domingo, 26 de janeiro de 2020

dos Comentários (59) - Tradição e Tradução.

O principal deste postal será recuperar uma questão antiga sobre "outra inteligência", ou de que forma nos seria inteligível uma inteligência estranha (por exemplo, alienígena, ou extraterrestre).

Desde já, dois comentários que se inserem na tradição e património nacional:
  • José Manuel de Oliveira comenta o tesouro da nau Bom Jesus, com link para programa da RTP (2016). Trata-se de um tesouro que está em museu na Namíbia, e pelo qual o estado português manifestou pouco ou nenhum interesse. Inclui-se aí um astrolábio notável:
  • Amélia Saavedra menciona o romance de Fernando Campos, "A sala das perguntas", onde a propósito de uma ficção sobre Damião de Góis, atribui autoria do poema Adeste Fideles. 
  • Aqui convirá dizer que, como as primeiras pautas surgem numa notação musical antiga, não é de excluir que a composição pudesse ter origem mesmo no Séc. XVI.  Com efeito há um livro de 1780 (15 anos antes do hino ter sido tocado na embaixada de Portugal em Londres), em que Coghlan solicita subscrição para imprimir a música:
  • É neste tipo de pautas musicais, com origem em Guido de Arezzo, que foram escritas as músicas medievais, e análise de maior detalhe, na simbologia, permitiria até estabelecer uma data mais concreta para este tipo de partitura, que já estava ausente dos compositores europeus do Séc. XVIII (vejam-se as partituras de Bach, ou de Handel)
  • Segue-se então o texto de 2018, e que surge a propósito de outro comentário de José Manuel que se relaciona com o assunto da existência de inteligência ou entendimento diferente do humano. Na altura o texto ia com este título mas com o nº 36 "dos comentários".

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....................... 26 de Março de 2018 (draft) .......................

Numa conversa/discussão que decorreu há mais de um ano, e que o João Ribeiro encontrou de novo, deixei uma questão pendente:
- Poderá haver um tipo de inteligência diferente da nossa? 
Ou seja, a encontrarmos outra inteligência, com outra linguagem, haveria sempre uma tradução possível? 

Tinha pensado em fazer um postal sobre o assunto, mas acabei por me esquecer.
É uma boa altura de escrever mais qualquer coisa sobre isso.

Começo por remeter a uma questão de diferença entre duas palavras, mas transfiro o que tinha escrito sobre a sílaba "tra" para outro post, porque este não era aqui o propósito.

Tradução e Tradição
Começando com "tradução", mesmo do latim temos "trans"+"ducere" que significa "através" da "condução". Mas este sufixo "dução" refere-se mais a um "ducto", a um canal, estrada, ou passagem, por onde se conduzia. Neste caso, o ducto é o canal de comunicação, e numa tradução somos conduzidos por um canal que liga uma língua a outra.
No caso de "tradição", é remetido a "trans"+"dare", mas parece-me etimologia latina enviesada considerar o "dar", havendo "dictionem" que significa "dicção", que remete ao simples "dizer". Assim, tradição é uma passagem do que é dito, e a uma boa dicção vê-se sílaba a sílaba...

Há uma substancial diferença.
No caso da tradição é procurada uma passagem literal, muitas vezes procurando manter letra a letra, através dos tempos, e numa tradução é procurada uma passagem de ideias semelhantes, em línguas diferentes.

Os sons que ouvimos produzidos por outros animais, e que servem de comunicação entre si, são pouco significantes para nós. Ou seja, se foi possível comunicar com qualquer tribo humana, e por mais remotamente perdida que esta estivesse, foi possível encontrar tradutores para ser feita a passagem de ideias, no caso de animais essa tarefa ficou bastante mais complicada.
Com efeito, na maioria dos casos, o esforço para a tradução foi quase sempre feito no sentido dos outros aprenderem a nossa língua. Os indígenas nascidos com outra língua, aprendiam uma das línguas ocidentais, e serviam depois como tradutores.
Mas isso implica vontade e capacidade de aprender uma língua, algo que foi conseguido com os nativos face às línguas das potências colonizadoras, e só em casos raríssimos vemos qualquer vontade dos ocidentais em aprender uma língua tribal. Talvez a situação idealizada para entender linguagem de animais terá sido no romance de Tarzan, onde o pequeno fora criado pelos Mangani, uma espécie ficcionada, entre chimpanzés e gorilas.

A linguagem visa o entendimento... (... e não o desentendimento! )
O propósito da linguagem é uma comunicação, onde o receptor entende a mensagem do emissor.
Se o emissor se arma ao pingarelho, e usa terminologia que sabe que o receptor não entende, não visa a comunicação, nem o entendimento com ele.

Caso não se definissem noções semelhantes, o entendimento seria impossível, cada um teria a sua linguagem própria, ou antes, nem sequer faria sentido haver linguagem, porque não haveria interessados na comunicação.

O desentendimento é o ponto de partida, porque cada um de nós vê um universo completamente diferente. Como se fosse preciso testar o caso, a natureza coloca-nos a situação de gémeos, em que o ponto de partida é o mesmo, mas que pequenas circunstâncias fazem desviar para uma evolução que pode ser completamente diferente.
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Não me recordo porque razão não continuei o texto, mas para além de eventual falta de tempo, ou de oportunidade, é também possível que o texto não tenha fluído com argumentos mais decisivos.

O ponto seguro, do qual parti, para afirmar que não haverá inteligência significativamente diferente da nossa, está na própria forma da linguagem, que está muito pouco, ou quase nada, relacionada com a nossa particularidade animal. É claro que "ouvir" se baseia nos ouvidos, "cheirar" no nariz, "ver" nos olhos, etc... mas até na forma como essas palavras são usadas figuradamente, nem sempre estão ligadas aos nossos sentidos.

Emerge o problema da origem da linguagem, ou melhor de palavras universais, que se aplicam a situações muito superiores, muito abstractas, e que só ligeiramente dizem respeito à nossa vida na Terra. Por isso, o mais natural, será considerar que havendo inteligências noutras paragens, essas linguagens teriam chegado pelo menos ao mesmo tipo de noções abstractas que temos, já que não há nenhuma razão para serem exclusividade nossa.
Por exemplo, a noção de quantidade é universal, mesmo em propriedades, de que não duvidamos. Sabemos que se vinte maçãs cabem numa caixa, então dezanove dessas maçãs também cabem lá.
Não é possível a nenhuma entidade violar este princípio.
Até podemos duvidar disso, quando as vinte maçãs estavam colocadas de forma optimal, e depois é difícil até colocar dezanove... No entanto, sabendo que a maior foi possível, não podemos duvidar que a mais pequena também seja. Ora, isto não está escrito na natureza em parte alguma. É uma propriedade matemática de que não duvidamos, que foi induzida pelas noções abstractas que adquirimos.

Por isso, podem existir noções que ainda não adquirimos, mas é certo que muitas das que adquirimos são universais, e partilhadas por todos os seres inteligentes. Quanto à linguagem de seres menos inteligentes, muito vai sendo feito no sentido de procurar o seu nexo, sendo exemplos interessantes os casos de biólogos que foram viver no meio de animais (por exemplo, gorilas), e começaram a perceber os comportamentos, e assim a linguagem dessa comunidade, não se esperando aí grandes noções abstractas, por insuficiência dos próprios.



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