domingo, 19 de agosto de 2018

Peças dos Painéis de S. Vicente (5)

Terminei o último texto relativo aos Painéis de S. Vicente (4) da seguinte forma:

Agradeço ao Clemente Baeta ter despertado de novo o assunto, que estava enterrado, para mim. 
É tempo de voltar a fechar a tampa do caixão e dar nova paz a este assunto.

Escrevi isso na primeira semana de 2013, e já lá vão mais de 5 anos... quem diria!
Não tenho quase nada a acrescentar, porque não me preocupei mais com o assunto.

No entanto, relendo o que escrevi à época, terá interesse resumir o assunto à matéria de facto, num pequeno texto. Numa troca de emails com Clemente Baeta, foi-me dado conta que voltou um cheiro bafiento a rondar o caixão, cheiro de plágio literal de textos ou de ideias antigas de outrém, por exemplo, das já constantes do site paineis.org, de António Salvador Marques.

A minha opinião acerca dos painéis é diversa da maioria das opiniões actualmente existentes, porque é demasiado óbvia e não vai buscar nada de estranho. Creio que terá sido opinião de muito boa gente, cuja voz terá sido esmagada por um nonsense mais conveniente. De facto, sendo uma obra singular, resultante de um espírito singular (D. João II), não teve o propósito ser mistério, mesmo que requeresse uma interpretação além do trivial.

Foi inicialmente apresentada esta tese em 2009, neste texto:


e depois desenvolvida em 3 textos:

Aqui ficará um resumo do essencial, sem acrescentar nada muito significativo de novo.
____________

1º) Os painéis de S. Vicente
Os painéis estiveram fora do conhecimento popular, até que foram notados em 1882 por Columbano Bordalo Pinheiro, quando serviam de andaimes na restauração da Igreja de S. Vicente de Fora. Desde aí serviram para inúmeras teorias, umas mais estranhas que outras.

Painés de S. Vicente - em melhor resolução na Wikipedia

Este é o posicionamento clássico e correcto dos painéis, resultante das marcas no pavimento, que definem um ponto de fuga, típico da pintura da época.

Que o segundo painel possa ter uma iluminação diferente nas sombras (algo especulativo) tem menos relevo que notar que no quarto painel as sombras não fazem qualquer sentido (veja-se que o ângulo das sombras dos dois cavaleiros ajoelhados não é concordante com uma mesma fonte de luz).

2º) A datação
(a) Uma análise dendocronológica estabeleceu a datação mínima (terminus post quem) para as madeiras, reportando-as a 1442-52, mas como é óbvio isso não implica nenhuma datação máxima (terminus ante quem), e parece natural que para uma pintura importante seja usada madeira mais velha e não madeira acabada de cortar, que poderia depois empenar.

(b) O manuscrito do Rio de Janeiro. 
Esse manuscrito é aparentemente a única fonte antiga(*) que refere os painéis e corta a direito nas teorias actuais. Conforme se pode ler em paineis.org
O documento [Manuscrito do Rio de Janeiro] data de fins do séc. XVI, e nele se refere expressamente que os dois painéis, descritos de memória, já não se encontram no local, sendo o seu paradeiro ignorado («... dirão os cónegos onde estão...»).
A forma como o autor recorda os painéis, atribuindo-os a um tal Mota, pintor de D. João II, não identificando uma única das figuras que rodeiam o «santo», e justificando o estranho aspecto efeminado deste último através da identificação do seu rosto com o de um adolescente – o infante D. Afonso, filho de D. João II, nascido em 1475 e falecido aos 16 anos – indica uma estranha ignorância do significado das duas cenas e da identidade dos seus protagonistas, por parte de quem se mostra informado acerca de outros retratos de reis existentes em Lisboa.
Acontece que sem saber deste manuscrito, e por razões mais óbvias, tinhamos chegado à "mesma ignorância", ou seja que:

- Os painéis foram feitos a propósito da morte do príncipe D. Afonso, filho de D. João II.

Não é preciso muito para concluir isso. Admitindo que o terceiro painel tem a figura de um rei, de uma rainha e de um príncipe, as hipóteses ficam reduzidas.
Sendo o rei D. Afonso V, convém notar que o príncipe só poderia ser D. João II, que nasceu no ano em que a mãe morreu. Ora, isso fica assim fora de causa, e seria suficiente para deitar abaixo qualquer pretensão minimamente racional nesse sentido... se houvesse racionalidade na discussão!

Devido à datação das madeiras, não teria sido feito no reinado de D. Duarte (que morre em 1438), e tudo isto empurra-nos imediatamente para D. João II.
O pequeno príncipe poderia ser o príncipe D. Afonso, mas não é isso que indica o Manuscrito do Rio.  Resta pois a execução a propósito da morte de D. Afonso em 1491, altura em que D. Jorge tinha 10 anos, o que se ajusta perfeitamente à sua aparência.

(c) As datações usadas estão separadas por mais de 40 anos. A moda e a pintura sofreram algumas mudanças. Colocar uma obra destas até 1460 é esquecer o trajo típico com que nessa data era apresentado D. Afonso V:
Imagens de D. Afonso V em 1460 possivelmente do pintor Georg von Ehingen.

... ou seja, e por exemplo, ainda subsistia a moda de sapatos pontiaguados, inexistente no quadro (o rei usa botas de pele, redondas).
Depois, há um outro detalhe complicado... a menos que a obra tivesse sido executada no estrangeiro (onde e por quem?), a pintura portuguesa teria aqui um epifenómeno, que não influenciaria nada nem ninguém nas décadas seguintes. Os traços semelhantes, inclusive no pavimento, usados por Nuno Gonçalves noutras pinturas identificadas, podem indicar a sua autoria, mas nada impedia que fosse o tal Mota, talvez seu discípulo. É um detalhe secundário ou terciário, face a tudo o resto.

3º) A rede e o camaroeiro
Há quem goste de ver no 2º painel um pescador com uma rede.
Mas, por azar das coincidências, o corpo do príncipe D. Afonso foi trazido na rede de um pescador, e a mãe, a rainha D. Leonor, deu tal importância ao assunto, que colocou a rede do camaroeiro como seu símbolo, associando-o a si, e às vilas de seu domínio. 

