domingo, 9 de junho de 2019

Outros Quinhentos (4) 500 anos - A méxica

Em Fevereiro de 1519, Hernán de Cortés parte de Cuba para a invasão do território Azteca.
Doze anos mais tarde, Francisco Pizarro irá iniciar a invasão do Peru, saindo do Panamá.
Farão isso de forma cruel, pragmática, ou brilhante. Ajustam-se diversos adjectivos.
Passam 500 anos, e para os mexicanos não é muito claro o tom da comemoração.

Convém notar que os Aztecas e Incas não eram civilizações antigas.
Os Incas iniciaram o seu império em 1438. 
O Império Azteca começa em 1428, com a aliança das cidades Tenochtitlan, Texcoco e Tlacopan.
Passado um século, ambos estes impérios foram destruídos num ápice pelos espanhóis.

Quadro da conquista do México e Tenochtitlan por Cortés.
Portanto, quando Ceuta é conquistada (1415), e o Infante D. Henrique começa a tomar conta das explorações atlânticas, os impérios Azteca e Inca ainda não existiam. Estes impérios desenvolvem-se ao mesmo tempo que se desenrolam as explorações portuguesas no Atlântico, e vão cair quando Carlos V é sagrado imperador do Sacro-Império Germânico, em Janeiro de 1519, e inicia a sua expansão territorial além das Caraíbas.

Surge assim uma pergunta:
- Há alguma evidência de contacto anterior entre Incas ou Aztecas com europeus?
- Aparentemente, não.
Um argumento comum é que se tivesse havido um contacto anterior, as doenças que vitimaram muitos indígenas, teriam aparecido mais cedo.

Esse dado, normalmente aparece sem grande suporte objectivo.
Os indígenas teriam sucumbido às doenças trazidas pelos europeus, dando-se como exemplo mais comum a varíola. Aponta-se para este número uma redução de 90% da população indígena. 
Normalmente parece esquecer-se que também os europeus eram vítimas naturais desta doença, e que na Europa do Séc. XVIII foi contabilizada a morte de 400 mil pessoas por ano, até à invenção da vacina. Ou seja, a varíola não atingia só os indígenas, a novidade terá sido que passou a afectar também os indígenas. Também os europeus passaram a ser vítimas de novas doenças tropicais, de que antes tinham pouca notícia - por exemplo, a febre amarela.

Outra causa do decréscimo da população indígena pode explicar-se praticamente por um factor:
- Mestiçagem.
Este factor teve logo como exemplo a entrada de Cortés no México.
La Malinche foi oferecida como companheira de Cortés, e dela ele teve vários filhos. 

Este processo era o mais frequente porque as tripulações embarcadas de Espanha não levavam mulheres. As mulheres a que os espanhóis tinham acesso eram as indígenas, e aí não houve prurido de múltiplos acasalamentos. Rapidamente surgiu uma segunda geração mestiça, já afiliada a uma origem espanhola, ocidentalizada, que foi perdendo a ligação aos aztecas. Repetidamente, o processo levou a que se perdesse a língua e cultura dos antepassados, com a pressão do clero católico, extremamente cioso da pureza cristã e condenação da bárbara cultura pagã azteca.
A população nas cidades mexicanas poderia ser medida no seu nível social pela maior ou menor quantidade de sangue espanhol. Ao contrário do que veio a ocorrer depois com as colonizações britânicas ou holandesas, no caso espanhol ou português a mestiçagem foi crucial para o desaparecimento da cultura indígena. Por exemplo, o emblemático Mayflower partiu para a América com colonos - homens e mulheres - mas só nos séculos XVIII e XIX é que as colonizações portuguesa ou espanhola seriam mais feitas por famílias partidas do continente europeu. Apesar de haver alguma presença de mulheres e famílias nos navios que cruzavam os oceanos, esse número foi sempre contido ou reduzido ao estritamente necessário.
A facilidade de ligação com os indígenas nem sempre foi tão facilitada quanto no caso americano, sendo claro que no caso do contacto com populações chinesas ou japonesas, a miscenização foi uma prática muito residual, quase inexistente.

