terça-feira, 9 de abril de 2019

Moedas (1) contas que contam contos

O verbo contar decompõe-se nas sílabas "con tar", ou seja "com + estar".
Contava-se com quem? Com quem estava.
Contava-se com o quê? Com o que estava, com o que existia.

Acresce que uma forma primitiva de moeda eram justamente "contas", pequenos discos ou cilindros furados enfiados num fio. Serviram para negócios com os indígenas no período colonial, por exemplo, para tráfico de escravos. O seu aspecto estético era um factor principal para determinar o seu valor de troca, um valor quase nulo para os comerciantes europeus.


A moeda com contas, será mais antiga.
A palavra moeda pode resultar da forma  (a roda com um buraco central), no mesmo tipo de variante em que rocha dá rochedo (ou bruxo dá bruxedo). 

A tradição minhota de exibição de ouro.
Que a exibição de riqueza passou pela exibição de colares, chegando ao ponto do exagero popular, pois isso encontra-se em Portugal na tradição ornamental que passava pela exibição de grandes colares de ouro nas mulheres minhotas.

Convém ponderar que a escolha do ouro como metal de eleição e como carácter distintivo de riqueza, não terá sido propriamente uma escolha masculina. Terá sido resultado de uma preferência feminina, a que os homens procuraram dar agrado. A sua raridade foi fazendo o resto do processo de separação entre o ouro e as suas imitações.

Em Esparta, é relatado que Licurgo, o seu mítico legislador, teria proibido o uso do ouro pelos seus habitantes.
A única moeda aceite era o ferro. Ora, como não havia nenhuma carência de ferro, os mais abastados teriam dificuldade em exibir a sua riqueza, já que a quantidade para tal seria equivalente a ter uma casa cheia de ferro velho. Assim pensou Licurgo numa forma de evitar a ostentação.

Com este postal quero iniciar uma sequência dedicada à história através das moedas, da numismática, disciplina que parece muito vezes negligenciada, mas que é uma das formas mais eficazes de seguir o registo antigo. 

Moedas antigas ibéricas
Começo com uma moeda que aparece em Cadiz, a antiga Gades, com inscrição fenícia, e apresenta o seu herói na versão Hércules, que era designado como Melqart.

A representação de um homem usando como capuz a cabeça de um leão remete logo para o mito de Hércules, que tinha ainda uma versão fenícia e cartaginesa, com o nome Melqart (que parece ser traduzido como o "maior da cidade" - de "mel", bom, e "cart", cidade).

A tradição das almadrabas de atuns em Cadiz pode justificar a presença do peixe na moeda, talvez querendo referir uma equivalência entre a moeda e um atum. Esta moeda está identificada como sendo do Séc. III a.C., enquanto o culto de Melqart, rei lendário da cidade de Tiro, encontra-se em registos que vão até ao Séc. IX a.C. Ou seja, pode bem enquadrar-se num período temporal mítico a que a Monarchia Lusitana fazia referência.
Mesmo que consideremos tudo como mito, não parece oferecer grandes dúvidas que terá havido um grande líder na antiguidade que deixou marcas na bacia mediterrânica, em fenícios e gregos, romanos e cartagineses, e que usava como capuz uma cabeça de leão.
Moeda fenícia em Gades, com as supostas inscrições "HE GADIR" e "BALN".

Noutras moedas, encontramos 2 atuns. Será natural presumir que isso reportasse ao dobro do valor, ou seja, talvez aquela moeda permitisse comprar dois atuns... encontram-se ainda moedas com Melqart e outros animais, como o golfinho ou o elefante. 

Quando vi pela primeira vez estas moedas, e talvez porque a associação a Hércules fosse imediata, o atum pareceu-me uma maça. Seria aliás natural que Hércules tivesse a força necessária para usar um atum como uma maça... mas a representação dos dois peixes, ou outros animais, levou-me a descartar essa possibilidade. 
No entanto, a Hércules associa-se a maça e a maçã
Ora, é ainda curioso que o nome grego para maçã fosse melon (μῆλον), já que isso nos remete justamente para "mel", a primeira sílaba do nome Melqart. Pode ser mera coincidência, ou uma forma grega de lembrar que a origem do personagem remetia a esse prefixo fenício.

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