Essa rede inclui três personagens desse 2º painel... e se o intuito era simplesmente ilustrar pescadores (e que pescadores!), havia outras maneiras de colocar a "rede", sem ser a envolvê-los.
É este painel que é suposto ser aquele que tem uma iluminação discordante... o que seria ainda natural se o pintor quisesse focar que estavam guiados por uma luz discordante, na rede que os envolvia, ou apanhava.

4º) As barbas e o barbadão
O que descrevi até aqui é mais do que suficiente para datar o quadro, e o que trata. 
Diria que são os factores principais, sem necessidade de grande interpretação ou conjectura. 
Suspeito que dezenas de pessoas terão concluído o mesmo, ou algo similar.

Se eu trouxe alguma coisa de novo à discussão foi em ter reparado num outro detalhe concordante... 
Por exemplo, pode ler-se em Garcia de Resende, no episódio da morte do príncipe D. Afonso:
(...) e disse aos que na casa estavam: "Ahi vos fica o principe meu filho", sem poder dizer mays pallavra. E com ysto se levantou antre todos hum muyto grande, muyto triste e desaventurado pranto, dando todos em si muytas bofetadas, depenando muitas e muy honrradas barbas e cabellos, e as molheres desfazendo com suas unhas e mãos a fermosura de seus rostros que lhe corriam em sangue, cousa tam espantosa e triste que se nam vio nem cuydou. 
(...) El-rey por tamanha perda, tamanho nojo e sentimento se trosquiou. E elle e a raynha se vestiram de muyto baixo pano negro. E a princesa trosquiou os seus prezados cabellos e se vestio toda d' almafegua e a cabeça cuberta de negro vaso. E na corte e en todo o reyno nam ficou senhor nem pessoa principal nem homem conhecido que se nam trosquiasse.
Acontece que nos painéis eram apenas três as figuras que não estavam "tosquiadas", mantendo larga barba e cabelo. Duas delas tinham as mãos juntas, e à outra não se viam as mãos. Lembrei-me dos túmulos, onde é frequente ver as pessoas de mãos juntas, e pensei que essa seria uma codificação para indicar quem figurava no quadro, mas já estava morto à data.

Ora, com essa simples sinalética fazia sentido a ver o Infante D. Henrique ali, já depois de morto.
Na altura, é claro, nem me passava pela cabeça a "teoria da conspiração" que pretende estabelecer que nas Crónicas de Zurara o rosto do Infante D. Henrique foi substituído... Bom, mas isso é já um detalhe secundário, irrelevante para a datação.

Bom, e como há sempre mais um detalhe, note-se a rainha com a "cabeça coberta de negro vaso"... tal como têm um "vaso negro" na cabeça o pequeno príncipe, D. Jorge, ou o pai, D. João II. A almafega era um burel branco de baixa qualidade, usado no luto da nobreza, mas aqui o tom foi negro, como indica Garcia de Resende. De alguma forma isso contrasta com os barretes coloridos do 4º painel, talvez porque não fossem pessoas directamente ligadas à família real.

Curiosamente, e ao contrário, ninguém fez barba ou cabelo, aquando da morte de D. João II:
E todo o reyno foy vestido de burel, almafega, e vaso, com tamanho nojo e tristeza, que ha cidade de Lisboa alem dos grandes e solemnes saymentos que polla sua alma fez, mandou apregoar que nenhum barbeiro fizesse barba nem cabello dahi a seis meses sob muy graves penas e assi se comprio muy inteiramente o que nunca se vio nem leo que por outro rey se fizesse.
E ainda como curiosidade, a questão relativa à "rede" liga-se nas barbas ao Barbadão, cognome do judeu sapateiro avô materno do primeiro Duque de Bragança.

5º) A descrição do príncipe D. Afonso
Já o tinha referido, mas coloco aqui em citação Garcia de Resende, sobre a opinião que havia do malogrado príncipe. Na boca do rei coloca a seguinte frase:
"Eu verdadeiramente per cima de tanta tristeza, tanto nojo, e desconsolaçam dou muitas graças a Deos pois elle foy servido de me assi levar meu filho, que elle soo sabe o que faz, e nós nam podemos saber nem alcançar seus secretos e escondidos juyzos. E vos certefico que de hũa cousa soo estou em algũa maneyra confortado, que he parecer-me que Nosso Senhor Jesu Christo se lembra da gente destes reynos, porque meu filho nam era pera ser rey deles."
Ora dizer que estava confortado porque "... Cristo se lembrava da gente destes reinos, porque o filho não era para ser rei deles", não seria propriamente algo que D. Leonor gostasse de ouvir. Mas Resende vai mais longe e explica logo de seguida:
E dizia el-rey ysto porque o principe era muyto cheo de branduras e prezava-se muito de sua gentileza; e vistia-se sempre de tabardos, e com martas ao pescoço forradas de cetim e guarnecidas d' ouro, cousa mais de molheres que de homens; (... e continua)
Ou seja, D. João II e próximos, achavam que o filho era fraco e efeminado, o que corrobora a opinião constante do Manuscrito do Rio de Janeiro. 

Por isso, por muito que o Príncipe Perfeito, que encomenda os Painéis, colocasse a rede na casa de Bragança, a sua "grande boca" teria levado a Princesa Perfeitíssima a considerar outro autor, solícito a promover como sucessor o seu bastardo, D. Jorge. E no meio dessa tão grande perfeição surgiu logo de seguida a "peçonha" que vitimaria D. João II.

6º) Os personagens
Os descendentes do judeu sapateiro Barbadão, os Duques de Bragança, reinavam em Portugal aquando da descoberta dos painéis... e não estariam propriamente interessados em recordar aquele episódio (ou até em ouvir a Barca do Inferno de Gil Vicente). Já tinham arrumado com o ducado de Aveiro/Coimbra no processo dos Távoras e não queriam mais tormentos da sua bastardia.

A classificação dos personagens é secundária, definidos os principais do 3º painel, onde só falta acrescentar D. Beatriz de Viseu, a mãe da rainha, mulher poderosa, que intermediou as contendas entre D. João II e a rainha Isabel, a Católica, de Castela, sua sobrinha.