A rota de Cortés
O sucesso estrondoso de Cortés é pouco digno de ser reconhecido, porque ao mesmo tempo acaba por se ligar a um pragmatismo possível. 
Cinco centenas de espanhóis consegue, por meio de grande engenho e artimanha, fazer sucumbir em dois anos, um império ingénuo e cruel, que contava com milhões de habitantes.

Uma das razões do sucesso de Cortés foi o seu percurso até Tenochtitlan, de Abril a Novembro de 1519, onde com sucessivas alianças a tribos inimigas dos aztecas foi reunindo uma força invasora já muito considerável, com milhares de homens.
Para esse efeito contribuiu La Malinche, a concubina nahua oferecida a Cortés, que depois o ajudou não apenas na tradução, mas até a definir a estratégia de alianças. O termo "malinche" passou a designar a traição ao próprio povo... por incompreensão posterior.
Mais crucial terá sido a aliança com Tlaxcala, que após feroz guerra no início de Setembro, aceitaram negociações e aliança com os espanhóis contra os aztecas, seus inimigos. Os seus quatro chefes foram baptizados e ofereceram as filhas em casamento aos companheiros de Cortés. 

Parte da grande pirâmide de Cholula.
De forma mais importante, Tlaxcala deu um exército suplementar a Cortés, que o usou contra Cholula, a segunda cidade mais importante, e um grande centro religioso. 
Cholula tinha sido instruída pelo imperador Moctezuma para parar Cortés, mas a cidade era um ponto religioso, com fraco dispositivo militar. Acabou por acolher Cortés, e como a sua concubina acabou por revelar/descobrir um plano de assassinar aí os espanhóis, estes terão executado 3 mil (ou 30 mil) habitantes, e deitado fogo à cidade para servir de exemplo.
A partir daí, Cortés não teve maiores dificuldades em seguir até ao centro do império Azteca, a cidade de Tenochtitlan, e lago Texcoco, no que é hoje a Cidade do México.

Tenochtitlan no lago Texcoco, é hoje a Cidade do México.
Tenochtitlan teria, à chegada de Cortés, uma população estimada em 200 mil habitantes, e seria assim uma das maiores cidades do mundo à época, maior que as cidades europeias.
Além disso, a complicada construção de Tenochtitlan, no meio do lago Texcoco, faziam dela uma cidade comparável a Veneza, em diversos aspectos. Este enorme lago Texcoco foi completamente assoreado pelos espanhóis, o que permitiu depois a construção de uma Cidade do México cada vez maior, assente num lamaçal que resultou da construção feita sobre o lago (isto causa ainda problemas graves na propagação das ondas sísmicas, conforme se verificou no sismo de 1985).

Aztlan, Quetzalcoatl, Kukulkan e Viracocha
Moctezuma II recebeu com todas as honras Cortés e os seus homens, instalando-os no palácio que fôra de seu pai. Desde que desembarcara, emissários de Moctezuma enviavam saudações e presentes, procurando que ele não fosse a Tenochtitlan, mas os ricos presentes apenas serviram para mostrar que estava no caminho certo. 
Moctezuma prendeu-se à lenda Mexica-Azteca que colocava a origem do povo em Aztlan (note-se a semelhança com o termo Atlan, ou Atlas-Atlântico), um local indefinido a norte. Ligando Cortés à divindade Quetzcoatl, enquanto homem branco de barba, o imperador dava aos espanhóis um estatuto divino que facilitou a perdição azteca. A mesma lenda, que existia nos Maias e nos Incas, variando no nome - Quetzalcoatl era Kukulkan para os Maias e Viracocha para os Incas - serviu de grande facilitador para a conquista de Aztecas e Incas (os Maias, menos centralizados, resistiram mais tempo). 
Ao fim do segundo dia, e com o pretexto de erguer uma cruz e um altar à Virgem Maria, os espanhóis arranjaram pretexto para sequestrar Moctezuma, e mantê-lo como imperador fantoche. Fraco, esteve mais preocupado em não ser destronado, caso os espanhóis escolhessem o irmão Cuitlahuac, apesar dos protestos da sua corte. Moctezuma foi colaborando ao ponto de o avisar da chegada de um exército de Cuba, liderado por Narvaez, para o prender. 

