. Referindo ainda que essas ilhas derivam o nome dos relâmpagos e tempestades que as assolavam. Ou seja, o enredo que foi usado no filme King Kong poderia encontrar-se nos mitos da época meio século antes, e não seriam poucos os que se lembrariam disso.
 
Ilha de Corisco, e a sul, à esquerda de Mbanié, existe uma minúscula ilha "Conga".

Heart of Darkness
Em 1899 Joseph Conrad publicou Heart of Darkness (Coração das Trevas), referindo a viagem pelo rio Congo em direcção a um estado idealizado pelo psicopata Kurtz, ou digamos, pelo rei Leopoldo II da Bélgica, para quem o Congo foi propriedade privada, para experiências sociais avançadas, que eliminaram milhões de "brutos" (sic). 
Uma curiosa adaptação desta obra é depois usada no filme Apocalypse Now, onde o rio deixa de ser o Congo, e sendo no Vietname, passará a ser o Mekong.

Mais uma vez, esta ligação entre Kong e Mekong será possivelmente fruto de coincidências encadeadas, não tanto porque não seja vislumbrada qualquer relação entre os rios, ou mesmo entre a situação política... digamos que Nixon não corresponderia a Kurtz, da mesma forma que isso poderia ser feito com Leopoldo. 

Zaire
O que não é completamente claro para mim, ainda hoje, é até que ponto não houve um conhecimento dos dois rios Congo e Mekong, e dos respectivos reinos associados, ainda ao tempo de D. João II.
A esse propósito desde logo adiantei que me pareceu que a viagem de Diogo Cão pode ter corrido no sentido oposto, passando pelo Estreito de Magalhães.
Porquê? 
Porque Fernão de Magalhães refere usar um mapa de Martin Behaim, para passar o estreito, quando acerca de Behaim só me parece haver registo que tenha viajado com Diogo Cão.
O rio Congo passou depois a ser designado como rio Zaire, supostamente vindo de palavra indígena n'zere, ao passo que a palavra original para o rio no Vietname seria mesmo khong.

1 comentário:

  1. Curiosamente, hoje à noite vi um pouco da nova versão do filme King Kong, que estava a passar no cabo, e acho que não tinha reparado que um dos tripulantes do navio estava justamente a ler e comentar o "Heart of Darkness". Isto é perfeitamente natural, porque o enquadramento é o mesmo... o aspecto distinto é que colocam a ilha junto a Sumatra, e não próximo do Congo.

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