Quanto aos restantes, deixo aqui o que me pareceu possível e consistente, remetendo uma explicação mais detalhada para os 3 textos anteriores. Identificar um a um é tarefa algo impensável para um amador, e pouco interessa ir a esse detalhe. 
Interessa apenas para exibir a consistência que encontrei.

Possível identificação dos principais personagens dos Painéis, conforme escrevi em 2013.

(a) Que o primeiro painel tenha os reis da Dinastia de Avis que antecederam D. João II, pois isso não é só uma tentativa de dar consistência aos painéis. Num quadro deste tipo não apareceriam frades ou bispos com posição de tanto destaque. Especialmente se já estivessem mortos, como parece indicar a regra das mãos juntas. Há ainda semelhanças de fisionomia que não descartei, é claro.

(b) O segundo painel tem os opositores a D. João II, pelo lado Bragança, começando com um provável D. Nuno Álvares Pereira, em posição de mendigo penitente. O seu aparecimento ao lado de D. João I parece indicar isso, e a fisionomia conhecida também. É sogro de Afonso de Bragança, e daí terão chegado ao genro os diversos condados com que foi granjeado. Há um espaço para o sucessor, aparecendo directamente Isabel de Barcelos, sua neta, como principal artífice da rede bragantina. Era mãe de D. Beatriz de Viseu, avó da Rainha Isabel de Castela, e há quatro razões para ali ser colocada... não as repito aqui. 

(c) O terceiro e principal painel tem a família real, conforme já indiquei. Na altura, assumi que seria o Infante D. Henrique, com as mãos juntas, e o chapéu borgonhês. Devo dizer agora que se fosse D. Fernando, marido de D. Beatriz, e pai de D. Leonor, era melhor para a consistência do painel, mas tudo isso é de facto irrelevante. Creio ser o Infante D. Henrique pela posição em que está D. Jorge... ou seja, D. Jorge seria também o sucessor da casa de Viseu no projecto das navegações. Mais acima optei por trazer dois Bragança para o painel principal, mas em lugar secundário... e remeto as explicações para os textos anteriores, notando apenas que a situação de Afonso de Bragança era semelhante à de D. Jorge, já que ambos eram bastardos reais.

(d) Qual dos santos seria o príncipe D. Afonso? Sendo apenas um deles, quem seria o outro?
Santa Joana Princesa, foi regente do reino, quando o pai (D. Afonso V) e o irmão (D. João II) partiram para a conquista de Arzila... numa aventura da realeza que poderia ter dado problemas de sucessão, tal como acontecera quando D. João I levou os filhos à conquista de Ceuta. Toda a gente parece esquecer isso, quando critica a aventura irresponsável de D. Sebastião.
Santa Joana estava num pedestal para D. João II, pela admiração que lhe tinha. Ora, ela morreu em 1490, pouco antes do sobrinho, e não seria de estranhar que D. João II achasse que lhe devia tanta ou maior homenagem, enquanto dono da obra.
Por isso, e pelas razões supra acerca do filho, coloquei o príncipe D. Afonso no 4º painel.
Ora, o 4º painel afigura-se o mais difícil para encontrar personagens, já que temos ali armaduras que não são simplesmente decorativas. Entendi isso como uma elevação dos principais do reino na navegação, o grande orgulho pátrio, e facilmente D. João II consideraria que aquela era a verdadeira nobreza nacional, pelos actos realizados. 
Aliás o 4º painel encontra-se quase em simetria perfeita na oposição dos elementos principais do 3º painel. 
Daí ter a dualidade entre D. Diogo (morto) e o irmão D. Manuel (futuro rei) na oposição a D. Jorge.
Depois há toda uma dialética de orientação dos personagens a Ocidente ou a Oriente, que remeteria para uma difícil escolha na navegação - rumar a Ocidente e à América, ou rumar a Oriente e à Ásia.
É isso que leva a escolher Paulo da Gama versus Diogo Cão.
Diogo Cão é conhecido pela descoberta do Congo, mas a revelação de Fernão de Magalhães - de que seguiria um mapa de Martin Behaim, faz suspeitar que o alemão acompanhou Diogo Cão a outras paragens... ao sul da América. Do outro lado, poderia colocar Bartolomeu Dias, mas interessava mais a D. João II a navegação pela América. Suspeito que os Gamas estivessem encarregues de explorar a passagem pelo norte do Canadá (devido aos nomes aí encontrados). Findo esse projecto pelo Tratado de Tordesilhas, consta que D. João II tinha planeado dar a Paulo da Gama a chefia da expedição à Índia, que depois foi concretizada pelo irmão - Vasco da Gama.
De qualquer forma, nesse painel, para além de D. Diogo que parece ali estar por razão de simetria, os outros 4 parecem-me ser apenas navegadores.
A escolha do rei, que estava voltado para o Ocidente, acabou por ser pelo Oriente, e a razão ali colocada parece ser a morte do filho - é ele que indica o escolhido - Paulo da Gama.

(e) O quinto painel começa com o Infante D. Pedro, e ali colocaria D. Pedro, D. Henrique, D. João e D. Fernando, os infantes da ínclita geração. Mas não me pareceu ser tão fácil, trocar o Infante D. Henrique com D. Fernando de Viseu, seu sucessor no ducado de Viseu. Primeiro, porque não vejo muito sentido na "teoria da conspiração" que alteraria o códice (neste caso seria D. Manuel a colocar o retrato do pai em vez do tio-avô). Segundo, porque D. Manuel teria que aparecer nos Painéis, não sendo misturável com o destino funesto do irmão D. Diogo - por muito que o rei o quisesse avisar. 

Haverá ainda a hipótese de D. Manuel estar no lugar que atribuí a Paulo da Gama, no sentido de oposição ao rei, sendo-lhe dada a sucessão de lei pelo Santo, o príncipe D. Afonso. Esta hipótese que faz bastante sentido, pelo menos parcialmente, não a considerei. Talvez porque estragasse um pouco a lógica do conjunto, não encontrando elemento lógico no personagem em oposição. 