Cortés, mais uma vez resolveu a situação pragmaticamente. Foi até Veracruz, onde derrotou Narvaez, e convenceu o exército que vinha no seu encalço a juntar-se a si, na conquista de Tenochtitlan. Quando regressou, a situação era ainda mais caótica, os Aztecas tinham-se juntado em torno do irmão de Moctezuma, após um massacre no grande templo ordenado por Alvarado (segundo no comando de Cortés). Cortés pede a Moctezuma que fale à população para a apaziguar, mas este acaba morto pela saraivada de pedras que recebe.
Com a morte de Moctezuma, os espanhóis são forçados a fugir de Tenochtitlan, mas reagrupam forças com os aliados de Tlaxcala. No final tudo se resume a convencer as cidades vizinhas a alinharem com o novo poder espanhol, e um cerco de dois meses à capital, que acabará por cair a 13 de Agosto de 1521.

Uma conquista que doutra forma poderia ter demorado séculos (o que aconteceu noutras paragens próximas, incluindo os Maias), acabou por se resumir, numa série de acasos favoráveis, e numa crença no cumprimento do mito de Quetzalcoatl. O engenho de Cortés, para coordenar os diversos balanços de poder, e tirar daí o melhor proveito, foi ainda mais notável.

Os Aztecas, e a sua Méxica, caíram sem grande dificuldade aos pés de Cortés.
Como já referimos, o nome "América" poderá ser um desvio de "A méxica", mas aqui também surge como interessante este mito ligado a "Aztlan", um nome demasiado próximo de "Atlan" para não ser ignorado. Aliás, a frequência dos nomes aztecas com o som "tl" não deixa de ser intrigante como relação do próprio nome de Atlas, com este continente perdido.

Curiosamente, até a descrição de Platão de uma cidade aquática atlante deixa algumas questões, pois isso teria ocorrido milhares de anos antes de ser construída. Ou seja, a lenda que levou os Mexica-Aztecas até ao lago Texcoco, procurando o símbolo da águia que bica a serpente junto ao cacto (símbolo da bandeira mexicana), serviu ainda para ajustar a pretensão de que a lenda parecia inspirada no cumprimento do relato de Platão no Timeu.

4 comentários:

  1. Aleixo Garcia foi o primeiro europeu e português a contactar o Império Inca, subiu aos Andes liderando um exército de índios Chiriguanos, só seria possível a quem estivesse há muitos anos em contacto com esta gente, "uviu falar da riqueza dos incas em relatos que narravam uma montanha de prata e um poderoso rei "branco". Reuniu um grupo de dois mil homens, a imensa maioria ameríndios, e partiu à conquista do Império Inca" https://pt.wikipedia.org/wiki/Aleixo_Garcia

    Cumprimentos
    José Manuel

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    1. Boa noite, José Manuel.
      Só encontrei o nome de Aleixo Garcia falado em Portugal a partir de 1797, da seguinte forma:

      «Varios Francezes e Espanhoes suppoem povoada a Capitania de Se Vicente no anno de 1516, quando relatão a fabulosa Historia de Aleixo Garcia, e tambem quando assignão a razão por que os Castelhanos chamárão Rio da Prata ao Paraguai.»

      por Frei Gaspar da Madre de Deus, em "Memorias para a historia da capitania de S. Vicente" (Pág.11).
      https://books.google.pt/books?id=BvZPAQAAIAAJ&pg=PA11

      Este frei Gaspar insiste numa versão oficial, em que foi Martim Afonso que no início de 1531 ou 1532, começa a descoberta e nomeação oficial dos lugares. Além disso classifica a viagem de Aleixo Garcia como "fabulosa", o que naquele tempo seria o mesmo que dizer que "era fábula".
      O curioso neste relato é de referir que o Rio de Janeiro corresponde à descoberta no dia 1 de Janeiro de 1532. Angra dos Reis, logo a seguir, teria o nome do dia de reis, 6 de Janeiro. A ilha de S. Sebastião (Ilhabela) seria avistada a 20 de Janeiro, e a ilha de S. Vicente no dia 22 de Janeiro, que são os dias dos respectivos santos.