Acresce que nem me interessa falar de outras coincidências:
- como o nome de Bartolomeu Dias dar Dia S. Bartolomeu (aliás o dia do funeral de Afonso), um dia importante, por outras razões que escrevi.
- ou como o nome de Diogo Cão aparece nas navegações exactamente no ano em que D. João II mata o primo e cunhado, D. Diogo.

Deixo as outras considerações, nomeadamente sobre o Infante D. Pedro para os textos anteriores. Insisto que entre as suas mãos poderia estar não uma espada, mas sim uma espiga... tra la man et la spica, ou relembrando Camões 7§77:

(77)...
De um velho branco, aspecto venerando
Cujo nome não pode ser defunto
Enquanto houver no mundo trato humano:
No trajo a Grega usança está perfeita,
Um ramo por insígnia na direita.


(78)
Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego!
Eu, que cometo insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário,
Que, se não me ajudais, hei grande medo
Que o meu fraco batel se alague cedo.


(f) Finalmente, o sexto painel, tornou natural a escolha de Mestre Rodrigo de Lucena, e Mestre José Vizinho, pela proximidade ao rei. Já o velho poderia ser simplesmente o pescador que encontrou o corpo. 
O médico exibirá a relíquia do santo, neste caso o príncipe defunto, ou como escrevi ainda em 2009: A relíquia, o osso craniano, pode ser uma alusão ao defunto Afonso, indicando a fractura da futura cabeça do reino.

Este era no fundo todo o problema dos Painéis. Definir quem seria a cabeça sucessória no reino.

O rei claramente favorecia D. Jorge, a rainha favorecia D. Manuel, que foi o legítimo herdeiro. 
Esta seria uma obra encomendada pelo rei, talvez para dar à rainha, que terá sobrevivido enquanto homenagem única ao príncipe falecido, mas que depois teria os seus dias contados... Ao tempo do manuscrito do Rio pareciam restar apenas dois painéis (os centrais), até a obra ser reencontrada por olhos de ver, no fim do Séc. XIX.

Conforme disse, o resto pode ser encontrado nos links que deixei inicialmente.

Que eu saiba esta tese foi apenas comentada em 2011 por Luís Duarte no seu blog - "A rês pública".
Não acho isso minimamente anormal. 
Apenas reflecte o conceito de normalidade vigente, isto é, não vi gente!

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Observações (21.08.2018):
(*) - Num comentário incluso, Clemente Baeta fez notar que os painéis devem também ser considerados numa referência de Fernando Pestana Pereira de 1531 (ver "Painéis de S. Vicente de Fora. Novos Documentos. Novas Revelações" , pág. 139) , entre outras, quando pede a D. João III que no dia de S. Vicente vá à Sé ver os "famosos reis", "armados tão formosos" e "gentis-homens", que "estariam no Paraíso", sugerindo estar mais que dois painéis à vista. Aliás, a observação de que estariam "famosos reis", no plural, concorda com colocar nos painéis os diversos reis da Dinastia de Avis... 

(**) - Um pequeno detalhe - mudei a referência "infante D. Afonso" por "príncipe D. Afonso", já que o infante mais velho, ou o herdeiro da coroa, passou a ter o título de príncipe, o que foi primeiro usado com D. Afonso V. 

(***)  - Um maior detalhe é que Clemente Baeta apontou uma imagem mais nítida dos painéis em:
que é significativamente melhor que a que está na Wikipedia. Em particular, a imagem da Wikipedia omite partes do quadro, e tem as cores bastante mais escurecidas (pode interessar saber o que pode ou não surgir de restauro). 
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Aditamento (22.08.2018):
Acerca do restauro podemos torcer o nariz, se repararmos na face da imagem da rainha conforme retirei do livro "Iconografia e Simbólica dos Painéis de S. Vicente", na página 343:


17 comentários:

  1. Caro Alvor Silves
    I - Na minha perspectiva o chamado “manuscrito do Rio de Janeiro”(2º-b), não poderá ser evocado para validar a identificação do infante D. Afonso na figura do(s) santo(s). Esse texto integra o documento intitulado “Retratos de Reis que estão em Lisboa” e, como o nome indica, dá-nos a localização de retratos da familia real espalhados por Lisboa (in Artur da Motta Alves – Os Painéis de S. Vicente num Códice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - 1936, p. 6-8):
    1) Altar-mor da igreja de St. António: D. João I e D. Filipa de Lencastre e os filhos os infantes D. Duarte e D. Fernando
    2) Sacristia da igreja (ou convento?) de S. Domingos: o rei D. Duarte
    3) Na entrada do mosteiro de Odivelas: o infante D. Pedro (irmão do rei D.Duarte)
    4) No retábulo do altar-mor do mosteiro de Odivelas: o rei D. Dinis
    5) À ilharga do retábulo da capela-mor da Sé: D. Afonso IV
    6) No retábulo do altar-mor do convento do Carmo: D. Afonso V
    7) No altar de Jesus da igreja (ou convento?) de S. Domingos; do lado do Evangelho: D. João II e do lado da Epístola: Rainha D. Leonor, executados pelo pintor Mota.
    8) Em baixo e em dois painéis, junto ao altar de S. Vicente, na capela-mor da Sé: o infante D. Afonso, filho de D. João II, assumindo a dupla figura de S. Vicente que se encontra virada uma para a outra, pintados pelo Mota. Acrescenta que este infante também estava retratado em S. Bento na figura de S. Sebastião.
    9) Em diversos localizações (não identificadas): os reis D. Manuel e D. João III.
    10) O autor anónimo desconhece onde se encontravam os retratos da casa de Borgonha enviados pela infanta D. Isabel (filha de D. João I e duquesa de Borgonha).
    No entanto e estranhamente o relator não identifica, nos painéis referidos em 8) outras figuras da família real, em especial aquelas duas que propôs: D. João II e rainha D. Leonor. Repare-se que o narrador conhecia os retratos deste casal, que estão identificados em 7), cujo pintor foi o mesmo das figuras presentes em 8): o Mota, de onde se infere que as propostas que o meu caro defende (6º) levantarão muitas reservas ou não poderão ser aceites…
    CONTINUA

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  2. CONTINUAÇÃO

    II - Outra falta de consistência que encontrei nesta sua síntese, é recusar que estejam presentes no “painel do Infante” a familia real D. Afonso V, D. Isabel e o principe D. João (2º-b), porque a rainha morreu no ano em que o futuro D. João nasceu, o impede este de estar, com cerca de 12 anos, representado ao lado da sua mãe. No entanto admite que algumas figuras já tinham falecido, por terem as mãos postas, estando por isso ao lado dos vivos(4º). Igualmente não se entende a razão do principe D. Afonso não estar representado no mesmo painel onde se encontram os seus pais, quando defende que os Painéis foram feitos precisamente para evocar o seu desaparecimento…Já Santa Joana Princesa, que faleceu com 38 anos, ainda antes da morte do principe, aparece com a mesma idade do príncipe…
    III – Não se percebe que D. João II, como dono da obra, tenha mandado colocar o infante D. Pedro – o seu avô - num lugar marginal (6º painel) e, não o tenha incluído no painel da família real (5º painel), dando preferência aos Braganças, os inimigos viscerais de ambos…
    IV – Se reparar bem, os sapatos pontiagudos estão visíveis nas duas figuras do primeiro plano do “painel do arcebispo”, o que permite defender, recorrendo à sua observação (2º-c), que a obra poderia ter sido executada nos anos 60 do século XV… A propósito, penso que a resolução da imagem dos Painéis patente no seguinte link é bastante superior àquela que refere da Wikipedia:
    https://www.europeana.eu/portal/pt/record/2063606/POR_280_002.html#&gid=1&pid=1
    V - Escreve (2º-b) que a única fonte antiga que refere os Painéis é o vulgarmente chamado “Documento do Rio”. Contudo, o Códice onde se encontra este testemunho inclui um outro (c. 1532) que lhe faz referência e nos dá conta da presença dos dois Painéis centrais junto do altar de S. Vicente. Para além disso, e na minha leitura, está a revelar a época em que estes painéis entraram neste local. O documento semelhante a este, que revelei no meu 2º estudo “Novos Documentos, Novas Revelações”, vai mais além e permite identificar também identificar, no mesmo local, os painéis dos Frades e dos Cavaleiros. Ver o capitulo 16 “Os Pareceres de Francisco Pereira Pestana” deste estudo disponível em:
    https://saovicentepaineis.blogspot.com
    VI – Caro Alvor Silves, não pretendi aqui pôr em causa a perspectiva que tem sobre esta pintura. Apenas lhe chamei a atenção para pequenas contradições que encontrei nesta síntese. Se o fizesse seria pela confrontação da sua leitura versus a minha interpretação, o que creio não levaria a nada. Nesta “questão dos Painéis” todos acham que as suas teorias é que são as correctas mas, no fim, quem sai sempre vencedora é a chamada “tese oficial”!!!

    FIM

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    1. Caro Clemente Baeta,
      muito obrigado pela recensão crítica.
      É a primeira vez que decide criticar o que escrevi, e no sentido de apurar melhor opinião, sou o primeiro a agradecer que o faça.

      I - Usei a citação do Manuscrito do Rio que está em paineis.org, mas não tenho o manuscrito, para entender melhor o contexto.

      Creio que a sua crítica é no sentido de dizer que o manuscrito tratava apenas de retratos de reis e portanto deveria identificar os reis nesses dois painéis?
      Mas nesse caso, só fala do príncipe Afonso, que não foi rei, e não haveria ali nenhuns reis... é isso?
      Se é isso, é algo que não vi nenhuma tese defender, nem a sua.
      Creio ser óbvio que, se se tratava do príncipe Afonso, os reis ali constantes só poderiam ser os seus pais, o manuscrito nem o precisaria de explicitar para se concluir isso. É claro, daria muito jeito ter o retrato (7), que imagino ter desaparecido.

      A outra hipótese - que seria haver um outro quadro em dois painéis, no altar de S. Vicente, que tivesse apenas dois santos - um em face do outro, ambos representanto o príncipe D. Afonso, pois isso seria já forçar coincidências a níveis que não considerei.

      II - O ponto crucial parece ser este, e teria razão na crítica, mas pergunto-lhe se conhece algum outro exemplo da época, em que se misturem personagens vivos e mortos?
      Parece-me que seria sacrilégio colocar o príncipe D. João II em presença de sua mãe, quando nunca pôde estar com ela.
      Além disso, toda a gente se parece esquecer convenientemente de Santa Joana Princesa, que seria igualmente filha de D. Afonso V e D. Isabel.
      Porque razão seria a princesa excluida da representação real?
      Porque razão apareceria apenas o irmão, e porque razão estariam os dois irmãos longe da mãe? Não é por falta de espaço no quadro... não, o príncipe foi colocado acima do pai, porque era o único que via D. Jorge como príncipe e não como bastardo.

      Creio que todas as teorias foram buscar vivos e mortos, e nunca vi darem nenhum critério para que se pudessem distinguir uns e outros.
      Talvez nunca tivesse escrito nada, se não tivesse resolvido essa questão de forma minimamente aceitável, como foi usar o critério das mãos unidas.

      Sim, teria sido mais simples deixar a duplicidade do príncipe D. Afonso, mas aí, tal como todos os outros, estaria a esquecer Santa Joana Princesa. Não creio que o promotor da obra, D. João II, se esquecesse de a colocar.

      III - Creio que leu mal, o Infante D. Pedro é o primeiro do 5º painel.

      IV - Engraçado! Na cópia que está na Wikipedia, ambos os sapatos foram cortados nessas pontas. Nem reparei nisso quando fui ao Museu de Arte Antiga.
      Sim, aqui fico surpreendido, mas não creio que ter dois navegadores "fora de moda" seja crucial. Ou seja, não é por isso que o rei não está "na moda".

      V - Bom, de facto deveria ter visto com mais atenção o novo material que disponibilizou, e obrigado por fazê-lo notar. Vou fazer uma pequena alteração no texto, para estar de acordo com esse detalhe.