      Actualmente usa-se a versão de que esta sequência foi feita por Vespúcio ou Gaspar de Lemos, em 1502, e que 30 anos depois, em 1532, Martim Afonso fez o mesmo, definindo agora a descoberta oficial dos locais, por ordem do rei.

      Na minha opinião, Martim Afonso repetiu a viagem com 50 anos de diferença face à exploração inicial de Diogo Cão, 1482.

      Abraço, da Maia.

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  2. Caros,

    Umas curiosidades.
    Nessa mesma expedição, esteve também, segundo o Wikipedia Inglês, Cristóvão Jacques.
    Este nome é muito interessante e o percurso de vida do explorador mais ainda, ora vejamos:

    Em 1503 veio pela primeira vez à costa do Brasil na frota de Gonçalo Coelho.

    Em 1516, no comando de duas caravelas, foi encarregado do patrulhamento da costa brasileira, a fim de desestimular incursões de corsários franceses. No rio da Prata, venceu e aprisionou muitos franceses. Percorreu a costa até 1519.

    A 21 de julho de 1521, zarpou de novo da foz do rio Tejo com destino ao Brasil, fundando em Pernambuco a Feitoria de Itamaracá, num dos ancoradouros mais conhecidos do litoral brasileiro, onde havia abundância de pau-brasil e frequentes contatos entre indígenas e europeus, antes de prosseguir para o Sul até ao rio da Prata.

    Em 1526, foi nomeado por D. João III como Governador das Partes do Brasil, em substituição a Pero Capico no litoral pernambucano, tendo retornado outra vez no comando de uma nau e cinco caravelas, travando inúmeros combates com corsários franceses.

    Em 1527 aprisionou três galeões franceses no Recôncavo da Bahia, mas agiu com barbaridade contra os prisioneiros, e esse gesto acabou lhe causando grandes problemas junto a D. João III. (Provavelmente, entre França e Portugal)

    Ao regressar a Portugal, ofereceu-se ao soberano para, às próprias expensas, com mil colonos, dar início à ocupação permanente das "novas terras", mas nada resultou da proposta. (Assume-se que seriam as terras novas do Brasil, mas haviam tantas quais seriam de facto?)

    A 20 de Abril, 1534, Jaques Cartier (Cartier = fabricante de cartas) parte sob comissão do Rei de França, “esperando alcançar a passagem Oeste para os mercados da Ásia” (assim se diz). De acordo com o relato do documento de comissão, seria seu objectivo “to discover certain islands and lands where it is said that a great quantity of gold and other precious things are to be found" fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Jacques_Cartier
    (Para quem não se debate nos detalhes, seria aceitável que o destino fosse o Canada. Para mim, sabendo bem que o Rio São Lourenço, e o Canada Atlântico, não eram um destino para Ouro ou “coisas” preciosas e depois de ler um pouco do percurso de Cristóvão Jaques, vejo que a história dos dois é demasiado coincidente para ser uma coincidência.)

    Abs,
    DJorge

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    1. Caro DJorge,
      não conhecia esse Cristovão Jacques, e parece claro que os franceses quiseram tomar conta da parte americana portuguesa. Desde cedo (1504) haveria navios franceses na costa brasileira, e depois também na costa do Canadá. Ao que parece inicialmente dedicavam-se principalmente ao roubo, corso, mas depois tentaram mesmo a conquista do Rio de Janeiro (que era chamada Niterói pelos índios), ao que chamaram França Antártica. Creio que a ideia francesa seria atacar o lado português, já que normalmente quando se colocava melhor com Espanha, atacava Portugal e Inglaterra.

      Quando Pacheco Pereira dá conta do continente americano e da visita que D. Manuel lhe mandou fazer em 1498, refere que vai continuamente de 70ºN a 28ºS, e portanto imagino que essa tivesse sido a parte que conheceu ou explorou até 1498.
      Seria natural que os navegadores não tivessem uma ideia completa do que exploravam, e este limite de 28ºS seria a área de Santa Catarina, acima do Rio da Prata, praticamente uma definição do limite do que seria o Brasil segundo Tordesilhas.

      Abraço, da Maia.

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