      VI - Meu caro, eu é que lhe agradeço o tempo que dispendeu a escrever o comentário.

      É certo que as recensões críticas normalmente não chegam para mudar opiniões, mas pelo menos servem para apurá-las.

      Finalmente, não me preocupa a diferença de idade entre Santa Joana Princesa (38 anos) e D. Afonso (17 anos), porque o retrato que temos dela é bastante elucidativo das suas feições.
      Já acharia uma falta irremediável se não aparecesse no retrato de 1450-60, sendo claro que a estima do pai Afonso V, a ponto de ter sido deixada como regente do reino.

      Abraço,
      da Maia

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    2. Caro da Maia
      Na sua resposta colocou-me algumas questões que vou tentar responder
      I – Apesar do documento ter como título “Retratos de Reis que estão em Lisboa” inclui também, a localização e breve descrição (quando aplicável) de retratos de infantes/principes. Nos itens 1) a 7), que citei brevemente, percebe-se que os retratos se resumem aos respectivos rostos ou corpos inteiros. A excepção encontra-se no item 7) onde D. João II e D. Leonor se encontram acompanhados dos respectivos santos de devoção: S. Jorge e S. Domingos.
      Já no item 8), os nossos Painéis, o narrador limita-se, entre tantas figuras, a salientar o principe D. Afonso porque obviamente não conseguia identificar as restantes figuras. Mas, se entre estas estivissem, como defende, D. João II e D. Leonor, porque é que não as identificou como no item 7), cujos retratos foram executados pelo mesmo pintor Mota.
      O anónimo relator acrescenta que o principe estava acompanhado de “outras muitas figuras de homens que nos ditos painéis estavam, que eram Senhores e fidalgos daquele tempo que se mandaram retratar com o príncipe D. Afonso…”
      Creio que, quando estes dois painéis entraram na Sé e foram colocados junto ao altar de S. Vicente (c. 1532), a maioria do povo desconhecia o que representavam e o que significavam. Pouco e pouco começaram a aceitar (c. 1580-1600) que o santo também poderia ser S. Vicente, dado se encontrarem junto ao Retábulo de S. Vicente, constituído por 14 painéis com imagens da vida e milagres deste santo. Igualmente se começou a admitir que estes Painéis seriam do tempo de D. João II e que o duplo santo seria o filho deste, o infortunado príncipe D. Afonso, dado o ar efeminado que apresenta e relatado na Crónica de D. João II de Garcia de Resende. (N.B.: O texto deste parágrafo, salvo o último período, já consta do actual estudo (o 5º) que ando a escrever. O pormenor do “ar efeminado” devo-o ao destaque que deu nesta sua publicação e que será devidamente assinalado aquando da edição)
      II – Se ler o capítulo 1. “Os Vivos e os Mortos” do meu 3º trabalho “As Envolvências..” apresento duas pinturas da época dos Painéis, onde comprovadamente os vivos se retratam com familiares mortos. No cap. 14. “A datação da pintura” do 1º estudo também dou importância às mãos postas, destacando também valor às cores dos trajes que as figuras envergam.
      III – O texto que publiquei tem um lapso: errei na atribuição da ordem dos painéis. O que pretendi escrever foi:
      “Não se percebe que D. João II, como dono da obra, tenha mandado colocar o infante D. Pedro – o seu avô - num lugar marginal (5º painel) e, não o tenha incluído no painel da família real (3º painel), dando preferência aos Braganças, os inimigos viscerais de ambos…”
      Agora sim, poderá comentar…

      Abraço
      Clemente
      P.S. Cumprimento extensivo também ao João Ribeiro

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    3. Caro Clemente, obrigado de novo pela resposta.

      I - Aqui creio que vergámos ambos a palavra "óbvio" à nossa conveniência.
      Percebo que ele não estivesse seguro de quem estava representado, mas parecia estar bastante convencido ser o Príncipe D. Afonso. Assumindo que sabia que estavam ali rei e rainha, creio que seria óbvio quem eram, ou seja, dito de outra forma, não fazia sentido nenhum que fosse D. Afonso V e D. Isabel. A ideia que se formou uma ideia popular falsa é equivalente a negar a validade da fonte (o que tem sido o procedimento standard), e não me parece haver razões suficientes para isso.
      Ainda assim, é bom reconhecer que foi essa a interpretação, porque isso significa que cheguei (independentemente) à opinião de pessoas informadas no Séc. XVI, talvez pessoas como Camões, por exemplo.
      Devo dizer que também me parece estranho ele dizer que estavam ali "fidalgos que se mandaram retratar"... mas então quem era o dono da obra? Já havia subscrição pública?

      II - Como é óbvio, também admiti que o pintor tinha aberto o caixão (6º painel) e deixado a tampa de fora (1º painel), permitindo a figuração de mortos com vivos, mas apontei a regra das mãos.
      Só precisava disso a propósito do Infante D. Henrique, mas como essa figura é questionável, nesse âmbito do "vale tudo" nem disso precisaria.

      Quero com isto enfatizar que a figuração de mortos com vivos é totalmente marginal no exemplo da família Moreel, e é especulativa/ interpretativa no caso do quadro de Boticelli - pois quem figurava ali eram os reis magos.
      Nada tem a ver com colocar em presença central, e pior afastada, uma mãe que o filho (D. João II) nunca conheceu.
      Pior, insisto, não explica o total afastamento da filha (Santa Joana).

      Aprecio que tenha abordado o problema morto/vivo, porque isso significa que reconheceu o problema, e não o ignorou, como a maioria tende a fazer.

      III - Creio que tinha explicado isso extensivamente da outra vez. Na minha opinião o quadro é de D. João II oferecido à rainha. Afonso de Bragança é avô de Beatriz, bisavô da rainha.
      Só a linha Coimbra nada tem a ver com os Bragança.
      Se o rei coloca o bisavô, o avô e o pai no 1º painel, não vejo problema em colocar o outro avô no 5º painel, num destaque similar ao de D. João I.
      Na minha opinião faz sentido ali o bastardo Afonso de Bragança, bisavô da rainha, quando o objectivo de D. João II era promover o seu bastardo D. Jorge.
      Se Afonso de Bragança tinha reclamado o trono ao pai D. João I, contra os meio-irmãos mais novos, faria ainda mais sentido D. Jorge, quando nem meio-irmão havia.
      Era uma mera estratégia de promover o seu descendente directo.

      Muito obrigado,
      da Maia

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    4. Caro Clemente Baeta,
      acabei de abrir o email, e vejo que me enviou o artigo de Artur Motta Alves sobre o Manuscrito do Rio de Janeiro.

      Poderia agradecer-lhe por email, mas estou tão pouco habituado a uma partilha sincera e desinteressada, que acho que lhe devo um agradecimento público.

      Faço isso com a esperança de que seja exemplo de como pessoas com opiniões divergentes podem ser cooperantes e colaborativas.
      Não deveria ser preciso dizer, deveria ser prática instituída, e deveríamos ter acesso a esses documentos antigos facilmente, mas como sabemos não é assim!

      De novo, muito obrigado,
      da Maia

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    5. Caro da Maia

      Fico grato pelo agradecimento público que me fez, o que não é nada quando comparado com as divulgações públicas que aqui tem feito, ao longo dos anos, nos mais diversos formatos.

      Muito obrigado.
      Clemente

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  3. Olá a ambos.

    Aí vai um tiro no escuro...
    Não sei quem é quem mas para mim esses painéis de alturas de um Portugal orgulhoso e em franca expansão marítima não são mais que um simples resumo das personagens maiores na história do país. Englobam desde Viriato, por ventura um dos fulanos de cabelo comprido, a D. Afonso Henriques, o outro, aos dois papas portugueses, passando pelos nossos santos, mártires, guerreiros e navegadores. Todos aqueles que na altura eram vistos como cruciais para a formação e engrandecimento de Portugal.

    Cumpts,

    JR

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    1. Essa tese ainda não tinha ouvido.

      Quando estava à procura no Google encontrei isto:

      Escola de Cacilhas dá nova vida aos Painéis de São Vicente de Fora

      Aproveitando o concurso “A minha escola adota um museu, um palácio, um monumento…”, promovido anualmente pela Direção-Geral da Educação e pela Direção-Geral do Património Cultural, a professora decidiu desafiar os alunos de Designer Gráfico a recriarem os famosos Painéis de São Vicente de Fora, que se encontram no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Para além de interessante, Paula achou que seria uma boa desculpa para trabalharem com uma obra portuguesa, o que geralmente não acontece.

      O resultado foi este (aviso - o horror estético do conjunto pode ser agonia):

      http://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2016/06/09171007/paineish-semcenasr.jpg

      A foto não diz nada sobre os painéis, mas diz alguma coisa sobre quem assim quis fazer ou aparecer.


      Pois bem, na minha opinião, qual será a tese "perfeita"?
      Será aquela em que o autor é totalmente dispensado e aliviado da autoria.
      Quem a profere tem influência zero na conclusão a que se chega.
      Qualquer pessoa inteligente, com a mesma informação, com as diversas hipóteses, e sem condicionantes próprias ou externas, chegaria claramente à mesma conclusão.

      As teses proferidas estão longe de ser "perfeitas", porque geram conclusões diferentes em pessoas claramente inteligentes. Como a discussão aberta sobre o assunto tem sido praticamente nula, cada um fica na sua.

      Eu estou em clara desvantagem face ao Clemente Baeta, porque não gastei mais do que algumas noites de volta do assunto. Ou seja, o Clemente Baeta é uma das pessoas que mais informação foi reunindo acerca dos painéis. Seguiria a tese dele, se não achasse que há demasiadas pistas no outro sentido, que são descartadas, e demasiadas falhas no sentido que ele escolheu, que já tive oportunidade de comentar. Só isso.

      Como até aqui tinha misturado o assunto dos painéis com as outras teorias acerca dos descobrimentos, achei por bem que uma coisa não condicionasse a outra.
      Nesse sentido, aquilo que resumi aqui está mais limpo da minha opinião sobre os encobrimentos que taparam os descobrimentos, e mesmo assim, não deixei de colocar a minha opinião sobre Diogo Cão (que para muitos é dado como morto em 1486).
      Ou seja, ainda não libertei esse detalhe insignificante, por opção pessoal.

      Isto para dizer que esse "tiro no escuro" está ligado à sua visão pessoal.
      Mesmo que me diga quais, não consigo ver ali nenhum Afonso Henriques, e muito menos Viriato. Mas se Camões foi buscar o Viriato ao escrever os Lusíadas, também o pintor
      Mota, ou Nuno Gonçalves, o poderiam ter sonhado, quem sabe?

      Abç

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  4. Bom dia,

    Não seria necessário "sonhar" Viriato pois ele é mencionado nas crónicas antigas e que seriam do conhecimento da elite mais culta. Sim para quem sempre tratou os painéis num sentido, ver uma opinião noutro é quase infame o que não me tira o sono pois como bem diz as teses expostas são infinitamente melhor fundadas que o meu tiro no escuro. O arco da Rua Augusta com vários elementos heróis nacionais (incluindo Viriato) é um exemplo daquilo a que em parte os painéis me parecem ser. Um cerimonial de algum tipo com os vários heróis à época,falecidos e não falecidos. Uma espécie de entronização de Portugal onde figuram os seus maiores desde sempre. O caminho épico que Portugal teve de trilhar até chegar aquele momento chave de domínio sobre os mares. Está miscelânea de personagens de épocas diferentes mas retratadas com a visão do séc XV explicaria em parte alguma falta de nexo e desorganização na obra.

    Um abraço ao sr Baeta e os cumprimentos habituais ao caro da Maia.

    JR

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    1. Caro João,
      disse sonhado, porque não vejo como se possam descobrir pistas para concluir que estão ali desenhados.
      No quadro de Rafael, Escola de Atenas estão representados os diversos sábios da Antiguidade, que nunca estiveram juntos em simultâneo, nem seriam contemporâneos.
      No entanto, todo o enquadramento, arquitectura ou vestes, levam a esse ambiente de Antiguidade.
      Não é o caso, e é nesse sentido que digo que desenhado não está, mas isso não impede que não possa ter sido sonhado ou pensado... e nesse sentido, como em todos os quadros, abertos a interpretação, está o que o observador quiser que esteja.
      É uma questão de fé... cada um tem a que quer, e por isso não há discussão, nem possível entendimento.
      Só isso.

      Abç

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  5. Bom dia, claro que não precisa de levar a minha teoria a sério eu próprio levo muitos aspectos aqui expostos com a devida ligeireza. Tenho muitas "teorias" bem mais simples e sem toda a novela que atribuí sobre muitas das personagens da pintura mas não vou estar a maça-lo nem aos seus leitores. Aliás contive me sempre de me pronunciar nos outros posts sobre o assunto. Fora todas estas interpretações pessoais tenho quase a certeza de ter lido em algum livro uma referência aos painéis mas não me lembro de qual. Sexta feira irei a casa e se realmente achar o que penso ser a referência aos painéis, reportarei.

    Cumpts

    JR

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  6. Ufa!!
    Finalmente achei mas apesar de não me ter enganado, não é algo que seja digno de registo.

    No livro, "Este é o reino de Portugal" de José Brandão, na Introdução sobre as Cartas do Conde José Pecchio escrita pela Manuela Lobo da Costa Simões, esta menciona que "os olhos deste milanês viram a riqueza fisionómica do povo português (parece estar a descrever o Painel de São Vicente")" pág 316. Foi só esta a alusão aos painéis. Li o livro há muitos anos e realmente existe a menção mas com zero interesse. Eu li as tais cartas de Pecchio e não me remeteu especialmente para os painéis nas suas descrições fisionómicas dos Portugueses mas isso é só a minha opinião e pelos vistos diferente da autora da nota introdutória.

    Caro Da Maia,

    A sua teoria não faria um pouco mais de sentido se o quadro ao invés de ter sido encomendado pelo D. João II, ter sido encomendado pelos Bragança e oferecido ao D. João II? De um modo Deste modo tem lógica aparecerem representados no quadro quando eram "opositores" à casa real. O pormenor da corda remeteu-me imediatamente, por uma lado para a temática da arte Manuelina do cordame usado nas velas das embarcações e por outro pela máxima dos Bragança:

    "“DEPOIS DE VÓS, NÓS” Esta máxima está presente no Castelo de Evoramonte e faz referência à história de D. Jaime, Duque de Bragança, nomeado herdeiro da Coroa em virtude de D. Manuel I não ter descendência. Tal não veio acontecer com o nascimento do futuro D. João III."

    http://www.amigosdoscastelos.org.pt/tabid/72/ctl/Details/mid/473/monumentID/62/Default.aspx

    Este "NÓS" é representado por um nó numa corda, conforme se pode ver nas cantarias do Castelo de Evoramonte.

    Cumpts,

    JR

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    1. Caro João,
      com a sucessão de D. Manuel, pela primeira vez, o rei era descendente da casa Bragança, porque ele era bisneto de Afonso de Bragança, pelo lado materno.
      Não havia qualquer interesse de promoverem D. Jorge, que só iria prosseguir as orientações do pai.
      Ao contrário, havia um interesse de D. João II contrariar a oposição bragantina, mostrando que D. Jorge era um bastardo sem irmãos, ao passo que o bisavô Bragança tinha sido declarado bastardo, mas tinha irmãos. Só que os Bragança achavam mesmo que D. João I tinha anulado/negado o casamento com Inês Pires, mas que o filho era legal, e assim D. Afonso de Bragança é que deveria ter herdado o trono, por ser primogénito, e não D. Duarte (que era primogénito apenas do casamento com D. Filipa de Lencastre).

      D. Leonor foi herdeira natural enquanto D. Manuel não teve filhos.
      Esse episódio das cortes terem eleito D. Jaime, aquando de uma viagem de D. Manuel a Castela, em 1498, reflecte bem como a nobreza estava controlada pelos Bragança, ao ponto de subverterem a herança natural.

      Provavelmente, sabendo disso, D. João II nem se deu ao trabalho de reunir cortes para promover D. Jorge, sem ter o apoio de D. Leonor.
      Se o tivesse feito, arriscaria ter uma guerra civil interna.

      Aliás, assim que D. João II morre, o ducado de Coimbra é de novo extinto, e D. Jorge passa a ser Duque de Aveiro, por pressões bragantinas que não queriam ter recordação da casa de Coimbra, nem do Infante D. Pedro.

      Quanto aos nós no quadro.
      Sim, uma possibilidade clara é a relação com as navegações.

      No entanto, convém não esquecer que só implicitamente o santo seria o príncipe, era natural que fosse entendido religiosamente como S. Vicente, e daí o nome "S. Vicente de Fora" fazer sentido adicional, conforme escrevi em 2013.

      Digo isto, porque há outras representações de S. Vicente:
      - Tomás Giner (1462-66)
      - F. Ribalta (séc. XVII)

      ... onde é representado com uma corda ao pescoço, atada a uma pedra.

      Nos painéis a corda está enrolada e fechada em circuito (que cheguei a entender como uma possível alusão a uma circumnavegação do globo feita por Diogo Cão).
      É nesse sentido que me parece ser mais uma referência às navegações, que acresce depois nas representações manuelinas.

      No entanto, é importante essa observação que faz acerca da máxima bragantina... até porque foi mesmo assim. Fizeram voz, e deram nós, para serem eles.
      A seguir à casa de Viseu, foi herdeira a casa de Bragança.

      Abç

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  7. Caro Alvor Silves

    Acabo de lhe remeter , via email e em pdf, o meu último estudo relativo ao Painéis.

    Basicamente prova recorendo a um conjunto de Documentos ( muitos utilizados pela "teoria oficial") que os Painéis não podem ser confundidos com o Retábulo de S. Vicente

    Abraço

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    1. Caro Clemente,
      grato pela atenção e envio do manuscrito.
      Cumprimentos,
      da Maia

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  8. Blog relativo aos painéis:
    https://carasdospaineis.blogs.sapo.pt

    de Gonçalo Morais Ribeiro.

    No que diz respeito a algumas identificações estamos de acordo, noutras nem tanto...

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